A CITAÇÃO EM PROCESSO DE EXECUÇÃO NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Natália Diniz e Adriano Scopel
A citação é o ato pelo qual o executado é convocado a integrar a relação processual, de forma que sua regularidade e bom funcionamento são essenciais para a eficácia da prestação jurisdicional.
Não há dúvidas de que a execução de título extrajudicial é um dos grandes gargalos enfrentados atualmente pelo Poder Judiciário em busca da eficiência e representam a maior parte dos processos acumulados no país, principalmente as execuções fiscais[1]. A satisfação do crédito é um grande problema, os processos de execução são morosos, os juízes demoram a proferir decisões relativamente simples, os cartórios demoram em realizar tarefas administrativas essenciais para o bom andamento do feito, tais como a expedição de mandados e, logo no início do processo, existe a enorme dificuldade em citar o executado.
A citação é o ato pelo qual o executado é convocado a integrar a relação processual, de forma que sua regularidade e bom funcionamento são essenciais para a eficácia da prestação jurisdicional. O Código de Processo Civil (CPC) de 1973, vigente até março de 2016, vedava expressamente a possibilidade de citação por correio nos processos de execução (art. 222, “d”). Por sua vez, o CPC/2015, além de manter a citação por correio como regra geral (art. 247), excluiu a vedação à possibilidade de esta modalidade de citação ser promovida nos processos de execução.
Porém, a questão não se resolve apenas neste dispositivo, pois há controvérsia sobre a possibilidade de a citação por correio ser válida em processo de execução em função de dispositivo específico do CPC que trata sobre execução, qual seja, o art. 829, § 1º, que dispõe o seguinte:
“Art. 829. O executado será citado para pagar a dívida no prazo de 3 (três) dias, contado da citação.
1º Do mandado de citação constarão, também, a ordem de penhora e a avaliação a serem cumpridas pelo oficial de justiça tão logo verificado o não pagamento no prazo assinalado, de tudo lavrando-se auto, com intimação do executado.”
Em uma primeira leitura de fato pode-se chegar à conclusão de que a citação na execução de título somente deverá ser feita via oficial de justiça.
O ato de citação na execução sempre foi tido como um ato complexo, pois no mandado de citação não há apenas a ordem para que o executado tome ciência do processo e dele participe, mas também há ordem constritiva de seus bens que deverá ser efetivada pelo oficial de justiça em caso de inadimplemento. E justamente por ser um ato complexo que vem surgindo na jurisprudência do TJ/SP entendimento de que a citação em execução de título deverá ser feita exclusivamente por oficial de justiça.
“Agravo Ação de Execução de Titulo Extrajudicial Citação postal Inadmissibilidade – O dispositivo contido no art. 247, do NCPC, não pode ser interpretado de forma isolada ou dissociada dos dispositivos contidos nos arts. 829 e 830, do mesmo estatuto processual, que cuidam especificamente da citação do executado em execução lastreada em título extrajudicial. A redação dos dispositivos constantes dos arts. 829 e 830 dá conta da conta da necessidade de que a citação no processo de execução seja feita por oficial de justiça. Destarte, e considerando a necessidade de subordinação do art. 247, do NCPC a um conjunto de disposições de maior generalização, em especial, arts. 829 e 830 do mesmo estatuto, do qual não pode ser dissociado, de rigor concluir que em se tratando de execução de título extrajudicial a citação do executado deve ser feita por oficial e justiça. Realmente, não podendo passar sem observação que a citação no processo de execução é ato complexo, uma vez que não se limita à convocação do executado para integrar a relação processual. Recurso Improvido.” (TJ/SP, AI nº 2142022-91.2016.8.26.0000, Rel. Des. Neto Barbosa Ferreira, 29ª Câmara de Direito Privado, j. em 26.10.2016)[2].
A justificativa é que por se tratar de ato complexo, a citação no processo de execução deverá ser feita via oficial de justiça, pois no mandado de citação constará a ordem para pagamento em três dias e, caso o pagamento não seja feito, serão realizados os atos de constrição patrimonial do executado. De acordo com os precedentes, como ato de citação é complexo e envolve a constrição patrimonial é necessário que o oficial de justiça cumpra a determinação e explique detalhadamente a consequência ao executado das consequências caso não haja pagamento ou sejam opostos embargos à execução[3].
Por outro lado, há entendimento do mesmo TJ/SP no sentido contrário, haja vista que não há mais a proibição expressa de citação via correio no texto do NCPC:
Agravo de instrumento – Execução de título extrajudicial – Pedido de citação da executada por via postal – Possibilidade, á luz do NCPC – Situações de exceção para o ato citatório por correio que estão previstas no art. 247 e nele não se incluem as execuções – Recurso ao qual se dá provimento para deferir ao recorrente o pedido de citação da executada por via postal. (TJSP, AI nº 2162850-11.2016.8.26.0000, Rel. Des. Cláudia Grieco Tabosa Pessoa, 19ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça, j. em 12.9.2016)[4].
Essa solução nos parece ser a mais correta, considerando a inexistência de proibição de citação via correio nos casos de execução de título, intenção da nova legislação processual e da leitura com os demais dispositivos legais.
Sem sombra de dúvidas, a citação é ato essencial para o correto processamento e exercício do contraditório pleno pelo réu/executado. Como ensina Fredie Didier Júnior, a citação é “ato de eficácia do processo em relação ao réu“[5], de forma que somente com a citação o réu passa a ser parte do processo e integrar a relação processual.
