A COISA JULGADA E O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL BRASILEIRO
Gisele Leite
Denise Heuseler
A coisa julgada é prevista no texto constitucional em vigor em seu art. 5º, XXXVI onde explicitamente informa que a lei não prejudicará o ato jurídico, o direito adquirido e a coisa julgada… Considerados como os três pilares da segurança jurídica. E, está diretamente relacionada com a ideia de previsibilidade dos atos estatais.
Há ainda de se ressaltar que ainda no preâmbulo da Constituição Brasileira vigente, há explícita indicação à segurança e com o advento do constitucionalismo só veio enfatizar a Constituição como sol e a baliza central de todo ordenamento jurídico.
O direito positivo brasileiro tentou conceituar a coisa julgada em duas oportunidades, isso sem contar a vez no novo CPC, in litteris:
Art. 502. Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso.
Verificamos no art. 6º, terceiro parágrafo da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro há o enunciado: “Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba mais recurso. A origem do termo “caso julgado” é do mencionado direito português (art.677).
Doutrinariamente esclarece Barbosa Moreira que a imutabilidade não se refere aos efeitos da sentença, e sim, ao próprio conteúdo da sentença, posto que seus efeitos possam ser modificados.
Desta forma, conclui-se que a coisa julgada não é efeito da sentença e nem qualidade dos efeitos da sentença é, em verdade, uma situação jurídica que se forma no momento em que a sentença se transforma de instável para estável.
Evidentemente o processo segue adiante em direção ao ato processual magno representado pela sentença que poderá decidir ou não o mérito da causa.
Assim, a impossibilidade de recorrer acontece em virtude de não haver mais recursos cabíveis para impugnar a decisão, ou tendo esgotados todos os recursos previstos em lei, o réu perdeu o prazo para a devida interposição recursal, ou ainda, porque não se enquadra a decisão nas hipóteses que se submetem ao reexame necessário.
A importância do trânsito em julgado da decisão jurisdicional é peculiar no Estado Democrático de Direito e pode não se prender com a preclusão e com o exaurimento de poderes, faculdades e deveres das partes. De sorte que é preciso superar esse conceito para se entender adequadamente a expressão “trânsito em julgado [1]”.
O conceito de trânsito em julgado é de viés processual-dogmático, de maneira que a formação da decisão judicial não é resultado isola e nem de ação autoritária do juiz.
Afinal, no trânsito em julgado reside a legitimidade na base produtiva e fiscalizadora do processo. E para tanto recorremos à teoria discursiva do direito desenvolvida por Habermas [2].
Como é sabido há inúmeras definições a respeito da coisa julgada e pode se afirmar que o juiz, ao decidir cada uma das questões do processo, seja sobre os pressupostos processuais, condições da ação e mérito, e, quando chega a uma conclusão é denominada de declaração. Certo é que a declaração principal do julgador é àquela que acolhe ou rejeita o pedido do autor, ou seja, a que finalmente julga o mérito.
Mas esse elemento declaratório não pode ser confundido com o efeito declaratório da sentença. E, é através do trânsito em julgada que se verifica a indiscutibilidade e a imutabilidade do elemento declaratório da sentença.
O momento em que se dá a impossibilidade de modificação da sentença ocorre é o chamado “trânsito em julgado“. Tornando a decisão judicial imutável e indiscutível. Quando afinal, a decisão deixa de ser instável e passa a ser estável, dá-se o nome de coisa julgada. Refere-se, portanto a uma nova situação jurídica caracterizada por ser imutável e indiscutível.
Comporta, por sua vez, dois aspectos distintos, a saber: a coisa julgada formal (que se refere à imutabilidade e indiscutibilidade da sentença dentro do processo e entre as partes mediante os quais fora exarada). Qualquer que seja a natureza da sentença e o seu conteúdo, em determinado momento deste, esta já não mais poderá ser alterada. E recebe o nome da doutrina de coisa julgada formal ou de preclusão máxima.
Na clássica definição chiovendiana de preclusão corresponde à perda, extinção ou consumação de uma faculdade processual [3]. Por outro lado, a coisa julgada material ocorre nos casos da sentença de mérito, onde a relação jurídica material é decidida pelo juiz, implicando na produção de efeitos externos ao processo (quando a decisão produzirá os efeitos declaratórios, constitutivos até mandamentais e executivos lato sensu).
