AS NOVAS CONFORMAÇÕES FAMILIARES NO BRASIL DA PÓS-MODERNIDADE
Guilherme Augusto Camelo
INTRODUÇÃO
O tema que se propõe pesquisar é de relevante importância jus-científica, como se diz na sociedade “é a pauta da hora”. É um dos temas mais comezinhos, corriqueiros do momento às famílias brasileiras.
Em tempos, em que se vêm as novas conformações familiares, ou mesmo “modelos” ou “modalidades” conforme prefere nomeá-las alguns preclaros doutrinadores da ciência jurídica pátria, retratadas nas novelas, na mídia informativa, no convívio artístico ou até mesmo nos embates ideológicos entabulados por membros do congresso nacional, digladiando-se de um lado os defensores das teses sacras e conservadoras e de outra margem os defensores do progressismo.
Fato retratado pelos embates históricos e emblemáticos, como a homérica conquista social da legalização da união estável homo afetiva, declarada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal em sede do julgamento da ADI nº 4277 e ADPF 132. Em face, deste movimento que tende a dar eficácia jurídica e dignidade humana as diversas conformações familiares existentes de fato no Brasil, forças sociais conservadoras se opõem veementemente a este movimento, deflagrando-se fatos como o Projeto de Decreto Legislativo, de autoria do Deputado João Campos do (PSDB-GO), que suspende dois trechos da resolução instituída em 1999 pelo CFP (Conselho Federal de Psicologia) o primeiro trecho sustado afirma que “os psicólogos não colaborarão com eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades”. E o segundo susta o artigo que dispõe que “os psicólogos não se pronunciarão, e nem participarão de pronunciamentos públicos, nos meios de comunicação de massa, de modo a reforçar os preconceitos sociais existentes em relação aos homossexuais como portadores de qualquer ordem psíquica”.
Outro conflito hodierno que se impõe de forma histórica, de duas visões de mundo dissonantes e ideologicamente antagônicas é a que se estabelece na propositura de projetos de Lei em tramitação no Congresso Nacional do Brasil: de uma margem propõem-se o “Estatuto da Família”, de outra margem o “Estatuto das Famílias”.
O primeiro alberga o conceito sacro e conservador de Família, pugnado pelas bancadas religiosas defende que a família no Brasil seja consagrada como sendo núcleo social formado a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio do casamento ou união estável. Também considera família a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, como uma viúva ou viúvo com seus filhos e um divorciado ou mãe solteira com seus dependentes.
Já o segundo projeto é encampado pelo Instituto brasileiro de Direito de Família – IBDFAM foi apresentado no Senado pela Senadora Lídice da Mata (PSB-BA) através do Projeto de Lei (PLS 470/2013) que institui o Estatuto das Famílias. Este de cunho progressista e pluralista colima que o Estado recepcione todas as conformações familiares existentes de fato, consagrando o respeito aos direitos fundamentais dos membros da família e sua dignidade humana. Este projeto arrola regras de direito material, e também processual, para propiciar às famílias brasileiras maior celeridade nas demandas jurídicas, uma necessidade tão premente quando se tange a direitos personalíssimos como são os direitos relativos à entidade familiar. O projeto alberga a tutela de todas as conformações familiares presentes na sociedade pós-moderna.
É pública e notória a relevância do tema proposto, então se faz mister, delimitar os problemas a serem resolvidos nesta pesquisa, que são os seguintes: Qual o modelo familiar deve ser consagrado pelo Estado brasileiro? O da visão de mundo Sacra ou Laica? Deve-se respeitar a moral religiosa ou os princípios da legalidade ampla? Deve-se consagrar o modelo conservador de família ou a pluralidade de conformações familiares?
Justifica-se a escolha deste tema por ser um dos temas mais em voga neste momento em que a Câmara dos Deputados faz uma pesquisa de apoio popular ao projeto de lei 6583/2013 de autoria do deputado federal Anderson Ferreira PR/PE em trâmite naquela egrégia casa do povo, texto este que pretende declarar como único modelo familiar permitido em solo pátrio: “o núcleo social formado a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio de casamento ou união estável, ou ainda por comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”.
É uma positivação de caráter de retrocesso social, pois suprimi direitos fundamentais dos membros das entidades familiares não convencionais. Destarte, causa uma cizânia social no Brasil, divide o país entre os progressistas (contra) e os conservadores (a favor). Até o momento houve 8.979.390 (oito milhões, novecentos e setenta e nove mil e trezentos e noventa) votos, na consulta no site da Câmara dos Deputados em tela, 49,90{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} (quarenta e nove por cento e noventa décimos) contra o projeto, 49,80{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} (quarenta e nove por cento e oitenta décimos) a favor e 0,30{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} (trinta décimos por cento) sem opinião formada.?www2.camara.leg.br? capturado em: 14 jul. 2015.
Estes números são bastante eloquentes per si, reflete a propagação difusa desta problemática, como afeta o dia a dia do brasileiro e como há uma flagrante divisão ao meio da opinião pública havendo um empate técnico na amostragem, havendo uma tendência desfavorável ao projeto em números absolutos apenas nas casas decimais.
Deflagrando a premente necessidade de estudar o tema, perquiri-lo, elucubrá-lo, construírem-se teses sedimentadas e sólidas que amparem com clareza, razoabilidade e temperança o posicionamento de cada cidadão brasileiro, pois seu posicionamento, uma vez expressado pelos mecanismos de democracia direta ou mesmo representativa, pode conceder a ampliação de direitos e dignidade e qualidade de vida a concidadãos ou negá-los, suprimindo lhes direitos, solapando-os à indignidade e relegando-os a condição de cidadão de segunda categoria, alegoricamente, transformando-os em “filhos bastardos da pátria-mãe”.
1 – DAS FAMÍLIAS
1.1–BREVE HISTÓRICO
O modelo familiar é dinâmico e moldável em conformidade com a estrutura e anseios da sociedade em que esta está alocada, quase sempre reproduzindo a moral e a ética do cidadão médio e dos fatores de coercibilidade da sociedade e de seus valores de modo a impingir aos indivíduos que se estruturem familiarmente de modo a satisfazer os anseios dos administradores do Estado e de seus pares, portanto devendo costumeiramente o indivíduo implementar a satisfação externa a sua, a da sociedade. Destarte, não se regozijando do locus familiar que melhor lhe aprouver, sendo um reprodutor ao moto contínuo das convenções sociais e não logrando a realização e plenitude de seu ser nos seus interesses e satisfações mais íntimas.
Neste mesmo sentir, traz lume a assertiva de Luiz Edson Fachin na senda de que é “inegável que a família, como realidade sociológica, apresenta, na sua evolução histórica, desde a família patriarcal romana até a família nuclear da sociedade industrial contemporânea, íntima ligação com as transformações operadas nos fenômenos sociais”. (FACHIN, 1999 apud FARIAS e ROSENVALD, 2015, p. 04).
No cenário político-social do Código Civil brasileiro de 1916 a família era vista como uma estrutura estanque, indissolúvel e intangível pela vontade do homem, uma vez que o matrimônio era sacramentado pela vontade divina. Estrutura está engendrada com o fito de atender aos anseios da sociedade Industrial, era a estrutura bazilar, também chamada de célula mater do corpo social contemporâneo a Revolução Industrial, pelo modelo econômico em vigor à época a família era hierarquizada, patrimonializada e patriarcal.
