AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA OU DE APRESENTAÇÃO DO PRESO: INSTRUMENTO DESTINADO AO CONTROLE MAIS HUMANO E PRECISO DAS PRISÕES CAUTELARES E À INIBIÇÃO DA VIOLÊNCIA POLICIAL NO BRASIL
Flávio da Silva Andrade
SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 As Razões da Elevada Taxa Brasileira de Encarceramento Penal Provisório. 3 A Persistência da Violência Policial contra Pessoas Presas e suas Causas. 4 Audiência de Custódia ou de Apresentação do Preso: Conceito, Origem, Base Normativa e Finalidades; 4.1 O Conceito, a Origem e a Base Normativa da Audiência de Custódia; 4.2 As Finalidades da Audiência de Custódia. 5 Análise Preliminar dos Primeiros Números Divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça e as Expectativas em Torno da Audiência de Custódia. 6 Considerações Finais. 7 Referências.
1 Introdução
A Constituição Federal brasileira de 1988 adotou, em seu art. 1º, um modelo de Estado Democrático de Direito, que tem dentre seus fundamentos a dignidade da pessoa humana (inciso III). O paradigma do Estado Democrático de Direito deve ser sinônimo de garantismo e de respeito aos direitos fundamentais dos cidadãos. Naturalmente, a tutela de direitos fundamentais também precisa ser assegurada àqueles a quem se imputam crimes e que foram presos pelos agentes estatais.
Entretanto, a superlotação carcerária há muito é um grave problema nacional, fonte de constantes e graves violações de direitos humanos [1]. Atualmente, o Brasil ocupa o quarto lugar entre os países com o maior contingente de pessoas presas, atrás de Estados Unidos da América, China e Rússia. De acordo com o relatório do último Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) [2], elaborado pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen), o número de presos no Brasil é de cerca de 622.000 e aumenta a cada ano [3].
O que mais chama a atenção no referido levantamento é a elevadíssima taxa de encarceramento penal provisório no país. Cerca de 40{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} das pessoas que estão presas sequer foram julgadas na primeira instância. São quase 250 mil presos aguardando julgamento. Isso agrava acentuadamente a superlotação e as condições subumanas nos estabelecimentos penais brasileiros.
Além do alarmante índice de encarceramento criminal provisório, a violência policial contra suspeitos e prisioneiros ainda é uma realidade. A tortura e os maus-tratos praticados por agentes policiais continuam a acontecer nas grandes e nas pequenas cidades brasileiras. Ainda há policiais que maltratam e espancam o preso, que “veem o império da lei como um obstáculo e não como uma garantia de controle social“, como bem assinala Paulo Sérgio Pinheiro (1997, p. 49).
Nesse contexto, nos últimos quatro anos, intensificou-se na seara jurídico-penal o debate epistêmico quanto ao fato de as autoridades judiciárias brasileiras ainda não realizarem a denominada audiência de custódia ou de apresentação do preso, embora prevista em normas internacionais incorporadas ao direito interno.
Como consequência desse debate, promovido especialmente pelo Instituto de Defesa do Direito de Defesa, pela Defensoria Pública da União e pela Associação dos Juízes pela Democracia, no início do ano de 2015, o Conselho Nacional de Justiça, em parceria com o Ministério da Justiça e o Tribunal de Justiça de São Paulo, lançou o “Projeto Audiência de Custódia“, com os seguintes objetivos: a) adequar o ordenamento jurídico interno para o cumprimento de obrigações decorrentes da ratificação de tratados internacionais, reforçando o compromisso do Brasil com a proteção dos direitos humanos; b) garantir o controle judicial mais humano, efetivo e preciso das prisões cautelares, refletindo-se sobre o alto índice de encarceramento penal provisório e sobre a superlotação carcerária no país; c) inibir ou prevenir a prática de atos de violência policial contra presos e investigados; e d) viabilizar o respeito às garantias constitucionais, sobretudo às do contraditório e da ampla defesa.
A partir daí, os Tribunais brasileiros iniciaram a implantação gradual da audiência de custódia ou de apresentação do preso, que já é realidade em quase todo o território nacional. A ideia é garantir o cumprimento dos tratados internacionais de direitos humanos, inibindo a arbitrariedade ou a ilegalidade das detenções e se reservando a imposição de prisão cautelar somente para as hipóteses estritamente necessárias.
Assim, no presente trabalho, além de se refletir criticamente sobre os motivos do elevado índice de encarceramento penal provisório no país e sobre as causas da persistência da violência policial, almeja-se tratar do conceito, da origem, da base normativa, das finalidades e do procedimento da audiência de custódia ou de apresentação do preso, analisando-se os primeiros números divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça e comentando as expectativas em torno do novel instituto.
2 As Razões da Elevada Taxa Brasileira de Encarceramento Penal Provisório
Por causa da conhecida superlotação, é dramático o quadro fático do sistema penitenciário brasileiro, conforme exposto na petição inicial da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental 347/DF. Segundo o relatório do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) [4], divulgado pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen), o Brasil, em dezembro de 2014, possuía 622.202 [5] pessoas presas, de modo que, como dito, tem a quarta [6] maior população carcerária do mundo, estando atrás dos Estados Unidos da América (2.217.000), da China (1.657.812) e da Rússia (644.237), sendo que somos o quinto país mais populoso do planeta.
Causando desassossego e confirmando existir a cultura de encarceramento no país, o relatório revela que, entre 2000 e 2014, a população do sistema prisional brasileiro teve um aumento de 167,32{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}, muito acima do crescimento populacional. Portanto, de modo preocupante, a cada ano aumenta o número de pessoas privadas da liberdade, a grande maioria delas pobres e negras, encarceradas por terem cometido os delitos de tráfico de drogas, roubo, furto ou homicídio, o que revela a clara e desconcertante seletividade de nosso sistema penal. Sob este aspecto, Débora Regina Pastana destaca, com acuidade, que,
“por certo, a punição e mesmo a perseguição policial se manifestam mais fortemente contra certos tipos de crimes cometidos, em sua maioria, por atores sociais marginalizados. (…) Encarcerando cada vez mais e por mais tempo as classes populares, via de regra por pequenos delitos contra o patrimônio ou por condutas ligadas ao pequeno comércio de entorpecentes, desvia-se, de forma estratégica, a atenção dos inúmeros crimes contra a ordem econômica e financeira praticados pela elite política.” (2008, p. 466)
Outro dado que reclama séria reflexão – é sobre esse ponto crucial que se pretende debruçar nesta parte do estudo – é o referente à taxa brasileira de encarceramento provisório. Cerca de 40{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} das pessoas que estão presas no Brasil sequer foram julgadas na primeira instância. Temos 250 mil presos provisórios, ou seja, quase metade da população carcerária aguarda julgamento de primeiro grau de jurisdição. O número de presos provisórios é quase igual ao déficit de vagas no sistema, que é de 250.318 vagas [7].
Essas informações levam a perquirir as razões para tão elevada taxa de encarceramento penal provisório no país. Por que tantas pessoas no Brasil estão presas aguardando julgamento? São três os principais motivos para esse fenômeno.
A primeira razão é muito simples: ainda há juízes que, apesar da regra do art. 5º, inciso LXVI, da Constituição Federal de 1988 (“ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança“), optam por manter presas pessoas que poderiam responder o processo em liberdade. Olvidam a diretriz constitucional de que a liberdade é a regra, sendo a prisão uma medida excepcional. Esse tipo de compreensão talvez tenha raiz no fato de que o legislador constituinte se equivocou ao empregar a expressão liberdade provisória. Como esclarece Eugênio Pacelli, “o que é provisório é sempre a prisão, assim como todas as demais medidas cautelares, que sempre implicarão restrições a direitos subjetivos” (2012, p. 488). A inapropriada nomenclatura infelizmente deu margem para uma concepção falha e inconstitucional de que a liberdade provisória é uma exceção à regra da prisão para quem é flagranteado.