A coisa julgada formal incide ortodoxamente em todos os processos. Se a sentença é terminativa, ou seja, esta extingue o processo sem resolução do mérito, então não produzirá qualquer efeito externo ao processo. Posto que não haverá a coisa julgada material.
Os efeitos não se externalizaram porque o juiz não examinou a relação jurídica de direito material, significando que a sentença terminativa apesar de transitar em julgado. Portanto, se houver nova propositura da demanda, só será acolhível e possível, caso corrija o vício ou eventual falha que ensejou a extinção do processo sem resolução do mérito. É inclusive assim posicionado o novo CPC.
Enquanto que a coisa julgada formal é normalmente chamada de preclusão [4] endoprocessual e que gera apenas efeitos intestinos. Por sua vez, somente as sentenças que conseguem julgar a relação jurídica de direito material que fora levada à apreciação do juiz, ou seja, as que julgam o mérito da causa e podem produzir diferentes efeitos, inclusive os externos.
Ao estudar a coisa julgada, esse misterioso instituto conforme chamou Liebman que afirmou que é a imutabilidade e a indiscutibilidade do comando emergente da sentença que seriam os efeitos materiais produzidos para fora do processo.
É importante sublinha que a coisa julgada é pressuposto para a coisa julgada material, vez que esta somente poderá existir depois daquela.
Também diversas teorias literalmente se digladiam para apontar a natureza jurídica da coisa julgada. E a corrente majoritária foi tese defendida por Liebman e aponta a coisa julgada como uma qualidade que incide sobre a sentença e sobre os efeitos por esta produzidos. Tais efeitos poderão ser condenatórios, constitutivos ou declaratório e se espalham por todo o tecido social, não incluindo dentro destes a coisa julgada.
Situa o ilustre doutrinador, a coisa julgada fora da sentença, não sendo, portanto, um efeito da sentença. Mas, incide sobre esses efeitos materiais da sentença. A autoridade da coisa julgada se refere à coisa julgada material.
Outra corrente defendida por Barbosa Moreira, Alexandre F. Câmara se encara a coisa julgada como uma situação jurídica nova que se caracteriza pela imutabilidade [5] e a indiscutibilidade da sentença e de seu conteúdo.
Afinal resta imutável a aplicação da lei ao caso concreto (conteúdo da sentença) embora os efeitos daí oriundos possam não se produzir, caso esta seja a vontade da parte vencedora.
Ao proferir a decisão judicial sobre a relação jurídica de direito material, o Estado torna pública a aplicação da lei ao caso concreto julgado, o que acaba por impedir que esta mesma relação seja novamente submetida à apreciação jurisdicional.
Conclui-se que o Estado-Juiz decide e examina apenas uma única vez a relação jurídica de direito material. Com confere maior apoio filosófico ao incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) já previsto pelo NCPC no afã de se obter maior celeridade processual.
Enxerga-se a coisa julgada material como pressuposto processual negativo e só ocorre diante apenas da sentença de mérito que produza os efeitos externos ao processo [6]. E, pode ser usada para extinguir outro processo, porém, sem resolução do mérito.
Portanto, a coisa material é, em verdade, impedimento processual também chamado de pressuposto processual negativo ou pressuposto processual extrínseco (fora do processo).
A melhor forma de definir a coisa julgada seria qualificá-la como uma qualidade que adere ao efeito declaratório da sentença, tornando-o imutável. Por outro lado, a doutrina vem dedicando especial atenção ao estudo de sobre qual parte, especificamente falando, da sentença incide a imutabilidade da coisa julgada.
A sentença é um ato jurídico complexo, envolvendo motivação, fundamentos de fato e de direito e, muitas vezes, conhecimento de relações jurídicas conexas, prejudiciais ou não. Portanto, importante se mostra analisar a real extensão da norma jurídica declarada pela sentença, com o escopo de estabelecer a real dimensão da lide discutida em juízo. Tal exame refere-se aos limites objetivos da coisa julgada.
