APONTAMENTOS SOBRE A PRECLUSÃO NO DIREITO PROCESSUAL BRASILEIRO VIGENTE
Gisele Leite
Ramiro Luiz P. da Cruz
A palavra preclusão[1] provém do latim praeclusio[2], que significa antes da conclusão no aspecto literal e refere-se à dinâmica do processo que se desenvolve por meio de fases lógicas e concatenadas que materializam a prestação jurisdicional a cargo do Estado-Juiz, comportando a fase postulatória, a fase probatória e, finalmente, a fase decisória.
É cediço que a etapa postulatória compreende a atividade das partes destinadas à formulação da pretensão, pelo autor, via petição inicial, e, pelo réu, via contestação e réplica, e ainda possível a atuação de terceiros intervenientes por eventuais manifestações introdutórias.
Já a etapa probatória, igualmente chamada de instrutória, permite que as partes forneçam ao juiz os elementos necessários ao esclarecimento dos fatos em que se funda a pretensão ou a defesa, pois o julgador decide sobre o pedido encartado na demanda com base em fatos alegados e provados.
Há de se alertar que a prova deve comprovar a materialidade e a existência dos fatos alegados e que fundamentam a pretensão. Há o momento adequado para a produção de provas, apesar de que se admita a prova antecipada[3], e até prova emprestada[4], porém não se admite a prova tardia e nem intempestiva.
Quanto à fase decisória, em geral, ela ocorre após o saneamento processual, quando se procura sanar eventuais vícios e defeitos e que ganhou reforço pelo Código Fux por prever até mesmo o saneamento compartilhado.
Na etapa decisória, o julgador prolata a vontade concreta da lei, resolvendo ou compondo a lei, cumprindo a obrigação jurisdicional precípua do Estado.
O que garante e mantém a dinâmica processual é a gestão de atos processuais por meio do impulso processual, posto que garanta a continuidade dos atos processuais e seu encadeamento lógico até a sentença.
O impulso processual visa a obter o contínuo e sucessivo movimento até se chegar a decisão definitiva. O impulso processual empreende a autodinâmica através de órgãos jurisdicionais, e pelas partes, quando se cogita em heterodinâmica.
Quando o juiz designa a audiência, age por autodinâmica, quando determina pagamento ou atribui exigências a cumprir pelos litigantes, e, quando as partes, por exemplo, arrolam as testemunhas, requerem perícias ou expressam-se em depoimento pessoal, agem por heterodinâmica.
Verifica-se que os princípios comportam-se diferentemente de acordo com o tipo de processo. Nos processos civis e trabalhistas, conforme ensina o insigne J. E. Carreira Alvim, o impulso oficial é notadamente heterodinâmico, pois vincula-se à atividade das partes, porém, na execução de sentença, o impulso oficial desenvolve-se particularmente por autodinâmica.
Em geral, quando presente o interesse público, o processo tende a se desenvolver por autodinâmica, e, quando o interesse é privado, há, em geral, o predomínio da heterodinâmica[5].
Lembremos ainda que certas lidas por conta de sujeitos envolvidos estão obrigatoriamente submetidas ao duplo grau de jurisdição, e a sentença não transita em julgado enquanto não confirmada pela instância superior, por força da remessa ex officio quando o impulso oficial obedece ao princípio da autodinâmica.
Já na seara recursal, notadamente no processo civil, são regidos pelo princípio da heterodinâmica. A preclusão relaciona-se diretamente com o tempo dos atos processuais, posto que signifique a perda do momento processual para produzir ou atender a uma exigência processual.
Cumpre definir que o prazo processual corresponde a uma fração de tempo dentro do qual deve ser praticado o ato processual, assegurando que o processo se desenvolva por meio do seu procedimento (que pode ser comum ou especial).
Uma das cruciais características do prazo é a sua vinculação ao tempo para a prática do ato processual de modo que, se transcorrer in albis, dá-se a caducidade[6], ou, ainda, se o ato for praticado fora do prazo, o ato será considerado caduco.
O CPC/2015 estabelece que, quando a lei ou o juiz não determinar os prazos, as intimações somente obrigarão o comparecimento depois de decorridas quarenta e oito horas – vide o art. 218, § 2º.