Instaurou-se aí, o império das relações materiais, patrimonializadas, a primazia do ter em detrimento ao ser. Os indivíduos se agregavam não com o fito de se satisfazerem afetivamente, mas sim patrimonialmente. A família era a reunião do patrimônio dos indivíduos que a comporiam com o desiderato de formar um só acervo, prospero e rico, com propensão a conservá-lo e a incrementá-lo. Tornando o corpo familiar e seus indivíduos por consequência cada vez mais ricos.
Destarte, não se haveria de albergar o direito a dissolução matrimonial, pois a desagregação da família significaria a própria separação da unidade básica de produção da sociedade, logo desatendendo os interesses econômicos de toda a sociedade do período da revolução industrial.
Essa estrutura patrimonializada inaugurada pelo Código Civil de 1916 é caracterizada com maestria por Maria Berenice Dias:
[…] uma formação extensiva, verdadeira comunidade rural, integrada por todos os parentes, formando unidade de produção, com amplo incentivo à procriação. Sendo entidade patrimonializada, seus membros eram força de trabalho. O crescimento da família ensejava melhores condições de sobrevivência a todos. O núcleo familiar dispunha de perfil hierarquizado e patriarcal. (DIAS, 2006 apud ALVES, 2010, p. 48).
No início do século XX surgiu o modelo de Estado Social de Direito ou Estado do Bem-Estar Social (Welfare State), regime em que o Estado procurou ser mais ativo e positivo no sentido de promover melhorias sociais. Neste momento evolutivo o Estado teve suas funções ampliadas: não tão somente no escopo de observar os direitos fundamentais de primeira geração, como a liberdade, mas também passou a promover melhorias sociais, como nos campos do emprego, moradia, educação, previdência e saúde, direitos estes concernentes a segunda geração de direitos fundamentais, relativos à melhoria da qualidade de vida do cidadão.
Inauguraram este novo modelo de tutela social do Estado, a Constituição Mexicana de 1917 e constituição de Weimar de 1919, ambas com fulcro de implantar programaticamente estes direitos sociais.
Com o advento do Estado Social, ocorreu no Brasil um fato denominado por inflação legislativa, momento em que diversas leis extravagantes foram promulgadas em matérias pertinentes ao Direito familiarista, causando uma relativa ruptura com o modelo arquitetado pelo Codex Civilista de 1916.
Exempli gratia a Lei n. 883/49 permitiu aos ex-cônjuges, uma vez desfeita a sociedade conjugal, reconhecer filhos extraconjugais, fato que não era autorizado pelo Código civil de 1916. Outra lei de elevada importância desta quadra da história pátria foi a Lei n. 4.121/62, conhecida como Estatuto da Mulher Casada, que arrefeceu o severo caráter machista e paternalista engendrado pelo Codex até então em vigor, dentre diversos avanços nos Direitos Civis femininos há que se referir que a cônjuge virago deixou de ser relativamente incapaz e estar sob a tutela de seu marido, passando a condição de colaboradora deste na chefia da sociedade conjugal e titularizando bens próprios, dentre outros auspiciosos avanços.
Outra lei de elevado quilate para o Direito Familiarista pátrio foi a que instituiu o divórcio no Brasil, Lei n. 6.515/77, dela adveio a novel possibilidade de dissolução do vínculo matrimonial, que até então era indissolúvel de forma absoluta. Logo, vulgarmente pode-se asseverar que “ela representou uma libertação aos corações cativos”. Lei esta que prima de forma explícita por um avanço secular no sentido de se respeitar o princípio da dignidade da pessoa humana e que caminhou em passos largos em direção a um dia lograr-se a família eudemonista, aquela que cultiva a felicidade dos indivíduos.
Nada obstante, este perfil arcaico de família foi completamente ultrapassado com a promulgação da Carta Magna de 1988, novel carta política que sedimentou os direitos fundamentais em solo pátrio, constitucionalizando as relações privadas, não se furtando de também fazê-lo no que atine as relações jurídicas familiares.
Ilustram este tema com maestria Cristiano Chaves de Farias e Nelson Roselvald no seguinte excerto:
Ora, com a Lex Fundamentallis de 1988 determinando uma nova navegação aos juristas, observando que a bússola norteadora das viagens jurídicas tem de ser a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), a solidariedade social e a erradicação da pobreza (art. 3º) e a igualdade substancial (arts. 3º e 5º), o Direito das Famílias ganhou novos ares, possibilitando viagens em mares menos revoltos, agora em “céu de brigadeiro”. A família do novo milênio, ancorada na segurança constitucional, é igualitária, democrática e plural (não mais necessariamente casamentária), protegido todo e qualquer modelo de vivência afetiva e compreendida como estrutura socioafetiva, forjada em laços de solidariedade. (FARIAS E ROSELVALD, 2015, p. 10).
Em suma, a principal tarefa do Direito de Família contemporâneo é legalizar, consagrar e dar eficácia jurídica a todas as conformações familiares que se constituam precipuamente pelo afeto, que as legitimam e lhes dão o condão de unidade familiar. E estas famílias devem sempre ter como princípio teleológico a garantia da felicidade e da dignidade humana das pessoas que a compõe. Encerrando desta forma o caráter de família eudemonista que deve caracterizar as famílias plurais hodiernas.
1.2– O DIREITO DAS FAMÍLIAS
O Direito de Família é acima de tudo uma ciência que estuda, elucubra e regula as estruturas familiares suas diversas origens, conformações, suas formas de constituição e seus efeitos jurídicos pessoais, patrimoniais e sociais.
O Direito das famílias é conceituado com excelência por Farias e Rosenvald no seguinte trecho:
Assim, sobreleva destacar que o Direito das Famílias assume papel de setor do Direito Privado que disciplina as relações que se formam na esfera da vida familiar, enquanto conceito amplo, não limitado pelo balizamento nupcial. Tais relações que se concretizam na vida familiar podem ter origem no casamento, na união estável, na família monoparental (comunidade de ascendentes e descentes) e em outros núcleos fundados no afeto e na solidariedade. (FARIAS E ROSELVALD, 2015, p. 13).
Hodiernamente, a ciência familiarista exige uma atividade multidisciplinar, a atuação e competência de profissionais de diversas áreas do conhecimento humano, pois tendo em vista que é no seio familiar que o ser humano desenvolve suas múltiplas potencialidades, sendo este um ser holístico, para melhor se compreender e regular o fenômeno familiar é premente a atuação em comunhão a dos operadores do Direito, o contributo dos psicólogos, sociólogos, antropólogos, filósofos, teólogos e biólogos.
Depreende-se do artigo 226 da lex legum, fazendo-se uma interpretação gramatical, que a família expressamente protegida pela Carta Magna de 1988 é o casamento entre o homem e a mulher, a união estável entre estes e a família monoparental, sendo esta aquela formada por qualquer dos pais e seus descendentes. Não obstante, esta não é a exegese feita pelos mais preclaros doutrinadores pátrios, que a contrário sensu, não interpretam este texto como cláusula fechada, mas sim como cláusula geral de inclusão, entendendo-se que o conceito trazido no art. 226 da Carta Política é plural e indeterminado. São os fatos da vida que devem colmatar e concretizar os tipos legais. Havendo a formação de núcleos familiares diversos dos expressos na Carta Magna, deverão ser protegidos e amparados pelo Estado com isonomia aos núcleos expressamente elencados na Constituição Federal.
