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BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DO JULGAMENTO ANTECIPADO PARCIAL DO MÉRITO NA SISTEMÁTICA DO NOVO CPC

BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DO JULGAMENTO ANTECIPADO PARCIAL DO MÉRITO NA SISTEMÁTICA DO NOVO CPC

Igor Pinheiro de Sant’Anna

Julio Cesar Medeiros Ribeiro

SUMÁRIO: 1 Do objetivo do presente trabalho; 2 A introdução do julgamento parcial do mérito no ordenamento processual civil; 3 O julgamento antecipado parcial do mérito na sistemática do projeto do novo Código de Processo Civil; 4 O julgamento antecipado parcial do mérito na hipótese de conexidade entre as demandas; 4.1 Anotações sumárias acerca da conexidade de demandas no novo CPC; 4.2 As demandas conexas e seus efeitos na hipótese do artigo 356, inciso II, do NCPC (julgamento antecipado do pedido maduro); 4.3 As demandas conexas e seus efeitos em relação ao artigo 356, inciso I, do CPC (pedido incontroverso); Conclusões; Referências.

1 DO OBJETIVO DO PRESENTE TRABALHO

Além de fomentar maiores discussões acerca do tema julgamento antecipatório parcial do mérito, o presente ensaio objetiva, primordialmente, promover uma análise inicial de como ficou disciplinado o instituto no projeto do novo Código de Processo Civil, especificamente em sua última redação, aprovada pela Câmara dos Deputados em 26.03.2014 (doravante denominado NCPC).

À luz do NCPC, colocaremos nossa opinião acerca da obrigatoriedade (se esta existe) de o magistrado promover o julgamento parcial antecipado do mérito da demanda, quando houver pedido incontroverso.

No arremate do presente ensaio, avaliaremos como o instituto poderá se comportar nos casos em que houver cumulação objetiva de pedidos e, entre eles, existir conexão.

2 A INTRODUÇÃO DO JULGAMENTO PARCIAL DO MÉRITO NO ORDENAMENTO PROCESSUAL CIVIL

A doutrina[1] atribui a Luiz Guilherme Marinoni a abordagem precursora do julgamento parcial do mérito em relação ao ordenamento processual civil brasileiro. Em 1997, na primeira edição da obra Tutela antecipatória e julgamento antecipado, amparado no modelo do processo civil italiano, Marinoni defendeu que, diante da desnecessidade de produção probatória em relação a um dos pedidos formulados, sendo possível o imediato julgamento de uma das pretensões deduzidas na exordial, não subsistiriam razões para que tal pedido tivesse de aguardar a instrução em relação aos fatos que lastreiam os demais.

Segundo Marinoni, e estes foram os fundamento de suas conclusões, (i) seria injusto obrigar o autor a esperar a realização de um direito que não se mostra mais controvertido, (ii) o processo não poderia prejudicar quem possui razão, (iii) e o ordenamento reprime o abuso do direito de defesa [2].

Pouco depois da quarta edição da precitada obra, o legislador brasileiro editou a Lei Federal nº 11.444/2002, que incluiu no art. 273 do CPC/1973 o § 6º, com a seguinte redação: “A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso[3].

Como se nota, para a apreciação do pedido incontroverso, o legislador elegeu a técnica da antecipação dos efeitos da tutela (CPC/1973, art. 273, § 6º). E por que o legislador não disciplinou a hipótese como julgamento parcial do mérito? Inicialmente, a escolha legislativa tinha alguma plausibilidade.

No momento da edição da Lei nº 11.444/2002 vigorava o conceito de sentença segundo o critério topológico, isto é, a sentença seria o pronunciamento do juiz que pusesse termo ao processo ou a uma de suas fases (antiga redação do art. 162, § 1º, do CPC).

Diante dessa definição de sentença, não se concebia a possibilidade de cindir o julgamento do mérito por intermédio da prolação de mais de uma sentença. Logo, não havia que se falar em sentenças parciais. De outro giro, as decisões interlocutórias não possuíam aptidão para adentrar no mérito e surtir os efeitos próprios de uma sentença, sobretudo o de ser imunizada com o manto da coisa julgada.

Todavia, saltava aos olhos que a decisão do art. 273, § 6º, examinava o mérito com iniludível cognição exauriente. Diante desse quadro, imediatamente, eclodiu acalorado debate na doutrina para investigar: (a) qual a natureza da decisão do art. 273, § 6º, do CPC/1973; (b) que tipo de decisão seria; (c) quais os seus efeitos; e, por fim, (d) qual o recurso dela cabível.

A exemplo de Luiz Guilherme Marinoni [4], parcela da doutrina entendeu que, não obstante o cunho cognitivo exauriente, o legislador optou em dispensar à decisão o tratamento próprio da interlocutória (art. 162, § 2º, do CPC/1973), com seus efeitos e suas características, principalmente a transitoriedade e a inaptidão de transitar em julgado.

 Parte da doutrina, no entanto, defendeu o surgimento de nova espécie de pronunciamento judicial, não expressamente previsto no art. 162 do CPC/1973, mas decorrente do sistema processual civil: as decisões interlocutórias de mérito. À guisa de exemplo, o Professor Fredie Diddier Júnior, no artigo “Inovações na antecipação dos efeitos da tutela e a resolução parcial do mérito“, na Revista de Processo (São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 110, p. 225, 2003), afirmou categoricamente que tal decisão interlocutória continha as características da sentença, podendo, inclusive, ser imunizada pelo manto da coisa julgada.

Segundo Diddier, o mérito dessa decisão não poderia ser reexaminado na sentença. Ademais, caso transitasse em julgado, essa decisão poderia ser executada sob o procedimento da execução definitiva. Ele defendeu, ainda, que, embora impugnável por intermédio do agravo de instrumento, o recurso contra essa decisão interlocutória do art. 273, § 6º, observaria o procedimento do recurso de apelação, inclusive com a possibilidade de sustentação oral na sessão de julgamento e a necessidade de um desembargador revisor.

Aproximadamente 3 (três) anos depois, com a edição do § 6º do art. 273 do CPC/1973, o legislador adicionou novo ingrediente ao debate, por intermédio da Lei Federal nº 11.232/2005, que abriu nova gama de possibilidades em relação à abordagem do tema julgamento antecipado parcial do mérito. Sucedeu-se que, pretendendo extirpar o critério topológico do conceito de sentença [5], o art. 162, § 1º, do CPC/1973 foi alterado, para, então, definir a sentença como “o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269”.

