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AUTOFALÊNCIA – FALÊNCIA REQUERIDA PELO PRÓPRIO DEVEDOR

AUTOFALÊNCIA –

FALÊNCIA REQUERIDA PELO PRÓPRIO DEVEDOR

Rénan Kfuri Lopes

 Sumário:

1.         REQUERIMENTO DA AUTOFALÊNCIA

1.1.      CONCEITO

1.2.      LEGITIMIDADE ATIVA

1.3.      PROCURAÇÃO AD JUDICIA

1.4.      DESISTÊNCIA

1.5.      CONTRARIEDADE AO PEDIDO

2.         DOCUMENTOS INDISPENSÁVEIS NA INICIAL

2.1.      DEMONSTRAÇÕES CONTÁBEIS

2.2.      RELAÇÃO NOMINAL DOS CREDORES

2.3.      RELAÇÃO DOS BENS E DIREITOS DO ATIVO

2.4.      PROVA DA CONDIÇÃO DE EMPRESÁRIO

2.5.      LIVROS E DOCUMENTOS CONTÁBEIS

2.6.      RELAÇÃO DOS ADMINISTRADORES NOS ÚLTIMOS 05 ANOS

3.         EMENDA DA INICIAL

4.         A SENTENÇA DE QUEBRA

5.         RECURSO

 

 

1. REQUERIMENTO DA AUTOFALÊNCIA

1.1.    CONCEITO

Instituto pouco utilizado é a falência requerida pelo próprio devedor, conhecida no meio forense como autofalência. Pela Lei 11.101/05 o enfoque é para o devedor pedir judicialmente sua própria quebra. Exige-se 3 [três] pressupostos: a qualidade do devedor, o estado de insolvência do empresário e a decretação judicial da falência.

A autofalência, sob a ótica instrumental, é um processo judicial de execução a título universal para a liquidação do patrimônio empresarial com o intuito de pagar as dívidas da totalidade de credores possíveis.

O art.94 da LREF trabalha com os sistemas da impontualidade e da enumeração legal de fatos concretos, sendo certo que a falência requerida pelo próprio devedor, prevista no art. 105 do mesmo diploma tem um regramento próprio adiante analisado.

 

1.2.    LEGITIMIDADE ATIVA

O art. 105, caput da LREF dispositivo legal não tem sentido impositivo, “deverá” requerer a falência, ou seja, não há previsão de qualquer sanção. Bem por isso, é um dos fatores relevantes para o desuso da autofalência, dando vazão a um raciocínio claudicante da noção maior da autofalência [ter débitos sem condições de recuperar ou pagar], relegando a confissão da falência pelo devedor a uma prática mais distante.

No curso do processamento ou do cumprimento da Recuperação Judicial, verificado o insucesso de se manter a atividade empresarial nos termos traçados da reabilitação, poderá o devedor pedir sua própria falência, expondo as razões da impossibilidade do prosseguimento da atividade empresarial, presumindo-se válidos os atos de administração, endividamento, oneração ou alienação praticados, desde que realizados na forma da LREF [art.105, caput c.c. art.74][1].

Para a iniciativa da autofalência, por se tratar de uma decisão das mais agudas no seio de uma empresa, exige-se a participação direta das várias pessoas interessadas em salvaguardar seus direitos e obrigações, realçando que os efeitos da falência serão transmitidos para os devedores.

As leis especiais sistematizam as diversas categorias de empresários:

–        sociedade por ações – compete privativamente à assembleia geral convocada especialmente para deliberar sobre o pedido de autofalência, que concederá poderes nesse sentido aos administradores [Lei n. 6404/76, art.122, IX]. Em caso de urgência a confissão da falência poderá ser formulado pelos administradores, com a concordância do acionista controlador, se houver, convocando assembleia geral para deliberar sobreo tema [Lei n. 6404/76, art.122, Parágrafo Único];

–        sociedade limitada          –        embora o art. 1.071 do Código Civil não relacionasse expressamente a autofalência como matéria obrigatória de ser deliberada pelos quotistas [faz apenas alusão à extinta concordata no inciso VIII], interpreta-se, sem qualquer esforço, por analogia à lei de sociedade por ações, que essa decisão haverá de ser tomada em assembleia pela maioria simples dos quotistas, se maior quorum o contrato social não tiver estabelecido [Código Civil, art. 1.076, III];

–        sociedade solidária e ilimitada  –        essas sociedades têm como características a responsabilidade solidária e ilimitada dos seus sócios nas obrigações sociais. E os efeitos da falência irradiam para todos os sócios[2]. Daí a necessidade da convocação prévia de todos os sócios solidários para em maioria decidir sobre a autofalência;

–        sociedade em conta de participação    –        somente os sócios ostensivos têm legitimidade para autorizar a confissão da falência;

–       sociedade irregular         –        essencial o pronunciamento prévio dos sócios integrantes da sociedade comum;