Nesta senda a preleção de Paulo Luiz Netto Lôbo:
Não é a família per se que é constitucionalmente protegida, mas o locus indispensável de realização e desenvolvimento da pessoa humana. Sob o ponto de vista do melhor interesse da pessoa, não podem ser protegidas algumas entidades familiares e desprotegidas outras, pois a exclusão refletiria nas pessoas que as integram por opção ou por circunstâncias da vida, comprometendo a realização do princípio da dignidade da pessoa humana. (LÔBO, 2002 apud FARIAS e ROSENVALD, 2015, p. 58)
Destarte, para o Direito das Famílias pátrio o que caracteriza uma unidade familiar não é sua formalidade, solenidade em consonância ao que é prescrito no texto legal, mas sim qualquer forma de agregação humana com propósito de conviver, construir patrimônio, serem felizes e repercutindo no seu patrimônio jurídico com efeitos patrimoniais, alimentares, sucessórios e previdenciários possuindo como única exigência haver a viga mestra que pontifique o relacionamento chamada afeto. É o instituto denominado pela seara Jus-Científica de afectio familiae. Portanto, havendo afeto esta figura abstrata e psíquica configurada pelo ato de gostar, querer-se bem, querer estar junto, querer alimentar-se solidariamente, edificar patrimônio em comum e principalmente ser felizes juntos. Este é o requisito basilar do Direito das Famílias hodierno, a família plural e eudemonista, aquela que tem como fulcro precípuo a busca da felicidade.
1.3– AUTONOMIA PRIVADA E AUTONOMIA DA VONTADE
Insta distinguir-se o entendimento de autonomia privada e autonomia da vontade. Autonomia Privada é o livre exercício da vida privada e livre desenvolvimento da pessoa, em nível de direitos personalíssimos, no que não for defeso pelo ordenamento jurídico. Já a autonomia da vontade atine sobre a liberdade contratual, é a liberdade para constituir negócios jurídicos, logo, diz respeito a relações patrimoniais.
Destarte, não há que se confundirem ambos os institutos, a autonomia da vontade tem um caráter egoístico, de exacerbação dos interesses privados. Já a autonomia privada tem caráter diametralmente oposto, possui atributo que se comunica intimamente com a aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana e a aplicação horizontal dos direitos fundamentais às relações privadas.
Rodrigues discorre sobre a autonomia da vontade na seguinte passagem:
O grande desenvolvimento do dogma da autonomia da vontade teve assento no direito das obrigações. Reconhecida aos membros de uma comunidade a qualidade de personas, iguais perante lei e autônomas, a vontade passou a ser o substrato das relações negociais e da imperatividade das obrigações assumidas perante terceiros. Afinal, em uma sociedade onde os membros se reconhecem como iguais, a heteronomia não pode fundamentar ingerências na esfera individual alheia. Portanto, somente a vontade individual é concebida como fonte de dever […].
Em outras palavras, para que a autonomia valesse como princípio universal não poderia sofrer condicionamentos pelas vicissitudes do mundo fenomenal. A ação livre era caracterizada pelo exercício formal da autonomia. (RODRIGUES, 2007 apud ALVES, 2010, p. 18)
Portanto, do trecho retro narrado infere-se que o conceito de autonomia da vontade retira-se da ideologia liberal encampada pela classe burguesa, partindo-se da premissa de que há uma igualdade formal entre os concidadãos, o que dever-se-ia tornar as avenças particulares em normas cogentes, como uma legislação casuística entre as partes avençadas. Norma esta que poderia ser imposta coativamente através de uma tutela do poder judiciário. É um dogma edificado pela elite burguesa para legitimar ideologicamente seu status quo.
Já a Autonomia Privada tem um fulcro mais existencialista e menos patrimonialista, ela tende a dar maior liberdade ao indivíduo de tomar decisões na sua esfera privada íntima, verte a conduzir ao indivíduo a sua plenitude de satisfação de seus anseios espirituais e existenciais. Socorre os Direitos da Pessoa humana e principalmente à felicidade e garante a incidência horizontal dos Direitos Fundamentais.
Leonardo Barreto Moreira Alves, 2010, descreve com clarividência o que se entende por Autonomia Privada hodiernamente:
De fato, como explicitado no trecho acima transcrito, tendo em vista que o foco de tutela do Estado Democrático de Direito é a pessoa humana, nada mais justo que naquelas questões mais relacionadas ao seu projeto de felicidade, tenha ela o direito de escolher a solução que mais lhe aprouver. Nessa, perspectiva, registre-se que diversas são as situações existenciais nas quais a doutrina civilista já aceita a incidência da autonomia privada, principalmente naquelas relacionadas à disponibilidade (relativa) do exercício dos direitos da personalidade, como a concessão dos direitos de imagem e de voz, a doação de órgãos, a redesignação sexual, a reprodução assistida, a gestação em útero alheio (“barriga de aluguel”), alteração do nome e até mesmo o direito à morte digna (eutanásia e ortotanásia)
Feita a devida diferenciação entre estes relevantíssimos institutos para o prosseguimento do estudo em tela, passa-se ao próximo tópico.
1.4– A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL
O fenômeno da Constitucionalização do Direito Civil constitui-se no fato de o estudo e aplicação dos institutos Jus civilistas passaram a ser empregados a luz do Direito constitucional e principalmente dando-se o caráter de aplicação horizontal dos direitos fundamentais, o que se entende como sendo a efetivação dos direitos fundamentais em sede de relações privadas, como no caso ora em tela, no ramo do Direito Familiarista.
Nesse sentir, Borges disseca este entendimento com acertada percepção no seguinte trecho:
Como certas normas de direito civil foram elevadas ao texto da Constituição, diz-se que houve uma constitucionalização do direito civil. Daí se falar em direito civil constitucional. São normas de direito civil que foram colocadas no nível constitucional. Passando a essa hierarquia suprema do ordenamento, tais normas de direito civil passam a informar todo o direito civil que está subordinado à constituição, inclusive o então Código de 1916 (e o de 2002). Mesmo leis posteriores a 1988 e outras que venham a ser elaboradas necessariamente deverão ter seu sentido em harmonia com as disposições da Constituição. (Borges, 2005 apud ALVES, 2010, p. 92)
Depreende-se dos fatos retro narrados que o fenômeno da Constitucionalização do Direito Civil o alijou da percepção patrimonialista eivada de forma irretorquível nos institutos civilistas ao tempo do Código Civil de 1916 e passa a escudar com afinco os direitos humanos fundamentais em predileto apreço a dignidade da pessoa humana, ofertando desde então, maior caráter personalista ao Direito civilista em face do caráter patrimonialista de outrora.
Este fenômeno também pode ser alcunhado por despatrimonialização ou personalização do Direito Civil. Haja vista que a seara civilista deixou de valorizar o ter em detrimento do ser e passou a buscar a valoração do ser humano enquanto sujeito de direito e deveres correlatos à sua dignidade.
Aqui encerra-se este capítulo, e no próximo falar-se-á sobre o novo perfil da família brasileira após a Carta política de 1988.