Caso o pedido e a causa de pedir sejam diferentes, porém a relação jurídica de direito material for a mesma pela teoria da identidade da relação jurídica, se consubstancia a coisa julgada.
Assim, a coisa julgada material é uma preclusão panprocssual ao passo que a coisa julgada formal é a preclusão endoprocessual. Questiona-se como identificar a coisa julgada. Pela tríplice identidade que aliás, não é a única a ser observada. Positivamente configura-se a coisa julgada diante da demanda que tem igual partes, igual pedido e igual causa de pedir.
Haverá configurada a coisa julgada, pois o juiz não poderá decidir o segundo processo sem antes alterar a decisão do primeiro processo (cronologicamente decidido antes).
Portanto, mesmo sendo elementos distintos, se a relação jurídica material estiver sendo analisada na segunda demanda for a mesma da primeira e, puder acarretar alteração no que já fora julgada, então, não se pode repeti-la [7], pois haverá coisa julgada pela identidade das relações jurídicas.
É verdade que os efeitos da coisa julgada são variados e, entre estes, temos o vinculativo direto, vinculativo prejudicial e ainda o preclusivo de coisa julgada.
O vinculativo direto é o efeito que impede nova discussão acerca da mesma causa, da mesma demanda (mesmas partes, mesma causa de pedir e pedido) e impede seja proposta novamente a mesma demanda.
Há a eficácia preclusiva da coisa julgada capaz de impedir a propositura de uma demanda contrária, que acarretará a rediscussão daquela relação jurídica.
O vinculativo prejudicial, o julgamento de mérito de uma relação jurídica de direito material impede que em qualquer outro processo esta mesma relação jurídica de direito material, possa ser decidida de maneira distinta daquela efetuada pelo juízo originário.
O efeito vinculativo prejudicial significa que o julgamento de mérito transitado em julgado de uma demanda será transportado para outra demanda, a fim de que a questão transitada em julgado vincule a decisão judicial pelo menos quanto àquele aspecto.
É sabido que a coisa julgada está adstrita a limites e diante de sua natureza de garantia constitucional, tais limites podem ser de ordem subjetiva, objetiva, territorial e temporal.
Os limites subjetivos significa o alcance diverso no que tange às pessoas que serão tocadas pelo efeito vinculante. E tem íntima ligação com a natureza do direito posto em causa.
Além dos limites de ordem subjetiva e objetiva da coisa julgada, são impostas restrições de ordem temporal, levando-se, em consideração o direito posto em causa.
Em resumo, a coisa julgada projeta-se ex tunc, para o passado, mas, diante de fatos novos existirá uma nova causa de pedir, uma nova situação jurídica, pelo que se conclui que também existem limites temporais da coisa julgada.
Tendo em vista que a sentença é ato jurídico complexo e multifacetado que pode envolver múltiplas questões de fato e de direito, prejudiciais ou não ao julgamento do caso, é de grande relevância identificar sobre qual ponto da sentença, especificamente, incide a coisa julgada.
Para que possa ter maior previsibilidade de onde investir numa maior atividade probatória.
Ao disciplinar os limites objetivos da coisa julgada oscilou consideravelmente a história do direito processual civil brasileiro. Especialmente no período anterior ao CPC de 1939, era praticamente uníssona em doutrina a concepção de que a coisa julgada constituíra mera presunção de verdade, ideia relacionada a Friederich Karl Savigny.
A concepção de Savigny de coisa julgada como presunção de verdade fazia não só concluir que a sentença injusta também se tornava imutável como estendia os limites objetivos da coisa julgada aos motivos da sentença.
Ainda que anteriormente à vigência do CPC de 1939 boa parte da doutrina inclinava-se pela admissibilidade da incidência da coisa julgada sobre as questões prejudiciais, desde que efetivamente controvertidas no feito.
O CPC de 1939 disciplinava em seu art. 287 e em seu parágrafo único, in litteris:
“Art. 287 – A sentença que decidir total ou parcialmente a lide terá força de lei nos limites das questões decididas”.
“Parágrafo único. Considerar-se-ão decididas todas as questões que constituam premissa necessária da conclusão.”
