BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A DECISÃO DO TEMA 1021 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Milena Ferreira dos Santos Hermano
Em brevíssima – porém importante – contextualização, a controvérsia posta em discussão no Tema 1021 do STJ, cuja origem se deu pela afetação dos recursos especiais 1.778.938/SP e 1.740.397/RS, envolve a definição de possibilidade de inclusão, no cálculo de complementação de aposentadoria paga por entidade fechada de previdência privada, das verbas remuneratórias incorporadas ao salário do trabalhador por decisão da Justiça do Trabalho após a concessão do benefício, sem a prévia formação da correspondente reserva matemática.
Dada à natureza de tais entidades, para que sejam realizados os pagamentos de benefício e pensão os seus participantes e dependentes, é indispensável que haja um equacionamento a contento dos planos de previdência, tornando previsíveis os pagamentos futuros relacionados a cada um dos seus participantes, tenham ele outros dependentes regularmente inscritos ou não.
Essa estimativa é feita de forma prévia ao pagamento de qualquer benefício mediante a realização de cálculos atuariais específicos, através dos quais se apura a quantia devida referente à contribuição a ser vertida por cada participante para fins de tornar previstos (e possíveis) eventuais pagamentos a posteriori, seja a título de complemento de aposentadoria, seja de pensão por morte, esta última em favor dos dependentes que estejam regularmente inscritos para tal fim.
Significa dizer, portanto, que à época em que o funcionário da empresa patrocinadora ainda se encontra na ativa, ao optar por integrar o plano de previdência complementar ele passa a fazer contribuições mensais no valor apurado com base em cálculo atuarial específico, para ter o direito de receber, após a sua aposentação, o complemento da sua verba de aposentadoria.
Cabe aqui esclarecer que o mencionado cálculo leva em consideração condições específico de cada beneficiário, como, por exemplo, (i) o salário do participante e, consequentemente, o valor do benefício futuro a ser pago em seu favor, (ii) a análise de idade em comparação à expectativa de vida média do brasileiro, (iii) a modalidade de benefício escolhida pelo participante, (iv) a existência de beneficiários indicados pelo participante para recebimento de benefícios futuros, após o seu falecimento, dentre outras.
Após aposentar-se e passar a receber os complementos de aposentadoria no patamar que lhe cabiam, limitada evidentemente ao valor das contribuições que realizou ao longo da sua relação de trabalho, pode o participante (o que não é incomum) entender fazer jus a uma diferença de salário, optando por ingressar com reclamação trabalhista direcionada ao ex – empregador para buscar a revisão do seu salário e eventuais acréscimos que lhe eram devidos.
Uma vez exitosa a sua pretensão, tendo em seu favor o reconhecimento de majoração do seu salário, surge à dúvida quanto à possibilidade do participante reclamar o recálculo do valor do seu complemento de aposentadoria pago pela entidade fechada de previdência complementar, para que passe a constar da base de cálculo aquilo que foi posteriormente incorporado ao seu salário, sendo exatamente essa a discussão do Tema 1021 do STJ.
Levando-se em consideração que a decisão final do referido Tema transitou em julgado em fevereiro/2021, atualmente os tribunais vêm começando a enfrentar os casos que o envolvem, razão pela qual se considera de indiscutível relevância as considerações aqui expostas.
As conclusões a respeito do assunto estão previstas de forma pormenorizada na decisão do STJ, que consignou em seus itens “a” e “b” o seguinte:
a) “A concessão do benefício de previdência complementar tem como pressuposto a prévia formação de reserva matemática, de forma a evitar o desequilíbrio atuarial dos planos. Em tais condições, quando já concedido o benefício de complementação de aposentadoria por entidade fechada de previdência privada, é inviável a inclusão dos reflexos de quaisquer verbas remuneratórias reconhecidas pela Justiça do Trabalho nos cálculos da renda mensal inicial dos benefícios de complementação de aposentadoria.”
b) “Os eventuais prejuízos causados ao participante ou ao assistido que não puderam contribuir ao fundo na época apropriada ante o ato ilícito do empregador poderão ser reparados por meio de ação judicial a ser proposta contra a empresa ex-empregadora na Justiça do Trabalho.”