A modificação foi, a nosso ver, significativa, e respeitável parcela da doutrina vislumbrou a possibilidade de prolação das chamadas sentenças parciais (art. 162, § 1º, c/c art. 330, ambos do CPC/1973). Para os que assim entendem, o legislador teria entregue aos jurisdicionados a viabilidade de cindir o julgamento do mérito, de modo a promover as garantias constitucionais da eficiência, economia e duração razoável do processo (CRFB/1988, art. 5º, incisos XXXV e LXXVIII) [6].

Essa corrente enfrentou resistência de outra parcela da doutrina [7], principalmente em virtude da dificuldade, em tese, de conciliar a sentença parcial com a dinâmica do recurso de apelação, porquanto, nos lindes da prática forense consagrada, o apelo determinaria a subida dos autos ao órgão ad quem [8]. Para essa linha doutrinária, em que pese a modificação do conceito de sentença, subsiste o critério topológico, em decorrência da interpretação sistemática do CPC/1973 [9]. Igualmente, a jurisprudência [10] acabou por manter a definição de sentença segundo o critério topológico.

Transcorridos mais de 8 (oito) anos da edição da Lei Federal nº 11.232/2005, as sentenças parciais ainda não foram incorporadas à prática jurídica.

Todavia, em 26.03.2014, o plenário da Câmara dos Deputados aprovou o projeto do novo Código de Processo Civil (PL 8.046/2010), que, como se verá adiante, consagra, em análise preliminar, a possibilidade de julgamento antecipado parcial do mérito.

Ocorre que, não obstante os vários pontos dignos de aclamações, o projeto do novo Código merece críticas e reflexões em alguns pontos.

3 O JULGAMENTO ANTECIPADO PARCIAL DO MÉRITO NA SISTEMÁTICA DO PROJETO DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Sedimentadas as considerações iniciais, ingressaremos propriamente em nosso principal objetivo no presente trabalho, qual seja, o de promover a análise da disciplina do julgamento da parte incontroversa da demanda segundo o projeto aprovado pela Câmara dos Deputados em 26.03.2014, último documento editado no Congresso Nacional até o momento. Para tanto, iniciaremos a abordagem a partir da classificação dos pronunciamentos judiciais no NCPC.

Mantendo a tradição processual, dispõe o art. 203 do NCPC que “os pronunciamentos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos”. Adiante, define o legislador que “ressalvadas as previsões expressas nos procedimentos especiais, sentença é o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 495 e 497, põe fim ao processo ou a alguma de suas fases”.

Depreende-se do texto a tentativa de conciliar no conceito de sentença o critério topológico (provimento judicial que põe fim ao processo ou a alguma de suas fases) com o critério de conteúdo (provimento judicial fundamentado nos arts. 495 e 497 – na sistemática atual, arts. 267 e 269), o que, na prática, implicará a adoção do critério topológico. Isso porque as decisões interlocutórias poderão estar fundadas nos arts. 495 e 497, sem que, com isso, sejam consideradas sentenças [11]. Logo, a aptidão de pôr termo ao procedimento, ou a alguma de suas fases, determinará o que venha a ser considerada sentença.

Na realidade, ao assim proceder, o NCPC apenas chancela a prática que, como dito linhas supra, já havia sido consolidada na jurisprudência, e perdurou mesmo após o advento da Lei Federal nº 11.232/2005 (que alterou a redação do art. 162, § 1º, do CPC/1973).

Contudo, concluiremos, nessa análise inicial do NCPC, que não subsistem motivos que sustentem a manutenção do critério topológico para definir o conceito de sentença. Pelo contrário, a adoção do critério topológico apresenta-se, em princípio, desarmônica ao conjunto normativo do novo diploma processual.

A razão precípua está intrinsecamente relacionada à disciplina do julgamento antecipado parcial da demanda, previsto no art. 356 do NCPC.

Nos termos do NCPC, a incontrovérsia de uma das demandas ou de parte delas (NCPC, art. 356, inciso I) não implicará a antecipação dos efeitos da tutela, tal como atualmente ocorre, por expressa disposição contida no art. 273, § 6º, do CPC.

O NCPC dedicou o Livro V de sua Parte Geral para tratar das hipóteses de tutela antecipada, nas quais estão compreendidas as tutelas de urgência (NCPC, arts. 301 usque 305) e de evidência (NCPC, art. 306). Impende salientar que em nenhuma delas há a previsão de antecipação dos efeitos da tutela em virtude da incontrovérsia de parte da demanda.

Agora, o chamado pedido incontroverso estará inserido na Parte Especial, Livro I (“Do processo de conhecimento e do cumprimento de sentença“), Título I (“Do procedimento comum“), Capítulo XI (“Do julgamento conforme o estado do processo“), Seção III, denominada “Do julgamento antecipado parcial do mérito” (NCPC, art. 356), da novel legislação processual civil.

Aduz o art. 356 do NCPC que “o juiz decidirá parcialmente o mérito, quando um ou mais dos pedidos formulados ou parcela deles”: “mostrar-se incontroverso” (inciso I), ou “estiver em condições de imediato julgamento, nos termos do art. 362” (inciso II) [grifos nossos].

Urge destacar que o dispositivo prevê, de modo expresso, que o magistrado irá apreciar parte do mérito da demanda. Assim, em tese, parece não pairar dúvidas de que o legislador superou o dogma da impossibilidade de cindir o julgamento do mérito em mais de uma decisão durante o processo.

Todavia, a dicção do art. 203, § 1º, do NCPC não permitirá subsumir a decisão que julga parcial e antecipadamente o mérito da demanda (NCPC, art. 356) ao conceito de sentença, porquanto tal provimento não encerra o processo ou alguma de suas fases. Restaria, então, apenas enquadrá-la na categoria de decisão interlocutória. Nesse caso, cumpre investigar quais os efeitos dessa decisão.

Nos moldes do art. 356, § 2º, do NCPC, a decisão que julgar parcial e antecipadamente o mérito da demanda fará coisa julgada. Além disso, observará o rito da execução definitiva. Eis a tessitura do dispositivo:

A parte poderá liquidar ou executar, desde logo, a obrigação reconhecida na decisão que julgar parcialmente o mérito, independentemente de caução, ainda que haja recurso dela interposto. Se houver trânsito em julgado da decisão, a execução será definitiva.