2 – O NOVO PERFIL DA FAMÍLIA APÓS A CONSTUIÇÃO FEDERAL DE 1988
Este capítulo colima perquirir sobre o novo perfil da família brasileira inaugurado com o advento da Constituição de 1988 que redefiniu os contornos tradicionais da família pátria deixando de ter o perfil patrimonializado e hierarquizado do Código Civil de 1916 e passando a albergar um modelo mais inclusivo de famílias plurais a medida em que consagrou diversos direitos fundamentais que passaram a repercutir de forma horizontal nas relações privadas, incluindo-se aí o Direito de Família.
Assevera com precisão e técnica Leonardo Moreira Alves:Quanto à dignidade da pessoa humana, consagrada no art. 1º, inciso III, da constituição Federal como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, pode-se afirmar que ela é a fundamentalidade material dos direitos fundamentais (CUNHA JÚNIOR, 2008, P. 518), no sentido de que tais direitos fundamentais devem buscar essencialmente satisfazer as necessidades da pessoa humana. Desse modo, tem-se que os direitos fundamentais são instrumentos de realização da personalidade humana, não possuindo, portanto, um fim em si mesmo. O foco de atuação do Estado Democrático de Direito deve ser sempre, pois, o ser humano. (ALVES, 2010, p. 112)
Destarte, afere-se do excerto retro colacionado, que o paradigma do Estado brasileiro no pertinente aos Direitos fundamentais e sua repercussão no Direito de Família foi transformado severamente, passando a ter como viga-mestra da hermenêutica constitucional pátria o super princípio da dignidade da pessoa humana. Devendo sempre este princípio ser valorado e sopesado no caso concreto de modo a verificar-se in casu se há sua observância ou inobservância, se o indivíduo tem seus valores personalíssimos correlacionados à sua dignidade ameaçados ou violentados no caso sub judice, verificar no caso concreto se é necessário a tutela do Estado Juiz de modo a reestabelecer-se o status quo ante de modo a ter sua dignidade em sua plenitude e integridade, excetuando-se apenas o caso de que a tutela deste direito colida com um direito fundamental coletivo, partindo-se sempre da premissa de que nenhum direito fundamental aprioristicamente é absoluto. Urgindo-se sempre a aplicação da técnica de ponderação de valores ao caso concreto.
2.1 – DIREITO DE FAMÍLIA MÍNIMO
No regime jurídico do Código Civil de 1916 a família era matrimozializada e patrimonializada a ideologia daquele tempo incutia na sociedade a falsa compreensão de congruência entre a autonomia da vontade e autonomia privada. Este valor repercutia basicamente a pretensão de ter-se liberdade patrimonial em detrimento da liberdade extrapatrimonial, sendo esta na sua maior parte regulada por normas cogentes até então, fato que mitigava contundentemente a liberdade dos indivíduos e o exercício da autonomia privada pelos membros de uma família.
Malgrado, com o advento da lex legum de 1988, houve uma robusta alteração do quadro jurídico que regulava as Famílias brasileiras. Inaugurando uma nova era de mais respeito às liberdades individuais. Em um primeiro momento despiu-se a retórica vazia da ideologia burguesa que se fazia imperiosa no Estado Liberal brasileiro e fez-se a devida distinção entre Autonomia da Vontade e Autonomia Privada, garantindo-se a aplicação desta última também as relações extrapatrimoniais e não tão somente às relações patrimoniais como ocorrera outrora. Em segundo plano, redesenhou-se os contornos da Família em solo pátrio passando-se a concebê-la como o lócus de felicidade e realização pessoal do indivíduo, aplicando-se em seu bojo o exercício da autonomia privada, o que permitiu a família tornar-se deverás uma instituição democrática.
Neste sentir a família tornou-se com fulcro no artigo 226, caput da constituição Federal, a base da sociedade e não mais a base do Estado, logo não necessitando de seu monopólio de regulamentação, mas sim de sua proteção especial. É com base neste novo pensar que o estado passou a dar guarida a novas conformações familiares, formadas sem vínculos jurídicos formais, sem uma solenidade oficial, portanto famílias de fato a exemplo da união estável (artigo 226, parágrafo 3º, da Carta Política). Destarte, o Estado passou a reconhecer como viga-mestra da família e liame basilar como requisito para o reconhecimento do núcleo familiar o afeto (affectio familiae).
2.2 O PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA NO DIREITO DE FAMÍLIA
A família dos tempos hodiernos é a família eudemonista que tem como escopo precípuo a satisfação pessoal de cada indivíduo que a compõe. Para isso faz-se mister que esta família seja democrática, aberta e plural e para conquistar-se tal desiderato é imperioso que haja a menor intervenção possível do Estado em sua configuração e intimidade, para que a família seja de fato e não de direito, para que os fatos e anseios da vida colmate as lacunas legais que devem ser o mais concisas possível, como já reprisado, o Estado só deve intervir na intimidade familiar para garantir a aplicação dos direitos fundamentais, quando no caso concreto estes estejam sendo violados.
Neste sentir, prelecionam os afamados e já bastante destacados nesta pesquisa por emérita cátedra, Farias e Rosenvald na seguinte passagem:
Com isso, forçoso é reconhecer a suplantação definitiva da (indevida) participação do Estado no âmbito das relações familiares, deixando de ingerir sobre aspectos personalíssimos da vida privada, que, seguramente, dizem respeito somente a vontade do próprio titular, como expressão mais pura de sua dignidade[…].
A partir disso, percebesse, sem embaraçamentos, que o estado começa a se retirar de um espaço que sempre lhe foi estranho, afastando-se de uma ambientação que não lhe diz respeito (esperando-se que venha, em futuro próximo, a cuidar com mais vigor e competência das atividades que, realmente, precisam de sua direta e efetiva atuação). Foi vencido na guerra. E o vencedor (a pessoa humana, revigorada pelo reconhecimento, em sede constitucional, de sua fundamental privacidade, como expressão e sua dignidade) pode, agora, desenvolver amplamente seus projetos existenciais e patrimoniais, como corolário de sua liberdade. (FARIAS E ROSENVALD, 2008 apud ALVES, 2010, p. 142).
Deve-se sempre assegurar a liberdade dos membros da família, a intervenção do Estado às relações familiares deve ocorrer apenas em última instância com o escopo de garantir a incidência dos direitos fundamentais, ou seja, em ultima ratio, fato que os estudiosos da ciência familiarista entenderam por bem alcunhar por princípio da intervenção mínima no âmbito do direito de família.
Esta denominação flagrantemente bebeu-se na fonte jus científica criminalista, haja vista, originariamente o princípio da intervenção mínima tem sua gênese naquela seara, advém da concepção de que o Direito Penal deve intervir apenas nos casos mais relevantes para a incolumidade pública (fragmentariedade). Destarte, o Direito de Família colheu esta expressão na seara jurídica coirmã penalista.
É imperioso ressaltar que há no Direito positivo pátrio, dispositivo que assenta definitivamente que ao Estado não é permitido ingerir no âmago familiar, expressão basilar do Direito de Família Mínimo. Refere-se ao artigo 1.513 do Código Civil de 2002, que assim prescreve: “É defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família (BRASIL, 2002).”
Este dispositivo legal encerra tudo que fora dito retroativamente nesta pesquisa, e impõe de forma cogente e imperiosa o respeito à família plural e eudemonista. E acaba de vez com a discussão pública de ser possível ou não impor – se a sua concepção familiar a outras famílias e a resposta é categoricamente: “Não”. Logo, o Estado brasileiro não autoriza a intervenção pública nas conformações familiares.