Tais dispositivos do CPC revogado consistem em uma remissão literal ao art. 290 do Projeto de CPC italiano de 1929, elaborado pela comissão presidida por Ludovico Mortara. Mas, na tradução para nossa língua, fora suprimida a palavra lide na frase “ha forza di legge nei limite della lite e della questione decisa”.
O parágrafo único também deu margem a diversas interpretações, considerando que estabeleceu que as questões que constituíssem premissa necessária ao julgamento do feito estariam abrangidas pela coisa julgada.
Reparamos que o art. 468 do CPC vigente tem teor quase idêntico àquele do art. 287 do CPC 1939, diferindo em dois aspectos: trouxe novamente à baila o termo “lide” no corpo do artigo, tal como redigido no projeto italiano, e suprimiu o parágrafo único da referida regra, trazendo, em substituição, os arts. 469 e 474.
O dispositivo do CPC de 1939 em literal exegese, entendia-se que imutabilidade decorrente da coisa julgada também se estendia sobre as questões prejudicais suscitadas no processo.
A redação do art. 287 do CPC de 1939 com inspiração no CPC italiano de 1929 deu margem para a expansão da eficácia das sentenças relativas à lide prejudicial (In: SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Sentença e coisa julgada, Porto Alegre: Fabris, 1995, p.139).
Liebman partiu da premissa Carnelutti de que a imperatividade e a imutabilidade da sentença são coisas diferentes. A sentença é imperativa e produz todos os seus efeitos antes e independentemente do seu trânsito em julgado. Assim, a autoridade da coisa julgada [8] não teria efeito da sentença, mas um modo com esta se manifesta e produz efeitos.
A causa prejudicial é questão de direito material que era uma questão prejudicial e que por força do ajuizamento de ação declaratória incidental passou a ser considerada como pedido da ação acessória, o que acarretou a ampliação do objeto do processo.
O NCPC eliminou a ação declaratória incidental, e passou abarcar a questão prejudicial dentro do âmbito da coisa julgada. De sorte que se ampliaram os limites objetivos da coisa julgada, ampliando-se também a imutabilidade.
O efeito preclusivo da coisa julgada se encontra previsto no vigente CPC em seu art. 474 [9] e é ainda mencionada na doutrina italiana como teoria do julgamento implícito.
A origem da distinção entre objeto do processo e objeto litigioso do processo pode ser encontrada na última metade do século XIX, mais precisamente no pensamento dualista de Büllow e Wach, segundo o qual o processo apresenta dois tipos distintos de questões a serem resolvidas pelo juiz, aquelas relativas ao próprio processo e aquelas relativas à relação material deduzido em juízo, constituindo a apreciação das primeiras o requisito necessário e imprescindível para a apreciação das segundas, formando ambas em conjunto o objeto do processo.
Essencialmente na doutrina alemã que se dá o desenvolvimento da teoria sobre o objeto litigioso do processo, o que se deve papel central desempenhado pelo Streitgegenstand na ciência processual alemã, onde este é erigido ao conceito nuclear do processo e constitui verdadeiro polo metodológico, o que não sucede na doutrina italiana, onde é o conceito de ação que ocupa o cerne do processo, razão pela qual o tema do objeto do processo despertou menor interesse nesta e, ainda quando abordado pelos seus autores, é sempre analisado partindo-se da perspectiva da ação como polo central.
Na doutrina brasileira, na esteira do pensamento de Arruda Alvim, o tema foi objeto de estudo por Sydney Sanches, que após concluir que ao lado do objeto material do processo, que é a pretensão, tem o processo um outro objeto de natureza formal, que é o próprio processo, esclarece, com uma clareza e precisão.
Kazue Watanabe distingue o objeto da cognição judicial, que envolve o trinômio: questões processuais, condições da ação e mérito da causa; do objeto litigioso do processo, ao qual atribui apenas o sentido de thema decidendum, objeto sobre o qual deve o juiz decidir principaliter.
Embora não seja posição unânime, a tendência para reconhecer e distinguir dentro do objeto do processo (gênero) um objeto menor que engloba apenas o mérito da causa (espécie) é hoje acolhida por grande parte da doutrina nacional, que assim faz referência à existência de um objeto litigioso do processo.