Nesse viés, estaríamos diante de uma decisão interlocutória com aptidão para transitar em julgado, que se submete ao procedimento da execução definitiva.

Ademais, a decisão interlocutória do art. 356 do NCPC estará sujeita à ação rescisória. De acordo com a dicção do art. 978 do NCPC, “a decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida […]”. Observe-se a substancial alteração do instituto em relação ao atual art. 485 do CPC/1973, o qual apenas prevê a possibilidade de rescisão da “sentença de mérito, transitada em julgado”. Isto é, as decisões de mérito transitarão em julgado, não importa se sentenças ou decisões interlocutórias. E, uma vez transitadas em julgado, essas decisões estarão sujeitas à ação rescisória (NCPC, art. 978).

Mais a frente, prevê o art. 987, § 4º, do NCPC que “o direito de propor ação rescisória se extingue em dois anos contados do trânsito em julgado da decisão. […] No caso de decisão que resolva parcela do mérito, o prazo a que se refere o caput conta-se do respectivo trânsito em julgado”. Logo, a decisão interlocutória do art. 356 do NCPC fará coisa julgada e o prazo da ação rescisória começará a fluir desse termo, ainda que a ação ainda esteja em trâmite.

Não obstante, diante de tudo quanto exposto, ainda cumpre indagar o seguinte: Se a decisão que resolve antecipada e parcialmente o mérito possui o condão de fazer coisa julgada material, submete-se ao rito da execução definitiva e pode ser objeto de ação rescisória, por que não tratar-lhe como sentença? Em outros termos: Por que insistir no critério topológico do conceito de sentença, criando a figura das interlocutórias de mérito?

Parece-nos que continuar classificando o ato como sentença apenas segundo o critério topológico cria inconsistências sistemáticas na disciplina do processo civil brasileiro, máxime diante das contundentes atribuições dos efeitos que possuirá a decisão antecipatória de parte do mérito da demanda.

Cumpre, nesse momento, abrir um parêntese para destacar uma alteração no projeto, que, a nosso ver, fez com que o NCPC perdesse a oportunidade de andar para frente. É que, além da possibilidade de (i) transitar em julgado, (ii) estar submetida à ação rescisória e (iii) ser passível de execução definitiva, teríamos, se não fosse a alteração do projeto, uma quarta razão para defender, com contundência, a existência das sentenças parciais de mérito: a inserção das apelações por instrumento.

Antes da aprovação do texto final do PL 8.046/2010 pela Câmara dos Deputados, o Deputado Paulo Teixeira exarou relatório parcial, substitutivo do texto aprovado pelo Senado Federal, em que estava prevista a interposição do recurso de apelação em desfavor das decisões parciais de mérito.

Constava expressamente no art. 1.022, § 1º, do relatório substitutivo do Deputado Paulo Teixeira que “também cabe apelação da decisão que resolver parcela do mérito da causa […]”. Tal previsão estava alicerçada em uma grande reformulação do processamento do recurso de apelação.

Nos termos do relatório do Deputado, a apelação seria feita por instrumento. Disciplinava o alterado art. 1.023 que a apelação deveria ser interposta diretamente no Tribunal competente para conhecer e julgar o recurso. Para esse fim, deveria o recorrente constituir novo caderno processual, instruído com as peças necessárias para o conhecimento e o julgamento do recurso (art. 1.023, § 1º) [12].

A nosso ver, cairia definitivamente por terra a principal resistência da doutrina para assimilar a incorporação das sentenças parciais no ordenamento processual [13]. Restaria apenas ao legislador manter o atual conceito de sentença estampado no CPC/1973.

Todavia, em aparente retrocesso, o texto final aprovado pela Câmara dos Deputados subtraiu expressamente a modalidade instrumental do recurso de apelação (ex vi do art. 1.023, caput, c/c o art. 1.024, caput), bem como previu que a decisão antecipatória de parcela do mérito será recorrível por intermédio do recurso de agravo por instrumento (NCPC, art. 356, § 4º).

É louvável a inserção da figura do julgamento antecipado parcial da demanda, e absolutamente consentânea à mudança do processamento do recurso de apelação.

Por que não classificar o referido comando judicial como sentença? Simplesmente porque o legislador manteve a anacrônica definição do conceito de sentença (inclusive, dando passos atrás em relação à Lei Federal nº 11.232/2005)?

Parece-nos que a adoção do critério topológico na definição do conceito de sentença não se apresenta harmônica ao novo Código de Processo Civil.

De qualquer modo, para muito além do nomen iuris de determinado ato, interessa-nos precipuamente os seus efeitos na órbita jurídica. A decisão do art. 356 do NCPC, que julga antecipadamente parte do mérito, possui todos, absolutamente todos, os principais atributos de uma sentença [14]. Nesse caso, pouco importa se a decisão que julgar o mérito será chamada sentença ou decisão interlocutória de mérito. No que há de relevante, restará mais do que superado o paradigma da impossibilidade da cisão do julgamento do mérito.

Há, ainda, uma consideração que, não obstante a tenhamos deixado por último, provavelmente seja a de maior importância na disciplina do instituto do julgamento antecipado parcial do mérito.

Volvendo-se os olhos mais uma vez ao art. 356 do NCPC, vislumbramos que, em bom tempo, o legislador adotou outra das acertadas sugestões de Luiz Guilherme Marinone, para elencar no rol do dispositivo a previsão de julgamento antecipado quando “um dos pedidos ou parcela deles estiver em condições de imediato julgamento, nos termos do art. 362“.

Por seu turno, dispõe o art. 362 do NCPC que “o juiz decidirá antecipadamente o pedido, proferindo sentença com resolução de mérito, quando” (inciso I) “não houver necessidade de produção de outras provas” e (inciso II) “o réu for revel e ocorrer o efeito previsto no art. 351”.

Entendemos que apenas será possível aplicar o inciso I do art. 362 à hipótese do inciso II do art. 356, pois o réu revel não impugnará nenhum dos pedidos (rectius: demandas) formulados, fato que, em regra, ocasionará o julgamento antecipado total do mérito. Com efeito, se houver impugnação, revel o requerido não será e, se for revel, não impugnará nenhum dos pedidos.

 Nessa esteira, além da hipótese de pedido incontroverso (NCPC, art. 356, inciso I), “o juiz decidirá antecipadamente o pedido, proferindo sentença com resolução de mérito, quando não houver necessidade de outras provas” (NCPC, art. 302, inciso I, c/c o art. 356, inciso II).