No próximo e derradeiro capítulo, falar-se-á sobre o princípio da pluralidade das entidades familiares na Constituição de 1988, a família eudemonista e as conformações familiares hodiernas no Brasil. Destarte, será o apogeu, o tema mais relevante desta pesquisa.
3 – AS FAMÍLIAS NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 1988 (A FAMÍLIA EUDEMONISTA)
3.1 – PRINCÍPIO DA PLURALIDADE DAS ENTIDADES FAMILIARES
O Princípio da Pluralidade das Entidades Familiares compreende que a Carta Constitucional de 1988 elencou em seu bojo uma cláusula geral de inclusão a todas as conformações familiares existentes de fato no seio da sociedade. Permitindo que os fatos da vida colmatem a lei fria. Em consonância a esta corrente de pensamento é que o legislador constitucional editou o dispositivo 226 da constituição Cidadã: “a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”.
Destarte, o Estado pátrio entendeu por bem defenestrar o modelo familiar casamentário e patriarcal de outrora, para recepcionar todas as conformações familiares existentes de fato. Promovendo o cidadão antes marginalizado por não se encaixar no modelo imposto, a titular de direitos e garantias como seus concidadãos, e sujeito da proteção de sua dignidade humana como Direito basilar e inerente a todo e qualquer ser humano. Desta feita, não lhe furtando o direito fundamental a felicidade e satisfação afetiva.
Corroborando a esta tese, o STJ (Superior Tribunal de Justiça), firmou este entendimento no seguinte julgado:
A Turma, ao prosseguir o julgamento, deu provimento ao recurso especial e estabeleceu ser impossível, de acordo com o ordenamento jurídico pátrio, conferir proteção jurídica a uniões estáveis paralelas. Segundo o Min. Relator, o art. 226 da CF/1988, ao enumerar as diversas formas de entidade familiar, traça um rol exemplificativo, adotando uma pluralidade meramente qualitativa, e não quantitativa, deixando a cargo do legislador ordinário a disciplina conceitual de cada instituto – a da união estável encontra-se nos arts. 1.723 e 1.727 do CC/2002. Nesse contexto, asseverou que o requisito da exclusividade de relacionamento sólido é condição de existência jurídica da união estável nos termos da parte final do § 1º do art. 1.723 do mesmo código. Consignou que o maior óbice ao reconhecimento desse instituto não é a existência de matrimônio, mas a concomitância de outra relação afetiva fática duradoura (convivência de fato) – até porque, havendo separação de fato, nem mesmo o casamento constituiria impedimento à caracterização da união estável -, daí a inviabilidade de declarar o referido paralelismo. Precedentes citados: REsp 789.293-RJ, DJ 20/3/2006, e REsp 1.157.273-RN, DJe 7/6/2010. REsp 912.926-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 22/2/2011.
3.2 –FAMÍLIAS HOMOAFETIVAS
As uniões homoafetivas tal qual as heteroafetivas são merecedoras de guarida do Estado brasileiro haja vista que há em seu bojo a união de vidas com o desiderato de compartilhar-se propósitos, patrimônio, cuidados e a felicidade. Portanto, não sendo justo que ao final do relacionamento não se seja merecedor de partilha de bens, de dever alimentar recíproco e no caso de óbito de um dos companheiros não haja direito a sucessão. Estes direitos devem ser garantidos aos companheiros homoafetivos, já que há uma união de vidas de fato e comunhão na edificação do patrimônio familiar. O liame que lhes une é o afeto e é este bastante à configuração de uma entidade familiar.
Discorrem com expertise, Farias e Rosenvald, com a técnica que lhes são peculiares:
Primus, embora a Lex Fundamentallis não tenha, expressamente, contemplado a união homoafetiva como relação familiar, uma visão unitária e sistêmica do ordenamento jurídico conduz, seguramente, a essa conclusão. Máxime quando considerados os princípios basilares constitucionais da dignidade humana (CF, art. 1º, III), da igualdade substancial (CF, art. 226), consagrando diferentes modelos de entidade familiar. Não se pense, todavia, que a família homoafetiva se confundiria com a família casamentaria – fundada no casamento, união formal entre pessoas de sexos diferentes – ou com a família convencional – fundada na união estável, como laço informal entre pessoas de sexos diferentes. Trata-se de modelo familiar autônomo, como a comunidade de irmãos (família anaparental), tios e sobrinhos e avós e netos. Todos eles merecedores de especial proteção do Estado.
Secundus, importa realçar que a família contemporânea tem o seu ponto de referência no afeto, evidenciado como um verdadeiro direito à liberdade de autodeterminação emocional, que se encontra garantido constitucionalmente.
Tertius, não proteger a entidade homossexual como um grupo familiar é negar a compreensão instrumentalizada da família, retirando proteção da pessoa humana e repristinando uma era já superada (definitivamente!) institucionalista, como se a proteção não fosse dedicada à pessoa, atentando contra a sua intransigível dignidade. (FARIAS E ROSELVALD, 2015, p. 64).
O Excelso STF (Supremo Tribunal Federal), por unanimidade, em controle de constitucionalidade, por consequência, com efeitos vinculante, reconheceu a constitucionalidade da entidade familiar formada por uniões homoafetivas, encerrando os acalorados debates nas mesas dos brasileiros, que se fazia e ainda faz pauta da hora às rodas sociais, dando-se início a uma era de mais respeito e civilidade, com um julgado histórico com relato da lavra do eminente Min. Carlos Ayres Britto no qual deitou a maestria que lhe é inerente como jurista da mais elevada estirpe que sempre fora. É o que segue:
ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF). PERDA PARCIAL DE OBJETO. RECEBIMENTO, NA PARTE REMANESCENTE, COMO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. UNIÃO HOMOAFETIVA E SEU RECONHECIMENTO COMO INSTITUTO JURÍDICO. CONVERGÊNCIA DE OBJETOS ENTRE AÇÕES DE NATUREZA ABSTRATA. JULGAMENTO CONJUNTO. Encampação dos fundamentos da ADPF nº 132-RJ pela ADI nº 4.277-DF, com a finalidade de conferir “interpretação conforme à Constituição” ao art. 1.723 do Código Civil. Atendimento das condições da ação. 2. PROIBIÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO DAS PESSOAS EM RAZÃO DO SEXO, SEJA NO PLANO DA DICOTOMIA HOMEM/MULHER (GÊNERO), SEJA NO PLANO DA ORIENTAÇÃO SEXUAL DE CADA QUAL DELES. A PROIBIÇÃO DO PRECONCEITO COMO CAPÍTULO DO CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL. HOMENAGEM AO PLURALISMO COMO VALOR SÓCIO-POLÍTICO-CULTURAL. LIBERDADE PARA DISPOR DA PRÓPRIA SEXUALIDADE, INSERIDA NA CATEGORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO INDIVÍDUO, EXPRESSÃO QUE É DA AUTONOMIA DE VONTADE. DIREITO À INTIMIDADE E À VIDA PRIVADA. CLÁUSULA PÉTREA. […] (ADI 4277, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 05/05/2011, DJe-198 DIVULG 13-10-2011 PUBLIC 14-10-2011 EMENT VOL-02607-03 PP-00341 RTJ VOL-00219-01 PP-00212)
Em apertada síntese, confere-se às uniões homoafetivas efeitos existências e patrimoniais análogos à uma união estável. Esta foi uma opção do Tribunal Excelso, perante a omissão legislativa, aplicar mediante analogia o regramento pertinente à união estável para as uniões homoafetivas, garantindo-lhes proteção jurídica e reconhecendo-as com entidade familiar legitimada pelo Estado pátrio.