Até a edição da Lei nº 12.403/2011, ainda se podia compreender a posição do magistrado que, entre manter a prisão em flagrante ou soltar, optava pela primeira solução, já que não havia previsão normativa de medidas cautelares alternativas à detenção. Tal Lei, entretanto, alterando o Código de Processo Penal brasileiro, trouxe um rol de 11 medidas cautelares alternativas à prisão preventiva (arts. 319 e 320 do CPP), de modo que a custódia preventiva só deve ser decretada em último caso, graças à sua natureza acautelatória e de excepcionalidade [8].
Exatamente nesse ponto se encontra a segunda razão para o altíssimo número de presos provisórios em nosso sistema carcerário. Até a implantação das audiências de custódia pelos Tribunais brasileiros, embora já passados mais de quatro anos desde que a Lei nº 12.403/2011 entrou em vigor (o que se deu em 04.07.2011 – 60 dias após sua publicação), não tinha havido total conscientização dos membros do Poder Judiciário quanto à necessidade de se aplicar tais medidas cautelares alternativas à prisão preventiva.
Somente recentemente é que, com a obrigatoriedade de realizar as audiências de custódia, passou-se a reverter a lógica judicial do protagonismo da prisão cautelar, refletindo-se mais seriamente sobre a necessidade de se aplicar as referidas medidas alternativas à detenção. Os números apresentados no tópico 5 deste texto evidenciarão uma tendência da diminuição do contingente de presos provisórios que temos no país. A falta da realização da audiência de custódia contribuía para a hiperlotação dos presídios, pois demorava muito para o preso ter sua primeira audiência com o juiz.
A terceira razão para o elevado número de presos provisórios nos presídios consiste no fato de ainda termos um modelo de processo penal clássico, assentado em bases romano-germânicas, mostrando-se demasiadamente formal e burocratizado mesmo quando o acusado confessa a prática de um delito de maior ofensividade. Nosso modelo de processo penal para delitos de maior potencialidade ofensiva é da primeira metade do século passado, sendo manifesta a necessidade de inovações que ampliem os espaços de consenso entre o órgão acusador e o acusado, de modo a garantir mais celeridade e efetividade na aplicação da lei penal quando o réu é confesso, seguindo-se tendências modernas de política criminal.
Por que alongar o trâmite de um processo de um réu confesso que ao final terá a pena privativa de liberdade substituída por penas restritivas de direito? A via do consenso é a saída para o descongestionamento da máquina judiciária brasileira também no campo penal. É nesse rumo que devem se operar as reformas, conciliando-se os ideais de eficiência com as garantias fundamentais do acusado no Estado Democrático de Direito.
Portanto, em vista desses motivos para o encarceramento cautelar excessivo que existe no Brasil, nota-se a clara importância da implantação da audiência de custódia ou de apresentação do preso (em flagrante ou por mandado de prisão), como instrumento destinado, dentre outras finalidades, à análise da legalidade das prisões e da real necessidade de suas manutenções ou substituições por medidas cautelares alternativas previstas em lei.
3 A Persistência da Violência Policial contra Pessoas Presas e suas Causas
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º, III). No art. 5º, XLIX, assegurou aos presos o direito fundamental de respeito à integridade física e moral. A Carta Magna ainda considerou inafiançável e insuscetível de graça ou anistia o crime de tortura (XLIII), embora este ainda não fosse tipificado à época, assim como estabeleceu que “constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis e militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático” (XLIV).
No ano de 1989, o Brasil ratificou e incorporou ao seu ordenamento jurídico duas importantes convenções internacionais (DELMANTO; DELMANTO Jr.; ALMEIDA DELMANTO, 2014, p. 416): a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (aprovada pelo Congresso Nacional pelo Decreto Legislativo nº 4/89 e promulgada pelo Decreto Presidencial nº 40/91) e a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura (aprovada pelo Congresso Nacional pelo Decreto Legislativo nº 05/89 e promulgada pelo Decreto Presidencial nº 98.386/89).
Com o propósito de reprimir a violência policial de forma mais enérgica e efetiva, a Lei nº 9.299/96 alterou o Código Penal Militar para definir que os crimes de homicídio, “quando dolosos contra a vida e cometidos contra civil, serão da competência da justiça comum” (art. 9º, parágrafo único). Em seguida, em março de 1997, depois que policiais militares foram flagrados praticando tortura contra civis na Favela Naval, em Diadema, no Estado de São Paulo, fato que teve grande repercussão nacional e internacional, o Congresso Nacional finalmente aprovou a Lei nº 9.455/97, que definiu o delito de tortura (DELMANTO; DELMANTO Jr.; ALMEIDA DELMANTO, 2014, p. 415). O julgamento dos acusados por esse crime ficou a cargo da Justiça Comum, pois não está previsto no Código Penal Militar.
Não obstante, apesar dos avanços legislativos, ainda são assaz comuns, no meio jornalístico, as notícias de maus-tratos, de espancamentos e de mortes [9] praticados por agentes das forças policiais, especialmente nas periferias e nas favelas, de modo que é pertinente indagar as razões pelas quais ainda persiste a prática da violência oficial contra pessoas presas. Paulo Sérgio Pinheiro há muito vem alertando para o fato de que “a tortura e a detenção arbitrária continuam a caracterizar o comportamento policial em países como o Brasil“, lamentando que tais atos oficiais de violência ainda gozem de impunidade, continuando fora de debate o comportamento policial arbitrário e truculento (1997, p. 44).
Nesse mesmo sentido, Teresa Pires do Rio Caldeira, analisando as relações entre violência, direitos e cidadania, bem assinalou (2002, p. 45):
“O campo de intersecção entre criminalidade e democracia continuou fértil na produção de paradoxos e perversões. Trazer a atuação de forças policiais para dentro dos parâmetros do Estado de Direito é um dos maiores desafios de qualquer processo de transição democrática. No Brasil, os limites desse processo têm sido flagrantes, como indicam as constantes acusações de corrupção das forças policiais e os dados recorrentes sobre abuso do uso da força letal e desrespeito aos direitos humanos de suspeitos e prisioneiros por parte de policiais.”
Assim, cabe questionar: por que ainda há policiais militares que espancam e às vezes executam (“resistência seguida de morte“) os presos no momento ou depois do flagrante? Por que ainda existem agentes de investigação que agem com truculência e ameaçam ou agridem violentamente o acusado?
Nessa abordagem, a primeira relevante observação a se fazer é no sentido de se distinguir os policiais dos bandidos disfarçados de policiais. Os agentes estatais que formam ou integram grupo de extermínio [10] ou que matam por encomenda não são verdadeiros policiais, mas criminosos escondidos atrás das fardas, que precisam ser identificados, excluídos das forças de segurança e punidos na forma da lei.
A segunda observação importante – é preciso consignar para que não haja mal-entendido – é que não se pretende criticar generalizadamente as instituições policiais ou seus integrantes, pois são formadas por agentes que, em sua grande maioria, cumprem legalmente seu dever, respeitando a integridade física e psíquica dos indivíduos presos.
Neste tópico do presente ensaio, almeja-se perquirir os motivos que ainda levam um policial, no exercício de sua atividade, a agredir e a espancar o preso em flagrante ou a pessoa que estava com um mandado de prisão pendente de cumprimento.