A inovação é elogiável e de inequívoca vocação à instrumentalidade, eficiência, economia e celeridade do processo. Como cediço, existem incontáveis casos em que uma das pretensões cumuladas poderia ser julgada de plano, mas isso não ocorre em razão da necessidade de instrução acerca dos fatos relativos a outro(s) pedido(s).

Podemos citar como exemplo hipótese em que apenas um dos pedidos exija exclusivamente análise em relação aos fundamentos jurídicos da demanda, ou aquelas pretensões que não dependam de instrução em audiência (depoimento pessoal e prova testemunhal), tal como as demandas constitutivas, aforadas para questionar a abusividade de cláusula contratual.

Pela redação do art. 356, inciso II, do NCPC, caso um dos pedidos não demande instrução probatória, encontrando-se maduro para julgamento, o magistrado deverá julgá-lo desde logo, impelido pelo princípio da duração razoável do processo (CRFB/1988, art. 5º, inciso LXXVIII). Denominaremos essa hipótese de julgamento antecipado do pedido maduro.

 A inovação é digna de aplausos e vem em boa hora para fortalecer alguns dos princípios que inspiram toda a formulação do novo sistema processual em edificação.

Vale corroborar: longe de arbitrar ao magistrado mera faculdade, o art. 356 do NCPC determina que o juiz julgará o mérito quando este estiver em condições de ser julgado, seja em razão da ausência de impugnação de um dos pedidos, seja em virtude da maturidade de uma das demandas em relação às demais.

Veremos no próximo tópico a razão de, em nosso sentir, ser acertada a decisão do legislador de manter em incisos separados as hipóteses de julgamento antecipado parcial do pedido incontroverso em relação aos casos que não demandem instrução probatória.

4 O JULGAMENTO ANTECIPADO PARCIAL DO MÉRITO NA HIPÓTESE DE CONEXIDADE ENTRE AS DEMANDAS

Superadas as considerações tecidas nos tópicos anteriores, nos lançaremos em investigar o possível tratamento dispensado pelo diploma processual que se avizinha, diante da seguinte situação: E se, depois de transitada em julgado a decisão parcial de mérito em favor de uma das partes, a demanda for julgada de modo distinto, em razão da qualificação dos fatos que lastreiam os demais pedidos? Como o NCPC cuidou dessa questão? Disso nos ocuparemos no presente tópico.

                        

4.1      Anotações sumárias acerca da conexidade de demandas no novo CPC     

A situação supra cuida de típica hipótese de conexidade entre os pedidos.

De todos os trabalhos investigados na elaboração do presente estudo, verificamos que o ensaio de Bruno Silveira de Oliveira, “Um novo conceito de sentença?” (RePro, São Paulo: RT, v. 149, p. 120, 2007), abordou muito bem o tema em análise.

Segundo Bruno Silveira de Oliveira, para quem a modificação do conceito de sentença em 2005 abriu espaço para a prolação das sentenças parciais, configura dever do magistrado julgar o mérito parcial da demanda quando um dos pedidos não demandar instrução probatória.

Todavia, o referido doutrinador vislumbra na existência de conexidade entre as pretensões o limite desse dever, ao afirmar que  para evitar o advento, em um mesmo processo, de sentenças lógica ou praticamente incompatíveis, não se deve aplicar a técnica do julgamento antecipado de capítulo incontroverso quando, entre os vários capítulos cumulados, existir algum tipo de conexidade. [15]

Fundamentado no dever de coerência na formação do convencimento e na prolação de atos decisórios sobre a mesma lide, defende que, mesmo diante de pretensões maduras para julgamento, se houver conexidade entre eles [os pedidos], afigura-se mais adequado aguardar o desfecho da instrução, para que se forme uma conclusão unívoca sobre o fato comum às várias pretensões (ainda que uma delas não tenha sido efetivamente impugnada pelo réu). [destaques nossos]

Para entender o coeso posicionamento manifestado pelo doutrinador, necessário se faz uma rápida incursão no instituto da conexidade entre de­mandas [16].

A conexidade entre as demandas constitui fenômeno jurídico extraído do plano dos fatos, isto é, da realidade, dos eventos. Tal fenômeno, de índole pragmática, está intrinsecamente correlato à lógica.

Haverá conexidade sempre que os fatos deduzidos em 2 (duas) ou mais demandas puderem potencialmente ser qualificados em 2 (duas) ou mais decisões, de tal modo que não possam coexistir sem afrontar as leis da lógica.

Em outros termos, sempre que, por apreciar os mesmos fatos em demandas distintas, duas ou mais decisões correrem o risco de serem logicamente incompatíveis (ou impossíveis de compatibilização no plano da realidade), as respectivas demandas estarão, em tese, inquinadas de conexidade.

Com efeito, o pensamento supra se encontra iniludivelmente coeso em relação às disposições normativas do NCPC. Dispõe o art. 55, caput, do NCPC que “reputam-se conexas duas ou mais ações, quando lhes for comum o objeto ou a causa de pedir”, sendo que o seu § 3º estipula que “serão reunidas para julgamento conjunto as ações que possam gerar risco de prolação de decisões conflitantes ou contraditórias caso sejam decididas separadamente, ainda que inexista conexão entre elas”.

Como supramencionado, o simultaneo processus determina a obrigação de julgar na mesma ocasião os pedidos conexos.

Imaginemos que o autor ajuizou ação para condenar o réu ao pagamento de danos materiais por lucros cessantes. Como causa de pedir remota[17], ele narra ter sido agredido fisicamente pelo requerido em determinado dia, local e horário. Aduziu ser trabalhador autônomo e que, em decorrência das lesões, ficou impossibilitado de trabalhar por 10 (dez) dias seguidos.

Depois de alguns meses, esse mesmo autor propõe nova ação indenizatória, dessa vez para requerer a condenação do réu ao pagamento de danos morais e estéticos. Para tanto, fundamenta que, em decorrência dos mesmos fatos que subsidiaram a primeira demanda proposta (agressão física), sofreu deformidades na face e experimentou profundo abalo psíquico (danos morais).

Não há dúvidas de que a primeira e a segunda demandas são conexas. Basta vislumbrar a possibilidade de o réu, ao contestar ambas as ações, alegar que agiu em legítima defesa, valendo-se da alegação de que, na ocasião narrada nas exordiais, o autor, munido de arma branca, teria tentado agredi-lo injustificadamente. Arrimado, então, no art. 188, inciso I, do Código Civil, aduz não existir ato ilícito. Certamente, haverá o risco de incompatibilidade fática entre os julgados: ou o réu agiu em legítima defesa (excludente de ilicitude – CC, art. 188, inciso I), ou cometeu ato ilícito (CC, art. 186).