3.3 –FAMÍLIAS NATURAIS BIPARENTAIS E MONOPARENTAIS
As famílias naturais biparentais são as famílias convencionais, já amplamente desde os primórdios políticos recepcionada pelo Estado, são as famílias constituídas por pai e mãe (genitores) e os filhos, os pais possuindo relação afetiva na forma de casamento ou união estável. É a família heterossexual convencional, mais aceita pela sociedade, pelas religiões e pelas bancadas parlamentares religiosas.
Malgrado, a Carta política de 1988 também recepcionou a família monoparental expressamente em seu art. 226, parágrafo 4º fez alusão à comunidade formada pelos ascendentes e descendentes, encartando esta espécie familiar no rol das relações do Direito das Famílias. Portanto, configura uma família monoparental a convivência de uma pessoa sozinha (solteiro, descasado ou viúvo) que vive com sua prole sem parceiro afetivo.
Conforme discorre com maestria, Farias e Rosenvald:
Alguns fatores podem determinar a formação de uma família monoparental, como o divórcio, a dissolução de união estável, a maternidade ou paternidade sem casamento ou união estável, a viuvez, a adoção por pessoa solteira, a fertilização medicamente assistida e mesmo o celibato. (FARIAS E ROSELVALD, 2015, p. 75).
A comprovação da família monoparental faz-se de forma bastante singela, basta a juntada das certidões de nascimento que atestam o vínculo familiar entre os parentes.
Além de reconhecer a família monoparental, o STJ ainda a garante a impenhorabilidade do bem de família monoparental, ou seja, o bem imóvel que serve de moradia ou aluguel afim de garantir a subsistência da família monoparental é gravado de impenhorabilidade pelo Estado, não pode ser penhorado para solver dívida da família ou de um dos membros da família monoparental.
3.4 –FAMÍLIAS RECONSTITUÍDAS OU RECOMPOSTAS
As famílias reconstituídas ou recompostas são as originárias de relações afetivas anteriores, quando uma família se vincula a outra, como no caso de um pai que tem filhos de um primeiro casamento se separa e se casa novamente com outra mulher que era mãe solteira de dois filhos, então cada qual trouxe filhos e relações jurídicas anteriores a uma nova família que será reconstituída, recomposta.
Muito bem, versam sobre o tema, Farias e Rosenvald:
As famílias reconstituídas (ou, como preferem os argentinos, famílias emsambladas, stepfamily, em vernáculo inglês ou, ainda na linguagem francesa, famille recomposée) são entidades familiares decorrentes de uma recomposição afetiva, nas quais, pelo menos, um dos interessados traz filhos ou mesmo situações jurídicas decorrentes de um relacionamento anterior. É o clássico exemplo das famílias nas quais um dos participantes é padrasto ou madrasta de filho anteriormente nascido. É também o exemplo da entidade familiar em que um dos participantes presta alimentos ao ex-cônjuge ou ao ex-companheiro. (FARIAS E ROSENVALD, 2008 apud ALVES, 2010, p. 78).
Com vistas a dar garantias constitucionais às famílias recompostas o ordenamento jurídico pátrio previu e sacramentou consequências jurídicas a estas. Por exemplo: o reconhecimento do vínculo de parentesco entre um cônjuge ou companheiro e os filhos do outro parceiro (CC, art. 1.595); impedimento matrimonial entre o padrasto ou madrasta e a enteada ou enteado, mesmo após rompido o vínculo afetivo (CC, art. 1.521); o art. 12 da lei nº 8.112/90, garante o direito à pensão aos filhos ou enteados de servidores públicos federais até os 21 anos de idade. Ademais, o estatuto da Criança e do Adolescente nos seus parágrafos 2º e 4º do art. 42, prevê a possibilidade de adoção unilateral do enteado pelo padrasto ou madrasta, sendo uma consagração legislativa da família recomposta.
Destarte, o padrasto ou madrasta tem legitimidade ativa, para quando comprovado o melhor interesse da criança pedir a destituição do poder familiar do pai ou mãe biológico e pedir consequentemente a adoção unilateral do menor, em processo contraditório, faz-se mister ressaltar.
3.5 – FAMÍLIAS EXTENSAS OU AMPLIADAS
Conceitua com expertise o que é Família extensa ou ampliada, Farias e Rosenvald:
Já a família extensa ou ampliada é aquela que, perpassando a comunidade de pais e filhos ou a unidade do casal, é formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e apresenta vinculo de afinidade ou afetividade. Essa família extensa pode se transmudar, posteriormente, em família substituta, a depender da situação verificada. Aqui vale o exemplo da família formada por padrasto e madrasta e enteado e por avós que criam os netos.
É, enfim, a grande família, tradicionalmente composta por pessoas agregadas, entrelaçadas por um vínculo afetivo. (FARIAS E ROSELVALD, 2015, p. 85).
O Estatuto da Criança e do Adolescente estatui em seu art. 28, parágrafos 3º e 4º, que a família ampliada terá preferência, excepcionando-se algumas exceções (por exemplo irmãos), para colocação infanto-juvenil em família substituta. Haja vista, que na recolocação do infante em família substituta, deve-se favorecer o grau de parentesco e a relação de afetividade e afinidade. Com esta conduta, busca-se contemplar o melhor interesse do menor, inserindo-o na família em que será melhor adaptado.
Corrobora esta tese o seguinte julgado do Egrégio STJ:
DIREITO CIVIL. CRIANÇA E ADOLESCENTE. RECURSO ESPECIAL. BUSCA E APREENSÃO DE MENOR QUE SE ENCONTRA NA “POSSE DE FATO” DE TERCEIROS.MANUTENÇÃO DA CRIANÇA NO SEIO DA FAMÍLIA AMPLIADA. 1. Ação cautelar de busca e apreensão de menor, distribuída em 01/09/2010, da qual foi extraído o presente recurso especial, concluso ao Gabinete em 10/10/2011. 2. Discute-se a busca e apreensão do menor, determinada para que a criança permaneça sob os cuidados da tia materna, enquanto pendente ação de guarda ajuizada por terceiros que detinham a sua “posse de fato“. 3. Quando se discute a guarda de menor, não são os direitos dos pais ou de terceiros, no sentido de terem para si a criança, que devem ser observados; é a criança, como sujeito – e não objeto – de direitos, que deve ter assegurada a garantia de ser cuidada pelos pais ou, quando esses não oferecem condições para tanto, por parentes próximos, com os quais conviva e mantenha vínculos de afinidade e afetividade. 4. Em regra, apenas na impossibilidade de manutenção da criança no seio de sua família, natural ou ampliada, é que será cogitada a colocação em família substituta, ou, em última análise, em programa de acolhimento institucional. 5. Recurso especial conhecido e desprovido. (REsp 1356981/SC, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/11/2013, DJe 08/11/2013)
Destarte, neste julgado o egrégio STJ sacramenta e legitima a família extensa ou ampliada e lhe confere efeitos jurídicos. Referendando seu caráter de afeto e afinidade e gerando vínculo jurídico para efeito de substituição familiar reciprocamente entre seus membros.