Ao contrário, esta distinção não constitui simples preciosismo terminológico, nos termos em que é feita esta põe em relevo o caráter autônomo da ciência processual, tornando evidente a separação entre processo e direito material, possibilitando a delimitação precisa do seja objeto de simples cognição judicial e aquilo que é a questão principal posta a julgamento sobre a qual deve recair a decisão e, posteriormente, incidir os efeitos da coisa julgada.
Não se trata pois de mero formalismo linguístico, o conceito de objeto litigioso visa possibilitar a definição exata do conteúdo substancial da demanda que constitui o mérito da causa, o qual vai servir de fundamento para disciplina de institutos processuais relevantes tais como a coisa julgada, a litispendência, a modificação e cumulação de ações e conexão e, etc.
Não basta que a questão, sobre a qual não recaiu decisão expressa, seja em face dos princípios, pressuposto necessário ou consequência lógica do julgamento explícito; é indispensável que os próprios termos da causa estabeleçam esse nexo e autorizem essa ligação. Isto significa que o julgamento implícito não pode estender-se a questões que não foram postas e nem formuladas.
Cumpre em primeiro lugar, claramente, desde logo, a diferença entre este conceito e os demais conceitos de julgamento implícito referente à extensão de limites objetivos da coisa julgada.
Enquanto nestes conceitos, do que se tratam em rigor, é de uma ficção, estendendo-se os limites objetivos da coisa julgada a questões que podem ou não ter sido debatida nos autos, no conceito de julgamento implícito constante do parágrafo único do art. 660 do antigo do CPC 1939, este tem que corresponder necessariamente a uma questão posta ou formulada pelas partes.
Ou seja, o julgamento implícito tem que resultar e ter correspondência nos limites da demanda fixados pelas partes.
Em segundo lugar, desta limitação do conceito resulta que ao mesmo nunca poderá ser apontado os vícios da sentença ultra ou extra petita, pois este emerge sempre dos termos em que a ação foi proposta e debatida, correspondendo, necessariamente, a um pedido formulado pelas partes, respeitando assim, rigorosamente, o princípio do dispositivo.
Daqui resulta que o julgamento implícito assim delineado não pode corresponder a todo e qualquer pressuposto ou consequência necessária do julgamento expressamente proferido, esta conexão entre os pronunciamentos judiciais tem que ficar estabelecida e demonstrada nos exatos termos da demanda proposta pelas partes.
Os limites objetivos da coisa julgada referem-se à extensão da matéria que restará imunizada pela coisa julgada material. E definida a matéria imunizada a função negativa da coisa julgada impedirá a propositura de demanda idêntica e a função negativa da coisa julgada impedirá a propositura de demanda idêntica e a função positiva vinculará o julgamento de processos futuros em que a questão decidida apresente-se como prejudicial.
A extensão desses limites é tradicionalmente vinculada ao objeto da sentença e, por via indireta, ao objeto do processo.
É a demanda que define o objeto do processo. A demanda é identificada pelas partes, pela causa de pedir e pelo pedido, sendo relevantes para a finalidade de traçar os limites objetivos da coisa julgada, da causa de pedir e do pedido.
Há três opções para se ampliar os limites objetivos da coisa julgada: a) estender a coisa julgada a questões decididas entre os fundamentos da sentença;
- b) impedir que o pedido idêntico seja apresentado em processo ulterior com fundamento em diversa causa de pedir;
- c) impedir que um mesmo direito seja postulado de forma fracionado em diferentes processos.
Precisamos entender que a identificação da causa de pedir também interfere na definição dos limites objetivos da coisa julgada. E o método mais adequado é fornecido pela teoria da substanciação, delimitando-se a causa petendi com referência aos fatos invocados pelo demandante.
Para que a jurisdição cumpre o fim de aplicar o direito objetivo na sua integralidade é conveniente que a máxima iura novit curia seja aplicada de forma abrangente, sem limitar-se ao específico fundamento jurídico invocado pelo demandante. O que afasta a teoria da individuação e a teoria eclética, que mistura as características da substanciação e da individuação.
É igualmente conveniente que a atividade judicial fique restrita aos fatos essenciais invocados na causa de pedir, pois seria irracional e comprometeria a imparcialidade do julgador exigir que ele busque uma realidade que sequer foi alegada no processo.
