ASSEMBLEIA DOS SÓCIOS NAS SOCIEDADES LIMITADAS
Editado conforme as alterações trazidas pela Lei n° 14.451/22
Agnaldo Simões
Descubra as nuances das manifestações de sócios em empresas, destacando diferenças entre manifestações ordinárias e extraordinárias. Explore a importância da convocação em assembleias, prazos e inovações digitais do CC/02. Entenda quóruns de deliberação, voto impedido e estratégias para empates. Leitura crucial para sócios, gestores e profissionais de direito empresarial em busca de aprimoramento nas estratégias de governança.
As decisões mais relevantes, para o exercício da empresa, são tomadas pelos sócios através de manifestações. Eles são, em regra, os mais interessados no futuro da sociedade, pois colocam dinheiro e/ou bens para integralizar o capital social, correndo o risco de não obter qualquer retorno sobre esses investimentos e, além disso, podem ser responsabilizados, diretamente, por problemas causados pela sociedade a terceiros, empregados ou administradores não sócios. Considerando a importância de tais manifestações, vamos classificá-las e analisá-las adiante.
Podemos dividir as manifestações dos sócios em ordinárias e extraordinárias:
A manifestação ordinária é obrigatória e anual, devendo ser realizada até o dia 30 de abril do ano subsequente ao término do exercício social correspondente, conforme art. 1.078 do CC/02. O objetivo principal é a prestação de contas dos administradores e a deliberação sobre o balanço patrimonial e de resultado econômico da empresa. É possível deliberar, também, sobre eleições, e qualquer outro assunto desde que constantes na pauta (vale comparar que na LSA não há essa liberdade, ou seja, outras matérias só poderão ser deliberadas em assembleia geral extraordinária, conforme art. 131).
Os administradores precisam, pelo menos 30 dias antes da manifestação, disponibilizar a prestação de contas e demonstrações financeiras, por escrito, e provar o seu recebimento pelos sócios que não exerçam a administração. O TJSP na apelação cível nº 0006992-23.2011.8.26.0347, Relator: Fortes Barbosa, Julgada em 12.04.2017, decidiu que desobediência à ordem de disponibilização de documentos prevista no § 1º do art. 1.078 CC/02 ( Código Civil de 2002)é causa de anulação da assembleia. Alguns doutrinadores falam em nulidade, mas a posição que prevalece na jurisprudência, inclusive, é a de anulabilidade, como ilustrado.
Por outro lado, temos a manifestação extraordinária que é facultativa. Portanto, não ocorre em período pré-determinado, como a ordinária, sendo livre, inclusive, quanto ao número de vezes de sua ocorrência durante o exercício social.
É necessário, ao convocar uma assembleia, expor com clareza se extraordinária ou ordinária. Entretanto, nada impede que em caso de matérias variadas ambas possam ocorrer em uma mesma ocasião, sendo necessário diferenciá-las entre si.
O advento do CC/02 possibilitou desburocratizar o modo como se davam as manifestações, ao trazer a possibilidade de substituir assembleias e reuniões pela manifestação por escrito de todos os sócios (art. 1.072, § 3º), devendo tal manifestação cumprir todos os requisitos do Anexo IV, 4., da IN 81/20 do DREI. Quais sejam: 1. Título do Documento; 2. Nome, CNPJ e endereço dos sócios; 3. Preâmbulo contendo a data, hora e local, 4. Composição da mesa; 5. A ordem do dia; 6. As deliberações; 7. Disposição expressa de que a assembleia ou reunião atendeu a todas as formalidades legais; 8. Assinaturas.
Normalmente, as deliberações ocorrem da forma mais simples e célere apontada acima (manifestação por escrito), especialmente as alterações contratuais, exatamente pelo viés “desburocratizador” que trouxe ao cenário societário. O fato é que não há necessidade de tantas formalidades quando há comunhão entre os sócios, quanto aos objetivos e metas da sociedade, e, sobretudo, quando esta dá lucro.
A obediência rigorosa a todos os ritos burocráticos é mais comum quando a relação entre os sócios está abalada (pela quebra da confiança, por exemplo), seja porque a sociedade vive um momento de crise do setor, no qual atua, ou da economia como um todo, ou porque erros de administração colocaram a sociedade em má situação. Dessa forma, os sócios encontram nos ritos burocráticos verdadeiros escudos para evitarem problemas para si e/ou causarem problemas para os seus oponentes.
Assembleia e Reunião
A assembleia é a manifestação que pode ocorrer em qualquer tipo de sociedade limitada. A reunião é mais restrita, aplicando-se às sociedades limitadas de até 10 sócios.
