APONTAMENTOS PARA A TUTELA ESPECÍFICA NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Antônio Pereira Gaio Júnior
SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Novo Código de Processo Civil e sua Organicidade. 3 Tutela Específica e sua Regulação no Novo Código de Processo Civil; 3.1 Julgamento das Ações Relativas às Prestações de Fazer, de Não Fazer e de Entregar Coisa; 3.1.1 A Obrigação de Emissão de Declaração de Vontade; 3.2 Cumprimento da Sentença que Reconheça a Exigibilidade de Obrigação de Fazer e de Não Fazer; 3.2.1 Cumprimento Definitivo de Eventual Multa; 3.3 Cumprimento da Sentença que Reconheça a Exigibilidade de Obrigação de Entregar Coisa. 4 Antecipação dos Efeitos da Tutela Específica. 5 A Tutela Inibitória. 6 Considerações Finais. 7 Referências Bibliográficas.
1 Introdução
Encontra-se cediça a ideia de que os trabalhos para a edificação de um novo Código de Processo Civil passam pelo enfrentamento de uma variedade de pontos de estrangulamento processual que são incômodos crescentes a cada gestão anual do Judiciário pátrio [1].
Questões como celeridade processual, economicidade objetiva e substancial, organização material e normativa e eficiência da prestação jurisdicional são grandes pontos, verdadeiros “guarda-chuvas” de inúmeros outros problemas de fácil percepção quando se vive, verdadeiramente, o dia a dia forense.
Notadamente, uma questio que se encontra no mesmo padrão dos grandes pontos supra referidos é a da inevitável e necessária efetividade [2] das decisões judiciais e os meios para se implementar o seu cumprimento, algo que permeia os mais variados ordenamentos do Ocidente [3] e que em maior ou menor proporção tem-se como óbice a uma prestação jurisdicional de qualidade e por que não, acentuando a problemática do denominado “processo justo” [4], aqui também entendido como a prestação qualitativa integral do serviço público da justiça; afinal, é de sempre rememorar e, pois, nunca perder de vista a máxima chiovendiana de que “il processo deve dare per quanto è possibile praticamente a chi há um diritto tutto quello e proprio quello ch’egli há diritto di conseguire” [5].
Neste sentido é que se trazem à luz os aspectos relevantes no trato da tutela específica das obrigações de fazer, não fazer e entregar no plano do que delineia o novo Código de Processo Civil.
2 Novo Código de Processo Civil e sua Organicidade
Já contextualizado em uma breve exposição de motivos, o então PLS nº 166/2010, Projeto inicial para a reforma do CPC/73, deixou bem claro que um dos propósitos para com uma possível novata legislação processual civil se pautaria na necessária organização do texto legal, possibilitando melhor harmonia na ordem das matérias e suas pertinências subsequentes, de modo que se projetasse uma lógica racional no conjunto normativo que, invariavelmente, vai se complementando [6].
De fato, não somente no Projeto de Lei supracitado como também no PL nº 8.046/2010 (Substitutivo da Câmara dos Deputados) primou-se pela organicidade, o que é sumamente saudável e de importantes aspectos pragmáticos e mesmo metodológicos, já que a coerência no sistema normativo se faz não somente pela aplicabilidade coerente e íntegra do mesmo, mas igualmente pela racionalidade que se apresente enquanto formalmente inteligível.
Pois bem. Sancionado o Código de Processo Civil em 16.03.2015, representado agora pela Lei nº 13.105/2015, manteve-se as importantes características quanto à aludida organicidade.
Neste ínterim, se faz destacar a regulação da tutela específica, medida de caráter satisfativo voltada à realização do cumprimento exato de obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa inadimplida e que bem e coerentemente se fez alocada no novel Codex, de acordo com os momentos processuais necessários à compreensão de sua efetiva razão e interesse, a depender do momento processual a que se está a enfrentar.
É importante que se diga isso, inclusive se comparado à regulação do presente instituto no CPC/73, no qual, capitulado para a realização das obrigações de fazer e não fazer, por exemplo, temos o art. 461 (CPC/73) que em muito se plasma de vácuos normativo-temporais para explicitar como, onde e de que forma se empreenderia a manifesta exigência de aplicabilidade da tutela específica. Ou seja, estar-se-ia no momento da conquista da medida em sede sentencial, p. ex., e de seu descumprimento; lançaríamos mão das medidas de apoio do § 5º do art. 461… sim!
Mas qual seria o momento para tal? Na própria fase ainda cognitiva, ou do contrário, é de se esperar o momento do trânsito em julgado para tal, o que necessitaria para o efetivo cumprimento da medida específica, apta a concretizar no mundo da vida o direito material inadimplido, novata provocação ao juízo em que processou a demanda em sua origem, para se obter o exato cumprimento da obrigação?
Já escrevemos muito sobre o assunto [7] e, logicamente, a própria doutrina e mesmo a jurisprudência tratam de traçar as balizas necessárias para a compreensão do texto legal em hipóteses processuais pouco claras creditadas às vicissitudes voluntárias ou não da lex entregue à sociedade.
Fato é que o NCPC trouxe verdadeiro acalento às várias hipóteses que até então poderíamos supor serem idôneas em sede de tutela específica, notadamente, sempre com apoio à criatividade de doutrina abalizada.
3 Tutela Específica e sua Regulação no Novo Código de Processo Civil
Dividido em duas partes, Geral e Especial, distribuídas em nove livros, mais um livro complementar (“Das Disposições Finais e Transitórias“), o novo Código de Processo Civil reservou a regulação da tutela específica à Parte Especial, mais precisamente ao seu Livro I – “Do Processo de Conhecimento e do Cumprimento de Sentença“.
Vale ressaltar a oportuna divisão do instituto em momentos distintos de aplicabilidade, ou seja, diante de sua concessão, cumprimento ou eventual descumprimento pela parte obrigada a cumprir medida destinada a fazer, não fazer ou entregar coisa.
Queremos com isso pontuar que, diferentemente do texto do CPC/73, no qual temos, v.g., os arts. 461 e 461-A se prestando a laborar o contexto geral e deveras abstrato do empreender da medida específica, o NCPC possui a virtude de alocar em termos corretos e em lugares distintos, exatamente, as diversas nuances pelas quais pode a tutela específica atuar, seja como dissemos alhures, no que toca à sua concessão e execução, ressaltando ainda detalhes, a nosso ver, de extrema importância, sobretudo se conjugados à luz de uma hermenêutica constitucional voltada à realização do processo justo, como na novíssima hipótese prevista formalmente, que é a da possível impugnação do demandado frente à exigência do cumprimento específico da obrigação.
Nestes termos, temos que na Seção IV (“Do Julgamento das Ações Relativas às Prestações de Fazer, de Não Fazer e de Entregar Coisa“) do Capítulo XII (“Da Sentença e da Coisa Julgada“), ambos inclusos no Título I (“Do Procedimento Comum“), encontram-se as disposições referentes ao julgamento das ações relativas às prestações de fazer, de não fazer e de entregar coisa.
