RKL Escritório de Advocacia

APLICAÇÃO DO IN DUBIO PRO SOCIETATE NA EXECUÇÃO PENAL: ANÁLISE DAS DECISÕES DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO SOBRE PROGRESSÃO DE REGIME

APLICAÇÃO DO IN DUBIO PRO SOCIETATE NA EXECUÇÃO PENAL: ANÁLISE DAS DECISÕES DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO SOBRE PROGRESSÃO DE REGIME

Mariana Morais Zambom

 

RESUMO

O presente artigo discute a questão da aplicação do in dubio pro societate na execução penal. Partindo dos posicionamentos da doutrina no processo penal e na execução penal, a pesquisa tem como foco a fundamentação judicial em decisões de progressão de regime, buscando investigar como se dá a utilização do in dubio pro societate. Para tanto, são analisados 96 agravos em execução penal julgado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo em dezembro de 2019. Diante da ausência de amparo constitucional para a sua aplicação, discute-se o conceito de segurança pública que ele concentra e as contradições com o “plano ressocializador” adotado pela Lei de Execução Penal. Evidencia-se que a sua aplicação na execução penal se sustenta a partir de critérios extralegais que fundamentam o estado da dúvida quanto ao merecimento para a progressão, ocasionando decisões de manutenção da pessoa em privação de liberdade no regime mais rigoroso ou exigência de exame criminológico.

 

Introdução

Não é de hoje que o Brasil enfrenta um dos problemas mais urgentes: a realidade prisional pautada pela superlotação carcerária, somada a condições subumanas vividas no cárcere[1], e a predominância de pessoas presas cumprindo pena em regime fechado[2]. Observa-se um aumento na taxa de aprisionamento de mais de 150% entre 2000 e 2017 (BRASIL, 2017, p. 12), o que representa uma, senão a principal, forma de resposta às condutas tipificadas penalmente.

O sistema progressivo de pena, previsto na Lei de Execução Penal (Lei Nº 7.210/1984), insere-se no contexto de medidas que visam ao desencarceramento. Tal constatação não significa desconsiderar todas as críticas direcionadas à pena de prisão, mas reconhecer que a progressão de regime permite que se reduza o tempo de permanência em absoluta privação de liberdade. Tendo isso como norte, a presente pesquisa se debruça sobre uma questão fundamental na execução penal: a argumentação judicial presente nas decisões judiciais, especificamente a utilização do in dubio pro societate[3] nas análises de pedidos de progressão de regime.

O in dubio pro societate é uma construção jurisprudencial, cuja finalidade é se contrapuser ao in dubio pro reo, consubstanciado no princípio constitucional da presunção de inocência, positivado no art. 5º, inciso LVII, da Constituição da República[4] e integrante dos fundamentos do Estado Democrático de Direito. A despeito de não estar previsto na legislação penal e, tampouco, na Constituição, estudos apontam que vem sendo reiteradamente utilizado em decisões judiciais. As pesquisas se concentram, majoritariamente, nas discussões sobre a sua utilização em decisões de recebimento da denúncia e do pronunciamento do (a) acusado (a), a fim de justificar a sua submissão ao julgamento pelo Tribunal do Júri. Em menor número, dedicam-se a analisar a sua utilização em sede de execução penal.

Diante dessa problemática e de poucas pesquisas que se debruçaram sobre o tema na execução penal, o presente artigo busca avançar no estudo do posicionamento da doutrina em relação ao uso do in dubio pro societate no processo penal e na execução penal para, em seguida, compreender o papel desempenhado por ele na fundamentação das decisões de progressão de regime do Tribunal de Justiça de São Paulo, a partir de uma abordagem qualitativa. Mais do que nos atentarmos para os resultados dos acórdãos – se o pedido foi deferido ou indeferido –, importa realizar uma análise acerca da tomada de decisão a partir da argumentação jurídica que sustenta esses resultados. O foco reside na maneira como o in dubio pro societate é mobilizado, quais argumentos são utilizados para sustentar a sua aplicação na execução penal e qual a função que ele desempenha.