Independentemente, se estivermos falando de assembleia ou reunião existem 3 passos necessários a sua efetivação:
1º Convocação;
2º Instalação e;
3º Deliberação.
Os dois primeiros sendo atos, essencialmente, formais e a deliberação por sua vez, predominantemente, material.
Convocação
O administrador é o responsável pela convocação, porém se atrasar por mais de 60 dias, qualquer sócio poderá fazê-la, nos casos previsto na lei ou contrato social, qualquer que seja o percentual de sua participação social. Também é possível a convocação, por sócios que detenham mais de 20% do capital social, quando não atendido, pelo administrador, o pedido de convocação, fundamentado, de sócio ou sócios, no prazo de 8 dias.
A convocação para assembleia ocorre mediante aviso. Tal aviso se dá em forma de documento enviado aos sócios, contendo: data, hora e local, bem como a ordem do dia (matérias que serão tratadas).
O aviso para ter validade deve ter comprovante de recebimento, por escrito (exemplo: carta com AR) ou deve ser publicado por 3 vezes, no mínimo, desde que veiculado em órgão oficial e em jornal de grande circulação, sendo necessária pelo menos uma publicação em cada um deles, conforme determinou o DREI na IN 81/2020. Devendo ser respeitado o prazo mínimo de 8 dias para a primeira convocação, mediado entre a data da primeira inserção e a data da assembleia, e o de 5 dias para as posteriores.
Vale ressaltar que é possível que a reunião tenha regras mais simples de convocação e instalação se previsto no contrato social, porém se nada constar segue as mesmas regras e formalidades da assembleia.
Se a convocação for digital ou semipresencial é obrigatório que conste, em destaque, esta característica. Também é necessário detalhamento de como a votação funcionará, e como os sócios podem participar. Nesse tipo de convocação os documentos necessários para que o voto e participação sejam considerados válidos podem ser entregues até 30 minutos antes do início.
Sabemos que a convocação exerce importante papel nas sociedades limitadas, pois representa respeito ao princípio da informação, da boa-fé objetiva e dá possibilidade do sócio exercer o direito de manifestar-se em relação as diversas questões sociais, porém há casos em que tal ato será dispensado, a isso chamamos de convocação dispensada: que é quando o sócio, ou seu mandatário, não pode ser convocado para votar determinada matéria pois esta lhe diz respeito diretamente. O motivo é evitar possível conflito de interesse que pode significar prejuízo aos interesses da sociedade. A convocação não é, portanto, um direito absoluto.
Atenção é importante ressaltar, como tópico final, que se a diretoria retardar a convocação por mais de 30 dias ou nos casos de urgência e motivos graves o conselho fiscal tem o dever de convocar a assembleia.
Instalação da Assembleia
Para assembleia deliberar a lei exige presença mínima de sócios. A instalação, na primeira convocação, exige quórum de 75% do capital social, não atingido esse quórum a exigência cai, substancialmente, na segunda convocação para qualquer número do capital social.
Acabamos de falar em presença obrigatória mínima para deliberação, mas como se dá, efetivamente, o acesso à assembleia? É fato que a tecnologia nos permitiu ampliar consideravelmente esse conceito, antes restrito. Logo o acesso, desde o advento da Lei 14.030/20, que introduziu o art. 1080-A ao CC/02 pode se dar das seguintes formas:
Presencial, que já existia antes, e neste caso só tem acesso e votam os sócios presentes;
Se por outro lado a assembleia for semipresencial, temos participação e votação mista: voto dos presentes e voto à distância (boletim de voto à distância) ou por vídeo conferência;
Outra possibilidade é a assembleia digital: sócios só podem participar e votar à distância (vídeo conferência, por exemplo).
O sócio não necessita estar literalmente presente na assembleia, ele pode se fazer representar por outro sócio ou advogado (mandato especial) devendo registrar essa representação na junta, juntamente com a ata.
Feita a instalação, será aferida a presença:
Lista de presença física;
Lista de presença eletrônica;
Boletim de voto à distância.
Em seguida, a assembleia vai eleger a mesa, e então discutir e deliberar sobre a pauta.
Sobre a eleição da Mesa: Apesar do art. 1.075 CC/02 dizer que a assembleia será presidida e secretariada por sócios escolhidos entre os presentes, pode ser que não haja sócios dispostos a exercer tais funções, nesse contexto seria possível um profissional contratado (advogado ou um administrador da sociedade) ser eleito, por exemplo.
A reunião ou assembleia que se dê por meio eletrônico deve seguir alguns requisitos específicos: 1. Registro da presença; 2. Acesso e manifestação do sócio durante todo o encontro dos sócios; 3. Registro do voto; 4. Ficar gravada.