Já no que toca ao cumprimento da sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer, de não fazer ou de entregar coisa, as disposições normativas encontram-se situadas no Título II (“Do Cumprimento da Sentença“), mais precisamente no Capítulo VI (“Do Cumprimento da Sentença que Reconheça a Exigibilidade de Obrigação de Fazer, de Não Fazer ou de Entregar Coisa“), Seção I, bem como em sua Seção II (“Do Cumprimento da Sentença que Reconheça a Exigibilidade de Obrigação de Entregar Coisa“).
3.1 Julgamento das Ações Relativas às Prestações de Fazer, de Não Fazer e de Entregar Coisa
Ao tratar do julgamento das demandas que tenham por objeto prestação de fazer, não fazer ou entregar coisa, o NCPC optou, em princípio, por manter em manifesta igualdade de termos o caput do art. 461 do CPC/73, estabelecendo que em ditas demandas, sendo procedente o pedido, o magistrado concederá a tutela específica ou mesmo determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao adimplemento do direito material agredido. Ainda, tratando-se de entrega de coisa, será fixado pelo juízo o prazo para o cumprimento da obrigação, sendo tal locução, entendemos nós, extensiva às obrigações de fazer ou não fazer, não se configurando aí qualquer objeção. Eis os dispositivos:
“Art. 497. Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente. (…).
Art. 498. Na ação que tenha por objeto a entrega de coisa, o juiz, ao conceder a tutela específica, fixará o prazo para o cumprimento da obrigação.
Parágrafo único. Tratando-se de entrega de coisa determinada pelo gênero e pela quantidade, o autor individualiza-la-á na petição inicial, se lhe couber a escolha, ou, se a escolha couber ao réu, este a entregará individualizada, no prazo fixado pelo juiz.“
Na mesma toada do CPC/73, tem-se a possibilidade de conversão em perdas e danos das obrigações retro referidas, quando o autor a requerer e, ainda, se impossível a concessão da tutela específica ou a exata obtenção do resultado prático equivalente ao adimplemento da obrigação ora devida, neste caso, pelo próprio órgão julgador. In verbis:
“Art. 499. A obrigação somente será convertida em perdas e danos se o autor o requerer ou se impossível a tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente.”
Ainda neste ínterim, ressalta-se que indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo da multa fixada periodicamente, de modo a compelir o réu ao cumprimento específico da obrigação reconhecida como devida (art. 500), sendo de relevante importância notar a compreensão de que eventual multa cominatória, conforme afirmado a pouco, possui caráter inibitório sobre o réu recalcitrante no cumprimento da obrigação a ele exigida [8], valendo daí trazer à luz a exata lição do saudoso Alcides de Mendonça Lima [9]:
“(…) enquanto o devedor tiver ânimo para suportar o ônus da incidência das astreintes, ele pagará a pena, inclusive, se houver obstinação irreversível. Não se pode deixar de reconhecer, como Josserand adverte, que ‘não há fortuna que possa resistir a uma pressão contínua e incessantemente acentuada; a capitulação do devedor é fatal; vence-se a sua resistência, sem haver exercido violência sobre sua pessoa; procede-se contra seus bens, contra sua fortuna, contra seus recursos materiais.“
Disso queremos dizer que eventual limitação de valores e/ou tempo de incidência da multa, a despeito do próprio ordenamento não impor tais limites, deve ser sopesada pelo órgão julgador, seja na questão que envolve a própria efetividade da sanção pecuniária, já que valores e/ou tempo incipientes podem gerar inegável resistência do réu, sobretudo quando este vislumbrar o minúsculo impacto da medida em seu erário, ou mesmo de modo a inviabilizar o respectivo cumprimento de todo o montante obrigacional a ele (réu) exigido [10].
Prevendo tais circunstâncias, coube ao legislador do NCPC pontuar a atividade volitiva do juiz na concessão da multa, balizando em importantes termos tanto o avanço quanto a redução da medida cominatória (o que, aliás, já o faz em outros termos o parágrafo único do art. 645 do CPC/73).
Assim, a despeito de estar contemplado em capítulo que trata do “cumprimento” da sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer, de não fazer ou de entregar coisa e não do “julgamento“, no qual por ora estamos, expressa bem o § 1º do art. 537 do NCPC:
“§ 1º O juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou excluí-la, caso verifique que:
I – se tornou insuficiente ou excessiva;
II – o obrigado demonstrou cumprimento parcial superveniente da obrigação ou justa causa para o descumprimento.”
Cabe para o momento ainda explicitar que a multa independerá de requerimento da parte e poderá ser concedida tanto na fase de conhecimento, em sede de tutela provisória ou na sentença, quanto na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito, ex vi do caput do art. 537.
Digna de nota é a destinação dos valores auferidos pela multa.
Nisso, o NCPC prevê como destinatário da multa o próprio exequente (§ 2º do art. 537) [11], independentemente do valor a que a mesma alçar.
3.1.1 A Obrigação de Emissão de Declaração de Vontade
Contrariamente ao modelo atual – e, a nosso ver, com acerto -, o NCPC oportunizou dispor em único dispositivo o julgamento das obrigações de emitir (prestar) declaração de vontade.
Destaca-se que o CPC/73, mais precisamente nos arts. 466-A, 466-B e 466-C, trata de regular a presente obrigação, portanto, em diferentes dispositivos, ainda que de maneira tautológica em alguns de seus conteúdos/e ou situações circunstanciais de incidência da dita obrigação.
Verdade é que a presente obrigação vem sofrendo seguidas modificações relativas à sua localização no ordenamento processual civil pátrio.
Originariamente, localizava-se, teratologicamente, no Livro II do CPC atual.
Conforme já pudemos salientar em outras oportunidades [12], a modificação operada pela Lei nº 11.232, de 22.12.05, veio situar nos termos corretos a localização normativa desta tutela obrigacional, pois que, de forma meândrica, estava ela, a despeito de seu caráter cognitivo, assentada no Livro II, Título II, Capítulo II, mais precisamente nos arts. 639 a 641 do CPC/73, figurando-se formalmente em um processo de execução quando, na verdade, não o é.
Neste sentido, já asseverava Barbosa Moreira que [13],
“na verdade, apesar da localização no texto do Código, o assunto de que tratou os arts. 639 e 641 nada tem que ver com o processo de execução, que, por supérfluo, nem sequer chega a formar-se. Aqueles dispositivos regulam questões pertinentes à atividade cognitiva do órgão judicial. O lugar apropriado seria o capítulo referente aos efeitos da sentença.”
Como dissemos e com acerto, o novel Código disciplina o julgamento das obrigações de emitir declaração de vontade nos seguintes termos:
“Art. 501. Na ação que tenha por objeto a emissão de declaração de vontade, a sentença que julgar procedente o pedido, uma vez transitada em julgado, produzirá todos os efeitos da declaração não emitida.”