São várias as razões que ainda induzem um policial a atentar contra a integridade física ou moral do preso, atuando à margem da lei, querendo fazer justiça com as próprias mãos. Há uma multiplicidade de fatores que fazem persistir o quadro de violência policial no Brasil em pleno século XXI, o que denota a complexidade do problema. A seguir, serão apontadas algumas razões, até já sobejamente conhecidas, que se consideram as principais para a persistência desse acontecimento.
A primeira causa da perpetuação desse tipo de violência é, ainda, a falta de treinamento ou preparo adequado dos agentes policiais, sejam novatos, sejam mais experimentados na carreira. A formação e o aperfeiçoamento dos policiais nas academias pecam por deixar de enfatizar conceitos de direitos humanos, de dignidade da pessoa humana e de respeito a direitos e a garantias fundamentais do cidadão preso ou acusado [11].
A segunda razão para a continuidade do problema é que ainda há uma complacência ou omissão das corregedorias de polícia, que não aplicam as normas disciplinares da maneira como prescritas nos regulamentos. Existe um baixo grau de reprovabilidade de tais condutas pelos órgãos internos das polícias, imperando ainda, em muitos casos, o corporativismo ou a cumplicidade.
De outro lado, por carência de recursos humanos e materiais, as polícias civis não conseguem levar a cabo a investigação de delitos perpetrados por policiais em serviço. Às vezes também por falta de empenho, não se consegue amealhar provas suficientes contra policiais que agem à margem da lei, daí por que foi importante o Supremo Tribunal Federal ter recentemente [12] reconhecido o poder investigatório do Ministério Público, que deverá assumir algumas dessas investigações mais complexas e delicadas que ficavam comprometidas pelos fatores antes mencionados. A certeza da impunidade não pode continuar a ser motivo que dá guarida ou estimule a violência por parte de integrantes das forças de segurança pública.
A terceira causa para a continuidade da violência policial por parte de alguns agentes de segurança está ligada ao desejo de obter provas que incriminem o acusado ou elucidem os fatos. Quando são acionados para atender a ocorrências em casos de furto ou roubo, por exemplo, alguns policiais empregam a violência física para descobrir onde foi escondido o instrumento ou o produto do crime; “batem” para obter a confissão do acusado ou para que ele delate seus comparsas.
A quarta razão para a persistência da violência policial decorre da vontade que alguns policiais têm de punir ou “dar uma lição” no preso. Não é novidade que há um número reduzido/limitado de guarnições ou patrulhas para cobrir imensas áreas urbanas e rurais. Geralmente, os policiais militares trabalham em regime de plantão de 24 horas de serviço por 72 de descanso. Em inúmeras ocasiões, deparam-se com agentes criminosos que por eles já foram detidos outras vezes e que, soltos, continuam “dando trabalho à polícia“, o que os levam a querer “dar um castigo” no preso, já que o caso pode “não dar em nada” por falta de provas ou mesmo por ineficiência do sistema de justiça criminal brasileiro. Existem também casos de flagranteados tidos por “abusados“, que desacatam, ameaçam ou agridem o policial no instante da prisão, o que motiva o revide ou o espancamento por parte do agente estatal que, vendo o custodiado como um inimigo, procura impor sua autoridade com violência. Com efeito, o duro enfrentamento do crime favorece o embrutecimento de muitos policiais. Como assinala Fernanda Mena, “a peculiaridade do trabalho, que pede resoluções imediatas para situações complexas e imprevisíveis, contribuiu para desvios de conduta e uso excessivo de armas de fogo, pondo em perigo tanto policial como suspeito” (2015, p. 26) [13].
Todavia, embora se compreenda a natureza árdua dessa atividade, que muitas vezes coloca os agentes policiais em situações-limite, a maioria dos abusos não acontece nesse contexto, de maneira que não são aceitáveis nem justificáveis à luz do ordenamento jurídico de um Estado Democrático de Direito. O uso da força física necessita ser lícito e proporcional, devendo ser coibidas todas as formas de violência contra o preso ou investigado. Se não é possível colher a prova da materialidade e/ou da autoria do delito, não adianta espancar o custodiado para obter evidências ou para forçar uma confissão, pois tais provas são ilícitas e inadmissíveis no processo (art. 5º, LVI, da CF/88). Se há dúvida quanto à atitude de alguém, não se pode chegar espancando ou atirando. Jamais se admitiu uma polícia que primeiro atira para depois perguntar.
Ainda que parcela de nossa sociedade ou alguns segmentos sociais, por um sentimento de desforra, tomando as dores da vítima, tolere ou não reprove tais práticas abusivas, jamais será aceitável que um policial agrida um preso com o propósito de castigá-lo ou puni-lo por conta do fato delitivo que motivou a prisão. O papel da polícia não é punir. À Polícia Militar [14] cabe manter a ordem e prender (geralmente em flagrante), enquanto à Polícia Civil cabe investigar e coletar provas. A imposição de reprimenda deve se dar após o trâmite de regular processo penal, em conformidade com a lei, respeitados os direitos e as garantias constitucionais do acusado. Se nosso sistema criminal é falho e ineficiente, devemos lutar por seu aperfeiçoamento, mas nunca invocar sua inefetividade para legitimar atos de violência contra o preso (culpado ou inocente), praticados justamente por parte de quem tem o dever de garantir o respeito à lei e à ordem pública.
Se as condições de trabalho dos policiais não são as desejáveis, é preciso debater com a sociedade e reivindicar melhorias, porém, não se pode permitir que a carência de recursos (humanos ou materiais) sirva de pretexto para o desenvolvimento do abuso e do arbítrio em detrimento de direitos fundamentais. Ainda, se há policiais que não têm aptidão para exercer trabalho dessa natureza sem emprego ilegítimo de violência física, devem ser identificados e realocados para outras funções, mas a natureza dura e fatigante desse labor não pode ser subterfúgio para a violação de direitos plasmados na Constituição da República, nas leis e em tratados internacionais ratificados pelo Brasil.
Nesse contexto, como lamentavelmente ainda persiste a violência policial em nosso meio, havendo claro descompasso [15] entre a normatização legal-constitucional e as práticas policiais, ver-se-á adiante que são bem-vindas e acertadas a implantação e a consolidação da audiência de custódia com o propósito, dentre outros, de diminuir ou inibir tal modalidade de violência, buscando-se reduzir a distância entre a normatividade (forma legal) e sua aplicação no mundo empírico.
4 Audiência de Custódia ou de Apresentação do Preso: Conceito, Origem, Base Normativa e Finalidades
4.1 O Conceito, a Origem e a Base Normativa da Audiência de Custódia
A audiência de custódia é um direito do preso. Pode ser definida como um ato público, pré-processual, que tem por objetivo garantir, sem demora, o contato da pessoa detida com uma autoridade judicial, na presença do representante do Ministério Público e do defensor, a fim de que, após sua oitiva, o juiz possa deliberar sobre a legalidade da prisão e sobre a real necessidade de mantê-la ou não, buscando-se ainda prevenir atos de tortura ou maus-tratos ao custodiado (BRASIL Jr.; OLIVEIRA; SILVA; SOUZA, 2015, p. 106).
A origem da audiência de custódia reside nos preceitos normativos que determinam a apresentação da pessoa presa ao juiz. Segundo Mauro Fonseca Andrade e Pablo Rodrigo Alflen (2016, p. 16), a Convenção Europeia para Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais (CEDH), firmada em Roma, em 4 de novembro de 1950, foi o primeiro texto internacional que estabeleceu a necessidade de condução sem demora de toda pessoa detida ou presa à presença de um juiz ou outra autoridade habilitada por lei a exercer tais funções (artigo 5.3). Tal regra foi depois repetida noutros importantes documentos internacionais.
A Convenção Internacional de Direitos Civis e Políticos (CIDCP), publicada pela Organização das Nações Unidas em 1966, dispôs, no item 3 do artigo 9º, que:
“Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz, ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou ser posta em liberdade.”