3.6 –FAMÍLIAS SUBSTITUTAS E O DIREITO DE GUARDA E VISITA PARA OS AVÓS
Farias e Rosenvald expressam o entendimento de família substituta no seguinte excerto:
Em terceiro prisma, a família substituta, nos termos da norma estatutária, é constituída através da guarda, da tutela ou adoção. A família substituta cumpre a relevante tarefa de “suprir o desamparo e abandono, ou pelo menos parte dele, das crianças e adolescentes que não tiveram o amparo dos pais biológicos. Assim, podemos dizer que o ECA, além de ser um texto normativo, constitui-se também em uma esperança de preenchimento e resposta às várias formas de abandono social e psíquico de milhares de crianças”, como bem pontua RODRIGO DA CUNHA PEREIRA. Seria, pois, a hipótese de uma criança abandonada e que é dotada por uma pessoa ou por um casal estranho ao seu núcleo familiar natural ou ampliado. (FARIAS E ROSELVALD, 2015, p. 86).
O estatuto da Criança e Adolescente determina que para colocação de um menor em família substituta, ele deve ser ouvido por uma equipe multidisciplinar, sempre que o seu desenvolvimento e grau de compreensão recomendarem. Deve-se aferir o depoimento e sentimento do infante, com bastante cuidado, cautela e sensibilidade para se detectar possível ocorrência de Síndrome de Alienação Parental – SAP, que também recebe a denominação de implantação de falsas memórias, que é regulamentada pela Lei nº 12.318/10.
Isto ocorre, com pesar, cotidianamente, pois visitando-se o repositório processual e jurisprudencial dos tribunais pátrios confere-se vultosa quantidade de casos em que o pai-guardião macula e difama a imagem e honra do outro genitor perante os filhos com o desiderato de prejudicar ou até mesmo se vingar de eventual insucesso conjugal, alienando a parentalidade do outro. Este ato é abusivo, e configura um ato ilícito objetivo (não depende de culpa para se caracterizar), conforme disposição expressa do art. 187 do código civil de 2002, e culmina em efeitos jurídicos, tais como a possibilidade de perda ou inversão da guarda, a modificação do regime de visitas ou na determinação de visitas assistidas por equipe multiprofissional, dentre outras medidas cabíveis elencadas no art. 6º da Lei 12.318/10. Destarte, dever-se-á sempre ter o devido cuidado ao colher-se o depoimento infanto-juvenil de modo a não dar efeitos jurídicos à falsas memórias que podem ter sido lhe incutidas.
Sobre famílias substitutas o Egrégio STJ assim já julgou:
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. DESTITUIÇÃO DO PÁTRIO PODER. MENOR. FAMÍLIA SUBSTITUTA. CASO PECULIAR. MIGRAÇÃO DA MÃE PARA O SUL DO BRASIL EM BUSCA DE MELHORES CONDIÇÕES. MAUS-TRATOS E SITUAÇÃO DE RISCO. CONFIRMAÇÃO. PRETENSÃO DE ATRIBUIÇÃO DA GUARDA À AVÓ MATERNA.INEXISTÊNCIA DE VÍNCULO COM A FAMÍLIA ESTENDIDA (AVÓS, TIOS E PRIMOS). ADOÇÃO CONCLUÍDA. PREVALÊNCIA DO INTERESSE DO MENOR. ESTABILIDADE NA CRIAÇÃO E FORMAÇÃO. NECESSIDADE. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. Na hipótese em que a genitora deixa a casa dos pais e migra para o sul do país em busca de melhores condições, optando por levar consigo filha menor, cumpre-lhe proteger a criança e dela cuidar, garantindo-lhe sustento, guarda, companhia e educação em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes (Constituição Federal e Estatuto da Criança e Adolescente). Se não há controvérsia sobre o fato de a menor ter sido vítima de negligência e de maus-tratos e encontrar-se em situação de risco, destitui-se o pátrio poder. Estando a criança em situação de risco e não subsistindo nenhum vínculo afetivo entre ela e a família de origem, prevalece o interesse da menor, que deve ser inserida em família substituta, sobretudo quando há notícia de que o processo de adoção já foi concluído. Recurso especial desprovido. (REsp 1422929/SC, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Rel. p/ Acórdão Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/04/2014, DJe 12/08/2014)
Já se tratando da outra temática deste tópico, o direito de guarda e visita aos avós, faz-se mister referir-se o artigo 1.589, parágrafo único do Código Civil de 2002, pois trata da possibilidade de visitação avoenga, em favor do melhor interesse do infante.
De outra margem, a jurisprudência superior vem admitindo a possibilidade excepcional de reconhecer-se a guarda do menor aos avós, mesmo que consensualmente. O STJ entende que conceder a guarda do neto para o avô quando não se tratar, apenas, de conferir ao menor melhores condições econômicas, mas sim, referir à regularização de um robusto laço afetivo e carinho recíproco entre avô e neto, precipuamente com a anuência dos pais.
Destarte, para que se possa conceder a guarda de um menor para os avós, impõe-se que não haja um objetivo de benefício patrimonial, econômico tão somente, como a intenção de garantir-lhe determinado benefício previdenciário, o que seria ilegal e lesivo a coletividade. Todavia, exige-se para a concessão de tal status jurídico que haja um enlace afetivo importante entre avós e neto preexistente e que haja faticamente benefícios de ordem patrimonial e pessoal para o menor.
3.7 –FAMÍLIAS PARALELAS OU SIMULTÂNEAS
A preclara doutrinadora Maria Berenice Dias conceitua as famílias paralelas ou simultâneas no seguinte trecho:
A determinação legal que impõe o dever de fidelidade no casamento, e o dever de lealdade na união estável, não consegue sobrepor-se a uma realidade histórica, fruto de uma sociedade patriarcal e muito machista. Mesmo sendo casados ou tendo uma companheira, homens partem em busca de novas emoções sem abrir mão dos vínculos familiares que já possuem. Dispõem de habilidade para se desdobrar em dois relacionamentos simultâneos: dividem-se entre duas casas, mantêm duas mulheres e têm filhos com ambas. É o que se chama de famílias paralelas. Quer se trate de um casamento e uma união estável, quer duas ou até mais uniões estáveis.
Todos os vínculos atendem aos requisitos legais de ostensividade, publicidade e notoriedade. Inclusive, no mais das vezes, os filhos se conhecem e as mulheres sabem uma da existência da outra. No fim um arranjo que satisfaz a todos. A esposa tem um marido que ostenta socialmente. A companheira nada exige e se conforma em não compartilhar com o companheiro todos os momentos, mas o acolhe com afeto sempre que ele tem disponibilidade. (Dias, 2015, p. 137)
Então as famílias paralelas ou simultâneas, também historicamente alcunhadas por concubinárias eram relegadas a segunda categoria, como família espúria ou ilegítima, atirando o companheiro da segunda família à informalidade, não possuindo, até então direitos alimentares e de partilha ou sucessão, ficando relegado à própria sorte e sem direito de nutrir-se do patrimônio que contribuiu para a edificação com esforços comuns. E os filhos eram alçados a própria desventura, pois eram considerados ilegítimos, espúrios e até mesmo “bastardos”, classificação parental das mais desonrosas à época, completamente infamante. Então a missão dos Tribunais pátrios hodiernamente, inseridos na nova proposta das famílias plurais e eudemonista é fazer a inclusão destas conformações familiares marginalizadas e dar-lhes constitucionalidade, recepcionamento estatal e como consequência reconhecer-lhes eficácia jurídica. Retirando estes indivíduos do “limbo” das famílias “profanas” e de seres de “segunda categoria”.