Despiciendo notar que se trata de ação pessoal, abrangendo as declarações de vontade inadimplidas, comumente decorrentes de um negócio jurídico unilateral ou bilateral que tenha por objeto tanto bens móveis quanto imóveis.
Assim, por exemplo, desde que uma parte, em contrato preliminar, assuma uma obrigação de contratar, bem como de emitir declaração de vontade e a isso deixe de fazer ou se recuse a fazê-la, poderá a outra parte acioná-la judicialmente, objetivando com isso obter uma sentença que produza os mesmos efeitos da declaração não emitida pelo obrigado.
A presente solução encontra-se consubstanciada na ideia da denominada “infungibilidade jurídica“, quando o Estado, através do provimento jurisdicional, cria uma situação jurídica equivalente à que se verificaria se a declaração de vontade fosse prestada pelo próprio devedor [14].
3.2 Cumprimento da Sentença que Reconheça a Exigibilidade de Obrigação de Fazer e de Não Fazer
Passa-se aqui à esfera do cumprimento das obrigações de fazer, não fazer e entregar, após, portanto, o reconhecimento das mesmas, conforme operado no item anterior.
Aliás, conforme destacamos alhures, importante virtude contida no NCPC é aquela da organicidade normativa voltada à racionalidade dos institutos e sua melhor operabilidade, aqui destacada pela junção “julgamento-cumprimento” da tutela específica.
Destacadas já no CPC/73, oriundas inclusive do § 5º do art. 84 do Código de Defesa do Consumidor, as medidas de “execução indireta“, isto é, aquelas exercidas por meios de coação [15] sobre a vontade do devedor, de modo a compeli-lo a cumprir com a obrigação devida, sobretudo, na forma específica, configurando-se em meios de apoio ao cumprimento da obrigação, vêm no novato Código arroladas de forma a reproduzir, inicialmente, o que já dispõe o § 5º do art. 461 do CPC/73. Nisso, aponta o art. 536, §§ 1º e 2º, do NCPC:
“Art. 536. No cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente, determinar as medidas necessárias à satisfação do exequente;
- 1º Para atender ao disposto no caput, o juiz poderá determinar, entre outras medidas, a imposição de multa, a busca e apreensão, a remoção de pessoas e coisas, o desfazimento de obras e o impedimento de atividade nociva, podendo, caso necessário, requisitar o auxílio de força policial.
- 2º O mandado de busca e apreensão de pessoas e coisas será cumprido por 2 (dois) oficiais de justiça, observando-se o disposto no art. 846, §§ 1º a 4º, se houver necessidade de arrombamento.”
Como bem se nota, o § 1º acosta um rol de medidas à disposição do juízo, para que, com interesse e coragem, possa adotá-las, a fim de empreender força necessária e apta a atuar sobre o devedor recalcitrante ao cumprimento específico da obrigação. No entanto, cabe bem frisar que, de acordo com a dicção “entre outras medidas“, não se trata de rol que se esgota nele mesmo, sendo perfeitamente possível lançar mão de outras medidas, desde que voltadas ao objetivo efetivo da satisfação do direito reconhecido e, inegavelmente, descumprido.
Aliás, é o que se dá com a medida denominada “intervenção judicial em atividade empresarial” [16].
Na verdade, trata-se de medida tipificada pela lex que estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011), mais precisamente em seus arts. 102 a 111.
A intervenção judicial em atividade empresária, como outras medidas indicadas no § 1º do art. 536, é uma medida de sub-rogação, cuja técnica pode assumir diferentes modelos, notadamente de acordo com o fim objetivado pelo magistrado quando de sua aplicabilidade.
Nestes termos, a doutrina pontua formas de classificação da intervenção judicial em tais contextos [17].
Em primeiro, nota-se a intervenção denominada de “fiscalizatória“.
É compreendida na ideia de que o administrador não é retirado de suas atribuições, cabendo tão somente ao interventor a fiscalização do exato cumprimento da decisão judicial, tendo este interventor o livre-acesso à empresa bem como a todos os dados necessários com o fito de cumprir com determinação judicial, podendo ainda tomar depoimentos para certificar-se das condutas adotadas pelo administrador no sentido de satisfazer o decisum judicial.
Tem-se como exemplo, neste âmbito, uma medida judicial voltada à imposição de reintegração de um empregado, que havia sido assediado moralmente, o que impôs o seu pedido de demissão. De que forma seria viável apurar se, retornando ao trabalho, as condutas anteriormente ocorridas não voltariam a se dar? Daí, efetiva opção para tanto será nomear um interventor-fiscal, de modo que este permaneça por um determinado lapso temporal na empresa, até que qualquer perigo de novas agressões haja cessado [18].
Em um segundo contexto, temos a chamada “intervenção cogestora“, na qual o interventor judicial assume parcela das atribuições originalmente conferidas ao proprietário da pessoa jurídica.
Neste sentido, nota-se que o administrador originário permanece na empresa, atuando à sua frente, no entanto, parcela de suas competências e atribuições são, por um determinado prazo, passadas ao interventor, devendo esse desempenhá-las na esteira de realizar o cumprimento do comando da decisão judicial. “Figure-se a hipótese, nessa quadra, de uma empresa que impõe condições abusivas para a contratação de pessoal. Reconhecida essa abusividade, não será evidentemente necessário retirar o titular da empresa como um todo, sendo suficiente a intervenção na área de recursos humanos da pessoa jurídica. Do mesmo modo, suponha-se a necessidade de instalar filtro contra a poluição na empresa. Havendo resistência do ordenado, pode o magistrado, por certo, nomear interventor com essa exclusiva atribuição. Concluída a obra, dissolvida estará a intervenção” [19].
Forçoso é afirmar que o interventor deverá estar investido das funções e da autoridade necessária para fazer valer o que deseja a ordem judicial. Daí que, v.g., poderá o interventor judicial ter acesso facilitado às finanças e às instalações da empresa para fins de aquisição de material e instalação do filtro e, ainda, ao controle de emissão de poluentes. Verdade é que tais poderes deverão ser explicita e necessariamente catalogados pelo órgão julgador em sua ordem judicial, a fim de que possa legitimar o exercício pleno do interventor e seu êxito na intervenção.
Finalmente, em um terceiro contexto, tem-se a denominada “intervenção expropriatória ou substitutiva“, certamente a mais aguda.
Nesta forma, o interventor substituirá o administrador original da empresa, saindo este do comando da pessoa jurídica e, portanto, deixando ao interventor o papel de, por um certo período de tempo, gerir todos os negócios da sociedade em questão.