Quanto a ficar gravada, há uma discussão na doutrina se os sócios teriam ou não direito de acesso às gravações. Essa discussão abre 2 correntes de pensamento. A primeira diz que: como na presencial tem-se direito à cópia da ata, então seria uma concessão proporcional permitir o acesso às gravações. Existe uma segunda corrente que diz que não há essa proporcionalidade. Deixamos aberta essa discussão e vale a reflexão sobre o tema.
Falemos um pouco, agora, sobre boletim de voto a distância: Na prática, deve ser encaminhado ao sócio, junto com a primeira publicação da convocação ou com o aviso de convocação, e deve ser devolvido à sociedade com 5 dias de antecedência para a assembleia.
O boletim enviado ao sócio deve conter: Ordem do dia completa, orientações sobre o envio do boletim à sociedade e indicação dos documentos necessários para sua validação.
Devolvido o boletim, a sociedade deve se manifestar sobre sua regularidade, e caso contrário mandar completá-lo ou retificá-lo. O boletim será desconsiderado se o sócio comparecer e optar por votar.
Quórum de Deliberação
A regra geral é que as deliberações dos sócios serão tomadas pela maioria simples (Art. 1.076, III, CC/02).
Há outras possibilidades que trazem quóruns diversos em situações especiais, vejamos:
Exige maioria absoluta (mais de 50% do capital social):
A designação dos administradores, quando em ato separado (art. 1.076, II, CC/02);
A destituição dos administradores (art. 1.076, II, CC/02);
O modo de remuneração dos administradores, quando não estabelecido no contrato social (art. 1.076, II, CC/02);
A exclusão extrajudicial, quando sócio puser em risco a empresa por ato de inegável gravidade (Art. 1.085 CC/02);
A modificação do contrato social (art. 1.076, I I, CC/02);
A incorporação, a fusão e a dissolução da sociedade, ou a cessação do estado de liquidação (art. 1.076, II, CC/02);
E por analogia, o pedido de recuperação judicial (art. 1.076, II, CC/02), pois substituiu a concordata;
Exige 2/3 do capital social:
A designação de administradores não sócios, após a integralização do capital (art. 1.061 CC/02).
Exige unanimidade (100% do capital social):
Transformação, quando não prevista em ato constitutivo (art. 1.114 CC/02).
Exige deliberação da maioria dos demais sócios:
Exclusão extrajudicial de sócio remisso (art. 1.058 CC/02);
Exclusão judicial por falta grave ou por incapacidade superveniente (art. 1.0 30 CC/02).
Atenção, as limitadas que se enquadrem como ME (Micro Empresa) e EPP (Empresa de Pequeno Porte), não precisam realizar reuniões ou assembleias, basta deliberação representativa da maioria do capital social, ou seja, basta que a maioria queira tomar uma decisão sobre determinado assunto e faça isto, formalizando o ato, conforme art. 70 da Lei Complementar 123/06, salvo a exclusão extrajudicial do art. 1.085 do CC/02.
Por fim, como estamos tratando do assunto quórum de deliberação, vale mencionar a figura do voto impedido, o qual é um tema relevante tratado no artigo 1.074, § 2º, do CC/02, e visa coibir o voto em conflito de interesse, que pode causar prejuízo à sociedade. Se, apesar de impedido, o sócio votar não ficará impune, pois o art. 1072 do CC/02 manda aplicar o art. 1.010, do mesmo dispositivo legal, o qual nos diz em seu § 3º que responde por perdas e danos o sócio que, tendo em alguma operação interesse contrário ao da sociedade, participe de deliberação que seja aprovada graças ao seu voto.
Um fato curioso é que se todos os sócios estiverem impedidos, então todos poderão votar. Isto se dá devido ao artigo 134, § 6º, da LSA, que permite isso para as sociedade anônimas, mas podemos aplicar para as limitadas, por omissão do CC/02 acerca do tema.
E se houver empate na deliberação? Situação complicada que pede atenção de um especialista, afinal, a lei não diz o que fazer nesse tipo de situação. Diante da lacuna deixada pelo legislador, há um embate entre gigantes da doutrina, vejamos: Modesto Carvalhosa é extremo e diz que não há solução, ou seja, delibera de novo ou deixa o assunto sem resolução; Fabio Ulhoa Coelho diz que depende da legislação supletiva e; Sergio Campinho diz que deve se aplicar a regra do art. 1.010 CC/02, § 2º, primeiro pautando-se pelo número de sócios e em segundo momento, se persistir, decidirá o juiz.
Nesse caso, o operador do direito deve ser prudente e com cautela decidir que linha de pensamento pretende seguir. Sabendo que o assunto ainda está aberto a discussão.