E, ainda, aduz que os prazos são contados apenas em dias úteis[7], conforme aduz o art. 219, caput e parágrafo único do CPC/2015. O curso processual dos processos civis brasileiros após 18 de março de 2016 passou a ser suspenso no período compreendido entre 20 de dezembro até 20 de janeiro, inclusive o que é alcunhado erroneamente de “férias brancas” do Judiciário[8].
O prazo pode ser classificado sob mais de um ângulo, a saber: quanto ao efeito do tempo, quando o prazo poderá ser dilatório ou peremptório[9]; quanto à sua origem, quando os prazos podem se legal, judicial ou convencional (conforme tiver origem na lei, no juiz ou por convenção das partes); quanto ao seu alcance em razão das partes, poderá ser prazo comum, especial e individual ou singular.
E, por derradeiro, quanto aos seus destinatários, poderão ser prazo próprio ou impróprio. A duração dos prazos próprios observa estritamente o que a lei estabelece, não havendo a possibilidade de alteração por vontade das partes, conforme mencionado.
Como efeito prático da ausência de observância dos prazos próprios, podemos citar a possível ocorrência dos efeitos da revelia quando não interposta a contestação pela parte interessada no devido prazo legal.
Nelson Nery afirma que prazos próprios são aqueles “fixados para o cumprimento do ato processual, cuja inobservância acarreta desvantagem para aquele que o descumpriu, consequência essa que normalmente é a preclusão“.
Vale pontuar, ainda, que esse tipo de prazo deve ser observado pelo Ministério Público, quando este vem a atuar como parte no processo, assim como vale para terceiros.
Quanto aos prazos impróprios, pontua Nelson Nery que “são aqueles fixados na lei apenas como parâmetro para a prática do ato, sendo que seu desatendimento não acarreta situação desfavorável para aquele que o descumpriu, mas apenas sanções disciplinares. O ato praticado além do prazo impróprio é válido e eficaz“.
Ainda no que tange aos prazos impróprios[10], muitos entendem que se trata de verdadeiro vilão quando se fala em celeridade processual e razoável duração do processo.
Esse entendimento decorre do fato de os prazos impostos aos servidores, auxiliares da justiça e aos Magistrados geralmente deixarem de ser observados, onde processos se acumulam nos armários dos cartórios sem qualquer movimentação, onde petições levam meses para serem juntadas, assim como processos ficam meses em conclusão, parados no gabinete.
Com relação aos prazos dilatórios[11], podem ser reduzidos ou até majorados por convenção das partes. Porém, os prazos peremptórios são aqueles inexoráveis e que impõem a prática do ato processual, sob pena de não mais poder fazê-lo; eles são, em geral, prazos determinados por lei.
Ao revés, os prazos peremptórios são imodificáveis, só se admitindo apenas excepcionalmente a devolução do prazo diante da ocorrência de justo impedimento cabalmente provado nos autos[12].
Mas convém frisar que os prazos dilatórios também podem ser fixados por lei, e derivam de norma processual dispositivo, ao passo que o prazo peremptório é imposto por norma processual cogente.
Dessa forma, a preclusão é a consequência do prazo peremptório não obedecido, enquanto que a nulidade corresponde à consequência do descumprimento do prazo dilatório.
Na lição de Frederico Marques, o peremptório prazo não é incompatível com a prorrogação. Os atos processuais podem ser identificados em razão de sua origem, podem advir da lei, do juiz ou ainda da vontade das partes.
O prazo legal não pode ser majorado ou mitigado pelo juiz como é o prazo para contestar a demanda, para atender a intimação ou mesmo para recorrer.
O prazo judicial pode surgir no despacho, na decisão interlocutória e na sentença, sendo possível a prorrogação quando se revelar insuficiente para a prático do ato processual exigido.
O prazo convencional produzido pelo acordo de litigantes revela-se em negócio jurídico processual, mas tem que se submeter ao juiz para haver homologação (que é apenas condição de eficácia).
Porém, o prazo nem sempre corre da mesma forma para ambos os litigantes, podendo obter alcance distinto para cada uma das partes.
O prazo comum é aquele que corre simultaneamente para ambos os litigantes, correndo geralmente em cartório ou na secretaria da vara, tal como o prazo para especificação de provas no processo.