Um exemplo da aludida intervenção foi a ação ajuizada pelo Ministério Público Federal no Rio de Janeiro, pedindo a intervenção judicial no Conselho Federal de Enfermagem, no ano de 2006, diante de notícias que envolviam desvios de recursos públicos e fraudes em licitações por aludido Conselho e daí que o objetivo da demanda era o de afastar a própria Administração do Conselho.
Tem-se também, no mesmo sentido, ação civil pública, ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho da 4ª Região, em face do Grupo Ortopé, requerendo a intervenção judicial em tal grupo, com o afastamento de seus administradores e a nomeação de pessoa da confiança do juízo para a respectiva administração da empresa, até a devida liquidação do passivo trabalhista da empresa [20].
Alçado ao ambiente das obrigações de fazer, não fazer e entregar, preferiu o legislador reforçar a ideia já presente no CPC/73 [21] quanto ao descumprimento injustificado de ordem judicial dirigida ao executado para o exato cumprimento da obrigação inadimplida, incidindo, por isso, nas penas de litigância de má-fé, sem prejuízo da correta responsabilização pela prática do crime de desobediência [22] (§ 3º do art. 536 do NCPC).
Digna de aplausos ao NCPC é a normativa que se encontra disposta no § 4º do art. 536: “§ 4º No cumprimento da sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, aplica-se o art. 525, no que couber“.
Em uma leitura pouco acurada, talvez pudesse parecer tratar-se de simples dispositivo, se não fosse a remissão a que faz quanto ao art. 525, este que possui a seguinte redação, mais precisamente com referência ao seu caput e § 1º:
“Art. 525. Transcorrido o prazo previsto no art. 523 sem o pagamento voluntário, inicia-se o prazo de 15 (quinze) dias para que o executado, independentemente de penhora ou nova intimação, apresente, nos próprios autos, sua impugnação.
- 1º Na impugnação, o executado poderá alegar:
I – falta ou nulidade da citação se, na fase de conhecimento, o processo correu à revelia;
II – ilegitimidade de parte;
III – inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação;
IV – penhora incorreta ou avaliação errônea;
V – excesso de execução ou cumulação indevida de execuções;
VI – incompetência absoluta ou relativa do juízo da execução;
VII – qualquer causa modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, desde que supervenientes à sentença.”
Por que da importância?
No modelo que temos hoje, há total incipiência quanto às próprias manifestações de defesa do executado no âmbito da tutela específica nas obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa [23]!
Conforme já tivemos a oportunidade de exclamar [24], a questão se agrava mediante aqueles títulos executivos que sequer passaram por um processo de conhecimento anterior ou que quiçá tiveram em seu comando legal o disposto pelo art. 461 do CPC/73, ex vi da sentença arbitral, sentença estrangeira, acordos extrajudiciais homologados judicialmente, sentença penal condenatória, etc., o que, evidentemente, ter-se-ia que adaptar, forçosamente, às possibilidades normativas, tal qual aquela prevista no art. 475-R do CPC/73 [25], buscando no Livro II reais condições para o exercício do direito de defesa do executado (in casu, embargos à execução), para fins de se antepor a execuções verdadeiramente prejudiciais no plano legal.
Nota-se que, inquestionavelmente, teremos rumos muito mais adequados no plano de um devido processo constitucional para a “igualdade de armas” em sede de tutela específica, eximindo-nos de uma prestidigitação normativa.
Possibilitando não pairar quaisquer dúvidas quanto à extensão dispositiva que regula a efetiva possibilidade de atuação da tutela específica, o novel Código de Processo Civil procura contemplar, formalmente, as obrigações de fazer e não fazer decorrentes de relação não obrigacional, não restando, por isso, dúvidas na incidência de todo o conteúdo que regula a tutela supra em tal relação, senão vejamos:
“Art. 536. (…)
- 5º O disposto neste artigo aplica-se, no que couber, ao cumprimento de sentença que reconheça deveres de fazer e de não fazer de natureza não obrigacional.”
3.2.1 Cumprimento Definitivo de Eventual Multa
Conforme já exposto no item 3.1, tivemos a oportunidade de antecipar e tecer alguns comentários acerca da indenização por perdas e danos em decorrência da impossibilidade de se obter a tutela específica da obrigação inadimplida (art. 496 do NCPC), sem prejuízos de respectiva multa fixada periodicamente, para compelir o réu ao cumprimento específico da obrigação (art. 500 do NCPC), tudo em sintonia com o que já dispõe o CPC/73 em seu art. 461, § 2º.
Pois bem. Agora estamos diante da possibilidade de exigência do cumprimento de eventual multa imposta ao devedor, como medida de execução indireta, a fim de que pudesse estimulá-lo, diante da agressão pecuniária, ao adimplemento da obrigação reconhecida pelo poder judicante.
Não obstante entendermos, de muito [26], ser o trânsito em julgado da sentença favorável à parte, o momento correto para a exigência do cumprimento da astreinte imposta a devedor recalcitrante à satisfação da obrigação devida, permite o NCPC a possibilidade de o depósito da multa se dar em caráter provisório, certamente, diante da concessão de pleito provisório deferido a uma das partes (v.g., tutela provisória), descumprindo a outra a decisão judicial referente.
Diante de eventual provisoriedade, deverá o valor da multa ser depositado em juízo, porém, permitindo o seu levantamento após o trânsito em julgado favorável à parte.
Da possibilidade de cumprimento provisório da multa, expressa o NCPC em comento quanto ao valor e período autorizados:
“Art. 537. (…)
- 3º A decisão que fixa a multa é passível de cumprimento provisório, devendo ser depositada em juízo, permitido o levantamento do valor após o trânsito em julgado da sentença favorável à parte. (Redação dada pela Lei nº 13.256, de 2016)“
Vale ressaltar que o lapso temporal para a incidência da supracitada multa se dá a partir da configuração do descumprimento da decisão e, por isso, incidirá enquanto não for devidamente cumprida a decisão que a tiver cominado (§ 4º do art. 537).
Tais normativas aplicam-se em igual sentido e no que couber quanto ao cumprimento de sentenças que reconheçam deveres de fazer e de não fazer de natureza não obrigacional, ex vi do § 5º do art. 537 do NCPC.
3.3 Cumprimento da Sentença que Reconheça a Exigibilidade de Obrigação de Entregar Coisa
Não obstante todas as regras relativas ao cumprimento das obrigações de fazer e não fazer aplicarem-se, no que couber, às obrigações de entregar coisa, conforme sustenta o § 3º do art. 538 do NCPC, optou o legislador, talvez pelas próprias particularidades desta forma obrigacional, a se ocupar da Seção II do Capítulo VI, este alocado no Título II (“Cumprimento da Sentença“) do Livro I (“Do Processo de Conhecimento e do Cumprimento de Sentença“), todos deste novato ordenamento processual civil.
