APONTAMENTOS SOBRE A NOVAÇÃO
Rogério Tadeu Romano
TEORIA DAS OBRIGAÇÕES NOVAÇÃO
Expõe-se a doutrina mais conceituada sobre o instituto do direito civil que consiste na constituição de uma obrigação nova, em substituição de outra que fica extinta.
I – ORIGEM DA NOVAÇÃO E SUA POSIÇÃO ATUAL
A novação é conceituada como a constituição de uma obrigação nova, em substituição de outra que fica extinta.
O instituto já era versado no direito romano, no Digesto, Livro 46, Título II, fra.I, pr.
Para Roberto de Ruggiero (Instituições de direito civil, volume III, 1973, tradução Ary dos Santos, pág. 137), a novação é uma transformação de uma obrigação existente noutra que toma o seu lugar e a extingue.
O certo é que, por muitos séculos, a novação realizou a ligação entre o personalismo primitivo do vínculo obrigacional e a negociabilidade de seu conteúdo.
Com a novação o devedor exonera-se sem cumprir a obrigação, e é por isso que se diz que a novação realizava a sua extinção, sem pagamento, enquanto que o credor adquire um novo crédito em substituição ao outro.
Por ser uma extinção da obrigação sem pagamento, opera-se, na verdade, o desaparecimento do vínculo preexistente, mas, como não se efetua a prestação devida, outro vínculo obrigatório nasce, em substituição ao primeiro, e, por esta razão, pode o mesmo credor continuar credor ou o mesmo devedor continuar devedor. Mas não da primitiva, porém, da nova obrigação, criada com a novatio, como explicou Caio Mário da Silva Pereira(Instituições de direito civil, volume II, 4ª edição, pág. 198).
II – ELEMENTOS DA NOVAÇÃO
São elementos para a sua configuração:
a) o consentimento: que se opera pela constituição ou a constituição de uma obligatio nova, pressupondo a capacidade do agente e a emissão de vontade, para que se corporifique no mundo jurídico o negócio, com a intenção de novar. Pode fazer novação todo àquele que tem aptidão para validamente pagar e receber, como já se lia do Digesto: Livro 46, título II, tra. 10;
b) a existência de uma antiga obrigação: assim é lícito novar obrigação judicialmente exigível, dotando o sujeito ativo da ação respectiva. Para Caio Mário da Silva Pereira (obra citada, pág. 200), se é possível que uma obrigação anulável se confirme em novação, o que nada teria de estranho, por ser da própria natureza da anulabilidade a sua confirmação ou ratificação, é, contudo, impossível que uma obrigação nula ou perempta se nove;
c) No mesmo momento em que se extingue a anterior, há de nascer a nova obrigação, que tem de ser válida. Se se não chega a constituir, ou se é nula, nem produz o efeito de constituir o iuris vinculum essencial à sua própria existência não tem a força de operar a extinção da precedente;
d) É essencial o que chamamos de animus novandi: em não havendo a intenção de novar, não chega a operar-se a extinção da obrigação, e, em tal caso, a nova obrigação que se constitua tem o mero efeito de confirmar a primeira. Na ausência, porém, de menção específica, deve ser apurado se o conjunto de circunstâncias autoriza afirmar se se configura implicitamente, mas de maneira inequívoca. Nunca se presume a novação .
III – ESPÉCIES DE NOVAÇÃO
A novação pode ser objetiva ou subjetiva.
A novação objetiva dá-se quando o devedor contrai com o credor nova dívida, para extinguir e substituir à primeira. Pouco importa que se trate de obrigação de natureza diferente, como no caso de novar o devedor uma obrigação de fazer com uma de dar; ou se o dever de reparar o dano ex delicto é novado pela emissão de um título cambial. Essa novação objetiva abrange tanto casos de substituição do objeto como os de mudança de titulo ou de causa jurídica.
Discute-se sobre se o lançamento em conta corrente é uma novação objetiva, pressupondo que a inscrição faz desaparecer o antigo débito, e aparecer o novo, fundado na partida da conta. Para Caio Mário da Silva Pereira(obra citada, pág. 203) a análise permite concluir que, para o caso, não se opera novação, mas uma transformação dos créditos em meras partidas de conta, que mantém em caráter divisível até o reconhecimento final. Nessa linha de pensar, observam-se as opiniões de Soriano Neto(Novação, pág. 143), Planiol, Ripert(Traité élementaire de droit commercial, n. 2099) e Boulanger.
Caso cogitado por Regelberger e Von Tuhr deriva do reconhecimento do saldo de conta corrente, ato que importa em afastar a natureza da relação obrigatória e transformá-la em débito de conta corrente. Para Caio Mário da Silva Pereira(obra citada, pág. 204), no direito brasileiro, o reconhecimento opera a liquidação convencional da obrigação, autorizando o credor a demandar o pagamento por via executiva. Quando o devedor correntista aceita as contas, e reconhece o saldo, em realidade nova, porque então ocorre a extinção da obrigação que decorre da conta corrente, e sua substituição; as mesmas garantias acompanharam-na, sejam reais, sejam fidejussórias. O credor tem o direito de exigir o saldo da conta corrente e não uma soma em dinheiro como prestação de uma obrigação abstrata. O reconhecimento vale como operação de acertamento e dispensa que se faça este in iudicio.
