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AUDIÊNCIA PRELIMINAR CONCILIATÓRIA COMO EXEMPLO DE NUDGE NO DIREITO PROCESSUAL CIVIL

AUDIÊNCIA PRELIMINAR CONCILIATÓRIA COMO EXEMPLO DE NUDGE NO DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Bruno Furtado Silveira

 

INTRODUÇÃO

Os chamados nudges podem ser resumidamente definidos como intervenções simples no processo de escolha, sem impactar a autonomia do indivíduo, mas que tenham a capacidade de incentivar significadamente certos comportamentos alinhados a políticas públicas. Uma das políticas públicas relacionadas à gestão processual é a utilização de modos adequados de tratamento de conflitos, com o incentivo dos meios autocompositivos, notadamente da conciliação e mediação.

O Código de Processo Civil de 2015 trouxe alterações substanciais no que se refere ao incentivo à mediação e à conciliação. Nessa temática, ganha destaque o art. 334 do CPC de 2015, que, no seu caput, parágrafos e incisos, criaram um novo procedimento padrão para a realização das audiências ou sessões iniciais de conciliação e mediação. A mudança legislativa de maior relevo nessa seara foi à obrigatoriedade de uma audiência inicial para tentativa de autocomposição, salvo na hipótese em que ambas as partes se manifestem expressamente contra a sua realização. O prazo para apresentação de defesa pela parte ré passou a ser contado apenas após essa audiência inicial. Além disso, no art. 334 do CPC de 2015, há dispositivos determinando a aplicação de penalidade pecuniária à parte que deixar de comparecer injustificadamente na audiência de tentativa conciliatória, considerando tal atitude como ato atentatório à dignidade da justiça.

Não resta dúvida de que esse novo conjunto de normas relativas à audiência inicial de mediação e conciliação representa uma importante mudança de paradigma no sistema processual civil brasileiro. Buscou-se incentivar o diálogo entre as partes e a eventual autocomposição por meio de um acordo, já na fase inicial do processo. Houve um claro incentivo para a utilização de meios adequados de tratamento de conflitos, termo utilizado com ênfase pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ao editar a Resolução nº 125/2010. A referida resolução do CNJ tem por escopo oferecer alternativas para a solução das lides, sem a necessidade de uma sentença judicial. No art. 1º da mencionada resolução, é determinada a instituição da Política Judiciária Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesses, que visa “assegurar a todos o direito à solução dos conflitos por meios adequados à sua natureza e peculiaridade”.

Desse modo, o Código de Processo Civil de 2015 partes do pressuposto de que a solução judicial por meio de uma sentença não deve ser a única alternativa à disposição das partes. A solução das controvérsias se insere em um quadro amplo e complexo de mecanismos, todos eles tendentes a oferecer ao caso concreto a técnica capaz de oferecer os melhores resultados.

Esse novo regramento da audiência inicial conciliatória pode ser classificado como um nudge? Quais características do art. 334 do CPC são condizentes com o conceito de nudge e quais aspectos são divergentes? Essas são algumas das perguntas que se pretende responder neste estudo.

1 CONCEITO DE NUDGE

Os economistas Richard Thaler e Cass Sunstein, no livro Nudge, divulgaram uma teoria sobre a tomada de decisão, sintetizada pelo termo nudge.

Trata-se de uma palavra sem um correspondente exato na língua portuguesa, mas que pode ser traduzido como empurrãozinho, um suave cutucão ou um pequeno estímulo. Os autores partem da premissa de que certos estímulos, apesar de sutis, possuem a capacidade de mudar o comportamento das pessoas de modo previsível. Verificou-se que características aparentemente insignificantes podem exercer um impacto decisivo no comportamento das pessoas. A ideia central do livro é de que os nudges podem ser utilizados para aprimorar o processo de escolha dos indivíduos, de modo a incentivar opções que sejam benéficas em aspectos como saúde, bem-estar e finanças.

Os estudos no campo da Economia Comportamental dão suporte ao conceito de nudge, notadamente no que se refere aos aspectos irracionais da tomada de decisão. A economia clássica parte do pressuposto de que os serem humanos sempre fazem escolhas de modo a maximizar os seus ganhos e a atingir os seus objetivos. Contudo, diversas experiências comportamentais demonstram que os seres humanos reiteradamente atuam de forma irracional, de uma maneira previsível. O nudge reconhece esse aspecto irracional do comportamento humano, alicerçado no pensamento instintivo, realizando intervenções Richard Thaler e Cass Sunstein tratam dos aspectos não racionais do comportamento humano[1]:

Se você ler livros teóricos de economia, vai descobrir que o Homo Economicus pode pensar como Albert Einstein, ter tanta memória quanto um supercomputador e ter tanta força de vontade quanto Mahatma Gandhi. Mas as pessoas que conhecemos não são assim. Pessoas reais têm dificuldade de fazer divisões complexas sem calculadora, às vezes esquecem o aniversário do parceiro e ficam de ressaca no Ano Novo. Esses não são Homo Economicus; são Homo Sapiens. […]

Uma característica do nudge é que a intervenção deve ser barata e fácil de evitar. Para ser um nudge, a mudança necessita ser pontual, sem grandes gastos para realizar a alteração no processo de decisão. Além disso, as alterações não podem impor comportamentos, ou seja, o oferecimento de determinada opção jamais pode ter caráter coercitivo. O nudge sempre possibilita que o indivíduo recuse a opção padrão, realizando facilmente a escolha de uma opção diversa.