Nestes termos é que, de forma objetiva e em sintonia com o que já dispõe o § 2º do art. 461-A do CPC/73, atenta o NCPC para o cumprimento da sentença que reconheça a obrigação de entregar coisa, regrando que, não cumprida a obrigação de entregar coisa no prazo estabelecido no ato sentencial, expedido será o respectivo mandado de busca e apreensão ou de imissão na posse em favor do credor, conforme se tratar de coisa móvel ou imóvel (art. 538), no qual certamente o credor comunicará ao juízo aludido descumprimento para a efetiva expedição do necessário mandado.
Por outro lado, inova o NCPC supra em relação ao CPC/73 no que se refere tanto à existência de benfeitorias quanto ao direito de retenção em razão das mesmas.
Assim, reza o § 1º que a existência de benfeitorias deve ser alegada já na fase de conhecimento em peça contestatória, atentando o réu naquele momento para a discriminação da(s) mesma(s) e atribuindo-lhe, quando possível e de forma justificada, o seu valor (§ 1º do art. 538).
Na mesma toada, o direito de retenção pelas ditas benfeitorias, no mesmo sentido, deve ser alegado também em sede de contestação na fase de conhecimento (§ 2º).
Parece-nos que o legislador quer com isso evitar argumentos “oportunistas” por parte do devedor/executado já em fase de cumprimento da sentença obrigacional em tela, não obstante ser perfeitamente possível a ocorrência de benfeitorias no bem móvel ou imóvel, durante o correr do processo, em qualquer de suas fases.
4 Antecipação dos Efeitos da Tutela Específica
Propiciar a devida tutela específica do direito lesado é o corolário a que o processo deve se guiar.
Assim, consubstanciado na ideia da efetividade deste instrumento de satisfação de direitos, é de se afirmar que aquele titular da obrigação de fazer, não fazer ou entregar inadimplida poderá obter a antecipação da tutela pretendida.
Trata-se de possibilidade que o art. 461, § 3º, do CPC/73 concede, estabelecendo a viabilidade de ser antecipada a tutela específica alusiva às obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa, quando não só for relevante o fundamento da demanda, mas, sobretudo, quando houver justificado receio de ineficácia do provimento meritório final [27], e, notoriamente, quando não houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado, conforme regra o § 3º do art. 273 do CPC/73.
Não se postou diferente o NCPC, possibilitando a aplicabilidade da mesma ideia, i.e., permitindo a antecipação dos efeitos da tutela – aqui específica -, notadamente no sentido de autorizar ao magistrado o uso de medidas que considerar adequadas para obtenção da efetivação da medida provisória, como se depreende do art. 297, infra:
“Art. 297. O juiz poderá determinar as medidas que considerar adequadas para efetivação da tutela provisória.”
Por outro lado, cabe aqui assentar que a tutela provisória no plano do novo Código de Processo Civil em comento pode fundamentar-se nas modalidades de urgência (de natureza antecipada ou cautelar) e de evidência, conforme sustenta o parágrafo único dos arts. 294 e 300 e ss.
Nisso, a título de compreensão e em síntese apertada, temos que a tutela provisória de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, o que pode ser traduzido na demora da prestação jurisdicional (art. 300, caput, do NCPC), em referência ao seu correspondente no CPC/73, in casu, o art. 273, caput e inciso I.
Já quanto à denominada tutela provisória de evidência, ou simplesmente, tutela de evidência, será essa concedida, conforme redação do art. 311 do NCPC, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando:
“I – ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório da parte;
II – as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante;
III – se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa;
IV – a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável.
Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II e III, o juiz poderá decidir liminarmente.”
Despiciendo afirmar que o inciso I do art. 311 possui similitude com o caput e inciso II do art. 273 do CPC/73, ajudado ainda pela boa redação do caput do retro citado art. 311, o que já demonstra a inexistência de óbices quanto à concessão de antecipação dos efeitos da tutela específica, cabendo trazer à luz aqui a questão presente no CPC/73, no qual encontramos disposição geral sobre a tutela antecipada (art. 273) e disposição desta mesma tutela de maneira particularizada em sede de tutela específica nas obrigações de fazer e não fazer, extensiva àquela para entrega de coisa (arts. 461, § 3º, e 461-A, § 3º), o que em nada prejudica a autorização da medida antecipatória para fins de concessão de efeitos em pedido obrigacional específico [28].
Lado outro, as demais novatas questões autorizadoras de concessão de tutela antecipada de evidência dispostas nos incisos II, III e IV, igualmente, em nada obstaculizam a autorização do juízo para determinação da medida em sede de tutela específica, podendo, inclusive, ser aquela estabilizada, quando, p. ex., inequívocos forem os conteúdos probais a que se fundamenta o pedido da necessária medida provisória de natureza antecipada.
5 A Tutela Inibitória
É fato que nas últimas décadas tem-se presenciado uma verdadeira e acelerada mutação nas relações sociais em variadas formas e projeções.
Ocorre que a própria dinâmica de ditas relações, inegavelmente, gera conflitos que, uma vez levados ao Poder Judiciário, muitas vezes restam carecedores de adequadas soluções, oportunizadas pelas complexidades da vida, abstratamente reguladas por um ordenamento jurídico em dado tempo e espaço, gerando a insegura ideia de que não haveria instrumentos jurídicos aptos ou capazes de levar a cabo o satisfatório deslinde do caso concreto ou de conceder medidas necessárias e aptas às situações fáticas geradas em tais ambientes sociais de contínuas mudanças.
Nesta esteira, com o fito de instrumentalmente tutelar, de forma satisfatória e eficiente, o jurisdicionado em determinadas pretensões diante dos ambientes supracitados, é que se edificou, doutrinariamente, a denominada “tutela inibitória“.
Cediço é que a presente tutela objetiva a prevenção da prática, da continuação ou da repetição do ilícito, não tendo para tanto caráter punitivo, e sim preventivo. Nisto é que caberá o manejo da inibitória em face de alguém que, ainda que sem culpa, estiver na iminência de praticar um ilícito e continuar a perpetrar o mesmo.
Não se objetiva aqui investigar a ampla construção doutrinária e mesmo movimentos jurisprudenciais que edificam o instituto, mesmo porque já o fizemos em várias passagens [29] e boa doutrina trata de enfrentá-la com o merecido rigor [30].
Insta aqui destacar, no entanto, que acerca do NCPC, em importante componente do comando regulatório da tutela específica, atendem como novidade normativa particularizada as disposições relativas à autorização para a concessão da denominada tutela inibitória.
Queremos com isso afirmar que, de maneira explícita, relativa ao próprio comando da prestação jurisdicional requerida, tem-se nos dispositivos do NCPC inequívoca dimensão e concretude formal da atuação da tutela inibitória.
Certo é que o principal fundamento legal em que repousa a tutela inibitória, antes de tudo, é aquele decorrente do princípio constitucional inserido no art. 5º, XXXV, da Carta Maior, que reza: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito“. Diante de tal preceito, nítida é a desnecessidade de uma expressa previsão infraconstitucional para a propositura da proteção inibitória.
