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A ATA NOTARIAL NA PRÁTICA

A ATA NOTARIAL NA PRÁTICA

Felipe Leonardo Rodrigues

A situação fática materializa-se por meio de instrumentos ou documentos, um deles, a ata notarial.

O fato jurídico[1] em sentido estrito é o evento que sucede no mundo exterior amparado pela ordem jurídica, sem que, para sua formação, concorra a vontade do homem.

Quanto ao ato jurídico[2], contudo, a vontade humana delineia-se, vontade essa reconhecida pela ordem jurídica.

Veja que para a ata notarial, o fato jurídico é exceção, já que o Tabelião quase sempre não se encontra quando ele efetivamente ocorre. São exemplos de fatos jurídicos: o nascimento, a maioridade, a morte, o decurso do tempo, ser incapaz, entre outros.

Por outro lado, o ato jurídico depara-se diuturnamente nas atas notariais, já que a maioria das constatações de algum modo o objeto provém de atos humanos.

O ato, para ser jurídico, necessita produzir efeitos. Esses efeitos, contudo, não significam mera alteração da realidade fática. Eles vão além, modificando a realidade fática e jurídica.

Para alterar a primeira, basta a mera vontade humana. Mas, para alterar a ordem jurídica, faz-se necessário que o ordenamento admita o fato, valore-o, confira-lhe efeitos, repute-o, em suma, eficaz.

Para a ata notarial importa o ato-fato jurídico não negociável, contrário da escritura pública, que se consubstancia pela manifestação da vontade livre, reta e honesta, cuja base procede da alma.

Adentrando no tema de fundo, referido ato-fato pode estar numa plataforma física (palpável) ou sob bit[3], p.ex., a internet[4] (impalpável). Geralmente esse ato-fato está em forma de dados ou informações sob a roupagem de arquivos, vídeos, sons, imagens, ou qualquer outro tipo de mídia, que invariavelmente gera repercussões na esfera jurídica.

Quando essa informação, de alguma forma, viola direito e causa dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito[5] e para pré-constituir prova dele, é necessário ser trasladado fielmente do suporte eletrônico para o físico, corporificado em um instrumento robusto, a ata notarial.

A simples impressão do conteúdo eletrônico não gera força probatória bastante, que invariavelmente precisa ser corroborado por outros meios documentais.

A ata notarial protege e autentica com fé pública notarial[6] a informação de tal forma que só pode ser elidida por meio do remédio próprio, o incidente de falsidade[7], colaborando com o Poder Judiciário (e com a parte) para o descobrimento da verdade[8].

A ata notarial como dissemos alhures, é dotada de fé pública notarial, ou seja, em seu favor milita a presunção legal de veracidade[9], sendo um poderoso documento probatório a serviço da cidadania e da justiça.

Passamos para ata notarial em si, mencionando alguns princípios próprios. Para o notarialista Bardallo, os princípios fundamentais da técnica notarial são os seguintes: conhecimento, legalidade, representação, conservação, autenticidade, segurança, economia, experiência e experimentação[10].

O conhecimento é apreensão e análise do ato-fato com adequação. A legalidade implica no estudo do caso a luz das leis e normas aplicáveis. A representação indica a capacidade de converter o ato-fato configurado, almejando os efeitos pretendidos mediante a palavra (representação indireta) ou mediante complementos como imagens ou fotografias, áudio, som, vídeo (representação direta). A conservação busca a materialização que se traduz na própria ata. A autenticidade se traduz na própria essência da ata notarial, compreende não só a autoria, mas a credibilidade da constatação. A segurança implica na adoção de soluções que ofereçam garantias, p.ex. o certificado digital. A economia implica em eliminar a atuação prescindível e buscar soluções menos gravosas ao solicitante. A experiência transpõe num atuar de acordo com as formas tradicionais e comprovadamente eficazes, mas sem deixar de utilizar-se da experimentação, buscando e utilizando novas soluções.

Mencionado esses princípios basilares, passamos agora a indicar algumas dicas de alguns casos práticos:

Constatação de diálogo telefônico (em sistema de viva-voz):[11]

1.1. O solicitante informa ao Tabelião o número telefônico a ser chamado.

1.2. O solicitante, sob apreensão e análise do Tabelião, digita o número almejado por meio de aparelho telefônico que possua ferramenta viva-voz.

1.3. Atendida a chamada, o Tabelião simultaneamente ouve e grava o diálogo presenciado e oportunamente transcreve fielmente para a ata notarial.