Note-se que a importância do equilíbrio atuarial dos planos foi expressamente considerada pela decisão final proferida, que inclusive considerou inviável a inclusão das diferenças remuneratórias obtidas pela Justiça do Trabalho nos cálculos do valor devido a título de complemento de aposentadoria, cabendo eventuais discussões a esse respeito serem direcionadas exclusivamente ao ex-empregador perante à justiça trabalhista, por ser ele o efetivo responsável pela parcela da contribuição realizada pelo participante.
Portanto, a importante conclusão a que se chega é a de que a entidade fechada de previdência complementar em si é parte manifestamente ilegítima para integrar o polo passivo de lides cujo objetivo é a revisão dos valores pagos a seus participantes como complemento de aposentadoria, com base em acréscimos deferidos pela Justiça do Trabalho, cabendo tão somente ao ex-empregador responder por pretensões como essa, perante a própria justiça especializada.
As exceções e ressalvas a esse respeito estão previstas nos itens “c” e “d”, onde ficaram expostas as modulações dos efeitos da decisão com base no que dispõe o art. 927, § 3º, do Código de Processo Civil:
c) “Nas demandas ajuizadas na Justiça comum até 8/8/2018 (data do julgamento do REsp 1.312.736/RS – Tema repetitivo 955/STJ) – se ainda for útil ao participante ou assistido, conforme as peculiaridades da causa -, admite-se a inclusão dos reflexos de verbas remuneratórias, reconhecidas pela Justiça do Trabalho, nos cálculos da renda mensal inicial dos benefícios de complementação de aposentadoria, condicionada à previsão regulamentar de que as parcelas de natureza remuneratória devam compor a base de cálculo das contribuições a serem recolhidas e servir de parâmetro para o cômputo da renda mensal inicial do benefício, e à recomposição prévia e integral das reservas matemáticas com o aporte, a ser vertido pelo participante, de valor a ser apurado por estudo técnico atuarial em cada caso.”
d) “Nas reclamações trabalhistas em que o ex-empregador tiver sido condenado a recompor a reserva matemática, e sendo inviável a revisão da renda mensal inicial da aposentadoria complementar, os valores correspondentes a tal recomposição devem ser entregues ao participante ou assistido a título de reparação, evitando-se, igualmente, o enriquecimento sem causa da entidade fechada de previdência complementar.” (trecho do Acórdão publicado no DJe de 11/12/20).
De acordo com o resumido nos referidos itens, eventuais demandas com a pretensão de inclusão de diferenças trabalhistas no valor do complemento de aposentadoria que tenham sido distribuídas perante à justiça comum até 8/8/18 podem ser aproveitadas desde que realizado, pelos autores, o pagamento prévio e integral do valor do aporte em favor do plano praticado pela entidade de previdência complementar do qual fazem parte, como forma de evitar o seu desequilíbrio financeiro e perecimento.
A decisão estabeleceu, de forma clara, direta e precisa, o prévio aporte do valor pelo interessado como condição para que possa haver o pagamento de qualquer diferença em seu favor, de modo que primeiramente deve ser realizado o pagamento, em favor da entidade de previdência, do valor necessário para garantir o indispensável equilíbrio atuarial, e só depois disso, então, é que poderá haver o pagamento de qualquer diferença de complemento em favor dele.