Os mencionados autores exemplificam o conceito de nudge ao pensar em um refeitório de uma escola, onde a direção da instituição de ensino coloca os alimentos saudáveis em locais de mais fácil acesso e de forma bastante visível. Os alimentos não saudáveis também estariam disponíveis nesse mesmo refeitório, mas em locais não tão visíveis, sendo necessário aos alunos darem um passo a mais para acessar esse tipo de alimento. De qualquer modo, a proibição do consumo de alimentos não saudáveis ou a simples retirada deles do refeitório não são intervenções condizentes com os nudges.

As duas características fundamentais dos nudges são apresentadas por Márcio Alexandre de Melo e Bissetti[2]:

A premissa maior é de que o nudge ocorra de forma a não limitar direitos e liberdade de escolhas e que nunca seja impositivo. Também deverá ser prático e acessível, possibilitando simplesmente viabilizar ou facilitar o acesso à informação, o que promoverá melhoras na capacidade de decidir.

Outro exemplo de nudge é apresentado por Muireann Quigley ao mencionar um acordo entre o governo do Reino Unido e três grandes redes de supermercados do país. No caso, as empresas se comprometeram a mudar a disposição das bebidas alcoólicas nos seus estabelecimentos comerciais, de modo a reduzir o consumo desses produtos[3]:

[…] Part of the strategy in relation to alcohol is illustrative of the new approach and how the implementation of policy could alter choice architecture in way which may be health-affecting. In this regard, three of the major supermarkets have entered into a “responsibility deal” with the Government and agreed not to display alcohol at the front of their stores. This initiative reflects the implementation of behavioural research, which shows that the way the environment is constructed can shape a person’s choices within it. For example, in relation to food, it has been shown that ease of access, proximity to the food, and the amount of effort needed to be exerted to get it all affect consumption. Thus, it is hoped that by changing the choice architecture in the supermarket, that is changing the positioning of alcohol products, there will be a reduction in the amount being purchased.

Richard Thaler e Cass Sunstein conceberam o termo paternalismo libertários como suporte dos nudges. Segundo esse conceito, as pessoas com poder de decisão devem formular uma arquitetura da escolha que incentive a promoção de políticas públicas que aprimorem aspectos da sociedade e do próprio indivíduo, minimizando os efeitos da irracionalidade. O aspecto libertário do conceito diz respeito à garantia de livre escolha dos indivíduos, que podem facilmente decidir por não seguir o padrão oferecido.

William Boschetti Adamczyk resume o conceito de paternalismo libertário[4]:

O paternalismo libertário tem sua origem nas pesquisas de Economia Comportamental, a partir da qual fundamenta suas propostas de explorar e corrigir as falhas cognitivas encontradas por esse campo de estudos da economia. Seus objetivos se relacionam a duas filosofias políticas, a do paternalismo, da qual pretende promover o bem-estar dos indivíduos através da melhoria do resultado das suas escolhas, e a do libertarianismo, ao estabelecer uma regra de respeito à liberdade individual e não utilização de elementos coercitivos.

Os nudges são particularmente úteis em situações da vida em que determina da escolha é capaz de gerar benefícios na atualidade, mas os custos serão sentidos depois. O exemplo clássico quanto a esse aspecto é a alimentação, em que o consumo de alimentos altamente calóricos traz um prazer imediato ao indivíduo, mas as consequências deletérias à saúde serão sentidas posteriormente.

Algumas decisões são tomadas poucas vezes no curso da vida da maioria dos indivíduos, com pouco ou nenhum feedback quanto aos resultados. Como exemplo dessa espécie de decisão, temos o casamento. Outras decisões possuem um grau de dificuldade muito grande, notadamente quando envolvem cálculos complexos. Os nudges também podem auxiliar as pessoas nessas espécies de decisões, oferecendo como opção padrão aquela que se mostram mais vantajosos, considerando os dados do indivíduo ou da população em geral. Por meio de um nudge, por exemplo, seria escolhida uma instituição financeira para realizar o empréstimo imobiliário cujas características são as mais adequadas para o perfil do cliente, possibilitando, contudo, que o indivíduo recuse a opção padrão e realize a operação financeira em qualquer outra instituição.

2 VIÉSES COGNITIVOS

O conceito de nudge tem por premissa os resultados dos estudos realizados Daniel Kahneman e Amos Tversky na área da Psicologia Comportamental. No seu livro Rápido e devagar, Daniel Kahneman apresenta dois sistemas de pensamento, chamados de sistema 1 e sistema 2. Em resumo, o sistema 1 é utilizado pelos indivíduos para a tomada de decisões rápidas e automáticas, normalmente usado para atividades que demandam uma resposta imediata.

Já o sistema 2, também chamado de reflexivo, é lento e ponderado, sendo utilizado para atividades complexas, que necessitam de um grande esforço do intelecto[5].

Porto e Garoupa afirmam que o sistema 1 “foi projetado para garantir nossa sobrevivência em situações que exigem mais reação e menos reflexão, o problema é que ele ainda não se adaptou completamente ao nosso moderno estilo de vida[6]. Por esse e outros motivos, os sistemas de pensamento 1 e 2 apresentam diversas inconsistências entre si. Daniel Kahneman e Amos Tversky concluíram, contudo, que o sistema 1 possui viéses que são previsíveis, dependendo das circunstâncias apresentadas aos indivíduos. Diante de situações complexas, é esperado que as pessoas frequentemente chegassem a conclusões simples e erradas[7].