–      sociedade limitada unipessoal – A SLU- Sociedade Limitada Unipessoal é formada por apenas uma pessoa, o próprio empreendedor. E, por ter o patrimônio pessoal separado do patrimônio da empresa, caso haja algum problema financeiro relevante, ou mesmo falência, os bens do empreendedor não podem ser utilizados para quitação das dívidas. Entretanto, os bens da pessoa jurídica podem sim responder perante a coletividade de credores, se for o caso. Destarte, considerando que o Direito Empresarial, em uma visão moderna, tangenciando para a função social da empresa, que circula capital, gera empregos e paga tributos, a SLU se enquadra dentro do princípio maior da preservação da empresa e na previsão dos 2 [dois] processos de insolvência: a recuperação judicial e a falência.

 

1.3.    PROCURAÇÃO AD JUDICIA

Por envolver matéria grave e interna da sociedade empresária, o pedido de autofalência terá obrigatoriamente de ser instruído com procuração ad judicia constando poderes especiais para que o advogado formule a pretensão em juízo. Melhor ainda, se além do advogado, os empresários assinem e rubriquem a petição inicial, muito embora não haja previsão nesse sentido. Essencial a juntada do contrato social, das atas das assembleias dos acionistas, atos expressos dos órgãos administrativos e dos sócios quotistas que expressam a intenção legal e definitiva do propósito da autofalência.

 

 1.4.    DESISTÊNCIA

Pode o devedor que requereu a sua autofalência, antes que seja proferida a sentença da quebra, solicitar ao juízo seja homologada a desistência do pedido, que levará obrigatoriamente o Magistrado a extinguir o processo sem resolução de mérito[3].

 

1.5.    CONTRARIEDADE AO PEDIDO

 A LREF se mantém calada quanto à possibilidade dos sócios dissidentes impugnarem o pedido de autofalência. Todavia, esse vazio não inibe que os sócios e credores, interessados e participantes direto da buscada falência, ofereçam suas respectivas oposições, fundamentando pela irregularidade fincada na autorização da sociedade empresária para essa finalidade; pela não existência do estado falencial; a apresentação pelos sócios de aportes financeiros que afastem o estado da quebra e até vislumbrem uma vindoura recuperação judicial.

Se o juiz indeferir as oposições, decretará a autofalência, condenando os insurgentes aos ônus sucumbenciais. Mas se verificar que lhes assistem razão, julgará improcedente o pedido, extinguindo o processo sem julgamento de mérito, condenando o autor nas verbas de sucumbência.

 

 2. DOCUMENTOS INDISPENSÁVEIS NA INICIAL

2.1.    DEMONSTRAÇÕES CONTÁBEIS

O devedor apresentará a título de demonstrações contábeis os balanços representativos dos 03 [três] últimos exercícios e outro elaborado especialmente para instruir o pedido da autofalência. Esses balanços seguirão as legislações específicas de cada empresa, com base em escrituração mercantil dando conhecimento dos aspectos patrimoniais e financeiros, acompanhados, obrigatoriamente: do balanço patrimonial, da demonstração dos resultados acumulados, da demonstração do resultado desde o último exercício social e relatório de fluxo de caixa[4].

Exceção à regra se verifica quando a falta de apresentação dos documentos listados no art. 105 da LREF sob a circunstância de um caso concreto que determinados documentos não mais existem, o que inviabilizaria o pedido de autofalência. Nessa hipótese, haverá de se admitir que não fosse o requerente ter confessado a existência de crise econômico-financeira e o encerramento de suas atividades, os demonstrativos contábeis comprovariam severos prejuízos dos últimos exercícios fiscais. Possibilidade, portanto, de decretação da falência, que, como se sabe, busca preservar não apenas os interesses do devedor empresário, mas também a higidez do mercado.[5]

 

2.2.    RELAÇÃO NOMINAL DOS CREDORES

Na inicial o devedor apresentará a relação nominal dos credores, indicando endereço, importância, natureza e classificação dos respectivos créditos. A relevância dessa norma é possibilitar a verificação do rol de credores pelo Administrador Judicial e demais credores, além de se ter um panorama geral do passivo[6].

 

 2.3.    RELAÇÃO DOS BENS E DIREITOS DO ATIVO   

O devedor, requerente da autofalência, trará desde a exordial, a relação dos bens e direitos que compõem o ativo, com a respectiva estimativa de valor e documentos comprobatórios de propriedade. A função do dispositivo é informar para o Administrador Judicial e credores a descrição do patrimônio que será oportunamente alienado para a satisfação da massa credora. A avaliação será atualizada e pelo preço venal, esclarecendo se sobre referidos bens, móveis ou imóveis, recaem ônus que constituem garantia real[7]. Baseado nessa relação, avaliação e nos documentos comprobatórios da titularidade do devedor, o Administrador Judicial dará imediato início na elaboração do auto de arrecadação desses bens[8].