Destarte, não se pode legitimar a irresponsabilidade do indivíduo que prática o concubinato não dando efeitos jurídicos e patrimoniais às suas relações simultâneas, seria um prêmio a ele. Nada obstante, deve-se sim, fazer a inclusão social das famílias simultâneas dando-lhes direitos e deveres patrimoniais recíprocos. E sempre preservando o Direito Fundamental à dignidade humana de seus membros.
3.8 –FAMÍLIA POLIAFETIVA
Uma das conformações familiares mais polêmicas hodiernamente e que mais causam acirradas discussões de cunho ético, filosófico, ideológico e religioso são as chamadas famílias poliafetivas, também chamadas de plúrimas ou poliamor. È pauta da hora, tema comezinho as rodas de debates em solo pátrio. Desperta o interesse de todas as partes.
O Estado brasileiro começou a reconhecer a legalidade destas uniões poliafetivas, faz-se mister ressaltar que sempre existiram de fato em solo pátrio, mas que nunca foram autorizadas ou regulamentadas pelo Estado, portando sendo até então, clandestinas e seus membros marginalizados.
Nada obstante, num marco histórico a partir do ano de 2012 alguns cartórios brasileiros começaram a registrar uniões poliafetivas. O que causou debates e manifestações acaloradas, tanto favoráveis quanto contra.
Conforme noticiado pelo portal eletrônico Rota Jurídica em 19 de outubro de 2015:
Há pouco mais de uma semana, o Brasil registrou sua primeira união estável entre três mulheres. O local escolhido para a formalização foi o 15.º Ofício de Notas do Rio, localizado na Barra da Tijuca, zona oeste. De acordo com o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), este é o segundo trio que declara oficialmente uma relação. O primeiro caso aconteceu em Tupã, no interior de São Paulo, em 2012. Na ocasião, um homem e duas mulheres procuraram um cartório para registrar a relação. As informações são do Estadão.
Com medo de serem hostilizadas, as três mulheres preferiram não dar entrevista. De acordo com a tabeliã Fernanda de Freitas Leitão, que celebrou a união, o fundamento jurídico para a formalização desse tipo de união é o mesmo estabelecido na decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de 2011, ao reconhecer legalmente os casais homossexuais.
“Não existe uma lei específica para esse trio, tampouco existe para o casal homoafetivo. Isso foi uma construção a partir da decisão do STF, que discriminou todo o fundamento e os princípios que reconheceram a união homoafetiva como digna de proteção jurídica. E qual foi essa base? O princípio da dignidade humana e de que o conceito de família é plural e aberto. Além disso, no civil, o que não está vedado, está permitido”, explicou a tabeliã. Disponível em: ?Http://www.rotajuridica.com.br/rio-de-janeiro-registra-primeira-uniao-estavel-realizada-entre-tres-mulheres/)? Acesso em: 02 ago. 2016.
Com vistas a dirimir a controvérsia inaugurada na sociedade devido aos conflitantes entendimentos acerca da legalidade ou não do reconhecimento das uniões poliafetivas. A corregedora nacional de Justiça, ministra Nancy Andrighi, instaurou um Pedido de Providências, pedindo que se suspenda a lavratura de novos registros de uniões poliafetivas até que a corregedoria nacional de justiça regulamente a matéria.
Destarte, incontroversamente o entendimento a que se perfilha esta pesquisa, desembocando todo o pensamento jus filosófico aqui esposado, é de que o art. 226 da Carta Magna, refere-se expressamente apenas sobre as famílias casamentarias, as oriundas de união estável e monoparental, nada obstante deve-se interpretá-lo como cláusula geral de inclusão, pois doutra forma estar-se-ia a excluir todas as outras conformações familiares existentes de fato e direito, assim reconhecendo-se todas as conformações familiares que possuem como liame o afeto e a comunhão de vidas e propósitos. Até porque se assim não fosse existir-se-ia apenas três conformações familiares, as três retro citadas e todas as outras estariam relegadas à clandestinidade e marginalização. Deve-se ter sempre em mente que os princípios constitucionais fundamentais são basilares ao indivíduo e ao sistema e devem ser aplicados horizontalmente às relações privadas usando-se sempre a técnica de ponderação de valores quando dois deles estiverem em conflito. Portanto, os princípios fundamentais da dignidade humana e da autonomia privada que mais são aplicáveis ao caso em tela devem se sobrepujar ao famigerado princípio da monogamia invocado pelos opositores da família eudemonista que não é princípio fundamental, portanto não é absoluto e quiçá ainda seja princípio, há sérias dúvidas doutrinárias sobre isto e tão logo não possui prevalência aos princípios da dignidade humana e autonomia privada. Destarte, a família poliafetiva deve ser reconhecida pelo Estado pátrio como medida de inclusão social.
CONCLUSÃO
Concluindo-se que por tudo que fora exposto, merece guarida e proteção do Estado às famílias plurais como um todo. Em especial as seguintes conformações familiares: as famílias homoafetivas, que são as famílias constituídas por dois homens ou duas mulheres e seus descendentes, filhos naturais de um deles ou adotivos de ambos; as famílias monoparentais, que é a constituída por um dos pais e seus descendentes; as famílias reconstituídas ou recompostas (famílias ensambladas) são entidades familiares advindas de uma recomposição afetiva, nas quais, pelo menos, um dos conviventes traz filhos ou mesmo situações jurídicas oriundas de um relacionamento familiar antecedente; a família natural, que é a constituída pelo pai e mãe e sua prole; a família extensa ou ampliada, que é aquela que, além da comunidade de pais e filhos ou unidade do casal, é formada por parentes próximos com os quais a criança ou o adolescente convive e apresenta vínculo de afinidade ou afetividade; por último a família substituta, é aquela formada, especificamente, por meio da guarda, da tutela ou adoção. A família substituta exerce a notória tarefa de suprir o desamparo e abandono, ou pelo menos parte dele, das crianças e adolescentes que não tiveram amparo dos pais biológicos.
Todavia, sem olvidar-se, da necessidade premente de estudo e elucubração quanto às conformações familiares ainda mais polemicas e que ainda não possuem aceitação tranquila nos Tribunais pátrios: as famílias paralelas ou simultâneas e as famílias poliafetivas. Nada obstante, esta pesquisa entendeu que por aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana e da autonomia privada e pela finalidade do Estado de se atingir as famílias democráticas, plurais e eudemonistas, ambas as conformações familiares devem sim, serem recepcionadas e formalizadas pelo Estado pátrio.
Em suma, a principal tarefa do Direito de Família contemporâneo é legalizar, consagrar e dar eficácia jurídica a todas as conformações familiares que se constituam precipuamente pelo afeto, que as legitimam e lhes dão o condão de unidade familiar. E estas famílias devem sempre ter como princípio teleológico a garantia da felicidade e da dignidade humana das pessoas que a compõe. Encerrando desta forma o caráter de família eudemonista que deve caracterizar as famílias plurais hodiernas.
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