A definição do termo heurística e suas consequências no campo da escolha racional são aspectos abordados por Porto e Garoupa[8]:

Podemos definir tecnicamente a heurística como “um procedimento simples que ajuda a encontrar respostas adequadas, ainda que geralmente imperfeitas, para perguntas difíceis…”. Ou seja, a partir de uma simplificação do procedimento mental decisório, o agente toma um “atalho” para definir sua conduta mediante o uso de um menor esforço mental.

O problema surge quando esses atalhos acabam levando onde não escolheríamos ir, se tivéssemos consciência do viés de seleção. Parte considerável dos vieses cognitivos é o resultado de uma avaliação equivocada do mundo a partir da nossa experiência ou intuições pouco fundamentadas. Sistematicamente, enviesamos nossas previsões sobre eventos e suas consequências prováveis, o que evidencia o desvio da racionalidade exagerada prevista pela teoria da escolha racional. […]

Pierre Schlag elenca alguns vieses cognitivos mencionados no livro Nudge, de Thaler e Sunstein[9]:

Humans are known to chronically underestimate the time it takes them to finish projects (the planning fallacy). They have a tendency to stick with the status quo even when it’s not in their interest (inertia). They routinely assess risk based on the most recent, most salient, most accessible examples of those risks (availability bias). They estimate probabilities based on the degree to which the event is deemed as representative of the category (representativeness). In short, they make precisely the sorts of cognitive errors (there are many more) that hundreds of studies by psychologists and behavioral economists have diagnosed and documented over the last several decades.

Entre os diversos desvios da racionalidade que foram objeto de estudo de Kahneman e Tversky, apresentam grande importância para o presente artigo o efeito moldura (framing effet) e o viés do status quo. Esses dois aspectos do sistema de pensamento 1 serão abordados no próximo capítulo, notadamente no que se refere à definição da opção padrão como forma de implementação de políticas públicas.

3 ARQUITETURA DA ESCOLHA, OPÇÃO PADRÃO E POLÍTICAS PÚBLICAS

Um dos pontos mais importantes da arquitetura da escolha é a definição da opção padrão. A opção padrão, também chamada de default, consiste na escolha predefinida na hipótese de o indivíduo se manter inerte. Para entendermos a importância da opção padrão, é necessário analisarmos o efeito moldura (framing effect) e o viés do status quo.

O efeito moldura (framing effect) é citado no livro Rápido e devagar. Em razão desse efeito, “a forma pela qual as opções nos são apresentadas altera nossa percepção sobre elas[10]”, notadamente em razão do modo de ação do sistema 1. Esse sistema de pensamento é particularmente sensível a palavras relacionadas a uma perda[11].

Segundo o viés do status quo, as pessoas tendem a valorizar mais a posição na qual elas já se encontram, sem a ponderação detida dos custos e benefícios da inércia. Tal viés é explicado, em parte, pela aversão à perda, segundo a qual as pessoas são mais sensibilizadas pela possibilidade de uma perda ou prejuízo do que pela probabilidade de um ganho ou vantagem.

Um interessante exemplo da conjunção entre o efeito moldura e a característica da aversão à perda pode ocorrer na forma com que o médico apresenta ao paciente a opção por uma cirurgia necessária para o tratamento de uma moléstia. O médico pode apresentar ao paciente a opção de realizar uma cirurgia em que 95{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} dos pacientes sobrevivem após um mês ou pode ser dito pelo médico que 5{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} dos pacientes que se submetem à cirurgia não sobreviverão um mês depois do procedimento. Se o médico divulgar inicialmente o índice de mortalidade da cirurgia, o número de pacientes que decidirá não realizá-la será bastante superior em comparação com a primeira forma de abordar o assunto, ainda que a informação seja rigorosamente a mesma.

O viés do status quo também tem relação com o esforço exigido pela mudança, o que faz as pessoas tenderem a manter a opção padrão. O mencionado esforço pode ocorrer, por exemplo, pela necessidade de abordar outra pessoa com um assunto sensível, como o regime patrimonial do casamento. Por esse motivo, muitas vezes o casal não modifica a opção padrão, que, no caso brasileiro, atualmente é o regime da comunhão parcial de bens (art. 1.640 do Código Civil de 2002). Até o advento da Lei nº 6.515/1977 (Lei do Divórcio), o regime padrão de bens do casamento no Brasil era o da comunhão universal, sendo que a grande maioria dos casamentos até então ocorria sob esse último regime de bens.

Outra explicação para o viés do status quo é a heurística do “tanto faz” (whatever), que ocorre quando o indivíduo não se importa com o assunto a ponto de agir para alterar a opção padrão, ainda que o esforço para a mudança seja mínimo. Esse aspecto do viés do status quo é utilizado com sucesso por empresas que disponibilizam serviços ou produtos por assinatura com renovações automáticas. Há uma grande probabilidade de que o indivíduo não cancele a cobrança da assinatura renovada automaticamente, ainda que não utilize o bem fornecido.