No entanto, em sede infraconstitucional, de forma mais detida, nota-se que a tutela inibitória só era prevista no ordenamento jurídico na forma típica, principalmente através dos já referidos interditos proibitórios (art. 932 do CPC/73) [31] e o mandado de segurança preventivo (art. 1º da Lei nº 12.016/09) [32].
Com o advento do art. 461 [33] do CPC/73, vislumbrou-se no ordenamento processual civil pátrio a possibilidade de se obter a tutela inibitória na forma atípica, ou seja, de cunho amplo, alcançada por meio de sentenças mandamental e executiva lato sensu [34], portanto, visando à proteção de direitos da personalidade e mesmo direitos de índole coletiva, tais como os direitos do consumidor e meio ambiente, tanto sob a forma positiva (obrigações de fazer) como negativa (obrigações de não fazer).
Temos, então, que no NCPC em questão bem aloca o legislador a presente tutela inibitória como decorrência natural da tutela específica, quando da pretensão para inibir a prática, a reiteração ou a continuação de um ilícito, ou a sua remoção, servindo ainda para o ressarcimento de um dano. É o que se depreende da norma infra:
“Art. 497. Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente.
Parágrafo único. Para a concessão da tutela específica destinada a inibir a prática, a reiteração ou a continuação de um ilícito, ou a sua remoção, é irrelevante a demonstração da ocorrência de dano ou da existência de culpa ou dolo.”
Por outro lado, para a boa compreensão e correta utilização da presente tutela, necessário se faz acostar aqui a imprescindibilidade da importante distinção entre ilícito e dano. Aliás, objeto de antigas divergências doutrinárias [35].
Dita distinção já se faz necessária, p. ex., no olhar mais agudo do que dispõe o art. 186 do Código Civil, in verbis:
“Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
De tal dispositivo nota-se, de pronto, equívoco, ao se observar o uso da preposição “e“, induzindo ser a superveniência do dano indissociável à ideia de ilicitude do ato [36].
Nestes termos, bem pontua Marinoni que “o dano não é uma consequência necessária do ato ilícito. O dano é requisito indispensável para o surgimento da obrigação de ressarcir, mas não para constituição do ilícito” [37].
Observa-se que a prática de um ato contrário ao direito não tem, fundamentalmente, como consequência o surgimento do dano. Assim, tem-se que o ato ilícito é qualquer conduta contrária ao direito, sendo o dano um prejuízo material ou moral que pode vir ou não da prática de um ato ilícito [38].
Estando a tutela inibitória voltada para o futuro com natureza essencialmente preventiva, é cristalino que a mesma não possui, necessariamente, relação direta com o dano, sendo autorizado manejá-la para fins de que não se pratique um ilícito sem que, para tanto, seja demonstrado cabalmente um dano futuro [39].
O esclarecimento dessa confusão não apenas deixa claro que a tutela ressarcitória não é a única tutela contra o ilícito como também permite a delineação de uma tutela legitimamente preventiva, não tendo a mesma relação com a probabilidade do dano, mas apenas relação com o ato contrário ao direito [40].
Na relação entre probabilidade do ilícito e probabilidade do dano, leciona ainda Marinoni [41]:
“É certo que a probabilidade do ilícito é, com frequência, a probabilidade do próprio dano, já que muitas vezes é impossível separar, cronologicamente, o ilícito e o dano. Contudo, o que se quer deixar claro é que para obtenção da tutela inibitória não é necessária a demonstração de um dano futuro, embora ele possa ser invocado, em determinados casos, até mesmo para se estabelecer com mais evidência a necessidade da inibitória.“
Essa diferenciação entre ilícito e dano, conceituando-se o ilícito como ato contrário ao direito, permitiu que a tutela jurisdicional fosse adequadamente prestada a certas situações, através do uso de uma medida genuinamente preventiva, aí encontrando lugar a tutela inibitória.
Constata-se assim que, ao se referir na irrelevância da “demonstração da ocorrência de dano ou da existência de culpa ou dolo“, reconhece inequivocamente o legislador do novato Código a importância de se inibir a prática, a reiteração ou a continuação de um ilícito, ainda que dele não gere ou venha gerar dano, manifestação veraz do caminhar pari passu com a dinâmica jurídica hodierna.
6 Considerações Finais
Por tudo enfrentado, nota-se que os importantes acréscimos normativos e em muito substanciais, voltados a um correto e significativo regramento das dinâmicas e contornos por que passa o universo da tutela específica, demonstram de maneira irrefutável como o trato lógico-formal das regras jurídicas pode perfeitamente se aliar a uma relevante “pedagogia jurídica“, ainda que no plano da compreensão de que os institutos quando bem propostos e regulados, como se observou na análise aqui empreendida, podem ser eficientes, satisfativos e perenes.
Neste sentido, a virtuosa divisão normativa e, por isso, organizacional da tutela específica no novo Código de Processo Civil, sobretudo nos planos do “julgamento” e posterior “cumprimento” da mesma, demonstra os trilhos corretos para sua melhor compreensão e efetiva aplicação, possibilitando depositarmos esperanças em uma prestação jurisdicional mais eficiente e efetiva no que se refere à satisfação específica de obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa, ora inadimplidas.
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[1] Sobre a variedade de conteúdos que realçam necessárias e sérias reflexões para uma qualitativa prestação jurisdicional no plano de um novo Código de Processo Civil para o Brasil, bem como variada análise dos projetos voltados à sua edificação, ver: GAIO Jr., Antônio Pereira; CÂMARA, Alexandre Freitas (Coord.). Novo CPC: reflexões e perspectivas. Belo Horizonte: Del Rey, 2014.
[2] Com clareza, bem pontua Marcelo Neves, ao se referir à importante distinção entre eficácia e efetividade, no plano dos programas condicional e finalístico de realização abstrata da lei:
“(…) pode-se afirmar que a eficácia diz respeito à realização do ‘programa condicional’, ou seja, à concreção do vínculo ‘se-então’ abstrata e hipoteticamente previsto na norma legal, enquanto a efetividade se refere à implementação do ‘programa finalístico’ que orientou a atividade legislativa, isto é, à concretização do vínculo ‘meio-fim’ que decorre abstratamente do texto legal.” (NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 45-46)
Sobre os programas condicional e finalístico para a legitimação do direito positivo, ver também: LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento. Trad. Maria da Conceição Côrte-Real. Brasília: Universidade de Brasília, 1980. p. 110-113.
[3] Ver: LEBORGNE, Anne; PUTMAN, Emmanuel (Org.) Lês obstacles à l’exécution forcée: permanence et évolution. Paris: Éditions Juridiques e Techniques, 2009.