A eficácia preclusiva não traz um impedimento absoluto à propositura de demandas incompatíveis com a coisa julgada. O sistema prevê a possibilidade de demandas incompatíveis com a coisa julgada.
O sistema prevê a possibilidade de a coisa julgada ser desconstituída medida a propositura de ação rescisória e nos últimos anos vem ganhando força a tese da relativização da coisa julgada, que igualmente viabiliza a superação de decisão transitada em julgado.
A coisa julgada está submissa a dois limites argumentativos, aptos a afastar o impedimento trazido com a eficácia preclusiva: a falta ou nulidade da citação e a divergente interpretação constitucional pelo Supremo Tribunal Federal da norma que fundamentou a decisão transitada em julgado.
Em resumidas linhas, aponto onde a coisa julgada é disciplinada pelo NCPC: Manteve o NCPC que a decisão que concede tutela antecipada não fará coisa julgada, mas a estabilidade dos respectivos efeitos só será afastada por decisão que a revir, reformar ou invalidar, proferida em ação ajuizada por uma das partes. (art.304, sexto parágrafo do NCPC).
O mesmo diploma legal listou entre as alegações incumbidas ao réu a coisa julgada, conforme art. 337, VII, e no quarto parágrafo explica que há coisa julgada quando se repete ação que já foi decidida por decisão transitada em julgado.
Prevê ainda no art. 433 sobre a declaração de falsidade do documento quando suscitada como questão principal, constará da parte dispositiva da sentença e sobre esta incidirá também a autoridade da coisa julgada [10], referindo-se à coisa julgada material.
Manteve o NCPC a coisa julgada como pressuposto processual negativo ex vi o art. 485, inciso V, juntamente com a perempção e a litispendência.
A grande novidade em relação ao Código Buzaid (mas não em relação ao CPC de 1939), prevê o art. 503 primeiro parágrafo in litteris: O disposto no caput aplica-se à resolução de questão prejudicial, decidida expressa e incidentemente no processo (não precisando mas da ação declaratória incidental que fora extinta pelo novo codex).
Adiante no art. 504 explicita-se o que não faz coisa julgada: I- os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença; II – a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença.
Já no art. 506 apontando para coisa julgada formal informa in litteris: A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros. Reforça a indiscutibilidade o art. 507 principalmente sobre as questões já decididas a cujo respeito se operou preclusão.
Já no art. 963, inciso IV, o respeito à coisa julgada brasileira é um dos requisitos indispensáveis para a homologação de decisão estrangeira.
Também a ofensa à coisa julgada é um dos motivadores para a propositura de ação rescisória que atua sobre a decisão de mérito, transitada em julgado.
Enfim, com a ampliação dos limites objetivos da coisa julgada [11] e também com a imposição de uma fundamentação mais complexa e atenta das decisões judiciais, venho humildemente entender que se pretende diminuir o grande fluxo de recursos que tramitam nos tribunais brasileiros. Pretendendo empreender maior celeridade processual com apoio na segurança jurídica.
Referências:
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil vol 1, 14ª Ed.Bahia: Editora JusPODIVM, 2012.
SCIALOJA, Victtorio. Procedimiento Civil Romano. Tradución de Santiado Sentis Melendo y Marino Ayera Radin. Buenos Aires: EJEA, 1954.
MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Editora RT, 2013.
______________________ e Daniel Mitidiero. O Projeto do CPC. Crítica e propostas. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2010.
______________________Código de Processo Civil. Comentado artigo por artigo. 2ª. Edição revista, atualizada e ampliada. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2010.
FUX, Luiz (coordenador). O Novo Processo Civil Brasileiro Direito em Expectativa (Reflexões sobre o Projeto do novo CPC). Rio de Janeiro, Forense, 2011.
__________________Teoria Geral do processo civil. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014.
DONIZETTI, Elpídio. Curso Didático de Direito Processual Civil. 9ª edição, 2008, Editora Lúmen Juris.
NAVARRO, Erik. Material Didático Curso Ênfase. Aula sobre Projeto do Novo CPC.
Exposição de Motivos do Novo CPC enviada em 08 de junho de 2010. Disponível em: http://www.direitoprocessual.org.br/index.php?novo-cpc-8 Acesso em 28.02.2015.