Nesse mesmo sentido, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos – CADH (Pacto de São José de Costa Rica) trouxe, no item 5 do artigo 7º, a seguinte regra:
“Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo.”
A apresentação da pessoa presa à autoridade judicial não é novidade no ordenamento jurídico brasileiro. O Código Eleitoral em vigor (Lei nº 4.737/65) estabelece, no § 2º do art. 236, que “ocorrendo qualquer prisão o preso será imediatamente conduzido à presença do juiz competente que, se verificar a ilegalidade da detenção, a relaxará e promoverá a responsabilidade do coator“. Já a Lei nº 7.960/89, que disciplina as prisões temporárias, dispõe, no § 3º do art. 2º, que “o Juiz poderá, de ofício, ou a requerimento do Ministério Público e do Advogado, determinar que o preso lhe seja apresentado, solicitar informações e esclarecimentos da autoridade policial e submetê-lo a exame de corpo de delito“. Ainda, o Código de Processo Penal, no seu art. 656, faz menção à possibilidade de, nas ações de habeas corpus, o juiz mandar que o paciente preso lhe seja apresentado no dia e hora que designar.
A despeito dessas prescrições normativas, nem em tais hipóteses ocorria, no Brasil, a condução ou a apresentação do preso ao juiz. Em nossa tradição forense essa providência praticamente nunca foi julgada necessária.
A Constituição Federal de 1988 não prevê a denominada audiência de custódia ou de apresentação do preso, instrumento de caráter pré-processual destinado a garantir que toda pessoa presa seja apresentada, sem demora, à presença de um juiz.
Tanto a Carta Magna brasileira quanto nosso estatuto de ritos penais se limitam a dispor, quanto à prisão em flagrante, que será comunicada ao juiz competente (art. 5º, LXII, da CF/88 [16] e art. 306 do CPP [17]), ou seja, preveem tão somente o encaminhamento do auto de prisão em flagrante para que o juiz competente analise a legalidade do ato flagrancial e a necessidade da manutenção da prisão cautelar.
Entretanto, ainda no início dos anos 1990, o Estado brasileiro incorporou [18] ao ordenamento jurídico pátrio a Convenção Internacional de Direitos Civis e Políticos (ONU, 1966), que foi promulgada pelo Brasil por meio do Decreto nº 592, de 6 de julho de 1992. Incorporou também a Convenção Americana sobres Direitos Humanos (Pacto de São José de Costa Rica – OEA, 1969), promulgada pelo Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992.
Apesar da ratificação das referidas convenções internacionais, o Estado brasileiro não promoveu medidas para implementar a apresentação do indivíduo preso ao juiz. Somente nos últimos cinco anos é que se intensificou o debate quanto ao fato de as autoridades judiciárias brasileiras não estarem observando [19] tais relevantes normas internacionais incorporadas ao direito interno. Em 2011, o Senador Antônio Carlos Valadares (PSB-SE) apresentou o Projeto de Lei do Senado nº 554, destinado a regulamentar a audiência de custódia, o que alavancou as discussões sobre o tema.
Então, em fevereiro de 2015, o Conselho Nacional de Justiça, em parceria com o Tribunal de Justiça de São Paulo e com o Ministério da Justiça, criou o projeto-piloto voltado à implantação da audiência de custódia no Brasil. Como bem esclarecem Mauro Fonseca Andrade e Pablo Rodrigo Alflen, com esse projeto, “duas instituições detentoras de enorme poder político – a dizer CNJ e Ministério da Justiça – deixaram claro que o instituto da audiência de custódia é uma realidade da qual nosso país não poderá continuar fugindo” (2016, p. 96), dando mostras de que logo seria integrada à rotina de nosso sistema de Justiça Criminal.
Na sequência, em abril de 2015, a Ordem dos Advogados do Brasil e o Conselho Nacional de Justiça firmaram um convênio para fomentar a realização das audiências de custódia no Brasil [20]. Ainda, reforçando essa diretriz, em 9 de setembro de 2015, o Supremo Tribunal Federal, examinando a ADPF 347/DF, determinou aos juízes e aos Tribunais que passassem a realizar audiências de custódia em todo o país, não só em dias úteis, mas também nos fins de semana, feriados ou em qualquer outro dia em que não houver expediente forense.
Assim, sob a coordenação do Conselho Nacional de Justiça, todas as Cortes pátrias, de modo gradual, no decorrer do ano de 2015 e no início do corrente ano, regulamentando o tema por resoluções ou provimentos [21], implantaram a audiência de custódia ou de apresentação do preso. Essa audiência deve ser realizada não só nos casos de prisão em flagrante, mas também nas hipóteses de detenções em cumprimento de mandados de prisão cautelar ou definitiva.
4.2 As Finalidades da Audiência de Custódia
A primeira finalidade da implantação da audiência de custódia ou de apresentação do preso foi adequar o ordenamento jurídico interno para cumprimento de obrigações decorrentes da ratificação pelo Brasil do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica). Era preciso conformar nossas regras processuais penais aos referidos tratados internacionais de direitos humanos que, como visto, há muito foram incorporados ao ordenamento jurídico nacional.
O segundo propósito dessa audiência é viabilizar um controle judicial mais humano, efetivo e preciso das prisões cautelares, o que tende a acarretar a diminuição do alto índice de encarceramento penal provisório do Brasil. A superlotação carcerária é uma triste realidade que precisa ser enfrentada racionalmente, à luz do texto constitucional, que coloca a prisão como uma medida excepcionalíssima (art. 5º, LXV e LXVI, da CF/88). Como visto no tópico 2 deste trabalho, o relatório Infopen, do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça (Depen/MJ), revela que temos um contingente elevadíssimo de pessoas presas provisoriamente, o que estava a reclamar urgente adoção de providências pelas autoridades competentes.
A realização da audiência de custódia, ou seja, a oitiva do preso pela autoridade judicial, torna mais humana e precisa a análise do caso no que toca à legalidade da prisão e à necessidade de sua manutenção. O contato direto do flagranteado com o juiz dá a este, segundo Gisele Souza de Oliveira, Samuel Meira Brasil Junior, Sérgio Ricardo de Souza e Willian Silva, “plenas condições de exercitar um juízo cautelar muito mais completo e fidedigno (…)” (2015, p. 123). Em verdade, o simples encaminhamento de cópia do auto de prisão em flagrante para que o juiz competente analisasse a legalidade e a necessidade da manutenção da prisão (art. 306 do Código de Processo Penal) não era suficiente para que o magistrado bem conhecesse as circunstâncias da prisão e pudesse decidir sobre sua legalidade e real necessidade de sua manutenção. O preso não era ouvido pelo juiz e as partes (Ministério Público e defesa) não tinham chance de se pronunciar.
Nessa perspectiva, a realização da audiência de custódia visa evitar prisões ilegais ou desnecessárias. O objetivo naturalmente não é soltar presos sem critérios, em prejuízo da segurança pública, mas permitir que o juiz, respeitados os direitos de contraditório e de defesa, melhor decida quanto à legalidade da prisão e à real necessidade de sua conversão em prisão preventiva ou concessão de liberdade provisória, com ou sem imposição de alguma medida cautelar diversa do encarceramento. Este é medida extrema que deve ser aplicada somente nos casos expressos em lei e quando a hipótese não comportar nenhuma das medidas cautelares alternativas introduzidas em nosso modelo de processo penal pela Lei nº 12.403, de 4 de maio de 2011.