O prazo especial é aquele que beneficia apenas uma das partes no processo, sendo prazos mais dilatados do que o comum, como, por exemplo, o prazo em dobro do Ministério Público para se manifestar nos autos.
Já o prazo individual ou singular é aquele que transcorre somente para uma das partes, sendo o oposto do prazo comum. O prazo próprio é aquele assinalado às partes e com as consequências que decorrem do seu cumprimento ou descumprimento.
O prazo impróprio é o assinalado ao juiz[13] e aos serventuários da justiça e cujo descumprimento pode gerar apenas sanções de ordem disciplinar, não acarretando a invalidade do ato processual, mesmo que o ato seja intempestivo. É notório o exemplo do prazo para o juiz proferir a sentença ou para o escrivão fazer os autos conclusos ao juiz.
O prazo impróprio[14], pela dicção de Carreira Alvim, é chamado de recomendatário, ou, como prefere a doutrina, de prazo programático[15].
Imbricados à teoria dos prazos estão dois fenômenos processuais muito relevantes como a revelia e a preclusão, sendo esta mais relacionada com o princípio do impulso oficial.
A revelia conceitualmente é distinta dos seus efeitos. A revelia é a situação em que se encontra qualquer das partes que, devendo estar presente no processo, se faz ausente. E, devendo praticar algum ato processual, como responder à demanda, se omite.
Portanto, tanto o autor como o réu pode incidir em revelia, apesar de que a doutrina brasileira e o Direito codificado pátrio só utilizem tal expressão para qualificar a ausência do réu.
Observa-se que os efeitos da revelia ao processo civil são também diversos conforme o tipo de procedimento. No procedimento comum, a revelia corresponde à falta de contestação; no procedimento monitório, dá-se a revelia por falta de oposição de embargos monitórios (art. 701, § 2º, do CPC).
A preclusão consiste concretamente num fato impeditivo destinado a garantir o avanço gradual do processo, evitando o retrocesso para as fases já superadas do procedimento e, significa e subjetivamente, representa a perda de um direito ou faculdade, por não ter sido exercido dentro do prazo, ou por ter se esgotado pelo seu exercício.
Ressalte-se que, para Giuseppe Chiovenda, a preclusão consiste na perda, extinção ou consumação de uma faculdade processual, pelo só fato de ser haver atingido os limites prescritos ao seu exercício.
Cumpre advertir que a preclusão não é sanção processual e nem penalidade. E a boa doutrina aponta três espécies de preclusão, a saber:
- Preclusão temporal é a que resulta da inércia ou do não exercício do direito ou faculdade dentro do prazo estipulado por lei (é o caso do réu que não contesta, ou não recorre da sentença);
- Preclusão consumativa que resulta de circunstância concreta da qual se valeu, praticando efetivamente o ato processual. É o caso do réu que contestou demais e quer reconhecer o pedido, e não deseja contestar mais;
- Preclusão lógica resulta da incompatibilidade de um ato processual, já praticado com outro que se pretende praticar, como, por exemplo, quem pediu prazo para purgar a mora na ação de despejo e deseja doravante contestar.[16]
Outro exemplo é o ato processual do depósito da condenação e, depois, o condenado deseja impugnar cálculos.
A preclusão consumativa também pode alcançar o juiz, posto que já sentenciou, não poderá mais sentenciar[17].