RIBEIRO, Rodrigo Koelher. Uma análise da cosia julgada e questões prejudiciais no projeto do novo Código de Processo Civil sob a ótica de um processo efetivo. Disponível em: http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/index.htm?http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao055/Rodrigo_Ribeiro.html Acesso em 10.03,2015.
SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Sentença e Coisa julgada, Porto Alegre: Fabris, 1995.
MACHADO, Marcelo Pacheco. Coisa julgada: limites objetivos. Disponível em: http://jota.info/novo-cpc-que-coisa-julgada-e-essa Acesso em 23.03.2015.
Notas:
1 – A verdade é que tanto o atual CPC como o vindouro não trazem uma exata definição para a expressão “trânsito em julgado“, deixando a encargo da interpretação de doutrinadores que por sua vez buscam outros ordenamentos jurídicos para lhe alcançar o exato sentido. Dispõe o CPC português, em seu art. 677 que é considerada transitada em julgado a decisão não mais suscetível de recurso ordinário ou de reclamação. 2 – Que se pautou pela teoria do discurso no qual as normas são legítimas se encontrarem assentimento de todos os cidadãos (partes processuais) no processo discursivo. Vasculhando a ideia de legitimidade, Habermas se pautou pela teoria do discurso, no qual as normas somente são legítimas se encontrarem assentimento de todos os cidadãos (partes processuais) no processo discursivo. Para que as partes se reconheçam como elaboradores e destinatários de uma decisão legitimada, há a necessidade de garantir a autonomia pública e privada. Nesse sentido, o nexo interno da democracia com o Estado de Direito consiste no fato de que, por um lado, os cidadãos só poderão utilizar condizentemente a sua autonomia pública se forem suficientemente independentes para exercer uma autonomia privada assegurada de modo igualitário.
3 – A noção de coisa julgada, portanto é mais abrangente para italianos do que para os portugueses. Contudo, no direito português quanto no direito italiano à ideia prende-se à noção de preclusão. E, isso pode acontecer: caso a parte não observe a ordem assinalada para exercer a faculdade. Se a parte realizar atividade incompatível para o exercício da faculdade. E, ainda, se a parte já tiver exercitado validamente a faculdade. O que corresponde à clara definição das três modalidades de preclusão: a temporal; lógica; e consumativa. Nesse sentido, ocorre trânsito em julgado da decisão se a parte deixar de opor impugnação à decisão dentro do prazo estabelecido em lei para tal ato, ou quaisquer das outras modalidades de preclusão.
4 – Fazzalari sobre o tema prefere usar o termo irretratabilidade da sentença o que significa exaurimento por efeito da preclusão, das faculdades, dos poderes e dos deveres atinentes aos recursos. No entender desse doutrinador italiano, a irretratabilidade da sentença ou trânsito em julgado pode ocorrer na sentença que julga ou não o mérito da demanda. É efeito exclusivamente processual. Essa situação processual que é imposta pela exigência de colocar fim à lide envolve. 5 – E, em parte essa definição acaba sendo útil ao direito processual brasileiro, que ainda acrescentou a possibilidade também de recursos extraordinários para ocorrência do trânsito em julgado. Já o Código de Processo Civil Italiano ao definir trânsito em julgado, o faz como sinônimo de coisa julgada formal. Sustenta o art. 324 do CPC italiano que se entende que a transitada em julgado é a sentença não mais sujeita a nenhum tipo de impugnação, seja ordinária ou extraordinária e nem mesmo a ação rescisória ou revocazione.
6 – Explicitamente o parágrafo quarto do art.337 do NCPC prevê que: Há coisa julgada quando se repete ação que já foi decidida por decisão transitada em julgado.
7 – Afinal para que o contraditório possa realmente possibilitar a construção de decisões legitimadas e normalmente permitir o trânsito em julgado, é também indispensável que haja a fundamentação das decisões, de modo que possa apontar as bases argumentativas sobre fatos e do direito debatido para a motivação dessas decisões. Na democracia, portanto, a decisão jurisdicional e ipso facto seu trânsito em julgado, têm como justificativa a estrutura do procedimento realizado em contraditório que é direito-garantia fundamental.