Por fim, a terceira finalidade da audiência de custódia é inibir ou prevenir a prática de atos de violência policial contra presos e investigados. Como assinalado na Resolução nº 213/2015 do CNJ, “a condução imediata da pessoa presa à autoridade judicial é o meio mais eficaz para prevenir e reprimir a prática de tortura no momento da prisão, assegurando, portanto, o direito à integridade física e psicológica das pessoas submetidas à custódia estatal“.
A apresentação do custodiado ao juiz num prazo exíguo tende a inibir detenções ilegais e evitar ameaças e ofensas à integridade física ou psíquica dos presos, ante a maior chance de serem apuradas e descobertas.
O art. 11 da mencionada Resolução dispõe que:
“Havendo declaração da pessoa presa em flagrante delito de que foi vítima de tortura e maus-tratos ou entendimento da autoridade judicial de que há indícios da prática de tortura, será determinado o registro das informações, adotadas as providências cabíveis para a investigação da denúncia e preservação da segurança física e psicológica da vítima, que será encaminhada para atendimento médico e psicossocial especializado.“
Justamente com o propósito de que não sejam refreadas ou obstadas as denúncias de violência policial, no parágrafo único do art. 4º da supracitada Resolução consta que “é vedada a presença dos agentes policiais responsáveis pela prisão ou pela investigação durante a audiência de custódia“.
É claro que a ideia não é desacreditar ou lançar desconfiança sobre o trabalho policial, até porque a maioria dos agentes de segurança atua em conformidade com a lei, respeitando a integridade física e mental dos indivíduos presos. Entretanto, infelizmente, como consignado no terceiro tópico destes apontamentos teoréticos, há algumas razões que ainda fazem persistir a violência policial no país, sendo a audiência de custódia uma nova medida destinada a inibir a prática de maus-tratos e de tortura contra presos. É certo que esse novo mecanismo não vai eliminar o mal em comento, mas ajudará a reduzi-lo sensivelmente, como será demonstrado a partir dos primeiros dados coletados pelo CNJ.
5 Análise Preliminar dos Primeiros Números Divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça e as Expectativas em Torno da Audiência de Custódia
Como se viu, a audiência de custódia ou de apresentação do preso tem como propósitos primordiais [22] provocar um controle judicial mais humano e preciso das prisões cautelares (evitando-se custódias ilegais e desnecessárias) e inibir ou prevenir a violência policial contra o detido. Pelos dados apontados linhas atrás, trata-se de necessário esforço a ser realizado contra a violação de direitos humanos.
Conquanto haja quem critique [23] ou veja com desconfiança [24] esse projeto, as expectativas são as melhores possíveis tendo em conta os objetivos da medida e os números até aqui apurados pelo Conselho Nacional de Justiça. Os dados abaixo não deixam dúvida do caráter alvissareiro do novo instituto.
Convém assinalar que, no seu art. 7º, a Resolução nº 213/2015 do Conselho Nacional de Justiça criou o Sistema de Audiência de Custódia (Sistac), um sistema eletrônico de âmbito nacional para que ali sejam cadastrados todos os dados relativos à apresentação de pessoa presa em flagrante delito a um juiz. Esse sistema tem por objetivos (§ 1º):
“I – registrar formalmente o fluxo das audiências de custódia nos tribunais;
II – sistematizar os dados coletados durante a audiência de custódia, de forma a viabilizar o controle das informações produzidas, relativas às prisões em flagrante, às decisões judiciais e ao ingresso no sistema prisional;
III – produzir estatísticas sobre o número de pessoas presas em flagrante delito, de pessoas a quem foi concedida liberdade provisória, de medidas cautelares aplicadas com a indicação da respectiva modalidade, de denúncias relativas a tortura e maus tratos, entre outras;
IV – elaborar ata padronizada da audiência de custódia;
V – facilitar a consulta a assentamentos anteriores, com o objetivo de permitir a atualização do perfil das pessoas presas em flagrante delito a qualquer momento e a vinculação do cadastro de seus dados pessoais a novos atos processuais;
VI – permitir o registro de denúncias de torturas e maus tratos, para posterior encaminhamento para investigação;
VII – manter o registro dos encaminhamentos sociais, de caráter voluntário, recomendados pelo juiz ou indicados pela equipe técnica, bem como os de exame de corpo de delito, solicitados pelo juiz;
VIII – analisar os efeitos, impactos e resultados da implementação da audiência de custódia.”
Assim, graças a tal sistema, os dados das audiências de custódia estão sendo cuidadosamente monitorados pelo CNJ. Essas informações são extremamente ricas e seguramente servirão de suporte para balizar a definição e o aperfeiçoamento das políticas criminais no Brasil.
Desde a implantação do projeto, há pouco mais de um ano, já foram realizadas mais de 81.000 audiências de custódia no país [25].
Em âmbito nacional, os dados apurados até o dia 16.05.2016 revelam o seguinte:
Audiências realizadas
81.439 (83.634 autuados)
Resultaram em liberdade
39.709 (47,48{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6})
Resultaram em prisão preventiva
43.925 (52,52{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6})
Alegações de violência no ato da prisão
4.646 (5,56{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6})
Encaminhamentos pelo serviço social da comarca
9.272 (11,09{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6})
No Estado de São Paulo, de 24.02.2015 a 13.05.2016, os números são os seguintes:
Audiências realizadas
22.349
Resultaram em liberdade
10.678 (47,78{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6})
Resultaram em prisão preventiva
11.671 (52,22{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6})
Alegações de violência no ato da prisão
1.822 (8,15{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6})
Encaminhamentos pelo serviço social da comarca
1.833 (8,20{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6})
Em Minas Gerais, de 17.07.2015 a 15.05.2016, os dados apurados são os que seguem:
Audiências realizadas
7.434
Resultaram em liberdade
3.505 (47,15{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6})
Resultaram em prisão preventiva
3.929 (52,85{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6})
Alegações de violência no ato da prisão
Não informado
Encaminhamentos pelo serviço social da comarca
1.140 (15,33{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6})
No geral, os primeiros números divulgados por aquele conselho mostram que, em média, em 50{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} dos casos não se fazia necessária a prisão cautelar. Somente em metade dos casos houve necessidade de conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva. Assim, é inegável que a audiência de custódia contribuirá decisivamente para reduzir a superpopulação carcerária. É o que vem acontecendo nos locais onde a medida já foi totalmente implantada. Está havendo uma clara diminuição do número de pessoas que ingressam no sistema carcerário, com significativa economia de recursos públicos [26].
A tendência de redução da taxa de encarceramento provisório é bastante clara. No Estado de Alagoas, em 78,79{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} [27] dos casos houve concessão de liberdade ao flagranteado. Na Bahia, 68,37{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} dos casos resultaram em liberdade. No Pará, 65,92{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} dos presos obtiveram a liberdade provisória. Isso também ocorreu em 59,92{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} dos casos no Mato Grosso. Esses números corroboram que
“a audiência de custódia tem potencial para reduzir a cultura do encarceramento e propiciar que os recursos orçamentários hoje consumidos pelo sistema carcerário sejam reduzidos e, consequentemente, aplicados para aparelhar os órgãos encarregados da persecução penal e o próprio Judiciário, custeando os serviços acrescidos com a adoção da audiência e ainda melhorando os demais serviços relacionados com a segurança pública.” (BRASIL Jr.; OLIVEIRA; SILVA; SOUZA, 2015, p. 125)
A expectativa do presidente do Conselho Nacional de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, Ministro Ricardo Lewandowski, é que a realização das audiências de custódia deve, em mais um ano, reduzir em 50{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} o número de presos provisórios no país. A referida autoridade afirmou que, a partir dos dados apurados até aqui, “em um ano, mantida a proporção de liberdade provisória em 50{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}, haveremos de diminuir pela metade o número de presos provisórios, que passariam de 240 mil para 120 mil” [28].