1.4. A pedido do solicitante o arquivo eletrônico no qual se encontra o diálogo pode ser entregue juntamente com a ata em papel, assim, facilitando eventual momento pericial.

Constatação de fatos na rede de comunicação de computadores Internet:

2.1. O solicitante informa ao Tabelião o endereço eletrônico desejado, p.ex. www.26notas.com.br.

2.2. O Tabelião acessa o sítio por meio daquele endereço e autentica o objeto almejado, podendo ser texto, imagem, vídeo, etc.

2.3. Se for texto (ofensivo, calunioso, injurioso, difamoso, em vernáculo diverso do nacional (não necessita de tradutor para a feitura da ata), etc.), o Tabelião o transcreve fielmente no todo ou em parte para a ata, sem cortes ou edições. Ou também pode o Tabelião – a pedido da parte – capturar as telas enquadrando o texto almejado e imprimi-las no verso da ata notarial[12].

2.4. Se for som (uso e disponibilização indevida de música, entrevistas, etc.), o Tabelião transcreve fielmente o áudio, inclusive com eventuais interjeições e uso informal do vernáculo.  É possível copiar o arquivo no qual contém o áudio, gravar num CD (disco compacto) e entregar juntamente com a ata notarial em papel.

2.5. Se for vídeo, o Tabelião transcreve fielmente o conteúdo das cenas. É possível também copiar o vídeo (quando tecnicamente possível), gravar num CD (disco compacto) e entregar juntamente com a ata notarial em papel.

2.6. Se for imagem (uso indevido de fotografias, logotipos, nomes comerciais, etc.), o Tabelião enquadra a imagem almejada, captura a tela e imprime na ata notarial. Quando tratar-se de imagem com conteúdo pornográfico ou pedófilo não imprimir no corpo da ata notarial[13]. Não devemos propagar o dano.

Constatação da conformidade de páginas digitais com páginas de papel:

3.1. O solicitante apresenta o arquivo eletrônico e a impressão do seu conteúdo em papel. Ou o Tabelião – a pedido da parte – imprimi o conteúdo.

3.2. O Tabelião verifica as propriedades do arquivo, as quais serão lançadas na ata e insere a certificação notarial quanto à conformidade entre o conteúdo do arquivo eletrônico e o conteúdo impresso.

Constatação de vídeos no sítio YouTube: vide item 2.5.

Constatação do conteúdo de sites de relacionamento (Orkut): vide item 2.3 e 2.6 (Obs.: O acesso a esse sítio é autorizado mediante senha).

Constatação de Código-Fonte de site:

4.1. O solicitante informa ao Tabelião o endereço eletrônico almejado.

4.2. O Tabelião acessa o sítio, clica com o botão direito do cursor (mouse) sobre a dimensão da página, esse ato fará surgir um menu[14] com diversas funções; dentre elas o Tabelião opta pela função “Exibir Código-Fonte”, ato que abrirá uma outra tela, na qual conterá o código-fonte da página.

4.3. O Tabelião seleciona todo ou parte do código, copia e cola fielmente no corpo da ata, inclusive com eventuais expressões idiomáticas estrangeiras.

Constatação de existência de mensagens eletrônicas via webmail: vide item 2.3 e 2.6 (Obs.: O acesso a esse tipo de site solicita senha pessoal).

Constatação de existência de mensagens eletrônicas (e-mail) baixadas em programas próprios:

5.1. O solicitante apresenta o computador ao Tabelião.

5.2. O Tabelião clica e inicia o programa de mensagens (p.ex. Outlook Express, Microsoft Outlook, etc.).

5.3. Aberto o programa, o solicitante indica ao Tabelião a localização da mensagem desejada. Ao encontrá-la, abre a mensagem e captura as telas ou transcreve o conteúdo.

5.4. Sugerimos a verificação do cabeçalho de internet da mensagem (são as informações de tráfego da mensagem pela internet, especialmente o IP). No programa Microsoft Outlook, p.ex., com a mensagem aberta, o Tabelião clica e acessa a função “Exibir“, ato que fará abrir um menu com diversas funções; dentre elas, o Tabelião clica e acessa a função “Opções“, ato que fará abrir uma tela em formato reduzido, na qual estará o conteúdo do cabeçalho de internet. Na versão Outlook Express, com a mensagem aberta, o Tabelião clica e acessa a função “Arquivo“, ato que fará abrir um menu com diversas funções; dentre elas, o Tabelião clica e acessa a função “Propriedades“, ato que fará abrir uma tela em formato reduzido, nela o Tabelião clica na aba denominada “Detalhes“, ato que fará surgir uma nova tela, na qual estará o conteúdo do cabeçalho de internet.