No mesmo sentido, Nieva Fenoll:
“Se há hablado con acerto de ‘la vieja y van a aspiración de aproximar la justicia al justiciable’, quizás porque hace mucho tempo que nos hemos acostumbrado a observar uma situación lamentable em nuestra Justicia. Y no obstante, no hemos dejado de quejarnos de su ineficácia, aunque sobre todo de su lentitud. Sin embargo, damos por hecho que quien nos debe uma pequena cantidad, o no nos pagará, o sólo nos pagará, i lo hace, trás el correspondiente processo monitório y, sobre todo, tras uma a veces difícil e infructuosa búsqueda de sus bienes, que se nos hace eterna.” (Jurisdicción y proceso. Madri: Marcial Pons, 2009. p. 111)
[4] Cf. O modelo constitucional do processo justo. In: MORELLO, Augusto M. El proceso justo. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 2005. p. 67 e ss.
[5] CHIOVENDA, Giuseppe. Saggi di diritto processual e civile. Milano: Giuffrè, 1993. v. I. p. 110.
[6] Na aludida exposição de motivos, a Comissão nomeada pelo Senado bem expressou que trabalhou sempre tendo como pano de fundo um objetivo genérico, que foi de imprimir organicidade às regras do processo civil brasileiro, dando maior coesão ao sistema.
Nisso, foi pontuado que o novo CPC “conta, agora, com uma Parte Geral, atendendo às críticas de parte ponderável da doutrina brasileira. (…) O Livro II diz respeito ao processo de conhecimento, incluindo cumprimento de sentença e procedimentos especiais, contenciosos ou não. O Livro III trata do processo de execução, e o Livro IV disciplina os processos nos Tribunais e os meios de impugnação das decisões judiciais. Por fim, há as disposições finais e transitórias”.
Por tudo, o objetivo de organizar internamente as regras e harmonizá-las entre si foi o que inspirou vários dos dispositivos elencados. BRASIL. Código de Processo Civil: anteprojeto/Comissão de Juristas Responsável pela Elaboração de Anteprojeto de Código de Processo Civil. Brasília: Senado Federal, Presidência, 2010. p. 30.
[7] Cf. os nossos Tutela específica das obrigações de fazer. 4. ed. Curitiba: Juruá, 2012; Instituições e direito processual civil. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2013; O processo nos Juizados Especiais Cíveis Estaduais. Belo Horizonte: Del Rey, 2010; Medidas coercitivas para o cumprimento das obrigações de fazer e não fazer no direito pátrio e comparado. Revista Forense, Rio de Janeiro: Forense, v. 363, p. 345-352, 2002.
[8] Cf. o nosso Tutela específica…, p.90-91.
[9] LIMA, Alcides de Mendonça. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1979. v. VI. tomo II. p. 869.
[10] “A cominação da multa deve ser forte, mas não deve inviabilizar a execução propriamente dita, que, no caso, é a resultante das perdas e danos. De nada vale levar o devedor à insolvência se, insolvente, não puder atender sequer ao prejuízo real causado ao credor.” (GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1995. v. 3. p. 69)
[11] “Art. 537. (…)
- 2º O valor da multa será devido ao exequente.”
[12] Tutela específica…, p. 100.
[13] BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Aspectos da execução em emitir declaração de vontade. In: Temas de direito processual. Sexta Série. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 236.
[14] Sobre o efeito jurídico da sentença substitutiva da vontade, vale lembrar Liebman ao afirmar: “o respeito à vontade individual não pode ser tão absoluto a ponto de impedir a produção do efeito jurídico que a declaração de vontade produziria, quando existe obrigação anterior de emitir essa declaração e o obrigado se recusa a cumpri-la” (Embargos do executado. São Paulo: Saraiva, 1952. p. 161).
[15] Ditos meios de coação atuam através de medidas de pressão econômica, física ou psicológica, tais como as penas de multa, a incidência das astreintes, hipóteses de prisão civil, bem como punições oriundas da prática de atos atentatórios à dignidade da justiça, dentre outras. Cf. o nosso Tutela específica…, p. 82.
[16] A presente medida fora acostada, inicialmente, no Relatório do Senador Vital do Rêgo, oriunda do Substitutivo da Câmara dos Deputados – PL nº 8.046/2010 – e devidamente aprovada em votação simbólica pelo Plenário do Senado Federal. No entanto, em votação final, realizada em 17.12.2014, na qual analisados foram os destaques do Substitutivo da Câmara, dita medida fora, lamentavelmente, retirada, o que se reproduziu no texto final do Código sancionado.
Dentre os motivos para a não contemplação da mesma no bojo do CPC está a afirmativa do próprio relator do PLS nº 166/2010 no Senado Federal, Senador Vital do Rêgo, de que a manutenção da medida poderia dar margem a abusos, o que certamente, pensamos nós, quis ele dizer em relação ao próprio órgão julgador, competente para a eventual adoção da medida de reforço ao cumprimento da obrigação. In: Congresso aprova novo Código de Processo Civil para agilizar processos. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/12/1563905-congresso-aprova-novo-codigo-do-processo-civil-para-agilizar-processos.shtml>. Acesso em: 18 dez. 2014.
[17] Ver: PEREIRA, Luiz Fernando C. Medidas urgentes no direito societário. São Paulo: RT, 2002. p. 205 e ss.
Dita classificação é exemplificativa, de modo a demonstrar as várias percepções que decorrem de um contexto interventivo por meio de medidas sobre a pessoa jurídica.
[18] ARENHART, Sérgio Cruz. A intervenção judicial e o cumprimento da tutela específica. Disponível em: <http://www.academia.edu/214098/A_INTERVEN{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}C3{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}87{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}C3{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}83O_JUDICIAL_E_O_CUMPRIMENTO_D_TUTELA_ESPEC{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}C3{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}8DFICA?login=&email_was_taken=true>. Acesso em: 4 nov. 2014.
[19] Ibidem.
[20] Ibidem.
[21] Ex vi do art. 14, mais precisamente o seu inciso V e parágrafo único.
[22] Tem o STJ, a contrario sensu, rechaçado a ideia de possibilitar a incidência do crime de desobediência em questões que envolvem o descumprimento de obrigação de fazer:
“1. Manifestamente ilegal a decretação ou a ameaça de decretação de prisão por crime de desobediência nos autos de processo civil como forma de coagir a parte ao cumprimento de obrigação, ressalvada a obrigação de natureza alimentar. 2. Precedentes específicos do STJ. 3. Habeas corpus concedido de ofício, prejudicado o recurso ordinário.” (STJ, 3ª T., RHC 35.253/RJ [2012/0276083-4], Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 05.03.2013, DJe 26.03.2013)
[23] Ratificando nossa afirmativa, confiram aqui pelo menos duas importantes passagens de nossa qualificada doutrina, já por nós citadas em obras anteriores:
“Por outro lado, continua havendo o processo de execução das obrigações de fazer e não fazer.
Em primeiro lugar, o processo dos arts. 632 e seguintes continua servindo para tutelar as pretensões já amparadas em título executivo extrajudicial.