De outro lado, as estatísticas concentradas pelo CNJ confirmaram o que já era notório quanto à persistência da violência policial, tema que foi abordado na terceira parte deste texto. No país, mesmo após a implantação da audiência de custódia, em 5,56{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} (4.646) dos casos houve alegação de violência no ato da prisão.
Em algumas unidades federadas é bem elevado e preocupante o percentual de casos em que houve alegação de prática de violência policial, ficando evidenciada a gravidade do problema. No Amazonas, houve essa alegação em alarmantes 40{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} dos casos. Em Santa Catarina, 25{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} dos presos afirmaram ter sofrido atos de violência oficial. Em Goiás, essa taxa foi de 23{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}, enquanto no Mato Grosso foi de 14{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}. Entretanto, noutros Estados-membros, como Rio de Janeiro, Paraná e Rio Grande do Norte, só houve tal alegação de violência policial em 2{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} dos casos.
É óbvio que não são verdadeiras todas as alegações de maus-tratos e de espancamentos, daí ser essencial o desencadeamento de apuração criminal, mas fica nítido que a prática da violência por agentes estatais realmente continua a acontecer país a fora, precisando ser mais vigorosamente inibida pelo Estado brasileiro, de modo que o controle da criminalidade ocorra de forma legítima, dentro das raias da legalidade, sem máculas à atuação das forças policiais.
Até a implantação da audiência de custódia não era possível dimensionar com mais precisão a violência policial no Brasil, pois não havia um sistema ou um programa a fim de computar e congregar esses dados. Não há dúvida, porém, de que os números eram ainda mais alarmantes a ponto de o comportamento abusivo e arbitrário caracterizar a atuação da polícia em muitas regiões.
O novel instrumento em estudo tende a mudar esse quadro. A esperança é que a audiência de custódia ajude a prevenir e a inibir sensivelmente tal fenômeno em razão das providências que os juízes estão determinando a partir das denúncias feitas pelos presos. Já é manifesta no meio policial a preocupação em agir nos limites da lei, pois a rápida realização da audiência irá facilitar a coleta de evidências dos abusos e a responsabilização criminal. Cabe assinalar, neste ponto, o relevante e decisivo papel reservado ao Ministério Público no sentido de tomar frente ou acompanhar bem de perto as investigações relativas a tais fatos.
Portanto, essa simples análise dos primeiros dados divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça demonstra que foi acertada a implementação da medida. As expectativas são no sentido de que o controle mais humanizado e próximo das prisões cautelares acarrete significativa redução do contingente de presos provisórios no país, acreditando-se também na diminuição do número de casos de violência policial que tanto maculam o trabalho das polícias.
Ainda, contrariando a concepção de quem [29] se opõe à realização da audiência de custódia, por desburocratizar e agilizar a soltura de presos em flagrante, o que poderia concorrer para o aumento da criminalidade, as estatísticas evidenciam que até o momento não houve elevação no número de delitos [30]. Além disso, por causa do contato direto do preso com o juiz, o membro do MP e a defesa, com a imposição de medidas cautelares diversas do encarceramento, tem sido diminuto [31] o número de flagranteados liberados que reincidem e são reapresentados. É que para eles fica claro que um novo deslize acarretará a conversão da medida cautelar imposta em prisão preventiva. Não querem frustrar o “voto de confiança” que receberam do juiz.
Também, os encaminhamentos para acompanhamentos [32] pelo serviço social das comarcas têm ajudado a retirar das ruas indivíduos com distúrbios mentais, sem-teto, abandonados ou usuários de drogas e que praticavam furtos e roubos. O fortalecimento desse serviço de assistência e inclusão social será fundamental para a construção de uma nova forma de enfrentar a delinquência de rua que assola as comunidades. Daí que se pode enxergar a audiência de custódia como um mecanismo que tende a contribuir para a redução dos índices de criminalidade. O tempo dirá.
6 Considerações Finais
A partir dos dados do relatório [33] do último Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), buscou-se refletir criticamente sobre as razões da elevadíssima taxa de encarceramento penal provisório no país. Cerca de 40{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} das pessoas que estão presas sequer foram julgadas na primeira instância. Os números contidos no referido relatório confirmaram os abusos no emprego das segregações provisórias, retratando haver uma cultura de aprisionamento em massa mesmo depois da edição da Lei nº 12.403/2011 [34].
Tal cenário evidenciou quão imperiosa era a implantação da audiência de custódia ou de apresentação do preso, como medida voltada a um controle mais próximo, humano e preciso no tocante à legalidade e à real necessidade das prisões cautelares no Brasil. A análise cognoscitiva do tema permitiu concluir que esse instituto contribuirá sobremaneira para reduzir a superpopulação carcerária.
Também se almejou descortinar as razões para a persistência da violência policial. Infelizmente, essa ainda é uma realidade a ser combatida e superada. A tortura e os maus-tratos a presos ainda são comuns no país e maculam o trabalho das forças policiais. Embora não vá eliminar o problema em questão, enxergou-se a audiência de custódia como uma valiosa ferramenta que propiciará a adoção de providências mais urgentes e concretas nos casos em que houver alegação de maus-tratos e tortura de presos.
O estudo, destarte, retratou a audiência de custódia ou de apresentação do preso como uma medida que humaniza a decisão judicial acerca da legalidade e da necessidade da prisão, permitindo ainda a rápida adoção de providências nos casos em que houver denúncia de constrangimentos e espancamentos. Nesse sentido, comentando o avanço que representa a implantação do instituto pelos Tribunais pátrios, Aury Lopes Júnior e Alexandre Moraes da Rosa (2016) pontuaram:
“A audiência de custódia acaba com o conforto da decisão imaginada pelo flagrante, exige contato humano, com o impacto que proporciona, fazendo com que se possa prender melhor, a partir das razões que forem apresentadas. Nos Estados em que já está sendo implementada, muitos opositores se renderam à qualidade do ato, até porque sustenta o lugar de garante do juiz, tanto pelos flagrantes, prendendo quando for o caso, bem assim evitando que pessoas fiquem presas para além do necessário. Controla-se, por fim, os casos de tortura reais ou inventadas.”
Enfim, o presente ensaio acabou por apontar a importância da audiência de custódia ou de apresentação do preso, medida que infelizmente tardou para ser adotada no Brasil, mas que agora tende a contribuir para a melhoria de nosso sistema penitenciário. A análise dos primeiros dados divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça demonstra o quanto foi correta a implantação dessa inovação, havendo a expectativa de que caminhamos para, ao menos, diminuir significativamente os velhos problemas da superlotação carcerária e da violência policial.
7 Referências
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[1] Ao deferir parcialmente o pedido de medida cautelar na ADPF 347/DF, ordenando aos juízes e aos Tribunais brasileiros que realizem a audiência de custódia, a Corte Suprema brasileira, inspirando-se na jurisprudência da Corte Constitucional da Colômbia, reconheceu expressamente a existência do “Estado de coisas inconstitucional” no sistema penitenciário brasileiro, em razão das sistemáticas violações dos direitos dos presos. Da ementa constou: “(…) SISTEMA PENITENCIÁRIO NACIONAL. SUPERLOTAÇÃO CARCERÁRIA. CONDIÇÕES DESUMANAS DE CUSTÓDIA. VIOLAÇÃO MASSIVA DE DIREITOS FUNDAMENTAIS. FALHAS ESTRUTURAIS. ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL. CONFIGURAÇÃO. Presente quadro de violação massiva e persistente de direitos fundamentais, decorrente de falhas estruturais e falência de políticas públicas e cuja modificação depende de medidas abrangentes de natureza normativa, administrativa e orçamentária, deve o sistema penitenciário nacional ser caracterizado como ‘Estado de coisas inconstitucional’ (…)” (Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp>. Acesso em: 8 jun. 2016).
