ARRENDAMENTO RURAL: CONTROVÉRSIAS JURÍDICAS NA VISÃO DO STJ
Mathias Menna Barreto Monclaro
No contexto do agronegócio brasileiro, o arrendamento e a parceria rural são institutos fundamentais, regulados pelo Estatuto da Terra (Lei 4.504/64) e pelo Decreto 59.566/66. Esses contratos desempenham papel essencial na exploração econômica, permitindo que produtores utilizem áreas de terceiros para fins agrícolas ou pecuários.
Contudo, apesar de ambos terem finalidades semelhantes, suas estruturas jurídicas apresentam importantes distinções que geram debates recorrentes na doutrina e jurisprudência, especialmente no que tange aos prazos, às obrigações das partes e à aplicação de normas de proteção ao arrendatário.
O arrendamento rural caracteriza-se pelo pagamento de um valor estipulado a título de aluguel da terra, permitindo ao arrendatário o uso do imóvel para a exploração de atividades rurais. Em contraste, a parceria rural envolve uma divisão de riscos e resultados, onde o parceiro-outorgado contribui com trabalho e, eventualmente, capital, compartilhando com o proprietário os lucros ou prejuízos da produção.
Essa distinção essencial influencia diretamente a interpretação das obrigações contratuais e os direitos das partes.
Prazos e renovações nos contratos de arrendamento rural
Uma das questões mais relevantes no arrendamento rural é a fixação dos prazos contratuais. Conforme previsto no Decreto 59.566/66, os prazos mínimos visam a garantir a estabilidade e viabilidade econômica da atividade agrícola.
Eles variam de três a sete anos, dependendo da atividade desenvolvida, sendo que o menor prazo se aplica à exploração de lavouras temporárias ou pecuária de pequeno porte, enquanto o maior prazo se destina à exploração florestal.
Em diversos precedentes do Superior Tribunal de Justiça, como no REsp 1.336.293/RS, a 3ª Turma destacou a importância de ajustar os prazos contratuais às particularidades da atividade exercida.
No referido caso, decidiu-se que a criação de gado bovino deveria ser considerada atividade de médio ou grande porte, exigindo prazos contratuais adequados ao ciclo produtivo, como criação, engorda e abate, reafirmando a necessidade de interpretar os contratos agrários conforme a natureza da atividade explorada.
Um dos temas relevantes atinentes a tal temática é a vedação à celebração de arrendamentos com prazos inferiores aos mínimos previstos em lei, tendo o STJ pacificado a questão nos Recursos Especiais 1.455.709/SP e 1.568933/MS, registrando que “os prazos mínimos de vigência para os contratos agrários constituem norma cogente e de observância obrigatória, não podendo ser derrogado por convenção das partes contratantes”.
Além dos prazos, a renovação automática dos contratos de arrendamento é outro ponto crucial. O Estatuto da Terra exige que o arrendador notifique o arrendatário com antecedência mínima de seis meses caso pretenda modificar as condições contratuais ou retomar o imóvel.
Na ausência dessa notificação, o contrato é prorrogado automaticamente nas mesmas condições, conforme estabelecido no artigo 95 do Estatuto. A jurisprudência tem reafirmado essa regra, como no REsp 1.786844/MT, da 4ª Turma, relatado pelo ministro Salomão, protegendo o arrendatário e garantindo a continuidade da exploração rural, nos seguintes termos:
“O Estatuto da Terra prevê a necessidade de notificação do arrendatário seis meses antes do término do prazo ajustado para a extinção do contrato de arrendamento rural, sob pena de renovação automática.”
Tal posicionamento também se mostra remansos na 3ª Turma, como se vê do REsp nº 1277085/AL, relatado pelo ministro Cueva.
Pagamento em produtos agrícolas e sua validade jurídica
Outra controvérsia recorrente envolve a utilização de produtos agrícolas como forma de pagamento nos contratos de arrendamento. A legislação agrária brasileira estabelece que tais contratos não podem prever pagamento em mercadorias, sob pena de nulidade dessa cláusula.
No entanto, isso não impede que o credor busque a cobrança judicial das dívidas decorrentes do contrato, como decidiu o STJ no REsp 1.266.975/MG, da 3ª Turma. Nesse caso, o tribunal entendeu que, mesmo que a cláusula seja nula, o valor devido pode ser apurado por arbitramento, em liquidação de sentença, o que possibilita a continuidade das relações contratuais sem ferir a legislação.