Diante das questões a serem exploradas, o início deste artigo dedica-se à discussão sobre como se desenvolveu a utilização do in dubio pro societate e o seu significado na doutrina penal, buscando apresentar os argumentos contrários e favoráveis à sua utilização no processo penal e, especificamente, na execução penal. Em seguida, são discutidos os objetivos estabelecidos na adoção do sistema progressivo de pena e os requisitos previstos na legislação para o alcance desse direito; e logo após é apresentado o detalhamento do método adotado para a consolidação da amostra, que totaliza 96 agravos em execução. Depois, a pesquisa se debruça sobre a análise da aplicação do in dubio pro societate nas decisões, bem como sobre a discussão acerca dessa utilização, apresentando a incompatibilidade do seu uso com a função declarada do sistema progressivo da pena. Por fim, discute-se a construção de hierarquia(s) no discurso da justiça a partir da adoção do in dubio pro societate.

 

Controvérsias acerca do in dubio pro societate no processo penal

No processo de conhecimento, há fortes debates a respeito da invocação do in dubio pro societate – “na dúvida, em favor da sociedade” (NUCCI, 2016, p. 716), principalmente em dois momentos: no recebimento da denúncia e na fase de pronúncia no procedimento do júri. Estudos apontam para a utilização desmedida na jurisprudência – inclusive sedimentando a sua existência como “princípio”[5] (PEREIRA, 2011; BRETAS, 2010; DIAS, 2016; etc.). A esse respeito, Paulo Dias e Sara Zaghlout (2019, p. 12) afirmam que houve uma “espécie de metástase do in dubio pro societate”, visto que a discussão sobre a sua utilização existia no momento de proferimento da decisão de pronúncia, mas, com o tempo, passou a ser utilizado também no recebimento de denúncias e em outros procedimentos processuais penais.

Nesses dois momentos específicos do processo penal, a ideia fundamental presente na utilização do in dubio pro societate é a de que, por serem fases em que não é possível haver certeza sobre os fatos, já que as juízas e os juízes não fazem incursões aprofundadas nas provas, a dúvida militaria em favor da sociedade. Ao não se exigir essa certeza, bastaria “a presença de um mínimo de provas” para receber a peça acusatória ou “indícios suficientes de autoria ou de participação” em sede de pronúncia, condições previstas no art. 413 do Código de Processo Penal (BRASIL, 1941). Nesse segundo caso, a justificativa recai sobre a questão do juiz natural, de modo que a dúvida sobre a admissibilidade da acusação deveria ser resolvida pelo Tribunal do Júri[6], conforme a competência constitucional reservada a ele para julgar os casos de crimes dolosos contra a vida.

Dessa forma, o uso do in dubio pro societate é sustentado nos momentos de incertezas acerca das provas obtidas, a fim de condicionar a decisão judicial em favor de uma sociedade na qual o (a) acusado (a) não é incluído (a), dando prosseguimento ao processo penal e decidindo em seu prejuízo.

Apesar de parte de a doutrina defender esse entendimento (BONFIM, 2015; MIRABETE, 2000), há muitos doutrinadores que vêm se posicionando contrariamente à aplicação do in dubio pro societate, principalmente nos casos de falta de indícios para pronunciar o (a) acusado (a), defendendo a impronúncia nesses casos (NUCCI, 2016; RANGEL, 2015; LOPES JUNIOR, 2012; LIMA, 2020).

A principal crítica despendida ao seu uso na fase de conhecimento consiste na ausência de compatibilidade com o ordenamento jurídico brasileiro. A sua aplicação não encontra amparo constitucional ou legal e, segundo aponta Renato Lima (2020), deturpa as premissas racionais de valoração da prova. Nesse sentido, autores como Aury Lopes Junior (2012), Daniel Zveibil (2008) e Luis Carvalho (2006) sustentam que o único princípio compatível é a presunção de inocência, que deve ser maximizada, principalmente, nas questões relacionadas à carga da prova e às regras de tratamento direcionadas à pessoa.