JURISPRUDÊNCIA
Preclusão lógica:
Embargos de declaração em apelação cível. Declaratórios interpostos após expressa manifestação do embargante no sentido de não recorrer da decisão colegiada. Renúncia ao direito de recorrer que impede o conhecimento de posterior recurso. Preclusão lógica. Não conhecimento dos declaratórios, na forma dos arts. 932, III c/c 999 do CPC/2015. (AC 0064066-03.2008.8.19.0002, 5ª Vara Cível de Niterói – Central da Dívida Ativa, Embargante: Município de Niterói, Embargado: Paulo César da Silva Sousa, Juíza: Dra. Andrea Gonçalves Duarte Joanes, Relator orig.: Des. Henrique Carlos de Andrade Figueira, Relator p/o Ac.: Desª Cristina Tereza Gaulia)
Agravo de instrumento. Ação de cobrança de cota condominiais. Decisão de indeferimento do benefício da gratuidade de justiça. Pedido de reconsideração. Não ocorrência de suspensão ou interrupção de prazo recursal. Manifesta preclusão. Segundo as lições de Giuseppe Chiovenda, a doutrina conceitua o instituto da preclusão como sendo a perda da faculdade de praticar determinado ato processual. A doutrina classifica a preclusão em (i) temporal, ao não ser observado o prazo próprio para o exercício do ato; (ii) lógica, em função da prática incompatível com o ato a ser realizado; (iii) consumativa, em razão de o ato processual já ter sido realizado; e (iv) pro uidicato, em virtude de a matéria encontrar-se decidida pelo Magistrado. In casu, o juízo de 1ª instância indeferira o pedido de gratuidade de justiça, frise-se, formulado por ambos os demandados (doc. 417), em 28 de setembro de 2017 (doc. 450); contudo, ao invés de oferecer recurso na ocasião, o agravante formulou pedido de reconsideração (doc. 459), nessa oportunidade, excluindo a segunda demandada da sua pretensão e aduzindo que milita em causa própria, o que sequer é verdade (doc. 468), pois, além do recorrente, fora outorgada procuração em prol do Dr. Paulo César. De toda sorte, a decisão apontada como agravada (doc. 462) tão somente manteve decisum anterior (doc. 450), no qual fora indeferido o benefício da gratuidade de justiça, sendo certo que a renovação do seu pedido por meio de pleito de reconsideração não importa na interrupção de prazo recursal, restando portanto, preclusa a reanálise da questão por essa via. Nessa esteira, inclusive, o Verbete nº 46 da súmula da jurisprudência dominante deste E. Tribunal: “Não se suspende, com o pedido de reconsideração, o prazo para interposição de qualquer recurso“. Com efeito, diversamente dos embargos de declaração que, nos termos do art. 1.026 do NCPC, interrompem o prazo para a interposição de outros recursos por qualquer das partes, o pedido de reconsideração não interrompe aquele prazo. Assim sendo, tornar-se inafastável a constatação de que restou precluso o direito de recorrer, uma vez que não interpôs a parte, no momento apropriado, o agravo respectivo contra o provimento que originalmente rejeitou sua pretensão. Precedentes do TJERJ e do STJ. Inteligência da Súmula nº 46 do TJERJ. Não conhecimento do recurso. (AI 0069150-73.2017.8.19.0000, 3ª C.Cív., Desª Renata Machado Cotta, J. 04.12.2017)
Agravo de instrumento. Execução de sentença. Decisão que extingue a obrigação dos executados, considerando a satisfação tácita do crédito exequendo, prosseguindo a execução apenas quanto aos honorários advocatícios fixados para a fase de cumprimento do julgado. Manutenção da decisão quanto à satisfação do crédito exequendo. Preclusão lógica. Levantamento do valor penhorado no rosto dos Autos de nº 0004123-43.2004.8.19.0203, atualizado conforme determinação específica do juízo deprecado, decisão esta não recorrida pela exequente, que também nada requereu ao juízo deprecante a fim de garantir a atualização do montante penhorado da forma que entende correta. Fixação dos honorários de sucumbência sob a égide do Código de Processo Civil de 2015, que não deixa dúvidas quanto ao percentual a ser aplicado, conforme o § 1º do art. 523: “Não ocorrendo pagamento voluntário no prazo do caput, o débito será acrescido de multa de dez por cento e, também, de honorários de advogado de dez por cento”. Dispositivo cuja mens legis objetiva o desestímulo à resistência no cumprimento de sentenças e que deve, portanto, ser aplicado nos seus estritos termos. Recurso conhecido e parcialmente provido. (AI 0023926-15.2017.8.19.0000, 11ª C.Cív., Des. Cesar Felipe Cury, J. 27.09.2017)
Aposentadoria por invalidez. Laudo pericial conclusivo no sentido de que a autora apresentava quadro de tendinite nos ombros, cotovelos, punhos e mãos, compatível com as suas atividades laborais, não podendo mais realizar outras funções. Autarquia apelante que requereu a realização de perícia de nexo em seu recurso, mas afirmou, quando intimada do laudo, que não teria mais provas a produzir. Preclusão lógica configurada. Sentença de procedência da pretensão autoral. Correta aplicação do art. 42 da Lei nº 8.213/1991. Majoração da verba honorária, em sede recursal. Apelo da parte ré desprovido, confirmando-se a sentença em sede de remessa necessária. (Apelação em Remessa Necessária nº 0003564-02.2007.8.19.0207, 1ª C.Cív., Des. Camilo Ribeiro Ruliere, J. 10.10.2017)