[2] Disponível em: <http://www.justica.gov.br/seus-direitos/politica-penal/infopen_dez14.pdf>. Acesso em: 8 jun. 2016.
[3] Refletindo sobre o assunto, Débora Regina Pastana, na linha do pensamento de Nils Cristie, assevera que “o maior encarceramento não tem relação direta com o aumento da criminalidade, mas, sim, com o aumento dos miseráveis, totalmente excluídos do universo do trabalho. Essa massa excluída do trabalho e, consequentemente, do consumo fica submetida a um gigantesco sistema penal responsável não mais por disciplinar os desviantes, mas, sim, por conter o refugo social produzido pelo recente contexto liberal” (2009, p. 317).
[4] Disponível em: <http://www.justica.gov.br/seus-direitos/politica-penal/infopen_dez14.pdf>. Acesso em: 9 jun. 2016.
[5] Dados constantes do referido relatório do Infopen – dez. 2014, p. 14. Disponível em: <http://www.justica.gov.br/seus-direitos/politica-penal/infopen_dez14.pdf>. Acesso em: 8 jun. 2016.
[6] Considerando também as prisões domiciliares e em regime aberto, alcançamos o terceiro lugar.
[7] Dados disponibilizados no relatório do Infopen – dez. 2014, p. 15 e 18. Disponível em: <http://www.justica.gov.br/seus-direitos/politica-penal/infopen_dez14.pdf>. Acesso em: 9 jun. 2016.
[8] Luigi Ferrajoli critica severamente o abuso crescente no emprego do cárcere preventivo na experiência judiciária, condenando a praxe de se usar a custódia preventiva como pena antecipada. Assevera que a utilização da prisão cautelar como medida punitiva e policialesca, sem fundamentos processuais reais, contrasta com todos os princípios de uma sistema garantista (2014, p. 714-716).
[9] Serve de exemplo eloquente o caso do pedreiro Amarildo Dias de Souza. Laura Capriglione narra que “o pedreiro Amarildo foi preso, torturado e morto pela Polícia Militar do Rio de Janeiro no dia 14 de julho de 2013. Os jornais tradicionais, fiéis às assessorias de imprensa da polícia, apressaram-se em veicular a versão de que ele seria um traficante ou prototraficante e que seu desaparecimento decorreria de acertos entre bandidos. Foi graças à troca de mensagens, torpedos e à campanha ‘Onde está Amarildo?’, iniciada nas redes sociais, especialmente no Facebook, com o apoio de movimentos como o Mães de Maio (da inconveniente Débora) e da Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência, que Amarildo tornou-se pedreiro e resgatou, post mortem, sua humanidade. Assim, descobriu-se que tinha o apelido de ‘Boi’, era casado com a dona de casa Elizabeth Gomes da Silva e pai de seis filhos, com quem dividia um barraco de um único cômodo. Os jornais tradicionais – sob o risco da desmoralização – foram obrigados a ir atrás da verdadeira história do pedreiro assassinado” (2015, p. 59).
[10] João Alexandre Peschanski e Renato Moraes esclarecem que “o lema ‘bandido bom é bandido morto’ não se resume a uma ideologia simplória, que inconscientes perigosos difundiriam, mas é o discurso visível de um processo de construção social de extermínio” (2015, p. 65).
[11] José Afonso da Silva assinala que, para garantir a ordem pública e a incolumidade das pessoas, bem exercendo a atividade de vigilância, prevenção e repressão de condutas delituosas, “é preciso adequar a polícia às condições e às exigências de uma sociedade democrática, aperfeiçoando a formação profissional e orientando-a para a obediência aos preceitos legais de respeito aos direitos do cidadão, independentemente de sua condição social” (2014, p. 499).
[12] STF, RE 593.727/MG, Rel. p/ o Acórdão Min. Gilmar Mendes, j. 14.05.2015, DJe 08.09.2015.
[13] Nessa mesma linha de raciocínio, o antropólogo Luiz Eduardo Soares aduz que a natureza do trabalho policial situa o agente de segurança “com frequência sobre o fio da navalha”, daí por que reputa tão decisivo o controle externo de tal atividade (2015, p. 32).
[14] Luiz Eduardo Soares, propondo mudanças nas polícias, defende que é preciso desmilitarizar as PMs. Afirma que “desmilitarizar implica cortar o vínculo das polícias militares com o Exército, livrá-las de regimentos disciplinares inconstitucionais (…)”. Entende que tal mudança “ofereceria a oportunidade para a reforma completa do modelo policial, que se daria em torno de dois eixos (…). O primeiro eixo seria a revogação da atual divisão do trabalho entre as instituições: uma investiga, a outra age ostensivamente sem investigar. Ambas, então civis, passariam a cumprir o chamado ciclo completo da atividade policial: investigação e prevenção ostensiva. O segundo seria a instauração da carreira única no interior de cada instituição, antigo pleito da massa policial. Hoje, há duas polícias em cada uma: oficiais e praças, delegados e agentes (…). São dois mundos distintos, competindo entre si e, cada vez mais, mutuamente hostis” (2015, p. 32).
[15] Paulo Sérgio Pinheiro alertou para o fato de que, “no Brasil, assim como em muitos outros países da América Latina, há um enorme gap entre o que está escrito na lei e a realidade brutal da aplicação da lei. A Constituição do Brasil, promulgada em 1988, conseguiu incorporar muitos direitos individuais que foram violados sistematicamente no período da ditadura militar. Os direitos à vida, à liberdade e à integridade pessoal foram reconhecidos, e a tortura e a discriminação racial são consideradas crimes. No entanto, apesar do reconhecimento formal desses direitos, a violência oficial continua” (1997, p. 43).
[16] “Art. 5º (…) LXII – A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada.”
[17] “Art. 306. A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente, ao Ministério Público e à família do preso ou à pessoa por ele indicada. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011)
- 1º Em até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, será encaminhado ao juiz competente o auto de prisão em flagrante e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011)”
[18] Tratam-se de atos normativos que, conforme jurisprudência majoritária do Supremo Tribunal Federal, têm status supralegal, embora de caráter infraconstitucional. Como foram incorporados antes da EC nº 45/04, podem, a critério do legislador brasileiro, ser submetidos ao procedimento previsto no art. 5º, § 3º, da Constituição Federal de 1988, a fim de que venham a equivaler a emendas constitucionais.
[19] Mauro Fonseca Andrade e Pablo Rodrigo Alflen esclarecem que, “fazendo uso do Ofício-Circular nº 33/03-CGJ, de 2 de abril de 2003, a Corregedoria-Geral de Justiça do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul se dirigiu aos seus juízes para lembrá-los do teor do art. 7, 5, primeira parte, da CADH. Em que pese esse esforço, a lembrança surtiu efeito em pouquíssimos magistrados, especialmente entre aqueles com atuação na capital do Estado e, de forma particular, entre os que foram designados para atuar junto ao Serviço Judicial Permanente do Plantão. Ainda assim, embora houvessem determinado à Polícia Judiciária que lhes fossem apresentados os presos em flagrante, os juízes plantonistas acabaram por retroceder na determinação, ante os constantes reclamos dos órgãos de persecução penal primária, sob a justificativa de que não possuíam servidores e veículos suficientes para as constantes idas e vindas aos cartórios com competência criminal” (2016, p. 22).
[20] Disponível em: <www.oab.org.br/noticia/28312/oab-e-cnj-firmam-convenio-para-fomento-de-audiencias-de-custodia>. Acesso em: 7 jun. 2016.