Algumas vezes a questão possui uma grande relevância para o indivíduo, mas ela apresenta aspectos muito complexos, tornando difícil compreender as opções apresentadas. Essa complexidade faz o indivíduo ter uma tendência a não alterar a opção padrão. Podemos citar, como exemplo, os empréstimos imobiliários. Além de as instituições financeiras possuírem diferentes taxas de juros, os contratos desse tipo de financiamento não são idênticos quanto aos métodos de cálculo dos juros e ao sistema de amortização, dentre inúmeras outras características. Em razão da dificuldade de compreender todas as nuances do contrato para aquisição do imóvel, o consumidor tem uma forte tendência em aceitar o financiamento oferecido pelo corretor de imóveis ou gerente do seu banco, sem pesquisar outras opções. O mesmo fenômeno pode ser observado na escolha de planos de saúde e de previdência privada.

É paradigmática a importância da opção padrão na questão da doação de órgãos. Os países possuem estatísticas radicalmente diferentes sobre o percentual de pessoas doadoras de órgãos. Em alguns países, o indivíduo é considerado presumidamente doador de órgãos, sendo possível, a qualquer tempo, solicitar a alteração do seu status para “não doador”. Outros países adotaram como default a não doação dos órgãos, devendo a pessoa, caso queira, requerer a sua inclusão na lista de doadores. Nos países que adotaram o primeiro formato de opção padrão, o percentual de doadores de órgãos é radicalmente superior em relação aos países que definiram a opção “não doadora” como default.

Em ambos os casos, a grande maioria das pessoas não altera a opção padrão, seja ela qual for, ainda que seja mínimo o esforço necessário para realizar a mudança. Na Áustria, por exemplo, país que adota como default a doação dos órgãos, quase a totalidade da sua população (99{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}) é considerada doadora. Já na Alemanha, país vizinho e com condições sociais bastante similares às encontradas na Áustria, apenas cerca de 12{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} da população é considerada doadora de órgãos[12]. Essa diferença, em grande parte, é explicada pelo fato de a Alemanha adotar como padrão a opção “não doadora”.

A arquitetura da escolha pode ser utilizada para se aprimorar aspectos da sociedade e do indivíduo, levando em consideração os viéses comportamentais. Nesse sentido, Porto e Garoupa[13]:

Entendendo de forma mais abrangente, e real, o comportamento das pessoas, limitadamente racionais, podemos utilizar diferentes técnicas para conduzir as decisões humanas em uma direção mais benéfica para os indivíduos e para a sociedade como um todo. Nesse sentido, os nudges se apresentam como promissora técnica regulatória de microdecisões, cujos efeitos podem reverberar para cenários maiores.

O poder da arquitetura da escolha é exercido em vários níveis, seja no âmbito das empresas, seja até mesmo no interior dos núcleos familiares. Contudo, por meio do processo judicial e das normas jurídicas, notadamente das leis, a Economia Comportamental pode impactar, de forma ainda mais profunda, o procedimento decisório.

Nos livros Incentivos processuais, Rafael Sirangelo de Abreu considera o processo judicial um grande campo para a utilização da Economia Comportamental e, particularmente, dos nudges[14]:

A utilização da técnica do nudge poderia ter bastante utilidade para a justiça civil em algumas situações pontuais. As premissas para sua utilização estão todos os presentes: o legislador processual, em abstrato, e o juiz e as partes, em concreto, têm a incumbência de conformar a atividade dos sujeitos processuais por meio de desenhos institucionais. A concepção desse ambiente não deixa de ser um exercício de arquitetura de escolhas. Na dinâmica do procedimento, a concatenação de atos processuais é um sequencial contexto de escolhas a serem feitas pelos sujeitos processuais, em especial, os sujeitos parciais. De outro lado, existem comportamentos socialmente desejados no processo, sobretudo ligados à finalidade de que se viabilize a tutela do direito em perspectiva particular, mediante decisão justa, e em perspectiva geral, mediante precedentes. Por fim, os sujeitos a quem se poderiam direcionar as técnicas também agem reagindo a incentivos e padecem dos problemas de limitação de racionalidade assumidos pela teoria da arquitetura de escolhas. Porém, o que melhor caracteriza o processo como um ambiente propício para a prática do Nurding é justamente o fato de que é da sua essência a preservação da liberdade de escolha (a utilização da figura do ônus de forma preponderante no arranjo das situações jurídicas processuais é sintomática desse direcionamento).

Também nesse sentido, Felipe Barreto Marçal preceitua[15]:

Com relação a essa questão, não parece haver dúvidas de que o plano legislativo é o mais profícuo para que essa inserção do método econômico ocorra, tanto de forma prévia como de forma corretiva da legislação já em vigor. Trata-se, portanto, do loco mais adequado para a consideração de argumentos econômicos e pragmáticos, mediante exercício de poder político.

As leis têm um papel crucial no estabelecimento de mecanismos processuais que promovam os meios autocompositivos de solução das lides. A Economia Comportamental pode auxiliar na definição de padrões processuais por meio dos quais a conciliação e a mediação sejam valorizadas, estimulando o diálogo e a eventual solução da controvérsia sem uma sentença judicial.

Dois mecanismos que podem ser utilizados como nudges no âmbito do processo civil são a definição de uma escolha padrão para a realização ou não da audiência de conciliação e mediação e a escolha do momento para a ocorrência desse ato. Conforme veremos nos próximos tópicos, o Código de Processo Civil de 2015 programou importantes alterações na legislação no que se referem a esses dois aspectos dos mecanismos de promoção da autocomposição.

