ARTS. 21 E 22 DO CPC – DOS LIMITES DA JURISDIÇÃO NACIONAL
Marcus Vinicius Furtado Coêlho
A jurisdição civil pode ser exercida pelos juízes e tribunais diante de quaisquer ações ajuizadas em território nacional. Ocorre que a validade e eficácia das decisões se sujeitam às restrições territoriais na esfera da comunidade internacional, uma que vez que existe uma pluralidade de Estados soberanos organizados e regidos pelos seus próprios ordenamentos jurídicos. O Código de Processo Civil de 2015 definiu os limites territoriais para o exercício da jurisdição civil no âmbito nacional e as regras processuais relativas à cooperação internacional.
Os artigos 21 e 22 do diploma elencam as hipóteses de temas que se sujeitam à jurisdição nacional, mas que, em alguma medida, se relacionam com a jurisdição de outros Estados, e, por esta razão, também podem se submeter às jurisdições estrangeiras.
Da lição de Fredie Didier[1] se abstrai que a delimitação da competência internacional se justifica em face do princípio da efetividade, segundo o qual o Estado deve se abster de julgar se a sentença não tem como ser reconhecida onde deve exclusivamente produzir efeitos. Assim, a Justiça brasileira deve reconhecer a sua competência apenas para julgar as demandas cuja decisão gere efeitos em território nacional ou em Estado estrangeiro que reconheça sua decisão[2].
O artigo 21 dispõe que “Compete à autoridade judiciária brasileira” processar e julgar as ações em que: (I) o réu, qualquer que seja a sua nacionalidade, estiver domiciliado no Brasil; (II) no Brasil tiver de ser cumprida a obrigação; (III) o fundamento seja fato ocorrido ou ato praticado no Brasil. (IV) Parágrafo único. Para o fim do disposto no inciso I, considera-se domiciliada no Brasil a pessoa jurídica estrangeira que nele tiver agência, filial ou sucursal.
O referido dispositivo não introduziu significativas modificações no sistema processual brasileiro, mantendo na íntegra as hipóteses específicas previstas no artigo 88, seu dispositivo correspondente no Código de Processo Civil de 1973. Ao julgar o Recurso Especial[3], o Superior Tribunal de Justiça classificou a competência internacional em concorrente e exclusiva, e expressou que, em se tratando de competência internacional concorrente, as Justiças brasileiras e estrangeiras podem, igualmente, julgar a controvérsia, sem que ocorra o fenômeno da litispendência. Tanto o artigo 21 como o 22 trazem hipóteses de competência concorrente.
O artigo 22 é uma inovação do atual diploma processual, dado que acrescentou novas hipóteses de competência internacional concorrente. O referido dispositivo prevê: “Compete, ainda, à autoridade judiciária brasileira processar e julgar as ações: (I) de alimentos, quando (a) o credor tiver domicílio ou residência no Brasil; b) o réu mantiver vínculos no Brasil, tais como posse ou propriedade de bens, recebimento de renda ou obtenção de benefícios econômicos; (II) decorrentes de relações de consumo, quando o consumidor tiver domicílio ou residência no Brasil; (III) em que as partes, expressa ou tacitamente, se submeterem à jurisdição nacional“.
A inclusão das ações envolvendo relações de consumo e da autonomia das partes em optar pela jurisdição nacional são pontos que merecem destaque. O artigo 22, inciso II inovou ao estabelecer a competência concorrente da jurisdição brasileira nas causas em que o consumidor figurar como o autor da demanda.
A convenção das partes que fixa a competência da jurisdição nacional para apreciar determinada demanda pode ser expressa ou tácita. A convenção expressa ocorre por cláusula de eleição de foro, enquanto que a tácita ocorre com o mero ajuizamento da ação. Em ambas as situações, o juízo nacional analisará o acordo das partes sob a ótica do princípio da efetividade[4].