A sua utilização no processo penal pressupõe uma suposta dicotomia entre o interesse público e o interesse particular – do (a) acusado(a), da pessoa em privação de liberdade –, apontado por Adriano Bretas (2010, p. 33) como posicionamento insustentável em um sistema de base garantista. Para o autor, o in dubio pro reo[7] é um princípio pro societate e se alinha às garantias individuais, à Constituição e ao Estado Democrático de Direito. Na mesma linha, Sérgio Pitombo (2003, p. 13) não encontra qualquer sentido técnico para o in dubio pro societate, nomeando inclusive de “absurdo lógico-jurídico” a sua utilização para decidir contra o (a) acusado (a), nos casos em que a acusação não foi capaz de comprovar o fato constitutivo do direito afirmado.

Se essa já é uma questão bastante criticada no processo penal, em sede de execução penal a sustentação do in dubio pro societate é ainda mais frágil e danosa, considerando o juízo de probabilidade e não de certeza nessa fase.

 

O in dubio pro societate em sede de execução penal

Os poucos estudos dedicados à temática no campo da execução penal apontam para a utilização recorrente do in dubio pro societate nas decisões, como as pesquisas de Paula Rosa (2019) que, ao se debruçar sobre o argumento da ressocialização, identifica esse uso em acórdãos do Tribunal de Justiça de São Paulo e Marília Budó e Karina Dallasta (2016), dedicadas especificamente ao estudo do in dubio pro societate, analisando 32 acórdãos do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que denegaram o pedido de progressão de regime entre os anos de 2013 e 2014.

Por já haver uma sentença condenatória imposta pelo juízo criminal, o in dubio pro societate, além de pouco tratado pela doutrina nesse campo, é dado como evidente (MARCÃO, 2015) e sem grandes discussões em torno do tema. Há quem se posicione contrariamente ao seu uso no processo de conhecimento, mas reconheça a sua compatibilidade após decisão condenatória transitada em julgado, visto que já haveria a certeza da culpabilidade, não podendo mais vigorar o in dubio pro reo (NUCCI, 2016).

Ainda que alguns entendam não vigorar a presunção de inocência na execução penal, uma vez que “tal dispositivo tem como marco final o ‘trânsito em julgado da sentença penal condenatória’” (BADARÓ, 2003, p. 411), tal posicionamento não significa, necessariamente, alinhar-se ao entendimento contrário: de que estaria vigente o in dubio pro societate. Ao reconhecer a necessidade de estabelecer a regra de julgamento a ser seguida pelo juízo no caso de incerteza, Gustavo Badaró (2003, p. 411) entende que a “decisão judicial deve ser tomada segundo o favor rei[8]”, visto ser um princípio mais amplo, que permeia o direito penal e o processo penal, mesmo nas hipóteses de não incidência do in dubio pro reo.

Em outro extremo, autores adotam o entendimento de que não há qualquer incompatibilidade entre o in dubio pro reo e a execução da pena. Segundo Lopes Junior (2007, p. 393), “[o] princípio in dubio pro reo é perfeitamente invocável no processo de execução, especialmente em momentos críticos de valoração, como ocorrem nos exames criminológicos”. O autor defende a sua aplicação em casos de dúvidas geradas, tanto em razão de laudos divergentes da equipe técnica como pela fragilidade dos argumentos invocados para desautorizar o direito pleiteado, devendo ser resolvida em benefício da pessoa. Na mesma linha, Rodrigo Roig (2018) entende ser aplicável o princípio da presunção de inocência às pessoas já definitivamente condenadas e aponta que subordinar a concessão de direitos à presunção de que o (a) condenado (a) não voltará a delinquir representa um atentado ao princípio do estado de inocência por vincular o gozo de um direito ao mero exercício de futurologia.