4 O ARTIGO 334 DA CPC DE 2015

A antiga legislação processual era bastante incipiente acerca dos incentivos processuais à conciliação. O Código de Processo Civil de 1973, em sua redação original, nada dispunha acerca da audiência de conciliação. A situação sofreu alteração apenas com a Lei nº 8.952/1994, quando o art. 125 do CPC de 1973 foi complementado para determinar o dever de o Magistrado “IV – tentar, a qualquer tempo, conciliar as partes”. A Lei nº 8.952/1994 também incluiu a obrigatoriedade de agendamento de audiência de conciliação antes do saneamento. Essa previsão de tentativa conciliatória no bojo do processo se manteve até o surgimento do Código de Processo Civil de 2015.

O Código de Processo Civil de 2015 representou uma importante mudança de paradigma ao incentivar, de forma contundente, as soluções autocompositivas, transformando a perspectiva de confronto em um ambiente colaborativo. O novo Código dedica o seu Capítulo V à audiência ou sessão inicial de conciliação ou mediação, in verbis:

Art. 334. Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência.

[…]

  • 4º A audiência não será realizada:

I – se ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na composição consensual;

II – quando não se admitir a autocomposição.

  • 5º O autor deverá indicar, na petição inicial, seu desinteresse na autocomposição, e o réu deverá fazê-lo, por petição, apresentada com 10 (dez) dias de antecedência, contados da data da audiência.
  • 6º Havendo litisconsórcio, o desinteresse na realização da audiência deve ser manifestado por todos os litisconsortes.

[…]

  • 8º O não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de conciliação é considerado ato atentatório à dignidade da justiça e será sancionado com multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado.

Por meio do art. 334 do atual Código de Processo Civil, foi estabelecido que a audiência de conciliação ou mediação devesse ser realizada antes mesmo de a parte ré apresentar a sua defesa escrita. O referido dispositivo determina que o juiz, ao receber a petição inicial, “designará audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo o réu ser citado com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência”.

A designação de audiência para tentativa conciliatória antes de o réu apresentar a peça defensiva escrita já era uma praxe na maior parte dos Juizados Especiais Cíveis, sendo bastante clara a inspiração do Código de Processo Civil de 2015 quanto a esse aspecto.

O deslocamento da audiência de conciliação para momento anterior à apresentação de defesa tem inequívocas consequências na dinâmica das negociações entre as partes. Presume-se que o réu estará mais aberto ao acordo antes de elaborar as suas teses defensivas.

Nesse sentido, Armando Ghedini Neto[16]:

A previsão do instituto já no início do procedimento é providência salutar, já que proporciona resultados rápidos, econômicos e eficientes, na medida em que não é necessário o término de toda uma fase postulatória feita por escrito, com prazos para defesa, impugnação, e posterior fase ordinatória, com a adoção das providências preliminares. Além disso, é evitado todo um desgaste das partes gerado pela longa duração do procedimento até a realização da audiência. O tempo faz com que os demandantes se acostumem com o sentimento negativo provocado pelo litígio, o que dificulta a obtenção dos acordos. Após longos meses as partes já não se importam tanto com a angústia do processo em andamento, fazendo com que barreiras psicológicas sejam criadas em detrimento da solução consensual do litígio, fazendo com que elas releguem a decisão para o juiz.

Os nudges têm por premissa que pequenas alterações na arquitetura da escolha impactam consideravelmente os resultados, uma vez que a psicologia humana possui vieses que direcionam os comportamentos. O momento processual em que a tentativa conciliatória é realizada possui importância fulcral no que se refere à propensão a uma solução negociada da lide. A realização da audiência de mediação ou conciliação foi deslocada pelo legislador para o estágio inicial do processo judicial, com o claro intuito de gerar um aumento do índice de acordos. Pesquisas empíricas comparando o índice de acordos antes e após a vigência do CPC de 2015 poderão comprovar o atingimento desse objetivo.

4.1 HIPÓTESES DE NÃO REALIZAÇÃO DA AUDIÊNCIA INICIAL DE MEDIAÇÃO OU CONCILIAÇÃO

Conforme já analisado no tópico relativo aos vieses de comportamento, a opção padrão (defaut) tem papel crucial nos resultados, mesmo nas hipóteses em que existe uma total liberdade de escolha.

Com efeito, o art. 334 do Código de Processo Civil estabeleceu um padrão de escolha que claramente busca privilegiar a realização da audiência ou sessão de conciliação ou mediação. Para se mantiver a lógica do sistema processual, foram excluídas da sessão de mediação e conciliação as lides judiciais que não admitem autocomposição (§ 4º, II). Além dessas espécies de lides, a audiência inicial de conciliação apenas não deve ocorrer se ambas as partes assim o requererem, de forma expressa e com antecedência.

Em relação à parte autora, ela deve manifestar o seu eventual desinteresse pela audiência de conciliação já na petição inicial. Por sua vez, o réu tem a oportunidade de requerer a não realização da sessão com 10 dias de antecedência da data agendada para o ato.