Preclusão temporal:
Apelação cível. Indenização por danos morais. Agressão física supostamente perpetrada por preposto da ré. Nulidade da sentença de cerceamento de defesa que se afasta. Decisão saneadora que determinou a intimação da testemunha na forma do art. 455 do CPC, sob pena de perda da prova. Autor que deixou de cumprir o disposto no art. 455, § 1º, do CPC. Perda da prova. Decisão restou irrecorrida. Preclusão temporal. Sentença que julgou improcedente a pretensão autoral. Ausência de comprovação da verossimilhança do direito do autor. Descumprimento do art. 373, I, do CPC. Manutenção da sentença. Apelo improvido, sendo majorados os honorários sucumbenciais na forma do § 11 do art. 85 do NCPC. (Apelação nº 0006230-68.2015.8.19.0021, 10ª C.Cív., Des. Celso Luiz de Matos Peres, J. 29.01.2018)
Processual civil. Agravo de instrumento. Pedido de reconsideração. Decisão agravada que se limitou a manter decisão anterior. Pedido de reconsideração que não suspende o prazo para interposição de outros recursos. Incidência do Verbete nº 46 da súmula da jurisprudência predominante desta Corte. Preclusão temporal que afeta a tempestividade e, consequentemente, a regularidade formal do agravo. Intempestividade. Recurso inadmissível. Não conhecimento do recurso, nos termos do art. 932, III, do NCPC (Lei nº 13.105/2015). (AI 0068549-67.2017.8.19.0000, 22ª C.Cív., Des. Marcelo Lima Buhatem, J. 05.12.2017)
Preclusão consumativa:
Agravo de instrumento. Seguimento negado. 1. Da mesma decisão, a parte só pode recorrer uma única vez, havendo preclusão consumativa. 2. Não se pode admitir a eleição de duas medidas judiciais diversas para combater o mesmo ato judicial. 3. Agravo de instrumento a que se nega seguimento por ser inadmissível. (AI 0068214-48.2017.8.19.0000, 15ª C. Cív., Des. Horácio dos Santos Ribeiro Neto, J. 24.01.2018)
Reintegração de posse. Sentença que deferiu a tutela antecipada e julgou procedente o pedido para reintegrar o autor na posse do bem, objeto da lide. Réu que interpôs, sucessivamente, agravo de instrumento e recurso de apelação contra a sentença. Inequívoca violação ao princípio da unicidade do recurso. Agravo de instrumento, interposto em primeiro lugar, não conhecido por esta Relatoria, por não se tratar do recurso cabível. Preclusão consumativa que fulmina o segundo recurso, no presente caso, a apelação. Precedentes deste Tribunal neste sentido, a saber: Apelação cível. Embargos à execução. Recurso manifestamente inadmissível. Princípio da unirrecorribilidade. O embargante interpôs dois recursos em face da sentença que extinguiu o feito sem exame do mérito. Primeiro o agravo de instrumento autuado em 19.01.2016 que restou não conhecido e, no dia seguinte ao julgamento do agravo, a presente apelação. Diante de tal dinâmica, resta caracterizada a preclusão consumativa, de modo que o segundo recurso não merece ser conhecido, em homenagem ao princípio da unirrecorribilidade. Precedentes. Não conhecimento do recurso (Apelação nº 0210974-56.2013.8.19.0001, 22ª C.Cív., Des. Carlos Santos de Oliveira, J. 06.12.2016). Sem honorários recursais. Não conhecimento do recurso. (Apelação nº 0038336-72.2013.8.19.0209, 13ª C.Cív., Desª Sirley Abreu Biondi, J. 10.11.2017)
Agravo de instrumento. Direito processual civil. Duplicidade de recursos contra a mesma decisão agravada. Incidência da preclusão consumativa. Princípio da unirrecorribilidade. Agravante que reconheceu o equívoco ao protocolar em duplicidade o mesmo recurso contra a decisão ora agravada, em razão da anterior interposição do Agravo de Instrumento autuado sob nº 0067595-21.2017.8.19.0000, que está pendente de julgamento. Recurso que não pode ser admitido, pelo fenômeno da preclusão consumativa, sob pena de violar o princípio recursal da singularidade ou da unirrecorribilidade. Decisão monocrática, na forma do art. 932, III, do CPC. Recurso não conhecido. (AI 0068607-70.2017.8.19.0000, 8ª C.Cív., Des. Cezar Augusto Rodrigues Costa, J. 11.01.2018)
[1] No âmbito processual brasileiro, a preclusão deve ser compreendida como fenômeno que reveste a impossibilidade de, em determinados momentos no processo, serem suscitadas as matérias disponíveis, tanto pelos litigantes como pelo juiz. O primeiro doutrinador a se expressar sobre a temática foi Manual Aurelino de Gusmão, em 1922, apesar de que o fez de maneira indireta, tentando diferenciar a coisa julgada material da coisa julgada formal, igualmente chamada de preclusão máxima.