De mesma sorte, a 4ª Turma julgou, em agosto de 2022, o Agravo Interno no Recurso Especial nº 1546289/MT, relatado pelo ministro Salomão, quando reiterou seu posicionamento, no sentindo de que:
“(…)Segundo deflui dos arts. 95, XI, ‘a’, da lei n. 4.504/1964 (Estatuto da Terra), e 18, parágrafo único, do Decreto n. 59.566/1966, é defeso ajustar como preço do arrendamento quantidade fixa de frutos ou produtos, ou o seu equivalente em dinheiro, sendo nula a cláusula contratual que encarta tal previsão.”
Direito de preferência e justiça social
Ainda que o direito de preferência não seja o foco principal nas discussões sobre arrendamento rural, ele desempenha um papel relevante no equilíbrio das relações agrárias. Previsto no Estatuto da Terra, esse direito garante ao arrendatário a prioridade na compra do imóvel em caso de alienação. O objetivo é evitar que o arrendatário seja forçado a deixar a terra onde investiu e produziu, além de preservar a função social da propriedade, incentivando a desconcentração fundiária.
A jurisprudência do STJ tem destacado que o direito de preferência deve ser interpretado de acordo com o princípio da justiça social, como no REsp 1.447.082/TO, da 3ª Turma, onde o tribunal afirmou que a proteção deve ser direcionada ao pequeno agricultor familiar, em detrimento de grandes grupos empresariais que possam usar essa prerrogativa de maneira indevida.
Em complemento ao supracitado caso concreto, o STJ, recentemente (em 4/9/2024), reiterou essa posição em acórdão da 4ª Turma, no bojo do Agravo Interno no Recurso Especial 1.622.205/PR, de relatoria do ministro João Otávio de Noronha, assegurando o direito ao arrendatário exercer a preferência, desde que pague o valor da transferência efetivada a terceiros, constante do registro público, desde que corrigida monetariamente.
Assim, o direito de preferência visa garantir a permanência do homem do campo na terra, promovendo o acesso à propriedade e a justiça agrária.
Continuidade dos contratos em caso de falecimento
Outra questão frequentemente debatida nos contratos agrários é a continuidade do contrato em caso de falecimento de uma das partes. O STJ tem decidido que a morte do arrendador ou parceiro-outorgante não extingue automaticamente o contrato, permitindo que os herdeiros assumam o direito de retomada do imóvel ao término do contrato, desde que cumpram as formalidades legais.
Essa interpretação, consolidada em casos como o REsp 1.459.668/MG, reforça a segurança jurídica e a continuidade da exploração rural, evitando restrições que possam prejudicar as atividades econômicas desenvolvidas na propriedade.
Aliás, no bojo do Recurso Especial 1.758.946/SP, definiu a 3ª Turma, em voto do ministro Belizze, que:
“A morte da arrendadora/usufrutuária (causa de extinção do usufruto, nos termos do art. 1.410, I, do CC) durante a vigência do contrato de arrendamento rural, sem a respectiva restituição ou reivindicação possessória pelo proprietário, tornando precária e injusta a posse exercida pelos sucessores daquela, não constitui óbice ao exercício dos direitos provenientes do contrato de arrendamento rural, no interregno da efetiva posse, pelo espólio da usufrutuária perante o terceiro arrendatário, porquanto diversas e autônomas as relações jurídicas de direito material de usufruto e de arrendamento.”
Benfeitorias e indenizações
As benfeitorias realizadas pelo arrendatário ou parceiro durante a vigência do contrato também são objeto de litígios frequentes. A legislação agrária assegura o direito à indenização por benfeitorias úteis e necessárias, salvo acordo em contrário entre as partes. No entanto, o STJ já decidiu que cláusulas que renunciem previamente ao direito de indenização por benfeitorias necessárias são nulas.
No REsp 1.182.967/RS, o STJ reconheceu que as partes podem acordar formas alternativas de compensação, como a extensão do prazo contratual, para equilibrar os investimentos realizados no imóvel.
Considerações finais
As controvérsias em torno do arrendamento rural e da parceria rural demonstram a complexidade das relações jurídicas agrárias e a importância de uma interpretação adequada da legislação para garantir a continuidade e o desenvolvimento do agronegócio.
A jurisprudência do STJ tem buscado conciliar os interesses das partes envolvidas, sempre com foco na função social da terra e na proteção do pequeno produtor. À medida que a legislação e a jurisprudência evoluem, novos desafios surgem, mas o objetivo central permanece: garantir que o uso da terra atenda não apenas aos interesses econômicos, mas também à justiça social e à sustentabilidade.