A AVERBAÇÃO PREMONITÓRIA DA PENHORA
Rogério Tadeu Romano
Introduzida pelo art. 615-A do Código de Processo Civil de 1973 e também prevista pelo art. 828 do CPC de 2015, a averbação premonitória consiste na possibilidade de anotar a existência de um processo executivo no registro de imóveis, de veículos ou de outros bens sujeitos à penhora, arresto ou indisponibilidade, configurando fraude à execução a alienação ou oneração de bens efetuada após a averbação.
Para a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), porém, esse ato não implica preferência do interessado que o realizou, em prejuízo de posterior penhora efetivada por outro credor. O direito de preferência será do primeiro credor que promover a penhora judicial.
Nos autos que deram origem ao recurso, uma empresa de calçados conseguiu penhorar bens do devedor e requereu sua adjudicação, mas o pedido foi indeferido sob o argumento de que a averbação premonitória feita anteriormente pelo Banco do Brasil resguardaria ao credor mais cauteloso o direito de preferência do crédito registrado.
A decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS). Segundo o tribunal, a averbação premonitória não retira o poder de disposição do executado sobre o bem, porém eventual transferência será considerada ineficaz em face da execução averbada, nos termos do art. 615-A do CPC/1973.
O registro preventivo do art. 167, I, j, primeira e terceira partes, da Lei nº 6.015 (penhora de imóveis, arresto e sequestro) assegura a eficácia do adiantamento de execução. Trata-se de registro preventivo (Tratado de direito privado – Parte especial – Direito das coisas: propriedade-aquisição da propriedade imobiliária. 2. ed. Campinas: Bookseller, t. XI, 2001. p. 432). Não há aqui a sequela já refletida processualmente no direito romano, na circunstância de que a fórmula dada pelo pretor para proteger o direito real não registrava o nome do réu na demonstratio, o que não sucedia com a fórmula protetora do direito processual, como acentuou Pontes de Miranda.
Esses registros pressupõem e têm de assegurar a pretensão pessoal dirigida à execução forçada ou à pretensão à segurança.
O registro preventivo não gera a presunção do art. 859 do antigo Código Civil, própria dos titulares do direito real (presume-se pertencer o direito real à pessoa, em cujo nome se inscreveu, ou transcreveu), próprio do princípio da inscrição. Segundo, na mesma lição de Pontes de Miranda, não é dotado da fé pública do registro.
O direito preventivamente registrado é pessoal e não real, que é o direito que, em princípio, confere ao titular o poder de excluir da senhoria sobre uma coisa a intervenção alheia, que já o caracterizou, por ampla oponibilidade erga omnes.
Quero dizer que estamos diante de um direito relativo dos que se opõem, de ordinário, a uma só pessoa, que tem um único sujeito passivo, o devedor. Não falemos de uma infinidade de sujeitos passivos com um poder de exclusão dirigido erga omnes com a efetivação do registro da penhora. As consequências da consideração como direito real levam em conta não importar a mudança do titular do dever jurídico.
O direito do registro preventivo não é real (art. 167, I, § 5º, da Lei nº 6.015/1973): mesmo e ainda que se opere erga omnes, não se assimila a uma aquisição definitiva, o que levou Pontes de Miranda a condenar W. Othmer (Die rechtliche Wirkungder Vormerkung, 80). É direito anexo ao crédito e distinto dele com eficácia erga omnes.
A preferência é efeito da penhora, não sendo ela um direito real.
Não havendo hierarquia, aplica-se o “prior tempore potior iure” (Revista Forense, 247/420), adotando como solução o regrado no art. 711 do CPC, sendo irrelevante a inscrição da penhora para criar o direito de preferência do credor mais rápido, diligente. Isso se passou à luz das Ordenações Afonsinas, Livro 3º, tít. 97, pr. e §§ 1-6, e Ordenações Manuelinas, Livro 3º, t. 7-74, § 2º), até 1.761.
A esse respeito, decidiu o Superior Tribunal de Justiça, como guardião da Lei Federal:
A preferência no concurso de credores é feita em função da anterioridade da penhora e o registro subsequente desta não tem o condão de alterar o direito de preferência, destinada a gerar a presunção da ciência do terceiro em favor dos exequentes. (STJ, REsp 31.475-0/RN, 3ª T., Rel. Min. Waldemar Zveiter, J. 29.06.1993, DJU 30.08.1993, p. 17290)
Qual seu objetivo com o registro? Tornar sem a tutela da fé pública a aquisição de terceiro que haja adquirido a despeito da penhora. Direi que a penhora, por si só, torna ineficaz originariamente qualquer alienação do bem penhorado.
Mas, afinal, adotou nosso sistema jurídico o princípio do prior tempore potior iure? Parece-me que sim.
Privilégio é a qualidade consistente em estabelecer que seja o crédito pago com a prioridade relativamente aos outros (CASTRO, Amilcar de Comentários ao CPC. 1. ed. São Paulo: RT, VIII, 1994. p. 136).