Nesse caso, em decorrência da conexidade, o CPC/1973 prevê a técnica da distribuição por dependência da segunda demanda proposta (art. 253, inciso I). Se, por qualquer hipótese, não forem distribuídas por dependência, deverá ser pronunciada a conexão (CPC, arts. 103 e 105).

Uma vez caracterizada a conexidade, deflui como norma geral do ordenamento jurídico o dever de reunir as demandas, com o fim de que sejam julgadas ao mesmo tempo, para, com isso, evitar o risco de serem proferidas decisões logicamente incompatíveis, e ferir o dever de coesão dos pronunciamentos jurisdicionais.

Se isso vale em relação às demandas propostas em separado, muito mais deve valer para aquelas pretensões conexas formuladas em cúmulo objetivo na mesma demanda.

Assim, na dinâmica do atual Código de Processo Civil, caso exista a conexidade entre os pedidos dentro da mesma demanda, estando um deles maduro para julgamento em virtude da incontrovérsia, aplicar-se-ia tão somente a técnica da antecipação dos efeitos da tutela, consignada no art. 273, § 6º, em vista da técnica de julgamento conjunto.

Não obstante o irrefutável peso da teoria supradelineada, adiantaremos que, em nosso sentir, a conexidade surtirá consequências jurídicas distintas em relação aos 2 (dois) incisos do art. 356 do NCPC. Por isso, trataremos ambos em subtópicos separados, sendo que, por opção didática, iniciaremos a análise em relação ao art. 356, inciso II, do NCPC.

4.2      As demandas conexas e seus efeitos na hipótese do artigo 356, inciso II, do NCPC (julgamento antecipado do pedido maduro)           

Consoante anteriormente exposto, o art. 356, inciso II, do NCPC versa acerca da possibilidade de julgamento antecipado parcial do mérito quando uma das pretensões cumuladas não demandar a produção probatória (excluídos os casos de incontrovérsia do pedido – NCPC, art. 356, inciso I).

Conforme aludido, são vários os casos que podem ensejar a subsunção ao dispositivo em voga. A título de exemplo, temos as demandas com controvérsia exclusiva em relação aos fundamentos jurídicos (causa de pedir próxima), bem como as causas que, embora controvertidas no plano dos fatos, tenham o cerne do embate probatório resumido na produção de provas documentais, já esgotadas na fase postulatória. Enfim, caso a instrução probatória não seja necessária em relação a um dos pedidos, deverá ser aplicado o art. 356, inciso II, do NCPC.

Retomando, então, a problemática da existência de conexidade entre os pedidos já maduros para julgamento, não vemos como não convergir ao pensamento do Professor Bruno Silveira, para igualmente concluirmos incidir na espécie a vedação esculpida no art. 55 do NCPC. Isto é, nos casos amoldados ao art. 356, inciso II, caso haja conexidade entre as demandas, o juiz deverá aguardar para realizar o julgamento conjunto de todos os pedidos.

Trabalhemos, então, mais uma vez, com exemplos práticos. Para isso, vamos retornar ao caso do sujeito que sofreu agressão física. Dessa vez, imaginemos que o autor deduziu todas as pretensões (danos materiais, morais e estéticos) na mesma demanda.

Suponhamos, agora, que, em sua contestação, o réu adote linha de defesa distinta. Dessa vez, ele não impugna o ato ilícito, mas a existência dos danos específicos. Em primeiro plano, ele aduz que o autor não faz jus ao ressarcimento material por lucros cessantes, pois possuiria vínculo empregatício com determinada pessoa jurídica, de modo que o seu afastamento de 10 (dez) dias do emprego teria sido remunerado. Ademais, defende que o autor não teria sofrido nenhum tipo de deformidade facial, fazendo expressa menção aos laudos médicos e às fotos acostados juntamente com a exordial. Por fim, aduz que o autor não sofreu danos morais, pois a situação teria configurado mero dissabor. Como resultado da contestação, o cometimento do ato ilícito será presumido verdadeiro (presunção relativa), por imperativo do art. 342 do NCPC (art. 302 do atual CPC/1973).

Em que pese haver impugnação fática quanto ao pleito de dano moral (inexistência de dano), certamente o Magistrado não precisaria aguardar a instrução probatória para julgar a mencionada pretensão. Nessa situação, amparado no art. 356, inciso II, do NCPC, o juiz poderia, em tese, julgar desde logo o pedido de condenação. Todavia, como visto supra, todos os pedidos autorais estão conectados pelo mesmo substrato fático da lide.

Nessa vertente, embora o cometimento do ato ilícito seja presumido verdadeiro (presunção relativa), é perfeitamente possível que a instrução probatória revele que o réu agiu em legítima defesa. Por conseguinte, se o magistrado já tivesse julgado procedente o pedido de condenação ao ressarcimento por danos morais, o julgamento de improcedência posterior seria logicamente incompatível com o primeiro.

Logo, a existência de conexidade em relação à causa de pedir no caso proposto determinará o afastamento do dever de julgar antecipadamente o pedido maduro, previsto no art. 356, inciso II, do NCPC, para atrair o dever de julgar simultaneamente todas as pretensões (art. 55 do NCPC).

Contudo, entendemos que essa dinâmica não se ajusta ao caso dos pedidos incontroversos, quando tal incontrovérsia derivar de acordo ou de reconhecimento expresso do pedido, conforme passaremos a expor.

                                   

4.3      As demandas conexas e seus efeitos em relação ao artigo 356, inciso I, do CPC (pedido incontroverso)      

Como visto, há o entendimento de que o dever imposto ao magistrado de formar uma convicção coerente acerca dos fatos que subsidiam as pretensões deduzidas em juízo consubstancia limite ao dever de julgar antecipadamente parte do mérito. Com isso, objetiva-se evitar uma decisão transitada em julgado fundamentada na presunção de um fato ilidido posteriormente em outra decisão definitiva. Como se nota, o fundamento da aludida vedação residiria no critério de “justiça formal[18].

Todavia, com todo o respeito, divergimos em parte desse entendimento. Isso porque, em nosso sentir, o fundamento para o julgamento do pedido incontroverso não reside, em todos os casos, na veracidade dos fatos. Passamos a expor as premissas e os fundamentos de nossas conclusões.