Fredie Didier entende que o legislador agiu com acerto ao dispensar a audiência de conciliação ou mediação na hipótese de o autor e também o réu manifestarem a vontade de não participar desse ato[17]:

A solução parece boa: elimina a possibilidade de a audiência não se realizar porque apenas uma parte não a deseja, mas ao mesmo tempo respeita a vontade das partes no sentido de não querer a autocomposição, o que está em conformidade com o princípio do respeito ao autorregramento da vontade e com o princípio da cooperação.

O legislador adotou como opção padrão (defaut) a escolha pela realização da sessão inicial conciliatória. Além disso, também houve a adoção pelo art. 334 do CPC da regra que condiciona o resultado pela não realização dessa audiência à manifestação expressa e tempestiva de ambas as partes.

Essa arquitetura da escolha criada pelo Código de Processo Civil de 2015 demonstra uma clara intenção do legislador de incentivar a realização da sessão inicial de mediação ou conciliação. É bastante nítida, no art. 334 do CPC, a subjacente política pública de privilegiar a ocorrência de um ato judicial inicial com a presença das partes, de modo a buscar o diálogo e, eventualmente, a autocomposição da lide.

Contudo, cabe indagar sobre a conveniência e a adequação da realização da sessão se alguma das partes tenha se manifestado contrariamente ao ato, de forma expressa e dentro do prazo conferido pela lei. O conceito de nudge tem por premissa o paternalismo libertário, segundo o qual o incentivo a certas opções não pode tolher a autonomia do indivíduo. Nesses termos, impor a presença de uma das partes na audiência inicial conciliatória, mesmo tendo ela escolhido dela não participar, representa uma interferência indevida na liberdade individual. Devemos acrescentar ainda que se trata de uma contradição a participação forçada de uma das partes do processo em um ato que tenta promover a autocomposição e o diálogo.

A atual redação do art. 334 do CPC de 2015 condiciona a vontade expressa de não participar da audiência de conciliação ou mediação à manifestação também inequívoca, no mesmo sentido, da parte adversa, o que não se coaduna com os princípios do nudge. O ideal seria que a legislação continuasse a aplicar a escolha pela participação na audiência de conciliação como opção padrão (defaut), deixando aberta a possibilidade de que qualquer das partes opte expressamente, de forma individual, pela não realização do ato.

4.2 PENALIDADES PELO NÃO COMPARECIMENTO NA AUDIÊNCIA

O § 8º do art. 334 do CPC estipula uma multa de até 2{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} do valor da causa ou da vantagem econômica pretendida à parte que não comparecer na audiência inicial de conciliação:

  • 8º O não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de conciliação é considerado ato atentatório à dignidade da justiça e será sancionado com multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado.

Há debate na doutrina sobre a possibilidade de aplicação da multa por ato atentatório à dignidade da justiça no caso em que a parte, injustificadamente, não comparece na sessão inicial de mediação ou conciliação. A literalidade do § 8º do art. 334 do CPC faz menção apenas ao não comparecimento injustificado do autor ou do réu na “audiência de conciliação” como hipótese de incidência dessa multa.

Para parte da doutrina, o art. 334 do CPC autoriza a penalização da parte apenas na hipótese de não participação em uma audiência, considerando esta como um ato com a presença do juiz[18]. A sessão de mediação ou conciliação, conduzida apenas pelo mediador ou conciliador, não estaria abarcada na previsão legal da multa por ato atentatório à dignidade da justiça.

Outras questões polêmicas que se apresentam nessa temática dizem respeito à possibilidade de aplicação da mencionada multa se a audiência de conciliação ocorre em outro momento que não seja o início do processo ou mesmo se é viável a incidência da penalidade em razão de uma audiência apenas de mediação.

Independentemente das citadas controvérsias relativas à multa, também é incompatível com o conceito de nudge a imposição de uma penalidade pelo simples fato de a parte não comparecer em um ato judicial criado exclusivamente para incentivar a autocomposição.

Assim também entendem Fabiana Marion Spengler e Theobaldo Spengler Neto, in verbis[19]:

De outra banda, e saindo do aspecto estritamente legal, basta associar a pretendida obrigação de comparecimento com os princípios básicos da mediação de conflitos, dentre eles a voluntariedade em participar do ato (Spengler, 2014). O simples fato de impor o comparecimento sob pena de multa acarreta na quebra de um dos aspectos fundamentais para um bom resultado.

O estabelecimento de sanções, como, por exemplo, as multas pecuniárias, é uma tradicional forma de se sujeitar o comportamento humano. Contudo, conforme já exposto, os nudges buscam direcionar o comportamento por meios mais sutis, por meio de medidas não impositivas.

5 O ARTIGO 334 DO CPC COMO MECANISMO DE IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA PÚBLICA DE INCENTIVO DE UMA CULTURA CONCILIATÓRIA E DE AUTOCOMPOSIÇÃO DAS CONTROVÉRSIAS

O Conselho Nacional de Justiça destacou a importância dos meios consensuais de soluções de controvérsias ao editar a Resolução nº 125/2010, por meio da qual instituiu uma política judiciária nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses. No art. 1º, parágrafo único, da referida resolução está exposto:

Aos órgãos judiciários incumbem, nos termos do art. 334 do Código de Processo Civil de 2015, combinado com o art. 27 da Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015 (Lei de Mediação), antes da solução adjudicada mediante sentença, oferecer outros mecanismos de soluções de controvérsias, em especial os chamados meios consensuais, como a mediação e a conciliação, bem assim prestarem atendimento e orientação ao cidadão.