Na exposição de motivos, o Ministro Alfredo Buzaid registra que “pela penhora adquire o credor um direito real sobre os bens penhorados, a exemplo do que dispõe o Código Civil alemão”.
Sob o Código de Processo Civil de 1973 está configurada a fraude à execução no ato de alienação ou oneração de bens do devedor quando o bem for litigioso e, ao tempo da alienação, correr contra o devedor uma demanda capaz de reduzi-lo à insolvência, do que se lia do art. 593, I e II.
Diante do art. 615-A do CPC de 1973, autoriza-se o exequente a, no ato de distribuição, obter certidão comprobatória do ajuizamento da execução, para averbação no registro de imóveis, de veículos ou de outros bens sujeitos à penhora ou arresto. Por sua vez, o § 3º considera em fraude à execução a alienação ou a oneração dos bens após essa averbação. Por esse mecanismo, consegue-se então antecipar o reconhecimento da fraude, desde que obtida a averbação da certidão do distribuidor.
Consoante à jurisprudência consolidada na Súmula nº 375 do STJ, o reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem do. Na falta de registro, imputa-se ao credor o ônus de provar a má-fé do terceiro adquirente, a fim de demonstrar que este tinha ciência da ação em curso.
Com o novo CPC de 2015, tem-se da leitura do art. 792:
A alienação ou a oneração de bem é considerada fraude à execução:
I – quando sobre o bem pender ação fundada em direito real ou com pretensão reipersecutória, desde que a pendência do processo tenha sido averbada no respectivo registro público, se houver;
II – quando tiver sido averbada, no registro do bem, a pendência do processo de execução, na forma do art. 828;
III – quando tiver sido averbado, no registro do bem, hipoteca judiciária ou outro ato de constrição judicial originário do processo onde foi arguida a fraude;
IV – quando, ao tempo da alienação ou da oneração, tramitava contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência;
V – nos demais casos expressos em lei.
Necessário, pois, de bom alvitre, que o credor promova a averbação no cartório de registro de imóveis competente, do ato de constrição judicial que comprove que o bem apresenta-se sob segurança de juízo. Averbação é toda alteração que ocorre no registro de imóvel (construção, demolição, extinção da hipoteca etc.). Não se confunde com o registro, em que há apresentação de direito real, envolvendo a alienação, ônus reais. Não se confunde com a matrícula, que é onde se identifica o imóvel pela localização e descrição exata. O registro tem por finalidade escriturar os atos translativos ou declaratórios da propriedade imóvel e os constitutivos de direitos reais. A averbação tem por finalidade escriturar as alterações e extinções do ato de registro e da própria matrícula.
No ensinamento de Paula Batista, a penhora é o ato pelo qual, “em virtude de mandado do juiz, são apreendidos e depositados bens do condenado para a segurança do juízo” (segundo se lê em A penhora, de Arnaldo Marmitt – Editora Aide, 1986, p. 8, na obra Compêndio de theoria e prática do processo civil comparado com o comercial, Seção VII, Rio de Janeiro, 1901, apud).
Como tal, submete-se a penhora a princípios:
a) humanização, na defesa de necessidades primárias do devedor, obedecido o princípio vetor da dignidade da pessoa humana;
b) especificidade, pois toda a execução é real, destacando-se os bens destinados a satisfazer o débito;
c) suficiência: a penhora deve abranger tantos bens quantos bastem para
o pagamento do débito (art. 659 do CPC);
d) utilidade.
São efeitos da penhora:
a) despojar o devedor da posse direta das coisas, constritadas com o depósito delas;
b) imprimir ineficácia dos bens penhorados, em relação ao exequente, independente do registro da penhora (MARMITT, Arnaldo. A penhora. Rio de Janeiro: Aide, 1986. p. 17).
Mas o registro é essencial à penhora?
A matéria já foi objeto de análise, à luz do art. 659, § 4º, do CPC de 1973, com a redação dada pela Lei nº 10.444/2002.
Candido Rangel Dinamarco (A reforma do Código de Processo Civil, 1995) lecionou que o registro não é essencial à penhora, pois, mesmo sem ele, a penhora existe e será válida e eficaz sempre que atenda às exigências formuladas em lei, não sendo eficaz perante terceiros.
Ora, o registro preceituado no art. 659, § 4º, do Código de Processo Civil protege a boa-fé de terceiros, não se adequando à linha histórica do art. 838, nº 2, do Código Português, no qual a penhora só produz efeitos desde a data do registro.
Assim, para a penhora (ato pelo qual, em virtude de mandado do juiz, são apreendidos e depositados bens do executado para a segurança do juízo), basta o termo ou o auto. Este, quando lavrado por oficial de justiça, e aquele, quando é nomeado ou indicado pelo devedor.
Esse registro destina-se a dar a terceiros conhecimento da penhora, ciência considerada presunção absoluta (iuris et de iure).
Esse registro da penhora seria mero complemento do ato.
Para Dinamarco, a consequência que se tinha do § 4º do art. 659 do CPC de 1973 seria a inexistência de fraude à execução capaz de permitir a responsabilidade patrimonial do bem alienado, sempre que a penhora não estivesse registrada no cartório imobiliário (art. 593, II, do CPC de 1973).