Em virtude da presunção de veracidade incidente sobre os fatos não impugnados na contestação (NCPC, art. 342), somos tentados a crer que o fundamento para o julgamento do pedido incontroverso decorre dessa presunção. Nesse sentido, o julgamento antecipado decorreria da presumida veracidade dos fatos. Como essa presunção pode ser refutada com base nos elementos acostados aos autos, é possível que ocorra de a decisão final se estribar em fatos completamente distintos daqueles anteriormente considerados verdadeiros.

Se essa for a premissa, restará irretocável a conclusão no sentido de não ser possível julgar antecipadamente o mérito da parte incontroversa da demanda quando existir conexidade entre os pedidos. Isso porque, em última análise, estaremos verdadeiramente diante do critério de “justiça formal“, que deverá inexoravelmente ser observado.

Todavia, parece-nos que a presunção de veracidade dos fatos não impugnados na contestação (NCPC, art. 342) não se confunde com a incontrovérsia do pedido (NCPC, art. 356, inciso I), tampouco constitui o seu pilar fundamental. Por certo, na hipótese do pedido incontroverso, os fatos não impugnados serão presumidos verdadeiros, mas não é esse o fundamento do julgamento antecipatório do mérito nesse caso específico.

Ocorre que, em nosso sentir, a incontrovérsia do pedido pode se dar (i) quando a presunção de veracidade de determinado fato culminar logicamente no juízo de procedência de um dos pedidos cumulados; (ii) quando, acerca de determinado pedido, as partes transigirem; e (iii) quando houver reconhecimento expresso do pedido pela parte adversária.

A primeira hipótese pode estar arrimada no critério de “justiça formal“. Todavia, os outros 2 (dois) casos não encontram o seu fundamento na justiça, que se originaria na correção dos acontecimentos.

Com efeito, podemos afirmar que o fundamento para julgar de modo antecipado o pedido incontroverso nessas últimas 2 (duas) hipóteses habita no consenso entre as partes. Trata-se de um critério de justiça consensual. Explicaremos.

Como cediço, em qualquer relação jurídica, máxime na relação jurídica processual, os atos praticados pelas partes possuem aptidão de deflagrar consequências jurídicas distintas: criação, modificação ou extinção de direitos, imposição de ônus, etc. Nesse diapasão, há casos em que a incontrovérsia do pedido decorre de ato expresso praticado pela parte contrária.

Nessa toada, o julgamento antecipado do mérito do pedido incontroverso não encontra o seu fundamento na veracidade ou não dos fatos, mas sim na anuência do requerido em relação a uma das pretensões deduzidas na exordial.

Assim como é perfeitamente possível que a parte requerida reconheça a procedência do pedido autoral, fato que implicará a prolação de sentença homologatória (NCPC, art. 497, inciso II), é igualmente plausível que a parte requerida manifeste anuência em relação a uma das pretensões por intermédio de um acordo. Ora, se o autor deduz pretensão e o réu com ela anui, tem-se verdadeiro consenso.

Veja-se que não se trata de uma parte que não teve a oportunidade de se manifestar, mas sim de um sujeito processual que apresentou resistência apenas em relação a algumas das pretensões deduzidas.

Destarte, o fundamento dessa decisão que julga antecipadamente parte do mérito incontrovertido é a convergência das manifestações de vontades de ambas as partes envolvidas na relação jurídica. Vale observar que, ao realizar negócio jurídico, pouca relevância possuem os fatos que o motivam (à exceção dos fatos que inquinam o negócio com vícios de invalidade – CC, arts. 138 usque 184). Nesse caso, preenchidos os requisitos de validade (CC, art. 104), o que prevalece é a manifestação consensual de vontade das partes.

Firme nessa premissa, concluímos inexistir óbice, ainda que a instrução probatória revele que os fatos não se deram tal como presumidos no momento de julgar o pedido incontroverso nessas duas hipóteses [19]. Sendo, todavia, o caso de incontrovérsia por ato omissivo da parte, o juiz deverá aguardar para realizar o julgamento simultâneo de todos os pedidos, incidindo, nessa hipótese, a “justiça formal“.

Já expôs o saudoso Chaïm Perelman que, almejando a implementação da justiça, o intérprete deverá, nos casos em que tal medida se revelar necessária, aplicar a técnica da ficção jurídica para qualificar os fatos de modo distinto dos acontecimentos ocorridos no plano da realidade [20].

Outrossim, em vários dispositivos o próprio sistema mitiga o dever de formação coesa do julgado em relação aos fatos conexos. O primeiro deles está compreendido no art. 55, § 1º, do NCPC. Segundo a dicção do referido dispositivo, caso já tenha sido proferida sentença nos autos da demanda conexa, não haverá a implementação do simultaneus processus. Vale destacar, inclusive, que não existe regra em nosso ordenamento que vincule o magistrado da última demanda proposta a julgar conforme a qualificação dos fatos feita pelo primeiro magistrado na sentença.

Em arremate, urge consignar que o próprio instituto da coisa julgada demonstra a opção legislativa em mitigar o princípio da justiça formal em prol da segurança jurídica. Uma vez transitada em julgado determinada decisão, não poderá a parte pedir novo julgamento simplesmente porque conseguiu provas que pudessem demonstrar de modo cabal o seu direito. Aliás, quadra registrar que a jurisprudência apenas tem possibilitado a relativização da coisa julgada nos casos em que o direito fundamental em jogo for de maior peso que a segurança jurídica.

Portanto, cediço que a “justiça formal” é afastada em diversos casos no sistema processual, e, fincados na premissa de que o fundamento do julgamento antecipado do pedido incontroverso é a manifestação de vontade das partes de modo consensual, entendemos que na hipótese do art. 356, inciso I, do NCPC, existindo o reconhecimento expresso do pedido, ou acordo em relação a um deles, ainda que haja conexidade, o juiz deverá julgar desde logo a parte incontroversa da demanda.

            

CONCLUSÕES      

Superando o dogma da impossibilidade de cindir o julgamento do mérito, o diploma processual civil que se avizinha consagra o instituto do julgamento antecipado parcial da demanda. Em que pese o fato de a decisão que julgar parcialmente o mérito não ser classificada pelo NCPC como sentença, produzirá todos os seus efeitos próprios, o que, sem dúvidas, denota louvável avanço na dinâmica da marcha processual.