Um dos principais efeitos práticos da Resolução nº 125/2010 no âmbito da estrutura do Poder Judiciário foi à criação e/ou padronização dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania, também chamados de CEJUSCs.

Esses centros são órgãos de cada ramo do Judiciário cuja missão é promover os meios alternativos de resolução de lides, facilitando o diálogo e o eventual acordo entre as partes dos processos judiciais.

O Código de Processo Civil de 2015 representa mais um importantíssimo passo na direção da promoção dos meios de autocomposição de controvérsias, notadamente no que diz respeito à conciliação e à mediação. A cultura conciliatória pode ser encontrada de forma subjacente ou explícita em diversos pontos deste diploma normativo. O art. 3º, § 3º, do CPC dispõe: “A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial”. Com base nesse dispositivo, as partes, seus advogados, o Magistrado ou o membro do Ministério Público podem requerer, a qualquer tempo, a realização de audiência ou sessão de conciliação ou mediação. A criação e a estrutura dos CEJUSCs, órgãos destinados à promoção da mediação e conciliação, também são regulamentadas nos arts. 165 a 175 do CPC de 2015.

Ao analisarmos a totalidade de disposições do art. 334 do CPC, podemos observar que houve a criação de uma arquitetura da escolha que claramente incentiva a existência da audiência de conciliação ou mediação. Conforme vimos em tópico anterior deste artigo, ocorrerá a audiência de conciliação, salvo na hipótese em que ambas as partes se manifestem expressamente contra a realização desse ato judicial. Na inércia das partes, a opção legislativa foi pela realização da tentativa de conciliação em uma audiência especialmente dedicada a esse propósito. Se apenas uma das partes é contra a audiência, ela também será realizada, podendo as partes ser penalizadas por ato atentatório à dignidade da justiça no caso de não comparecimento injustificado.

A mens legis dos diversos dispositivos do art. 334 da CPC de 2015 foi o de promover a política pública da cultura conciliatória. Ao considerar como opção padrão (default) a escolha pela realização da audiência inicial de conciliação ou medição, o legislador adotou uma característica dos nudges. Consideramos tal aspecto do art. 334 do CPC um nudge, devido ao fato de esse dispositivo promover a conciliação, deixando em aberto a possibilidade de decisão em sentido contrário.

Muito embora também visem promover a cultura conciliatória, não se enquadram nos conceitos inerentes aos nudges a multa pelo não comparecimento na audiência conciliatória e a realização da audiência de conciliação no caso em que apenas uma das partes tenha se manifestado expressamente contra o ato. Nesse último caso, o legislador impõe o comparecimento da parte, ainda que ela tenha se manifestado contra a realização da audiência conciliatória.

Entendemos que a parte que tenha optado pela não realização da audiência de conciliação ou mediação não pode ficar vinculada à atitude da parte adversa, sob pena de ferir a autonomia individual. Um dos pressupostos dos nudges é garantir a livre escolha dos indivíduos dentro do enquadramento criado para incentivar resultados benéficos às pessoas e à sociedade.

Nesse sentido, Rafael Sirangelo de Abreu20, in verbis:

[…] Relativamente à modelagem de situações-padrão, importante observarem que o Código de Processo Civil utilizou essa estratégia na conformação da audiência de conciliação ou sessão de mediação prévia, ao estipular que ela só não ocorre quando há recusam de ambas as partes. Nesse caso, utilizou-se como “resposta-padrão” a sua realização. Ainda que do ponto de vista dos resultados essa possa ter sido uma opção infeliz, trata-se de uma tentativa de estimular a autocomposição. Porém, a obrigatoriedade (dependência da concordância de ambas as partes para a não realização) retira desse padrão o caráter de nudge. […]

No art. 334 do CPC, há a previsão de multa, por meio da qual se penaliza a parte que não comparecer injustificadamente na audiência conciliatória, mesmo que tenha optado, de forma isolada, pela não realização do ato. Essa outra particularidade da legislação processual também não é condizente com o conceito dos nudges, pois o estímulo por meio da coerção financeira ultrapassa os limites do paternalismo libertário defendido por Thaler e Sunstein. A imposição da multa ativa o viés da aversão à perda e tem uma grande capacidade de direcionar as atitudes individuais. Apesar disso, a penalização financeira gera uma mudança significativa no incentivo econômico das partes, ultrapassando a noção de simples estímulo ou empurrãozinho inerente aos nudges.

Os meios coercitivos diretos citados no parágrafo anterior merecem ser repensados pelo legislador e pelos operadores do Direito, notadamente levando em consideração a natureza dos meios consensuais de solução de controvérsias e a autonomia individual.

CONCLUSÃO

Os chamados nudges apresentam diversas vantagens para a implementação de políticas públicas, pois conduzem, de forma significativa, certos comportamentos, sem comprometer a autonomia dos indivíduos. Um dos pressupostos dos nudges é o paternalismo libertário, entendido como o exercício da influência sobre o comportamento das pessoas, mas sem tolher a liberdade de escolha. Um exemplo notável da utilização dos nudges no campo social é a adoção da opção padrão (default) pela doação de órgãos, possibilitando que os indivíduos, a qualquer momento, registrem a escolha em sentido contrário.