[21] Embora a Associação de Delegados de Polícia do Brasil – Adepol tenha ajuizado, em fevereiro de 2015, a ADI 5.240, questionando o fato de a regulamentação pelo TJSP ter se dado por ato administrativo (Provimento-Conjunto nº 03/2015, publicado em 22 de janeiro de 2015), o STF entendeu que, por estar a medida respaldada em textos internacionais já internalizados, descabido seria condicionar sua aplicação à edição de uma disciplina legal específica.
[22] Merece menção, a propósito, o seguinte esclarecimento do CNJ: “7. O que se pretende com a audiência de custódia? A apreciação mais adequada e apropriada da prisão que se impôs, considerando a presença física do autuado em flagrante, a garantia do contraditório e a prévia entrevista pelo juiz da pessoa presa. Permite que o juiz, o membro do Ministério Público e da defesa técnica conheçam de possíveis casos de tortura e tomem as providências. Previne o ciclo da violência e da criminalidade, quando possibilita ao juiz analisar se está diante da prisão de um criminoso ocasional ou daqueles envolvidos com facções penitenciárias” (Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/sistema-carcerario-e-execucao-penal/audiencia-de-custodia/perguntas-frequentes>. Acesso em: 9 jun. 2016).
[23] Adelmar Aires Pimenta da Silva (2015) aduz: “O ato, tal como propugnado, constitui uma inutilidade porque não se destina à produção de provas; os magistrados não têm conhecimentos técnicos para avaliar eventuais práticas de tortura porque não são peritos; não se pode perder de vista que os presos em flagrante seriam conduzidos à presença dos magistrados por policiais, circunstância por si só apta a inibir denúncias de eventuais torturas; a condução do investigado à presença do juiz, logo após a prisão, demanda o dispêndio de escassos recursos públicos com a utilização de todo um aparato de segurança, como o emprego de viaturas e agentes estatais envolvidos no deslocamento de detentos”.
[24] Guilherme de Souza Nucci (2015) pensa que “(…) a autoridade judiciária que quer soltar assim o faz, sem necessidade alguma de ‘ver o preso’. Quem não solta, mantendo quase sempre a prisão cautelar, não vai mudar porque ‘viu ou conversou alguns minutos com o preso’. (…) Gostaria de saber se os magistrados das audiências de custódia que se realizam, hoje, no Brasil, são todos titulares de cargos fixos. E eles, somente pelo contato com o réu, mudaram sua posição de manter a prisão para soltá-lo. Se alguém me provar isso, gostaria de ouvir do colega juiz o que o réu lhe contou a ponto de sensibilizá-lo, fazendo-o mudar radicalmente de opinião”.
[25] Dados disponíveis em: <http://www.cnj.jus.br/sistema-carcerario-e-execucao-penal/audiencia-de-custodia/mapa-da-implantacao-da-audiencia-de-custodia-no-brasil>. Acesso em: 15 jun. 2016.
[26] Quando da implantação das audiências de custódia no Estado do Pará, em setembro de 2015, o Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Ricardo Lewandowski, destacou a economia de recursos gerada pelo projeto, que já havia poupado meio bilhão de reais ao erário. Asseverou que “com a média de soltura de 50{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} dos presos em flagrante e levando em consideração que cada preso custa cerca de R$ 3 mil ao mês ao Estado, a expectativa é de que em um ano as audiências de custódia tenham possibilitado uma economia de cerca de R$ 3,4 bilhões aos cofres públicos” (Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/80521-audiencia-de-custodia-no-para-tem-parceria-entre-judiciario-e-executivo>. Acesso em: 13 jun. 2016).
[27] Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/sistema-carcerario-e-execucao-penal/audiencia-de-custodia/mapa-da-implantacao-da-audiencia-de-custodia-no-brasil>. Acesso em: 15 jun. 2016.
[28] Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2016-01/audiencias-de-custodia-podem-reduzir-em-50-numero-de-presos-provisorios>. Acesso em: 13 jun. 2016.
[29] O Deputado Federal Eduardo Bolsonaro chegou a propor a sustação dos efeitos da Resolução nº 213/2015 do CNJ, por entender que a audiência de custódia contribuiu para o aumento da criminalidade, gerando retrabalho aos agentes de segurança e colocando os criminosos na condição de vítimas (Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/DIREITO-E-JUSTICA/507727-PROJETO-DE-EDUARDO-BOLSONARO-ANULA-RESOLUCAO-DO-CNJ-SOBRE-AUDIENCIAS-DE-CUSTODIA.html>. Acesso em: 9 jun. 2016).
[30] “As audiências de custódia foram responsáveis por conceder a 1,3 mil acusados de furto o direito de responder em liberdade na cidade de São Paulo entre março e junho deste ano. E, no mesmo período, a capital não viu a quantidade de furtos aumentar, segundo levantamento do Conselho Nacional de Justiça, responsável pelo projeto das audiências, em parceria com o Tribunal de Justiça de São Paulo. Já no estado de São Paulo, a implantação das audiências de custódia coincide com uma queda de 8,7{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} no número de furtos, na comparação com o mesmo período de 2014. Foram 95,3 mil furtos entre março e junho de 2015 contra 104,4 mil entre março e junho do ano anterior. (…) Segundo o professor Rafael Alcadipani, representante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a queda na quantidade de furtos em São Paulo nos primeiros meses de funcionamento das audiências de custódia vai de encontro à opinião do senso comum de que a prisão é a única solução para a criminalidade.” (REVISTA CONSULTOR JURÍDICO. Audiências de custódia não aumentam número de furtos no estado de São Paulo. São Paulo, edição do dia 17.09.2015. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-set-17/audiencias-custodia-numero-furtos-cai-estado-sao-paulo>. Acesso em: 15 jun. 2016)
[31] “Estatísticas sobre os primeiros meses de funcionamento das audiências de custódia em nove Tribunais de Justiça indicam que os presos autorizados a esperar pelo julgamento em liberdade raramente voltam a ser detidos por novos crimes. Nos Tribunais de Justiça do Espírito Santo, Mato Grosso, São Paulo, Ceará, Pernambuco, Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina e Bahia, o chamado índice de reingresso é de 4,05{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}. Das 6.513 pessoas que receberam liberdade provisória em audiência de custódia nesses nove Estados, apenas 264 pessoas voltaram a ser apresentadas a um juiz por terem cometido um crime novamente. (…) Em São Paulo, Estado que tem um em cada três presos do Brasil (219 mil pessoas), somente 4{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} das pessoas liberadas em audiências de custódia voltaram a cometer crimes desde o início do projeto, em fevereiro. As audiências evitaram que 4,2 mil pessoas entrassem no sistema prisional paulista, que recebe cerca de 9,3 mil presos por mês (…).” (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Apenas 4{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} dos liberados nas audiências de custódia voltam a ser presos. Nov. 2015. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/80886-apenas-4-dos-liberados-nas-audiencias-de-custodia-voltam-a-ser-presos>. Acesso em: 15 jun. 2016)
[32] Defender o acerto da realização de tais encaminhamentos para flagranteados liberados não significa, fique acentuado, colocar-se ao lado “do bandido”, desprezando a vítima. Naturalmente, esta merece (também) todo o acompanhamento pelo Serviço Social dos poderes da República, sendo primordial a expansão ou o melhor aparelhamento desse serviço assistencial em favor dos que se encontrem em situação de vulnerabilidade social.
[33] Disponível em: <http://www.justica.gov.br/seus-direitos/politica-penal/infopen_dez14.pdf>. Acesso em: 8 jun. 2016.
[34] Foi por isso que o Ministro Ricardo Lewandowski conclamou Tribunais a combaterem a cultura do encarceramento. Disponível em: <www.stf.jus.br/portal/cms/vernoticiadetalhe.asp?idconteudo=290907&tip=un>. Acesso em: 6 jun. 2016.