[2] A palavra preclusão provém do latim praeclusio, de precari (rogar, tolher e encerrar), entendendo-se o ato de encerrar ou de impedir que alguma coisa se faça ou prossiga. Continua informando o Vocabulário jurídico conciso, de autoria de De Plácido e Silva, que indica propriamente a perda de determinada faculdade processual civil em razão de: a) não exercício dela na ordem legal; b) haver realizado atividade incompatível com esse exercício; c) já ter sido validamente exercitada. (In: LEITE, Gisele. A preclusão e o NCPC. Disponível em: <https://professoragiseleleite.jusbrasil.com.br/artigos/198142428/a-preclusao-e-o-novo-cpc>. Acesso em: 25 jan. 2018)
[3] Frise-se que a produção antecipada de prova foi profundamente reformulada no CPC/2015. A medida foi desvinculada do requisito da urgência ou de uma necessária demanda judicial principal (preparatória ou incidental). Consagrou-se, com isso, um direito autônomo à prova, em que a parte pode se valer da medida probatória autônoma, além da hipótese de urgência, como forma de evitar o litígio ou de conhecer melhor os fatos para propor futura e eventual demanda melhor instruída.
[4] Aliás, o CPC/2015 condicionou a prova emprestada ao princípio do contraditório, de sorte que devem as partes ser ouvidas, devem ter o direito de manifestarem-se sobre a utilização da prova advinda de outro processo. A prova emprestada é aquela que, não obstante ter sido produzido em outro processo, é desta transferida para demanda distinta, a fim de produzir nesta os devidos efeitos de onde não é originária. Leciona Fredie Didier Junior que “prova empresada é a prova de um fato, produzida em um processo, seja por documentos, testemunhas, confissão, depoimento pessoal ou exame pericial, que é transladada para outro processo, por meio de certidão extraída daquele”. Segundo o entendimento do STJ, as partes de ambos os processos, tanto o da origem como o de destino da prova emprestada, não precisam ser necessariamente as mesmas, para a sua utilização. Todavia, os recentes julgados do Tribunal de Justiça do RS, para a admissibilidade da prova emprestada, apontam que é necessário que, entre outros fatores, haja identidade de partes entre o processo que pretende ela ser utilizada, sob pena de ofensa ao princípio do contraditório.
[5] Algumas possibilidades legais no CPC/2015 atenuam essa forma de preclusão, como a possibilidade de emendar à petição inicial, que deve ser oportunizada pelo Magistrado em quinze dias (art. 321 do CPC), dando maior importância a princípios como do acesso à justiça.
[6] A caducidade em Direito significa o estado a que chega todo o ato jurídico tornando-se ineficaz, ou seja, incapaz de gerar efeitos, e assim por consequência de evento surgido posteriormente. Já a extinção do ato administrativo se dá com a vigência de legislação superveniente que acarreta a perda de efeitos jurídicos de antiga norma que respaldava a prática daquele ato. No direito administrativo, a expressão caducidade relaciona-se à extinção de compromisso com a Administração Pública, seja na relação de um contrato, seja em um simples ato administrativo.