 

2.4.    PROVA DA CONDIÇÃO DE EMPRESÁRIO

 Justificando sua legitimidade ativa, o devedor juntará nos autos com a inicial a prova da sua condição de empresário, contrato social ou estatuto em vigor. Se não houver essa documentação, terá de indicar o nome e endereço de todos os sócios e a relação de seus bens pessoais[9].

 

2.5.    LIVROS E DOCUMENTOS CONTÁBEIS      

Os principais livros contábeis obrigatórios são o Razão e o Diário[10] e outros exigidos pela legislação, mais os documentos contábeis, terão de ser entregues na secretaria quando do protocolo da petição inicial[11].  Há casos que esses livros podem ser substituídos por fichas numeradas[12].

 

2.6.    RELAÇÃO DOS ADMINISTRADORES NOS ÚLTIMOS 05 ANOS

Pede a LREF que o devedor informe a relação de seus administradores nos últimos 05 [cinco] anos, com os respectivos endereços, suas funções e participação societária[13]. A proposição de ser declinado o nome dos administradores é para eventual apuração da responsabilidade pessoal prevista no art.82, que se averigua no curso da falência, respeitando-se, sempre, o sagrado direito de defesa.

 

 3. EMENDA DA INICIAL

O juiz determinará a emenda da inicial se o pedido não estiver regularmente instruído com as exigências previstas na LREF[14]. Essa regra tem origem no art. 321 do CPC, e se não atendido pelo falido no prazo de 15 [quinze] dias, o juiz poderá indeferir a petição inicial, extinguindo o processo sem julgamento de mérito[15].

 

4. A SENTENÇA DE QUEBRA

 Se o pedido inicial de confissão da falência cumprir às exigências da lei, e não tendo se aviada qualquer oposição que afaste a condição de insolvente do devedor, o juiz não poderá por seu juízo de valor indeferir a pretensão veiculada na peça vestibular.[16]

A sentença que decretar a falência observará a forma do art.99, contendo as várias determinações inseridas naquele dispositivo, e a sua tramitação será a mesma da falência decretada por requisição de terceiros[17].

Inexistindo protestos contra o devedor, o termo legal será fixado em até 90 [noventa] dias antes da distribuição do pedido.[18]

 

 5. RECURSO

Da decisão que decretar a falência o recurso cabível é o agravo de instrumento, e contra a decisão que julgar improcedente o pedido, se interpõe apelação[19].

 

[1] LREF, Art. 105 caput: O devedor em crise econômico-financeira que julgue não atender aos requisitos para pleitear sua recuperação judicial deverá requerer ao juízo sua falência, expondo as razões da impossibilidade de prosseguimento da atividade empresarial…Art.74. Na convolação da recuperação em falência, os atos de administração, endividamento, oneração ou alienação praticados durante a recuperação judicial presumem-se válidos, desde que realizados na forma desta lei.

[2] LREF, art.81.

[3] CPC, art. 485, VIII c.c. art. 200, parágrafo único.

[4] LREF, art.105 caput e inciso I, alíneas a,b,c,d.

[5] Nesse sentido: TJSP, Apelação Cível 1021729-87.2018.8.26.0114, rel. Des Cesar Ciampolini, DJe 14/05/2020].

[6] LREF, art.105,II.

[7] LREF, art.105,III.

[8] LREF, art.108.

[9] LREF, art.105,IV.

[10] O Diário é obrigatório e relata as alterações patrimoniais em ordem cronológica [Dec. Lei n. 486, art.5º], e o Razão que registra a classificação do patrimônio.

[11] LREF, art.105,V.

[12] Dec.Lei n. 486, art.5º § 1º.

[13] LREF, art.105,VI.

[14] LREF, art.106 “A instrução do pedido com os documentos descritos no artigo 105 da Lei de Falências [11.101/05], é um dever e não uma faculdade, não sendo causa para o seu descumprimento a ausência absoluta de condições financeiras, pois se essa não existisse com certeza a empresa não estaria requerendo sua autofalência” [TJMG,- Apel. Cível  1.0394.15.005043-0/001, rel. Des. Dárcio Lopardi Mendes , DJe 23/08/2016].

[15] CPC, art.321.

[16] “O deferimento do pedido de autofalência pressupõe, exclusivamente, o preenchimento dos requisitos previstos nos incisos I a V do art. 105 da Lei 11.101/05. Cumpridos os requisitos próprios e necessários, impõe-se o recebimento da petição inicial, com o processamento do pedido de autofalência” [TJMG, Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.21.117752-2/001, rel.Des. Carlos Levenhagen, DJe 11/02/2022].

[17] LREF, art.107caput e parágrafo único.

[18] STJ, Resp 1.890.290/RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 17.03.2022].

[19] LREF, art.100.