8 – Outra parte da doutrina considera a coisa julgada formal uma preclusão: “A coisa julgada formal opera-se em relação a qualquer sentença a partir do momento em que precluir o direito do interessado em impugná-la internamente à relação processual”. Como preclusão que é, “não deve ser confundida com a figura (e o regime) da coisa julgada (material)”. “Assim é que alguns autores acabam por identificar a coisa julgada formal como uma espécie de preclusão e a denominam de preclusão máxima, deixando claro que nenhum outro ato processual poderá ser realizado dentro daquela determinada relação jurídico-processual porque a sentença de mérito tornou-se imutável”. Não se pode negar que a coisa julgada formal e a preclusão se parecem bastante, no entanto a discussão em torno dessa questão é pouco relevante, já que não tem nenhuma relevância na prática. No final das contas tanto um quanto outro representa a perda de uma faculdade processual, só com um pequeno detalhe, nem sempre a preclusão de um ato processual acarretará a extinção do processo sem resolução do mérito.
9 – Com todo o respeito que se deve a quem pense contrariamente, não se pode desvincular o artigo 474 do Código de Processo Civil do teor do artigo 287 do Código de Processo Civil de 1939, que teve forte influência de Francesco Carnelutti. Dessa forma, não se pode olvidar que, quando analisarmos o conteúdo do artigo 474 do Código, comparando-o com o artigo 468, se deve considerar que os limites da lide devem ser observados (artigo 128 do Código de Processo Civil) e que o nosso compêndio processual, reitere-se, adota a Teoria da Substanciação, o que se depreende da exegese do artigo 282, III. Diante disso, as alegações e as defesas que são repelidas no momento do julgamento do mérito são aquelas referentes ao fato jurídico questionado na demanda, ou seja, a preclusão se dá nos limites da causa. Corroborando tal assertiva, cito a lição do processualista José Maria Rosa Tesheiner.
10 – Em termos históricos, o instituto da coisa julgada passa por uma primeira fase e especialmente no direito romano, pela ineficácia do ato, ou seja, mesmo tendo transitado em julgado a sentença uma vez constatando-se uma nulidade no processo, (ressalte-se que havia grande importância das formas e por isso o número de nulidades era alto e pelos mais variados e menos importantes defeitos), poderia-se recorrer ao instituto adequado de declaração de inexistência da sentença, pois a mesma não produzia efeitos enquanto perdurasse o vício. Scialoja nos ensina que vige grande diferença entre o direito antigo e o moderno em termos de nulidades ou inexistência da sentença. No direito moderno, o defeito da sentença leva a uma nulidade, especialmente quanto à forma. No direito romano, uma sentença nula é absolutamente ineficaz e por isso ela não goza da força e autoridade da coisa julgada. Modernamente, tal ideia de ineficácia do direito romano desapareceu, mesmo nos países que adotam o sistema processual com berço nesse direito. Somente através do recurso próprio ou de ação de impugnação da coisa julgada é que pode ser obtida nulidade de sentença. Do contrário, a sentença transitada em julgado, mesmo sendo nula, produz os seus efeitos e goza da autoridade da coisa julgada. (In: Scialoja, Victtorio. Procedimiento Civil Romano. Tradución de Santiado Sentis Melendo y Marino Ayera Radin. Buenos Aires: EJEA, 1954. p.255).
11 – O mais curioso é que os problemas que surgiam com esse debate, os argumentos pró e contra, formados a partir da década de 1940, são praticamente os mesmos que temos hoje diante do Novo CPC. Os que defendem a coisa julgada sobre questões prejudiciais estão preocupados com a utilidade e com o rendimento do processo, quanto maior a parte do conflito que puder ser objeto desta imutabilização, maior será o atendimento ao escopo social do processo.
Estendendo a imutabilidade aos motivos da sentença, temos a pacificação do conflito com maior amplitude, evitando o surgimento de novos processos (eficácia negativa da coisa julgada) e simplificando o julgamento de mérito de outros (eficácia positiva da coisa julgada). In: MACHADO, Marcelo Pacheco. Coisa julgada: limites objetivos. Disponível em: http://jota.info/novo-cpc-que-coisa-julgada-e-essa Acesso em 23.03.2015.