[7] Convém esclarecer o conceito de dia útil, que é qualquer dia que não seja domingo ou feriado, porém muitas empresas não contam o sábado. Na década de 80, com as excessivas altas das taxas de juros, havia overnight, quando o Banco Central do Brasil adotou o sistema com duzentos e cinquenta e dois dias úteis para as aplicações financeiras. A propósito, o ano de 2018 possui 253 dias úteis.
[8] O CNJ editou a Resolução nº 244, de 12.09.2016, permitindo que isso fosse também aplicado, no âmbito da Justiça Estadual, a ser definido em cada Tribunal de Justiça. E o recesso foi adotado por grande parte dos tribunais no País. Assim, de 20/12 a 06/01, tivemos o recesso, com fóruns fechados, tendo o Judiciário funcionamento apenas no plantão. Logo, a partir de 7/01, isso não mais se verifica.
[9] Os prazos indicados por lei e que não podem ser modificados pela vontade dos litigantes e nem por determinação judicial. Somente em casos excepcionais de grave dificuldade de transporte, para as comarcas localizadas em local de difícil acesso, ou, ainda, em caso de calamidade pública. O estado de calamidade pública normalmente é decretado depois de fortes chuvas, enchentes e nevascas – essa última impossível no Brasil. Nessa linha de raciocínio, o governo do Rio de Janeiro “esticou” o conceito jurídico do suposto estado de emergência para poder continuar com as obras da Olimpíada e manter os serviços públicos essenciais funcionando para os cidadãos, além dos turistas e atletas.
[10] Para o juiz, costumeiramente se refere na doutrina pela existência da preclusão pro judicato, e que, por vezes, passa sem percepção aos olhos do advogado. O fato é que o juiz, uma vez que tenha praticado um ato decisório, não pode ficar modificando ou novamente decidindo nos autos, sem que exista qualquer erro material, por decisão do legislador e bom andamento dos autos. “Art. 505. Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas relativas à mesma lide, salvo: I – se, tratando-se de relação jurídica de trato continuado, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito, caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença; II – nos demais casos prescritos em lei”.
[11] A jurisprudência pátria oscila em reconhecer os prazos dilatórios, na instrução sendo conhecidas as teses proeminentes do STJ de que o prazo do art. 421 (apresentação de quesitos), art. 464, § 3º (que é prazo dilatório), mas outros importantes prazos do art. 407 (rol de testemunhas) e, especialmente, o prazo do art. 433 (juntada de laudo de assistente técnico), sendo todos prazos peremptórios. (In: LEITE, Gisele. A preclusão e o NCPC. Disponível em: <https://professoragiseleleite.jusbrasil.com.br/artigos/198142428/a–preclusao-e-o-novo-cpc>. Acesso em: 25 jan. 2018)
[12] Infelizmente, via de regra, quando se debate a respeito da morosidade da Justiça brasileira, sempre é imputado aos causídicos e causídicas a sua causa, até porque ambos entram com recursos até a exaustão. Mas, se assim, não procedem prevaricariam. A morosidade foi tão crucial que gerou a Emenda Constitucional nº 45, de 2004, quando se ergueu o direito à duração razoável do processo. E, nesse contexto, o prazo impróprio apresenta-se como vigoroso óbice para a duração razoável do processo, que foi elevado à categoria de garantia fundamental.
[13] O CJST definiu que a demora de mais de 90 (noventa) dias para a prolação da sentença de um único processo será considerada atraso reiterado. Já o atraso reiterado de vários processos será quando o Magistrado tiver mais de 30 processos sem apresentação de sentença por mais de 60 dias. Em ambos os casos, o juiz perderá a possibilidade de receber a gratificação por exercício cumulativo de jurisdição. A definição se deu em resposta à consulta do TRT da 20ª Região sobre a interpretação que se deve dar à expressão “atraso reiterado de sentença” contida no art. 7º, VI, da Resolução nº 155/2015. O dispositivo veda o pagamento da gratificação, criada pela Lei nº 13.095/2015, em caso de demora apurada pela Corregedoria Regional.