Fala-se numa novação subjetiva.
Verifica-se a novação subjetiva, quando um novo devedor é substituído ao antigo, que fica libertado pelo credor, ou quando por força de uma nova obrigação um novo credor é substituído antigo, para com que o devedor fica liberto.
Diversa é a delegação que, na forma mais simples, é uma ordem dada por uma pessoa a outra para fazer uma prestação ou para fazer uma promessa a um terceiro, de modo que a prestação ou a promessa se considera feita por conta da primeira. Seriam necessárias três pessoas: um delegante, que dá a ordem de pagar ou prometer, um delegado a quem a ordem se destina e um delegatário a quem a prestação ou a promessa é feita. Se a ordem é de pagar, há uma delegação de pagamento; se é de prometer, uma delegação de crédito; mas há diferenças entre essas duas espécies.
Distingue-se ainda uma delegação ativa, quando um credor indique ao devedor um terceiro que deverá receber.
Na delegação novativa ativa o credor se faz substituir por uma outra pessoa para que esta receba do devedor, produzindo a libertação deste para com o primitivo credor(delegante), sendo necessário o consenso de três partes, pois se não houver ocorrerá a cessão, e a intenção de novar, de forma a fazer nascer uma nova obrigação da extinção da primeira, de forma que as exceções de que se acompanhavam o crédito do delegante, não passam para o crédito do delegatário.
Há a delegação novativa passiva na qual o devedor se faz substituir por um novo obrigado, também se verificando mediante o tríplice consenso do devedor originário(delegante), do novo(delegado) e do credor(delegatário), implicando a libertação do primeiro devedor, cujo lugar é ocupado pelo segundo. A vontade do novo devedor destina-se a assumir a obrigação por conta do delegante; a do credor deve destinar-se, além da aceitação do novo devedor, a libertar o antigo.
IV – A CESSÃO DE CRÉDITO
Quando, em virtude de obrigação nova, outro credor é substituído ao antigo, ficando o devedor quite com este há a novação subjetiva. Diversa é a cessão de crédito, onde a relação jurídica continua, com novo credor. Nesta modalidade de novação que o direito romano chamava de expromissio(expromissão), é indispensável a declaração de vontade do credor, porque há uma obrigação que se extingue e isso não pode ocorrer sem a participação do sujeito ativo, sendo necessária a manifestação volitiva do devedor para que se constitua a nova obrigação, uma vez que morre a anterior, e a nova não pode ter existência legal sem que o sujeito ativo se comprometa.
Com a novação extinguem-se os acessórios e as garantias da dívida. O fiador fica exonerado a não ser que dê o seu consenso. Mas, como afirmou Caio Mário da Silva Pereira(obra citada, pág. 206), admite-se, contudo, a derrogação convencional desses efeitos da novação, por não condizerem com a ordem pública, mas serem de interesse privado. A estipulação terá de receber a placitação de todos aqueles a quem possa opor-se, sob pena de não prevalecer, e, uma vez realizada, aderirão à nova obrigação e passarão a garantia e acessórios dela. Frisa-se, contudo, que ao credor não aproveitará ressalvar a hipoteca, anticrese ou penhor que acompanhavam a obrigação novada, se os bens dados em garantia forem pertencentes a terceiro, a não ser que participe este da negociação novatória ou expressamente outorgue a mesma garantia à obrigação nova. Já dizia Pontes de Miranda(Tratado de direito privado, volume XXV, § 3.023, 2, pág. 92) que “as garantias reais concernentes ao crédito anterior extinguem-se, salvo se diversamente se dispôs. Mas, se diversamente se dispôs, o que se há de entender e que outras garantias se constituíram“. Há, sem dúvida, uma nova garantia, e não como pretendia Afonso Fraga(Direitos reais de garantia, 1933, n. 192, pág. 421), persistência da antiga, o que segundo este autor, se explicava pelo fato de que, “dada a novação, “dada a novação, é, em substância, a mesma obrigação que continua a ser garantida“.
Diversa é a cessão de crédito.
No direito moderno, há o instituto da cessão de créditos, que é o ato que transfere o direito de crédito numa convenção entre o credor e o cessionário e, como tal, fica perfeito entre as partes, sem necessidade de formas especiais, sem que haja, necessariamente, a intervenção do devedor. A transferência fica perfeita entre as partes pelo simples acordo entre elas e seja qual for a sua causa, desde que idônea, para justificar a aquisição. Para dar ao ato plena eficácia, mesmo para com terceiros, é, pois, necessário um meio que o torne público, e este meio é dado pela intimação da cessão ao devedor ou de sua aceitação por parte deste último. Entre o cedente e o cessionário o efeito da convenção é o de fazer entrar o cessionário no lugar do cedente sem que em nada se altere a primitiva obrigação. Não havendo nenhuma mudança objetiva na obrigação, resulta que com o crédito se transferem todos os seus acessórios, como as garantias pessoais. Diversa é a assunção de débitos que se dá entre os devedores, com a permissão do credor, mantendo-se a mesma obrigação.