Richard Thaler e Cass Sunstein entendem que os nudges são particularmente úteis nas situações da vida que não ocorrem frequentemente, mas que têm um grande impacto no patrimônio, saúde ou outro aspecto importante na vida das pessoas. Cabe à legislação ou ao gestor adotar opções padrão que programem certas políticas públicas que resultem em benefícios aos indivíduos ou à sociedade. De todo modo, deve-se ressaltar que um verdadeiro nudge permite que as pessoas, a qualquer momento, façam uma opção diversa do padrão.

Os nudges possuem grande relevância para o aprimoramento da escolha pela realização da audiência de conciliação no curso do processo judicial.

Além disso, essa espécie de escolha tem o potencial de impactar significativamente a pacificação social e a promoção dos meios autocompositivos de solução de lides judiciais.

O posicionamento do autor neste artigo é de que o art. 334 do CPC adotou alguns conceitos dos nudges, como a definição de uma opção padrão (defaut) que claramente privilegia a realização da audiência inicial de conciliação ou mediação. Por outro lado, algumas características do mesmo dispositivo divergem da teoria de Thaler e Sunstein, como a obrigatoriedade de comparecimento da parte que tenha expressamente manifestado a opção pela não realização dessa audiência. Também não segue o princípio do paternalismo libertário a penalização com multa da parte que não comparece injustificadamente à audiência de conciliação.

A título de adendo ao presente estudo, ressalta-se a necessidade de alterações legislativas que promovam ainda mais os meios autocompositivos de solução de lides, como a mediação e a conciliação. Essas alterações devem ter por premissa a utilização dos nudges, no sentido de incentivar certos comportamentos considerados benéficos às pessoas ou à sociedade, sem tolher a autonomia individual.

REFERÊNCIAS

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[2] BISSETTI, Marcio Alexandre de Melo e. Aplicações da teoria dos incentivos e da economia comportamental para a geração de eficiência nas relações de trabalho. Dissertação (Mestrado) – Mestrado em Direito, Fundação Getúlio Vargas, São Paulo, 2020. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/30042/Disserta{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}c3{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}a7{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}c3{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}a3o{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}20de{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}20Mestrado{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}20-{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}20Marcio{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}20Bissetti{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}20-{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}20188248{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}20-rev{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}20final.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 15 maio 2021.

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[4] ADAMCZYK, William Boschetti. Economia comportamental e paternalismo libertário: uma revisão das origens e críticas ao nudge. 2013. TCC (Graduação) – Curso de Economia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2013. p. 12. Disponível em: https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/97701/000915726.pdf?sequence=1. Acesso em: 15 maio 2021.

[5] PORTO, Antônio Maristrello; GAROUPA, Nuno. Curso de análise econômica do Direito. São Paulo: Atlas,

  1. p. 140-141.

[6]Idem, ibidem, p. 142.

[7] Idem, ibidem, p. 147.

[8] Idem, ibidem, p. 147-148.

[9] SCHLAG, Pierre. Nudge, choice architecture, and libertarian paternalism. Michigan Law Review, v. 108, n. 6, p. 915, 2010. Disponível em: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1585362. Acesso em: 16 maio 2021.

[10] 0 PORTO, Antônio Maristrello; GAROUPA, Nuno. Curso de análise econômica do Direito. São Paulo: Atlas, 2020. p. 156.

[11] Idem, ibidem, p. 156.

[12] THALER, Richard H.; SUNSTEIN, Cass R. Nudge: como tomar melhores decisões sobre saúde, dinheiroe

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[13] PORTO, Antônio Maristrello; GAROUPA, Nuno. Curso de análise econômica do Direito. São Paulo: Atlas, 2020. p. 163.

[14] ABREU, Rafael Siragelo de. Incentivos processuais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020. Ed. 2020,p. RB-7.1. Disponível em: https://proview.thomsonreuters.com/launchapp/title/rt/monografias/241262071/v1/page/RB-7.1. Acesso em: 23 abr. 2021.

[15] MARÇAL, Felipe Barreto Marçal. Direito processual comportamental: repensando institutos processuais a partir da economia comportamental, da psicologia cognitiva e da neurociência. Revista de Processo, São Paulo:Revista dos Tribunais, v. 305/2020, p. 427-448, jul. 2020. Disponível em: https://www.revistadostribunais.

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[16] GHEDINI NETO, Armando. A audiência de conciliação no novo Código de Processo Civil. Revista Eletrônica de Direito Processual, Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro, v. 16, n. 16, p. 29-57, 2015.

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[17] DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 17. ed. Salvador: JusPodivm, v. I, 2015. p. 624.

[18] SPENGLER, Fabiana Marion; SPENGLER NETO, Theobaldo. A audiência de conciliação e de mediação do artigo 334: questões controvertidas no código de processo civil de 2015. Revista Juris Poiesis, Rio de Janeiro, v. 20, n. 24, p. 59, 2017. Disponível em: http://periodicos.estacio.br/index.php/jurispoiesis/article/viewFile/4468/2053. Acesso em: 14 maio 2021.

[19] SPENGLER, Fabiana Marion; SPENGLER NETO, Theobaldo. A audiência de conciliação e de mediação do artigo 334: questões controvertidas no código de processo civil de 2015. Revista Juris Poiesis, Rio de Janeiro, v. 20, n. 24, p. 59, 2017. Disponível em: http://periodicos.estacio.br/index.php/jurispoiesis/article/viewFile/4468/2053. Acesso em: 14 maio 2021.