Tem-se então o que segue:
a) O reconhecimento da fraude à execução depende da prévia averbação do processo ou da constrição judicial que recai sobre o bem alienado.
Por sua vez, o § 4º do art. 828 do NCPC considera em fraude à execução a alienação ou a oneração dos bens após essa averbação.
b) A 2ª parte da Súmula nº 375 do STJ foi reafirmada pelo § 2º do art. 792 do NCPC, verbis: “No caso de aquisição de bem não sujeito a registro, o terceiro adquirente tem o ônus de provar que adotou as cautelas necessárias para a aquisição, mediante a exibição das certidões pertinentes, obtidas no domicílio do vendedor e no local onde se encontra o bem”.
Tratemos da matéria com relação à fraude à execução fiscal no que concerne aos créditos da Fazenda Pública.
A matéria é regida por lei especial, a Lei nº 6.830/1980, e pelo art. 185 do CTN, quando se diz:
Art. 185. Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa. (Redação dada pela LC 118, de 2005)
Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica na hipótese de terem sido reservados, pelo devedor, bens ou rendas suficientes ao total pagamento da dívida inscrita. (Redação dada pela LCP 118, de 2005)
O Superior Tribunal de Justiça editou na matéria a Súmula nº 375, no sentido de que o reconhecimento da fraude à execução depende de registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do adquirente, face ao regramento existente do art. 185 do Código Tributário Nacional. Em seu voto, no AgRg-RESp 1065799/RS, DJe de 28 de fevereiro de 2011, o Ministro Luiz Fux lembrou, à luz da doutrina, que a fraude à execução, diversamente da fraude contra credores, opera-se in re ipsa, vale dizer, tem caráter absoluto, objetivo, dispensando o concilium fraudis.
Sendo assim, há fraude à execução fiscal sempre que há alienação de bem posterior à citação do devedor, trazendo ineficácia (nem inexistência ou invalidade) do negócio jurídico, sendo irrelevante o fato da ausência de penhora gravada no registro de imóveis e da boa-fé do terceiro.
Posteriormente, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1240398/AL, Relator Ministro Humberto Martins, DJe de 3 de maio de 2011, manteve tal posição, entendendo inaplicável a Súmula nº 375 do Superior Tribunal de Justiça, fazendo a correta leitura do art. 185 do Código Tributário Nacional, com a redação dada pela Lei Complementar nº 118/2005.
O Ministro Mauro Campbell Marques, no julgamento do Recurso Especial nº 772829//RS, DJe de 10 de fevereiro de 2011, reiterou que a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo, no Recurso Especial nº 1.141.990/PR, da relatoria do Ministro Luiz Fux, decidiu no sentido da não incidência da Súmula nº 375 do Superior Tribunal de Justiça em sede de execução tributária, uma vez que o art. 185 do Código Tributário Nacional, seja em sua versão original, seja na redação dada pela Lei Complementar nº 118/2005, presume a ocorrência de fraude à execução quando, no primeiro caso, a alienação se dá após a citação do devedor na execução fiscal, e, no segundo caso, após a Lei Complementar nº 118/2005, a presunção ocorre quando a alienação é posterior à inscrição do débito tributário em dívida ativa.
Naquele feito, além da presunção in re ipsa, absoluta da fraude, reconheceu a Corte a quo a existência de consilium fraudis na hipótese, uma vez que a alienação da fração ideal (50{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}) do imóvel pertencente ao sócio alvo do redirecionamento da execução se deu para sua irmã, após a citação válida do devedor, que era editalícia, em que se exigia que fosse nomeado curador especial com legitimidade para apresentar embargos, nos termos da Súmula nº 196 do Superior Tribunal de Justiça.
Entendeu-se configurada a fraude com a alienação do bem posterior à inscrição em dívida ativa e a citação do devedor.
Relator do recurso da empresa de calçados no STJ, o Ministro Antonio Carlos Ferreira apontou que o termo “alienação” previsto no CPC anterior se refere ao ato voluntário de disposição patrimonial do devedor. De acordo com o ministro, a hipótese de fraude à execução não se compatibiliza com a adjudicação forçada, realizada em outro processo de execução, no qual tenha sido efetivado primeiro a penhora do mesmo bem.
Segundo o relator, o alcance do art. 615-A se dá exclusivamente em relação à ineficácia das alienações voluntárias em face da execução promovida pelo credor que promoveu a averbação, mas não impede a expropriação judicial, cuja preferência será definida de acordo com a ordem de penhoras, nos termos dos arts. 612, 613 e 711 do CPC/1973.
“Sendo certo que a averbação premonitória não se equipara à penhora, força concluir que aquela não induz preferência do credor em prejuízo desta. Em suma, a preferência será do credor que primeiro promover a penhora judicial”, concluiu o ministro, ao afastar a preferência do Banco do Brasil e determinar que o TJRS examine o pedido de adjudicação da empresa de calçados.