Constatação da existência de mensagem de voz em telefone móvel (celular):

6.1. O proprietário ou quem o represente (desnecessário procuração) apresenta o telefone celular para o Tabelião.

6.2. O Tabelião deve identificar minuciosamente o aparelho apresentado: anotar a marca, o modelo, o número de série, o número de imei-anatel (se houver), o número de série do chip e o número telefônico (desnecessário a apresentação de nota fiscal).

6.3. O Tabelião descreve o caminho até o ícone alusivo à caixa postal. Localizada a mensagem, basta transcrever o seu conteúdo fielmente, inclusive com uso informal do vernáculo e interjeições.

6.4. Sugerimos verificar por meio das opções da caixa postal a identificação do número telefônico de origem. Não atribuir autoria. O solicitante pode, sob sua exclusiva responsabilidade.

Constatação da existência de mensagem de texto em telefone móvel (celular):

7.1. Conforme dito acima, o proprietário ou quem o represente (desnecessário procuração) apresenta o telefone celular para o Tabelião.

7.2. O Tabelião deve identificar minuciosamente o aparelho apresentado: anotar a marca, o modelo, o número de série, o número de imei-anatel (se houver), o número de série do chip e o número telefônico (desnecessário a apresentação de nota fiscal).

7.3. O Tabelião descreve o caminho até o ícone alusivo a mensagem almejada.  Localizada a mensagem, basta transcrever o seu conteúdo fielmente, inclusive com os eventuais erros do vernáculo.

7.4. Sugerimos, do mesmo modo, verificar por meio das opções do aparelho a identificação do número telefônico de origem. Não atribuir autoria.

Este modesto artigo é escrito para demonstrar a utilidade da ata notarial e auxiliar a sua confecção. Ela transpõe um misto de saber jurídico, experimentação e experiência. Sua eficácia e imparcialidade estão a serviço do cidadão e da justiça. E o Tabelião está a serviço do direito… da verdade dos fatos e atos jurídicos… acima de tudo, do bem comum.

Referência:

COUTINHO, João Hélio de Farias Moraes. Fato Jurídico. http://www.sefaz.pe.gov.br. Acesso aos 03/10/2009.

SIRI GARCIA, Julia. Cuestiones de tecnica notarial en materia de actas. 5. ed., actualizada. Montevideo: Asociación de Escribanos Del Uruguay, 2000.

[1] Coutinho, João Hélio de Farias Moraes. Fato Jurídico. http://www.sefaz.pe.gov.br. Acesso aos 03/10/2009.

[2]Idem.

[3]  Segundo a Wikipédia, Bit (simplificação para dígito binário, “BInary digiT” em inglês) é a menor unidade de informação que pode ser armazenada ou transmitida.

Usada na Computação e na Teoria da Informação. Acesso aos 03/10/2009.

[4] Segundo a Wikipédia, Internet é um conglomerado de redes em escala mundial de milhões de computadores interligados pelo TCP/IP que permite o acesso a informações e todo tipo de transferência de dados. Ela carrega uma ampla variedade de recursos e serviços, incluindo os documentos interligados por meio de hiperligações da World Wide Web, e a infra-estrutura para suportar correio eletrônico e serviços como comunicação instantânea e compartilhamento de arquivos.

[5] Código Civil, art. 186.

[6] Código Civil, art. 215; Proc. SLS 128 – STJ.

[7] Código de Processo Civil, art. 390.

[8] Código de Processo Civil, art. 339.

[9] Código de Processo Civil, art. 334, inciso IV.

[10]  Apud Julia Siri Garcia. Cuestiones de Tecnica Notarial en Materia de Actas, p. 5.

[11] O STF e STJ já decidiram que é licita a gravação de uma comunicação por um dos interlocutores, mesmo que a outro não tenha conhecimento: HC 85206/SP e HC 74678/SP, respectivamente.

[12] CP 06/04-TN, 2ª Vara de Registros Públicos do Estado de São Paulo.

[13] Princípio da Moralidade. Constituição Federal, art. 37.

[14] Em informática, menu, é uma lista exibida na tela do computador e cujos itens representam comandos de um programa, para escolha de uma opção. Dicionário Eletrônico Aurélio. 3ª Edição. Editora Positivo: 2004.