Assim, caso um dos pedidos cumulados esteja maduro para julgamento (NCPC, art. 356, inciso II), ou tenha restado incontroverso (NCPC, art. 356, inciso I), deverá o magistrado julgar desde logo o mérito. Todavia, na hipótese de existência de demandas conexas, o magistrado estará impossibilitado de julgar o mérito em relação ao pedido maduro ou quando a incontrovérsia do pedido residir na omissão quanto ao dever de impugnação da parte adversa. De outro giro, ainda que exista conexidade entre as pretensões cumuladas, subsistirá o dever do magistrado de julgar desde logo o mérito do pedido incontroverso, em razão do critério de justiça consensual, se ocorrer reconhecimento expresso do pedido ou, acerca de algum deles, houver acordo.

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[1] Ex vi LOPES, João Batista. Tutela antecipada no processo civil brasileiro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 168-169; BUENO, Cássio Scarpinella. Tutela antecipada. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 45-56; DIDDIER JR., Fredie. Inovações na antecipação dos efeitos da tutela e a resolução parcial do mérito. Revista de Processo, v. 110, p. 225, 2003.

[2] MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela antecipatória e julgamento antecipado: parte incon-troversa da demanda. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 155-158.

[3] Em que pesem os incontestáveis avanços decorrentes da alteração normativa, o legislador mostrou-se bastante tímido na edição da regra supracitada, ao incluir apenas a previsão do pedido incontroverso, aparentemente ignorando a gama de situações que poderiam advir do art. 330, inciso I, do CPC/1973.

[4] Idem.

[5] Cumpre enfatizar a expressa intenção do legislador em alterar o critério que serve de arrimo ao conceito de sentença, pois, conforme se depreende da exposição de motivos da Lei nº 11.232/2005, cuidadosamente redigida pelo IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Processual) e subscrita pelo então ministro de Estado da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, “a alteração da sistemática impõe a alteração dos arts. 162, 269, e 463, uma vez que a sentença ‘não mais põe fim ao processo'”. Ademais, a própria opção legislativa em suprimir o critério topológico deve, necessariamente, não ser vista como lacuna, mas como expressa intenção legislativa (nesse sentido, ver Capítulo V da obra LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 3. ed. Trad. José Lamego. Lisboa: Edição da Fundação Calouste Gulbenkian, 1997).

[6] Segundo o Professor Bruno Silveira de Oliveira, em seu interessantíssimo “A ‘interlocutória faz de conta’ e o ‘recurso ornitorrinco’ (ensaio sobre a sentença parcial e o recurso dela cabível)”, na Revista de Processo (v. 203, p. 73, 2012), admitem as sentenças parciais: Cândido Rangel Dinamarco, Vocabulário do processo civil, p. 263; José Roberto dos Santos Bedaque, Algumas considerações sobre o cumprimento da sentença condenatória, Revista do Advogado, 85/63-77; Teresa Arruda Alvim Wambier, O conceito de sentença no CPC (LGL\1973\5) reformado, In: Adroaldo Furtado Fabrício (Coord.), Meios de impugnação ao julgado civil: estudos em homenagem a José Carlos Barbosa Moreira, p. 527-539; Carlos Alberto Carmona, Ensaio sobre a sentença arbitral parcial, RePro, 165/10-14; Araken de Assis, Cumprimento da sentença, p. 20-21; Ricardo de Carvalho Aprigliano, A apelação e seus efeitos, 2. ed., p. 16-20; Heitor Vitor Mendonça Sica, Algumas implicações do novo conceito de sentença no processo civil, de acordo com a Lei nº 11.232/2005, In: Carlos Alberto Carmona (Coord.), Reflexões sobre a reforma do Código de Processo Civil (LGL\1973\5): estudos em homenagem a Ada Pellegrini Grinover, Cândido Rangel Dinamarco e Kazuo Watanabe, p. 187-199; Daniel Amorim Assumpção Neves et al., Reforma do CPC (LGL\1973\5), p. 79-80; Gláucia Assalin Nogueira, O julgamento parcial: possibilidade de cisão do julgamento de mérito relativamente à parte incontroversa da demanda, passim; Sidney Pereira de Souza Jr., op. cit., p. 54 e ss.; Daniel Mitidiero, Direito fundamental ao julgamento definitivo da parcela incontroversa: uma proposta de compreensão do art. 273, § 6º, CPC (LGL\1973\5), na perspectiva do direito fundamental a um processo sem dilações indevidas (art. 5º, LXXVIII, CF/1988 (LGL\1988\3)), RePro, 149/115; Fabio Milman, O novo conceito legal de sentença e suas repercussões recursais: primeiras experiências com a apelação por instrumento, RePro, 150/165; Paulo Afonso de Souza Sant’Anna, Sentença parcial, In: José Miguel Garcia Medina et al. (Coord.), Os poderes do juiz e o controle das decisões judiciais: estudos em homenagem à Professora Teresa Arruda Alvim Wambier, p. 460; Renato Castro Teixeira Martins, Apelação por instrumento, In: José Miguel Garcia Medina et al. (Coord.), Os poderes do juiz e o controle das decisões judiciais: estudos em homenagem à Professora Teresa Arruda Alvim Wambier, p. 840-841; Bruno Garcia Redondo, Sentença parcial de mérito e apelação em autos suplementares, RePro, 160/142 (DTR\2008\336)-155; Jorge de Oliveira Vargas, O novo conceito de sentença e o recurso daquela que não extingue o processo: apelação ou agravo de instrumento?, RePro, 148/112-113; Luiz Guilherme da Costa Wagner Junior, O novo conceito de sentença e os reflexos na escolha dos meios de impugnação cabíveis diante dos pronunciamentos judiciais: aplicação do princípio da fungibilidade, In: Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda Alvim Wambier (Coord.), Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e assuntos afins, v. 11, p. 193; Bruno Silveira de Oliveira, Um novo conceito de sentença? RePro, 149/121-138.