Por ser a citação ato essencial ao correto desenvolvimento do processo, muito já se discutiu sobre as diversas possibilidades de citação, de forma a buscar conciliar a preocupação com o direito de defesa do réu/executado, bem como a celeridade do processo (assim como a tutela do crédito, no caso das execuções). Aliás, nos processos de execução fiscal a lei desde há muito tempo autoriza a citação via correio[6].
Não há dúvida que atualmente com os processos eletrônicos qualquer indivíduo consegue ter fácil acesso ao conteúdo dos processos assim que for citado em determinada ação. Ou seja, não é mais necessária presença de um oficial de justiça que explique ao executado as consequências de eventual descumprimento de ordem judicial. Além disso, como alerta Daniel Amorim Assumpção, a justificativa para realização da citação em execução exclusivamente via oficial de justiça também não se justifica porque atualmente já ocorrem diversos atos constritivos via exclusivamente internet, tais como a penhora on-line e a penhora de imóveis via bloqueio judicial eletrônico[7].
Ainda, é necessário dar a correta interpretação ao termo “mandado” utilizado no CPC (art. 829, § 1º). Mandado não necessariamente significa que deverá ser cumprido por oficial de justiça, mas é a instrumentalização da decisão judicial, tanto que uma ordem de penhora on-line pode ser caracterizada em um “mandado“, por exemplo. Desta forma, justificar que a citação em processos de execução deverá ser via oficial de justiça por ter a lei utilizado a expressão “mandado” é fazer tábula rasa de seu real significado.
A nosso ver, a partir de uma leitura conjunta do art. 829 e do art. 247 do CPC, têm-se que a intenção do legislador foi no sentido de que a citação poderá ocorrer da forma como o exequente optar, não lhe sendo vedada a citação por correio. Caso não seja realizado o pagamento da dívida em três dias, como determinado pela decisão judicial, o oficial de justiça deverá cumprir a ordem de penhora e avaliação do processo. Ou seja, a atuação do oficial de oficial de justiça viria a posteriori, não no momento da citação. Até porque, os atos de citação não se confundem com atos de constrição de bens, de forma que a avaliação de bens do executado, por exemplo, evidentemente permanece a cargo do oficial de justiça.
Por fim, interpretar a redação do art. 829 do CPC como se a citação devesse ser feita exclusivamente via oficial de justiça é ignorar a realidade do processo de execução no país. É pública e notória (inclusive corroborada por recentes acontecimentos políticos no país) a dificuldade em realizar a citação por oficial de justiça, os executados dificilmente são encontrados, muitas vezes se escondem e com isso o processo de execução simplesmente fica parado aguardando a realização da citação.
Assim, o exequente vê impossibilitada a satisfação de seu crédito, com o Poder Judiciário falhando na sua missão de prestação jurisdicional. Longe de buscar mitigar o direito de defesa dos executados ou mesmo de concretizar “atos processuais surpresas“, a mudança proposta no art. 247 do CPC visou dar maior agilidade aos processos de execução, ao possibilitar a citação do executado via correio.
Portanto, sob a perspectiva da celeridade e efetividade dos atos judiciais, positivadas no NCPC, bem como diante da ausência completa de vedação legal (tal como ocorria na vigência do CPC de 1973), não deve haver obstáculos para a citação via correio nos processos de execução.
[1] Conforme dados do Relatório Justiça em números do ano de 2016 disponibilizado pelo CNJ no link: https://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/pj-justica-em-numeros, especialmente páginas 62 em diante.
[2] No mesmo sentido: Ag. 2142022-91.2016.8.26.0000, Ag. 2180769-13.2016.8.26.0000, Ag. 2156806-73.2016.8.26.0000, Ag. 2150138-86.2016.8.26.0000, Ag. 2156617-95.2016.8.26.0000, Ag. 2135794-03.2016.8.26.0000, 2145777-26.2016.8.26.0000, 2193188-65.2016.8.26.0000, todos do TJ/SP.
[3] Nesse sentido também se posicionam Tereza Arruda Alvim Wambier, Maria Lúcia Lins Conceição, Leonardo Ferres da Silva Ribeiro e Rogério Licastro. Primeiros comentários ao Novo Código de Processo Civil – artigo por artigo. 1ª edição, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, nota 7 ao art. 247 do CPC/2015, págs. 247/248.
[4] No mesmo sentido: Ag. 2152954-41.2016.8.26.0000, Ag. 2177504-03.2016.8.26.0000, Ag. 2177504-03.2016.8.26.0000, Ag. 2171891-02.2016.8.26.0000, Ag. 2176755-83.2016.8.26.0000, Ag. 2154369-59.2016.8.26.0000, todos do TJ/SP.
[5] Fredie Didier Júnior. Curso de Direito Processual Civil. Vol 1. 17ª ed. Salvador: Ed. Juspodivm, 2018, p. 607.
[6] “Art. 8º – O executado será citado para, no prazo de 5 (cinco) dias, pagar a dívida com os juros e multa de mora e encargos indicados na Certidão de Dívida Ativa, ou garantir a execução, observadas as seguintes normas; I – A citação será feita pelo correio, com aviso de recepção, se a Fazenda Pública não a requerer por outra forma;”
[7] Daniel Amorim Assumpção Neves. Novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 229.