A partir da constatação de que a execução penal está diretamente vinculada aos princípios e às garantias do Estado de Direito, Carmen Barros (2001) sustenta que fazer prevalecer os interesses sociais na execução penal é negar o princípio da individualização da pena e as garantias constitucionais, usando a pessoa em privação de liberdade para dar satisfação à sociedade e para alcançar fins alheios às suas necessidades, ignorando sua individualidade e sua dignidade.

Esse debate se mostra presente na execução penal em razão da dúvida suscitada a respeito do “mérito” da pessoa sentenciada para obter a progressão da pena – processo de desencarceramento progressivo, alterando a qualidade da sanção com a transferência para regime de punição menos rigoroso[9], a ser tratado a seguir.

 

O sistema progressivo e os requisitos legais exigidos

A ideia de desencarceramento progressivo, conforme aponta Luís Valois (2012, p. 163), nasceu do desejo de “recuperar o criminoso” e promover uma garantia de efetividade da ressocialização como uma das funções declaradas[10] da pena de prisão. A reforma brasileira de 1984 “encontrou na pedagogia ressocializadora e na concepção meritocrática os signos ideais para edificação legislativa” (CARVALHO, 2008, p. 177), pautada pela política de prevenção do crime (e a sua reincidência) e tratamento da pessoa que cometeu delitos.

A adoção do sistema progressivo[11] como um dos pilares da execução penal foi uma escolha do legislador para “proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”, previsto no art. 1º da Lei de Execução Penal (BRASIL, 1984), priorizando-se a reeducação e a reintegração social da pessoa em privação de liberdade. Para tanto, Barros (2001) sustenta que a progressão de regime de cumprimento de penas não é prêmio, mas um direito da pessoa sentenciada.

A Lei de Execução Penal determina que é necessário o preenchimento de dois requisitos para que se obtenha o direito à progressão previstos, respectivamente, nos art. 112 e art. 112, § 1º (BRASIL, 1984): lapso temporal mínimo no regime inicial de cumprimento de pena, que varia de acordo com o crime praticado e condição de primariedade ou reincidência; e elemento disciplinar, devendo o(a) sentenciado(a) ostentar boa conduta carcerária, comprovada pelo diretor do estabelecimento, que depende da ausência de faltas disciplinares de natureza grave ou a já reabilitação delas. No momento de analisar os pedidos de progressão, cabe ao juiz ou à juíza declarar a existência dos referidos requisitos.

A modificação legislativa introduzida pela Lei Nº 10.792/2003 suprimiu a previsão expressa do exame criminológico[12] para a obtenção de direitos como progressão de regime e livramento condicional. Entretanto, devido aos questionamentos acerca da possibilidade de juízes e juízas continuar solicitando o exame criminológico, foi editada a Súmula Vinculante Nº 26[13] do Supremo Tribunal Federal e a Súmula Nº 439[14] do Superior Tribunal de Justiça, que restabeleceram a facultatividade do instrumento avaliativo.

As críticas ontológicas ao exame criminológico se concentram com maior ênfase na pretensão de obter prognóstico de reincidência e aferição da periculosidade. Para Alvino Augusto de Sá (2014), além da dose de certeza sobre a probabilidade de ocorrência de um comportamento específico no futuro ser enganosa, ao oferecer um “respaldo enganosamente seguro ao Judiciário, vai motivar e fundamentar decisões que são vitais para o examinando e toda sua família” (SÁ, 2014, p. 209).

Da mesma forma, a consideração da periculosidade para imputáveis viola o princípio da legalidade ao afrontar o sistema vicariante, que promoveu a fragmentação da resposta punitiva em dois discursos distintos de fundamentação: “sistema de culpabilidade (imputabilidade/pena) e sistema de periculosidade (inimputabilidade/medida de segurança)” (CARVALHO, 2015, p. 501). No tocante à culpabilidade como fundamento para a imposição da sanção penal, Mariângela Gomes (2011, p. 241-242) aponta que o juízo da reprovabilidade deve recair sobre “o fato do agente, e não sobre o agente do fato”, promovendo uma “superação da antiga e ultrapassada concepção de que o homem deveria ser punido devido a determinados atributos pessoais que ostentava”.