Depois, continua havendo hipóteses de execução de obrigações de fazer e não fazer amparadas em título judicial – a despeito da letra da lei. Considerem-se os seguintes casos: transação realizada extrajudicialmente e apenas levada à homologação judicial; sentença estrangeira homologada pelo Superior Tribunal de Justiça; sentença arbitral, quando o compromisso arbitral não houver previsto que a sentença teria a força do art. 461 (antes da Lei nº 11.232/05: art. 584, III, IV e VI; após a Lei nº 11.232/05: art. 475-N, II, IV, V e VI).
Em todos esses casos, tais títulos executivos judiciais podem ser representativos de obrigações de fazer ou de não fazer e continuarão ensejando o processo dos arts. 632 e seguintes. É que, nessas três hipóteses, a questão é trazida a juízo depois que formado o título, ou seja, não existe uma sentença proferida em um processo desenvolvido sob as regras do art. 461. Então, nesses casos, se a parte pretende apenas a efetivação concreta do comando contido no título, terá de recorrer ao processo do Livro II (pois não há outra via disponível), e não ao processo para a aplicação do art. 461, que é (também) processo de conhecimento – destinado, em princípio, a casos em que ainda não há título executivo. Fica, porém, a ressalva de que o detentor de título executivo tem interesse processual para recorrer ao processo do art. 461, na medida em que esse lhe irá propiciar uma tutela mais eficiente, todavia, em tal hipótese, o título executivo não valerá como tal, mas como mera prova.” (WAMBIER, Luiz Rodrigues [Coord.]. Curso avançado de processo civil. 8. ed. São Paulo: RT, 2006. v. 2. p. 275-276)
Leonardo Greco (Primeiros comentários sobre a reforma da execução oriunda da Lei nº 11.232/2005. Revista Magister de Direito Empresarial, Concorrencial e do Consumidor, Porto Alegre: Magister, n. 06, dez./jan. 2006, p. 90-91), ao se referir sobre as diferenças entre o procedimento do cumprimento da sentença e aquele relativo às tutelas específicas dos arts. 461 e 461-A, aqui, por nós, dentro, evidentemente, de uma noção sistêmica, objetiva acostar tal razão à aplicabilidade do art. 475-I, primeira parte – quando em referência aos arts. 461 e 461-A -, naquelas sentenças civis proferidas em processo de conhecimento, e não de forma ampla e sem quaisquer limites, seja em face da qualidade de defesa do executado, seja por questões, muitas vezes, teratológicas que envolveriam um complexo ato de futurologia, salvo melhor juízo, em interpretação por demais extensiva.
Assim, nota o eminente autor que, na disciplina das tutelas específicas, “não previu expressamente o exercício da defesa pelo devedor, (…) enquanto na execução de sentença fundada em título judicial a Lei nº 11.232 regulou em minúcias a defesa do executado (arts. 475-J, 475-L e 475-M), que denominou de impugnação, para distingui-la dos tradicionais embargos do devedor”.
[24] Instituições e direito processual civil. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2013. p. 428-430.
[25] “Art. 475-R. Aplicam-se subsidiariamente ao cumprimento da sentença, no que couber, as normas que regem o processo de execução de título extrajudicial.”
[26] Tutela específica das obrigações de fazer. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 62-63.
[27] No mesmo sentido, caminha a opinião de Cândido R. Dinamarco (A reforma do Código de Processo Civil. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 154), ao afirmar que o art. 461 do CPC deve ser interpretado em sistema com o art. 83 do CDC, segundo o qual (mutatis mutandis) “todas as espécies de ações são admissíveis, para a tutela jurisdicional nas obrigações de fazer ou de não fazer”, acrescentando ainda que “falar em todas as espécies de ações significa incluir as espécies de tutela que se obtém no processo de conhecimento (constitutiva, condenatória ou meramente declaratória) e também tutela executiva e a cautelar”.
[28] “É interessante notar que, para o adiantamento da tutela de mérito, na ação condenatória em obrigação de fazer e não fazer, a lei exige menos do que para a mesma providência na ação de conhecimento tout court (CPC, art. 273). É suficiente a mera probabilidade, isto é, a relevância do fundamento da demanda, para a concessão da tutela antecipatória da obrigação de fazer ou não fazer, ao passo que o CPC, art. 273, exige, para as demais antecipações de mérito: a) a prova inequívoca; b) o convencimento do juiz acerca da verossimilhança da alegação; c) ou o periculum in mora (CPC, art. 273, I) ou o abuso do direito de defesa do réu (CPC, art. 273, II).” (NERY Jr., Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação processual civil extravagante em vigor. 12. ed. São Paulo: RT, 2012. p. 804)
[29] Dentre elas, CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MACHADO, Jónatas E. M.; GAIO Jr., Antônio Pereira. Biografia autorizada versus liberdade de expressão. Lisboa: Juruá, 2014. p. 70 e ss.; GAIO Jr., Antônio Pereira. Instituições de direito processual civil…, p. 80 e ss.
[30] Ver, por todos: MÒCCIOLA, Michele. Problemi del ressarcimento del danno. In forma specifica nella giurisprudenza. Rivista Critica del Dirritto Privato, 1984, p. 367 e ss.; MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória: individual e coletiva. 3. ed. São Paulo: RT, 2006; SPADONI, Joaquim Felipe. Ação inibitória. São Paulo: RT, 2007.
[31] CPC: “Art. 932. O possuidor direto ou indireto, que tenha justo receio de ser molestado na posse, poderá impetrar ao juiz que o segure na turbação ou esbulho iminente, mediante mandato proibitório, em que se comine ao réu determinada pena pecuniária, caso transgrida o preceito”.
[32] “Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.”
[33] “Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.”
[34] NERY Jr., Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 12. ed. São Paulo: RT, 2012. p. 802-803.
[35] Vale lembrar que uma das importantes conquistas da doutrina italiana nas últimas décadas do século passado foi, exatamente, a revisão conceitual de ilícito, mais precisamente entre ato ilícito e fato danoso.
Ver, por todos: MÒCCIOLA, Michele. Ob. cit., p. 367 e ss.
[36] Cf. DIDIER Jr., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil. Salvador: Juspodivm, 2008. v. 2. p. 367.
[37] MARINONI, Luiz Guilherme. Ob. cit., p. 46.
[38] Ibidem.
[39] Neste ínterim, pontua Marinoni: “(…) ao inserir na constituição do ilícito o perigo, refere-se ao perigo com uma ‘potencialidade danosa’, evidenciando, assim, que a tutela contra o ilícito – que seria diferente da tutela contra o dano – é uma tutela contra a probabilidade do dano” (Ob. cit., 2006. p. 45).
[40] CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MACHADO, Jónatas E. M.; GAIO Jr., Antônio Pereira. Ob. cit., p. 76.
[41] Idem, p. 47.