ATUAÇÃO DOS ‘INFLUENCERS JURÍDICOS’ GANHA ESPAÇO NAS REDES SOCIAIS
Victória Cócolo
Para surpresa de ninguém, a febre das redes sociais chegou ao Direito. Aqui e ali, surgem magistrados, promotores ou advogados que ganham popularidade online com dicas para os leigos ou com o puro e simples compartilhamento do dia a dia de que ganha a vida pelos fóruns do Brasil. Os “influencers jurídicos” estão se multiplicando, e isso resulta em um inevitável debate sobre os limites da atuação dos membros do Poder Judiciário nas redes.
De acordo com o Conselho Nacional de Justiça, entre 2020 e 2023, pelo menos 17 juízes tiveram publicações examinadas por suspeita de infringir a conduta determinada pelo Código de Ética da Magistratura Nacional e pela resolução do próprio CNJ (de 2019) sobre o uso das redes.
A maior parte dessas investigações está relacionada a manifestações político-partidárias, críticas exageradas a membros do Supremo Tribunal Federal ou disseminação de informações infundadas. Mesmo assim, há um número crescente de profissionais do Direito disposto a exibir suas rotinas para o grande público.
Nesse cenário, é natural que surja a discussão sobre os limites da atuação dos magistrados na internet. A Resolução 305 do CNJ diz que o uso das redes pelos julgadores deve observar os preceitos da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) e do Código de Ética da Magistratura Nacional, além dos valores estabelecidos nos Princípios de Bangalore de Conduta Judicial.
No entanto, há conceitos da resolução que são abertos, como o veto à autopromoção e à superexposição de juízes, por exemplo. Para a juíza Renata Gil, ex-presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e membro do CNJ, “não há um padrão específico de conduta que deve ser seguido. O que é observado, em linhas gerais, é se o conteúdo tem conotação educativa”.
“A Corregedoria tem trabalhado nesse sentido de avaliar caso a caso e julgar quando aquilo tem função social e quando passa desse limite. Isso não pode se tornar a segunda função na vida do magistrado”, diz Renata.
Outros pontos importantes da resolução são os seguintes: o magistrado deve evitar manifestações cujo conteúdo, por impróprio ou inadequado, possa repercutir negativamente ou atentar contra a moralidade administrativa; e evitar expressar opiniões ou aconselhamento em temas jurídicos concretos ou abstratos que, mesmo eventualmente, possa ser de sua atribuição ou competência jurisdicionais ressalvadas as manifestações em obras técnicas ou no exercício do magistério.
“O mundo mudou e é natural que aconteça uma adaptação ao mundo contemporâneo. A balança só precisa estar equilibrada”, afirma Renata.
Estrela ascendente
Em dezembro de 2022, o juiz alagoano Kleiton Ferreira postou um vídeo em que aparece exalando bom humor e simpatia enquanto conduz uma audiência. Desde então, seu perfil no Instagram passou de dois mil para 472 mil seguidores e nasceu sua página no TikTok, no momento com 355 mil perfis que o acompanham.
Kleiton nasceu em Arapiraca (AL), mas atua em Sergipe. E nem ele mesmo consegue explicar como se tornou uma espécie de fenômeno nas redes.
“Nem sempre fui uma pessoa muito espontânea, mas ao me ver trabalhando numa profissão tão bela quanto a magistratura, me senti extremamente feliz e realizado. Isso talvez tenha contribuído para que as pessoas vissem que juízes e juízas são humanos como elas. Juízes sofrem, sentem raiva, angústias, medos, alegrias, paixões, compaixão.”
O conteúdo postado pelo julgador tem explicações sobre o funcionamento da Justiça; cortes feitos em momentos em audiência; incentivo ao estudo para acadêmnicos de Direito; e também é um local em que o magistrado se expressa como escritor e narrador de audiolivros de ficção.
“Percebi que minhas ideias, assim como os temas que surgem delas, poderiam ter outro veículo que não apenas o livro ou o audiolivro. É triste que a cultura do livro esteja tão em baixa. Por isso, pensei que poderia ocupar o espaço das redes para atrair a atenção delas para outro tipo de entretenimento, que ao mesmo tempo é fruto de minha produção artística e, ao fim, canalizar parte dos seguidores para onde me expresso com a literatura.”
Conscientização contra a violência
A juíza Luciana Fiala, titular do 5º Juizado de Violência Doméstica do Rio de Janeiro, conta que, com a explosão do número de casos de violência contra as mulheres durante o período de isolamento causado pela Covid-19, começou a usar o Instagram para disseminar informações sobre o tema. Atualmente, ela é seguida por 513 mil perfis nessa rede e 460,6 mil no TikTok.
“Foi o meio que eu encontrei de conseguir me aproximar dessas mulheres e também para que elas encontrassem algum tipo de ajuda. Isso eu fiz não só através do meu Instagram, também fiz lives e participei de um coletivo chamado Elas por Nós.”
Para produzir os vídeos, ela busca assuntos que estão em debate e que tenham a ver com o mundo jurídico, tentando mostrá-los por um viés original.
“A gente tem de ter essa pluralidade de visões. Você recebe vários tipos de manifestação, essa democratização é bacana, desde que seja feita de forma respeitosa. Então eu acho que alguns assuntos têm de ser levados à população”, diz a juíza.