Foi exatamente neste sentido que o E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro decidiu recentemente, em processo conduzido pelo escritório C. MARTINS ADVOGADOS, onde, em juízo de retratação, após trânsito em julgado da decisão do Tema 1021 do STJ, externou o seguinte:
“JUÍZO DE RETRATAÇÃO. REEXAME NOS TERMOS DO ART. 1040, INCISO II, C/C 1041, AMBOS DO CPC/2015. AÇÃO DE REVISÃO DE BENEFÍCIO SUPLEMENTAR MOVIDA EM FACE DA CEDAE E DA PRECE.SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DO PEDIDO AUTORAL E DE IMPROCEDÊNCIA DA RECONVENÇÃO. INCONFORMISMO DOS RÉUS. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE DA SENTENÇA PELA SUSTENTADA OFENSA AO PRINCÍPIO DA ADSTRIÇÃO. PROVA PERICIAL REALIZADA NOS AUTOS. AFASTADA A PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DA CEDAE, VEZ QUE A SOLIDARIEDADE DESTA COM O PLANO DE PREVIDÊNCIA DECORRE DO REGULAMENTO DESTE. RECONVENÇÃO QUE, POR AMPLIAR EM DEMASIA O OBJETO DA LIDE, NÃO SE ADMITE, SOB PENA DE OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA CELERIDADE E ECONOMIA PROCESSUAIS. INTERPOSIÇÃO DE RECURSOS ESPECIAL E EXTRORDINÁRIO. RETORNO DOS AUTOS AO COLEGIADO PARA JUÍZO DE RETRATAÇÃO, DIANTE DA PACIFICAÇÃO DO ENTENDIMENTO SOBRE A QUAESTIO. RETRATAÇÃO QUE SE JUSTIFICA COM FUNDAMENTO EM DECISÃO PROFERIDA NA MODULAÇÃO DE EFEITOS DOS RESP 1778938/SP E RESP 1740397/RS, OBJETO DO TEMA 1.021 DO STJ. DIANTE DO PRECEDENTE VINCULANTE ACIMA CITADO, E DA CONSTATAÇÃO DE QUE O AUTOR NÃO REALIZOU O APORTE NECESSÁRIO PARA PLEITEAR AS DIFERENÇAS OBTIDAS POR FORÇA DE SENTENÇA PROFERIDA NA JUSTIÇA DO TRABALHO, IMPÕE-SE REFORMAR, EM PARTE, A SENTENÇA RECORRIDA, PARA JULGAR IMPROCEDENTE O PEDIDO DO AUTOR, CONDENANDO-O AO PAGAMENTO DAS DESPESAS PROCESSUAIS, COM HONORÁRIOS ARBITRADOS EM 10% (DEZ POR CENTO) SOBRE O VALOR DA CAUSA. MANTÉM-SE, NO MAIS, A SENTENÇA, TAL COMO LANÇADA. MODIFICAÇÃO DO ACÓRDÃO.” (g.n.)
(Apelação Cível 0339865-61.2014.8.19.0001 – Rel. Des. Maria Isabel Paes Gonçalves – 9ª Câmara de Direito Privado (Antiga 2ª Câmara Cível) Data da Publicação da decisão: 27/10/2022)
Note-se que não há no corpo da decisão nenhuma linha sequer sobre a possibilidade de realizar-se uma composição entre os supostos créditos, tendo sido rigorosamente reconhecido que em casos como esses a responsabilidade do participante, quanto à realização da dotação prévia, precede o implemento de qualquer diferença a ser paga em seu favor.
Essa diretriz tem o escopo único de assegurar a sobrevivência dos planos de previdência complementar e, em consequência disso, garantir a manutenção dos pagamentos regulares aos seus participantes e beneficiários, na linha do que preconiza o art. 1º da Lei Complementar nº 109/2001.
O assunto, inclusive, foi amplamente debatido no I Seminário de Previdência Complementar realizado pela OAB/RJ no último dia 3/3/23. Na oportunidade, foi pontuado que diante da complexidade do Tema, que envolve a Justiça Comum e a especializada, uma solução viável seria a análise da possibilidade de uma solução administrativa, regulada pelo Conselho Nacional de Justiça.
https://www.migalhas.com.br/depeso/382860/breves-consideracoes-sobre-a-decisao-do-tema-1021-do-stj