[14] O art. 226 do CPC/2015 informa que: “O juiz proferirá: I – os despachos no prazo de cinco dias; II – as decisões interlocutórias no prazo de dez dias; III – as sentenças no prazo de trinta dias”. Não é uma novidade, pois o CPC revogado também continha previsão semelhante A inovação jaz no artigo seguinte, ou seja, no art. 227, que aduz: “Em qualquer grau de jurisdição, havendo motivo justificado, pode o juiz exceder, por igual tempo, os prazos a que está submetido”. A possibilidade de prorrogação restrita ao mesmo interregno inicialmente fixado parece consubstanciar-se numa limitação do prazo em que o despacho ou o ato decisório devem ser proferidos. Dizendo com outras palavras, ainda que acompanhada de legítima justificativa, uma decisão interlocutória deve ser proferida no prazo máximo de vinte dias, após a conclusão dos autos ao juiz. A sentença, em no máximo sessenta dias.
[15] Art. 235 do CPC/2015: “Qualquer parte, o Ministério Público ou a Defensoria Pública poderá representar ao corregedor do tribunal ou ao Conselho Nacional de Justiça contra juiz ou relator que injustificadamente exceder os prazos previstos em lei, regulamento ou regimento interno. § 1º Distribuída a representação ao órgão competente e ouvido previamente o juiz, não sendo caso de arquivamento liminar, será instaurado procedimento para apuração da responsabilidade, com intimação do representado por correio eletrônico para, querendo, apresentar justificativa no prazo de quinze dias. § 2º Sem prejuízo das sanções administrativas cabíveis, dentro de quarenta e oito horas seguintes à apresentação ou não da justificativa de que trata o § 1º, se for o caso, o corregedor do Tribunal ou relator no Conselho Nacional de Justiça determinará a intimação do representado por correio eletrônico para que, em dez dias, pratique o ato. Mantida a inércia, os autos serão remetidos ao substituto legal do juiz ou relator contra o qual se representou para decisão em dez dias”. Verifica-se, pois, que a própria legislação processual poderá, caso aprovada a redação do dispositivo, estabelecer mecanismos para desencadear a apuração de responsabilidade disciplinar do Magistrado que não cumprir o prazo fixado no código.
[16] A preclusão lógica se dá pela prática de outro ato, incompatível com aquele que se poderia praticar. É o caso que muitos advogados equivocadamente cometem ao fazer levantamento de alvarás de condenações judiciais sem qualquer ressalva ou impugnação quanto ao valor levantado, presumindo-se que há preclusão quanto à discussão dos valores depositados em juízo, sem a prática simultânea do ato impugnatório. Preclusão consumativa se dá pela própria noção de prosseguimento dos autos, na definição clássica dos motivos da preclusão processual, ou seja, quando há a prática de um ato. Ou seja, não se pode repetir atos processuais. Por exemplo, não se pode interpor recursos de agravo de instrumento com igual mérito (um no começo e outro mais à frente do prazo). Haveria uma discussão quanto à possibilidade de interpor recurso de apelação cível e posteriormente apresentar recurso adesivo no prazo de contrarrazões. Entretanto, deve-se notar que os recursos devem ter mérito diverso (e complementar), além de possuírem trato legal diferenciado.
[17] Advirta-se, porém, que a preclusão pro judicato somente incide em questões que estejam na esfera de disponibilidade das partes. Isso porque, em se tratando de questões de ordem pública, a preclusão não se opera, podendo ser decididas novamente a qualquer tempo e grau ordinário de jurisdição, prescindindo de provocação. Em se tratando de relação jurídica continuativa, se sobrevier alteração no estado de fato ou de direito que autorize o requerimento de modificação daquilo que fora estatuído na decisão, é possível o juiz decidir as questões já decididas, que dizem respeito à mesma lide. Outro exemplo clássico de modificação da decisão judicial autorizada por lei encontra-se nos embargos de declaração, os quais podem ter, excepcionalmente e por via reflexa, o efeito de alterar substancialmente a decisão, indo além de sua básica função de integrar o julgado. Assim, conclui-se que as exceções apresentadas não invalidam a regra geral. Embora controvertido, o instituto da preclusão pro judicato é reconhecido pela jurisprudência, para a qual a ocorrência da preclusão em face de uma das partes do processo judicial gera também uma consequência jurídica para o Juízo, consistente na impossibilidade de alterar sua decisão. Em outras palavras, nesses casos o próprio juiz sofre uma limitação no processo, sendo impedido pelo ordenamento jurídico de mudar o seu comando decisório de forma válida.