[7] Em seu instigante “A ‘interlocutória faz de conta’ e o ‘recurso ornitorrinco’ (ensaio sobre a sentença parcial e o recurso dela cabível)” (Revista de Processo, v. 203, p. 73, 2012), o Professor Bruno Silveira de Oliveira elenca alguns dos expoentes que se filiam à impossibilidade de sentenças parciais: José Carlos Barbosa Moreira, A nova definição de sentença. In: ______. Temas de direito processual, 9. sér., p. 172 (nota de rodapé 8); Humberto Theodoro Júnior, As novas reformas do Código de Processo Civil (LGL\1973\5), p. 6; Nelson Nery Jr., Conceito sistemático de sentença: considerações sobre a modificação do CPC (LGL\1973\5) 162, § 1.º, que não alterou o conceito de sentença, In: Fernando Gonzaga Jaime et al. (Coord.), Processo civil: novas tendências: estudos em homenagem ao Professor Humberto Theodoro Júnior, p. 521-531; Luiz Fux, A reforma do processo civil, 2. ed., p. 3-4; Fredie Didier Junior et al., A terceira etapa da reforma processual civil, p. 68-73; José Henrique Mouta Araújo, O cumprimento da sentença e a 3ª etapa da reforma processual – Primeiras impressões, RePro, 123/157; Luiz Guilherme Marinoni, Abuso de defesa e parte incontroversa da demanda, p. 212; Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, Processo de conhecimento, 8. ed., p. 412; Ernane Fidélis dos Santos, Manual de direito processual civil, 13. ed., v. I, p. 216; Eduardo Arruda Alvim, O perfil da sentença e suas repercussões na Lei nº 11.232/2005, In: Gustavo Santana Nogueira (Coord.), A nova reforma processual, p. 51; Cassio Scarpinella Bueno, A nova etapa da reforma do Código de Processo Civil (LGL\1973\5), v. 1, p. 13-21; Cassio Scarpinella Bueno, Curso sistematizado de direito processual civil, 2. ed., v. 2, t. I, p. 326-327; Bernardo Pimentel Souza, Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória, 6. ed., p. 418-422; Leonardo Ferres da Silva Ribeiro, A definição dos pronunciamentos judiciais (sentenças, decisões interlocutórias e despachos) após as últimas alterações legislativas: impacto e efeitos no plano recursal, In: José Miguel Garcia Medina et al. (Coord.), Os poderes do juiz e o controle das decisões judiciais: estudos em homenagem à Professora Teresa Arruda Alvim Wambier, p. 381.

[8] Concordamos com o professor Bruno Silveira de Oliveira quando vislumbra na temática do recurso de apelação o principal fator de resistência por parte da doutrina em relação às sentenças parciais de mérito. De fato, excluído o problema em torno do recurso de apelação, não subsiste razão razoável para a resistência ao conceito de sentença disciplinado no art. 162, § 1º, do CPC/1973. A esse respeito ler OLIVEIRA, Bruno Silveira de. A “Interlocutória faz de Conta” e o “Recurso Ornitorrinco” (ensaio sobre a sentença parcial e o recurso dela cabível) in Revista de Processo. vol. 203. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 73.

[9] A esse respeito, ver OLIVEIRA, Bruno Silveira de. A “interlocutória faz de conta” e o “recurso ornitorrinco” (ensaio sobre a sentença parcial e o recurso dela cabível). Revista de Processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 203, p. 73, 2012.

[10] REsp 1129364/SP, REsp 1.090.429/RJ, AgRg-Ag 1257123/SP, REsp 1197267/RJ, REsp 1090429/RJ, REsp 164.729/SP, REsp 645388/MS, REsp 706293/RS.

[11] Segundo dispõe o art. 203, § 2º, do NCPC, “decisão interlocutória é todo pronunciamento judicial de natureza decisória que não se enquadre na descrição do § 1º”.

[12] É de se indagar, portanto, se o legislador teria criado hipótese de apelação em desfavor de decisão interlocutória. A resposta era afirmativa, e foi dada de modo expresso no item nº 17 da exposição de motivos do relatório substitutivo do Deputado Paulo Teixeira: “Principais alterações em relação à versão apresentada em novembro de 2012. […] 17. Cabimento da apelação contra decisão interlocutória de mérito (art. 1.022, §1º): acolhimento de sugestão formulada pela Professora Teresa Wambier”. A maior inconsistência que havia, naquela ocasião, estava no não enquadramento da decisão parcial de mérito no rol das decisões interlocutórias do antigo art. 203.

[13] Conforme visto, a maior resistência à exclusão do critério topológico do conceito de sentença foi ocasionada pelo desconforto da doutrina em compatibilizar a possibilidade de sentenças parciais com a dinâmica de interposição do recurso de apelação, máxime diante da (suposta) impossibilidade de haver uma “apelação por instrumento”.

[14] Cumpre destacar que a recorribilidade por intermédio de agravo por instrumento permanecerá como a principal objeção doutrinária à inserção da sentença parcial, agora fomentada pela lamentável alteração do conceito de sentença. Todavia, os efeitos da decisão que julga antecipadamente parte do mérito ainda a aproxima substancialmente mais de uma sentença que de uma decisão interlocutória.

[15] OLIVEIRA, Bruno Silveira. Um novo conceito de sentença? RePro, São Paulo: RT, v. 149, p. 120, 2007.

[16] A esse respeito, ler OLIVEIRA, Bruno Silveira de. Conexidade e efetividade processual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

[17] Adotamos o posicionamento que a causa de pedir remota são os fatos que embasam a pretensão autoral. Por todos: CARVALHO, Mílton Paulo de. Do pedido no processo civil. Porto Alegre: Fabris, 1992. p. 94.

[18] Termo empregado pelo doutrinador no artigo “Um novo conceito de sentença?” (RePro, São Paulo: RT, v. 149, p. 120, 2007.

[19] Vale lembrar que a decisão que julga antecipadamente parte do mérito produz coisa julgada.

[20] Chaïm Perelman indica a hipótese: “As ficções jurisprudenciais, que não são nem embuste, mas procedimentos de técnica judiciária, são por vezes utilizadas por juízes que se recusam a aplicar uma disposição legislativa, porque a acham iníqua ou desarrazoada, e que não têm o poder legal de modificar o texto da lei. O exemplo mais flagrante de uma ficção assim foi a atitude dos juízes ingleses diante de uma lei penas do final do século XVIII, que condenava obrigatoriamente à pena de morte todos os culpados de grand lacerny. Essa lei qualificava de grand lacerny, entre outros, todo roubo de um valor de pelo menos duas libras. Regularmente, e durante anos, os juízos ingleses avaliaram em 39 xelins qualquer roubo, fosse qual fosse sua importância verdadeira. O auge da ficção foi realizado no dia em que o Tribunal, em 1808, avaliou em 39 xelins um roubo de 10 libras inglesas” (PERELMAN, Chaïm. Ética e direito. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 609).