Pontes de Miranda(Tratado de direito privado, volume XXIII, Bookseller, pág. 330) ensinou que a eficácia do contrato de cessão de crédito começa com a própria conclusão. Concluso o contrato, transfere-se o crédito. Credor é o cessionário, desde que ficou perfeito o negócio jurídico bilateral; pois o cedente deixou de ser o titular do direito de crédito.
No direito comum havia três atitudes doutrinárias: a) a dos que entendiam que, após a cessão, inclusive a legal, só o credor cedente é credor – o cessionário só se faria credor com a notificação do devedor, sem se precisar de qualquer tomada de posse, – antes o seu direito é somente contra o devedor cedente, como ensinou Windschedi, Die actio des römischen civilrechts, 140, s, que depois mudou de opinião; b) a dos que viam correalidade ativa entre o cedente e o cessionário, até que se notificasse o devedor; c) a dos que têm a cessão, logo que se conclui por eficaz para a transferência, de modo que o cessionário é o único credor, como ensinou O. Bähr, Zur Cessionslehre.
A cessão de crédito oriundo de contrato bilateral é eficaz ainda antes de se fazer contraprestação. A exceção non adimpleti contractus ou non rite adimplenti contractus pode ser oposta contra o cessionário. O que não há contra ele é ação fundada na obrigação de contraprestar, porque só se lhe transferiu o crédito e não a dívida.
Com a cessão, o cessionário adquire o direito de crédito, com as pretensões, ações e exceções que dele se irradiam. Pode dar-se que o crédito não seja munido de pretensão, ou de ação, ou esteja prescrito.
Registre-se que a hipoteca, o penhor e a caução acompanham o crédito, bem assim as pretensões que dele derivam.
No direito brasileiro, a hipoteca somente se transfere com o crédito que ele garante, posto que o crédito possa ser transferido sem se transferir a hipoteca, como afirmou Pontes de Miranda(Tratado de direito privado, tomo XX, § 2.455, 2). Para ele, aliás, pode haver aquisição da hipoteca sem aquisição de crédito. No direito alemão, o direito de penhor e as fianças são direitos auxiliares. Se há cessão de crédito, com exclusão do direito de penhor, extingue-se o penhor. Para Pontes de Miranda(tomo XXIII, obra citada, pág. 332) a opinião que não admite a exclusão é de repelir-se, citando, para tanto: G.Plank(Kommentar, II, 1, 565); Enneccerus(Lehrbuch, II, 271); outrossim, a que entende de continuar o fiador responsável ao cedente pelo pagamento da dívida ao cessionário.
Não se transfere, na cessão, a despeito de sua acessoriedade, o direito de retenção.
Se a obrigação é solidária a novação concluída entre o credor e um dos devedores exonera os demais, subsistindo as preferências e garantias do crédito novado, somente sobre os bens do devedor que contrai a nova. Mas, o princípio não é o mesmo se a obrigação é indivisível. Mas, pela impossibilidade da prestação parcial, a novação beneficia os demais devedores de uma solução que os exonera.
No caso da novação objetiva, o perecimento do objeto não dá ao credor o direito de perseguir o da antiga obrigação.
Mas as exceções e o vício da antiga não ressuscitam na nova.
Mas, anote-se, em caso de novação objetiva, o perecimento do objeto não dá ao credor o direito de perseguir o da antiga.
A novação não é um meio interruptivo de da prescrição, ao contrário do que se pode ter em ilação do artigo 453, i, do Código Comercial.
V – A NATUREZA JURÍDICA DA NOVAÇÃO
Pergunta-se: a novação é caso de translação ou de substituição de obrigação?
A teoria da translação foi desenvolvida, de inicio, por Salpius, mas, quem lançou seus fundamentos foi LIebe, como explicou Soriano Neto (Da novação, Recife, 1935, pág. 26), à luz da doutrina germânica.
Na concepção de Liebe, para o direito romano, a novatio não implicava(como sucede no direito moderno, inclusive, no Brasil) substituição(ou seja, não se criava obrigação nova para se extinguir a obrigação precedente), mas, sim, transformação(isto é, a obrigação anterior se extinguia porque, sob a forma de stipulatio, seu conteúdo patrimonial se transferia para a obrigação nova).
Na lição de Soriano Neto (Da novação, Recife, 1935, pág. 26), ” a novação moderna é a extinção de uma obrigação existente mediante a constituição de uma nova, que a substitui”. É o que ocorre no direito brasileiro, como explicou Pontes de Miranda(Tratado de direito privado, volume XXV, § 3.019, 1, pág. 69), para quem “no Código Civil, que conservou o conceito moderno, pós-romano, de novação, não se exige a transfusio vel translatio, de modo que pode ocorrer que nada da anterior dívida subsista.”