Embora tenha havido a inclusão de novas hipóteses de competência internacional concorrente, o rol dos artigos 21 e 22 não conseguiu exaurir todas as situações jurídicas passíveis de julgamento pela autoridade judiciária brasileira. Exemplo disso é o artigo 83 do CPC, segundo o qual: “o autor, brasileiro ou estrangeiro, que residir fora do Brasil ou deixar de residir no país ao longo da tramitação de processo prestará caução suficiente ao pagamento das custas e dos honorários de advogado da parte contrária nas ações que propuser, se não tiver no Brasil bens imóveis que lhes assegurem o pagamento“.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça[5] é consolidada no sentido de que as empresas estrangeiras, para litigarem no Brasil, precisam prestar uma caução quando não dispuserem de bens suficientes para suportar o ônus de eventual sucumbência.
É um mecanismo processual que busca o tratamento isonômico dos litigantes para “não tornar melhor a sorte dos que demandam no Brasil, residindo fora, ou dele retirando-se, pendente a lide“. Não havendo fiança, em eventual responsabilização da empresa demandante pelos ônus sucumbenciais, estaria incólume dos eventuais prejuízos causados ao demandado.
A competência internacional concorrente prevista no antigo diploma era no sentido de que o artigo 88 definia um rol exemplificativo de hipóteses específicas. No Recurso Ordinário 64/SP o STJ fixou que: “o rol previsto no art. 88 do CPC de 1.973 não é taxativo, visto que algumas demandas são passíveis de julgamento pela autoridade judiciária brasileira, ainda que a situação jurídica não se enquadre em nenhuma das hipóteses ali previstas“. Tendo em vista que existem hipóteses de competência internacionais concorrentes estabelecidas no Código de Processo Civil de 2015 além daquelas previstas no artigo 21 e 22, conclui-se que o entendimento fixado pelo Superior Tribunal de Justiça continua vigorando quanto a não se tratar de rol taxativo.
Ademais, não se pode olvidar que quanto às ações envolvendo essas hipóteses, que já tiverem sido julgadas no estrangeiro, a validade e a eficácia das suas decisões em território brasileiro dependem de procedimento específico de homologação de sentença estrangeira pelo Superior Tribunal de Justiça. Como o trâmite processual não ocorreu no Brasil é necessário verificar se a decisão cumpriu com os parâmetros legais mínimos da jurisdição nacional.
No tocante aos limites do processo de homologação de sentença estrangeira, restou fixado na SEC[6] 14.519/EX que “O Superior Tribunal de Justiça, nos procedimentos de homologação de sentença estrangeira, exerce um juízo meramente delibatório, sendo-lhe vedado adentrar no mérito da ação alienígena“. Dessa forma, restringe-se a verificação dos requisitos formais do Código de Processo Civil e o Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça.
Os eventuais questionamentos que podem surgir acerca do mérito da decisão estrangeira são de competência do juízo estrangeiro. Por isso, é que se denomina competência internacional concorrente, uma vez que a existência de ação que tramite no Juízo brasileiro com identidade de partes, causa de pedir e pedido não impede a homologação de sentença estrangeira, desde que esse juízo possua competência para tanto[7].
A fixação de matérias em que incide a competência internacional concorrente relativiza os limites da jurisdição nacional, buscando evitar conflitos entre os Estados soberanos ao estipular hipóteses em que podem ser conhecidas e decididas tanto pela Justiça brasileira como estrangeira. A delimitação da jurisdição nacional e da cooperação internacional assentam-se, portanto, no princípio da efetividade, priorizando a utilidade e a eficácia das decisões judiciais.
[1] DIDIER, Fredie, Curso de Direito Processual Civil, vol. 3, Salvador: Ed. JusPodivm, 2018, p. 254
[2] NEVES, Daniel Amorim Assunção. Manual de Direito Processual Civil. Volume Único. P. 231.
[3] REsp 136642/SP.
[4] NEVES, Daniel Amorim Assunção. Manual de Direito Processual Civil. Volume Único. P. 231.
[5] EREsp 179.147/SP, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Corte Especial, julgado em 1º/8/2000, DJ 30/10/2000; REsp 1584441/SP, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/08/2018, DJe 31/08/2018
[6]SEC 14.519/EX, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, CORTE ESPECIAL, julgado em 17/05/2017, DJe 14/6/2017
[7] SEC n. 14.518/EX, Rel. Min. Og Fernandes – Corte Especial – j. 29/3/2017.