A respeito do caráter progressivo da pena, Luiz Chies (2008, p. 21) ressalta que ele consolida “uma certa dimensão dinâmica à execução das penas privativas de liberdade”, permeada por incidentes que possibilitam a sua volatilidade em relação à quantidade – por meio de institutos como a remição pelo trabalho e estudo – e qualidade – possibilidade de espaços maiores de liberdade pelo cumprimento do regime semiaberto ou aberto. Entretanto, o art. 118 da Lei de Execução Penal (BRASIL, 1984) determina que, nas situações em que o (a) sentenciado (a) praticar faltas disciplinares de natureza grave, crimes dolosos ou sofrer condenação por crime anterior, cuja soma da nova pena com a restante torne incabível o regime atual, o “sistema igualmente se flexibiliza, mas por meio da regressão, ou seja, com o enrijecimento do regime de cumprimento de pena” (CARVALHO, 2015, p. 304).

A partir da dinâmica conferida à execução penal, cabe aos juízes e às juízas decidirem os rumos do cumprimento de pena de cada sentenciado (a). Considerando o papel central conferido pela legislação à progressão de regime, a próxima parte será dedicada a compreender a função desempenhada pelo in dubio pro societate nas decisões que analisam esse direito.

 

Método de coleta do material empírico

Para a construção do corpo empírico desta pesquisa foi utilizada a consulta completa de jurisprudência organizada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo[15]. No campo “Pesquisa Livre”, foi inserida as seguintes expressões: “in dubio pro societate” entre aspas para aparecer a expressão inteira, com as palavras “progressão” e “regime”, com o conectivo “e” disponibilizado pela ferramenta de busca. Além disso, foram selecionadas as opções “2º grau” no campo “origem” e “acórdãos” no campo “Tipo de Publicação”.

Ao pesquisar o ano de 2019, foram obtidos 2.056 resultados, com variações entre 119 e 221 acórdãos nos diferentes meses. Como o interesse desta pesquisa reside no modo como o in dubio pro societate é mobilizado, não temos razão para acreditar que haverá diferença de motivação de decisões em diferentes meses no ano. Por isso, optou-se pela análise do mês de dezembro – com 142 resultados – por configurar o mais recente antes da entrada em vigor da Lei Nº 13.964, de 2019, que alterou os lapsos temporais, condicionando-os também à reincidência para a obtenção dos direitos.

Dos 142 resultados, foram excluídos os habeas corpus e todos os acórdãos que tratavam de pedidos de reconsideração sobre o livramento condicional, isolados ou em conjunto com a progressão de regime. Isso porque, nos casos em que o juiz ou a juíza analisava também o livramento condicional, outras questões – que não são o foco do presente pesquisa – eram suscitadas. Foram excluídos, também, os acórdãos cujo pedido principal residia na revisão sobre o cálculo da progressão de regime, a desclassificação de falta disciplinar de natureza grave para média e quando o in dubio pro societate não foi usado no corpo da decisão, mas constava apenas na ementa. Com isso, foram excluídos 46 acórdãos[16], restando para a análise 96 acórdãos, proferidos pelas câmaras criminais do Tribunal de Justiça de São Paulo e decididos por 28 desembargadores diferentes, com a presença de apenas duas desembargadoras na amostra[17].

A fim de analisar os acórdãos selecionados, buscou-se focar nos trechos em que o in dubio pro societate era mencionado e nos argumentos mobilizados para justificar a sua aplicação.

 

A fundamentação judicial e a utilização do in dubio pro societate nas decisões de progressão de regime

A análise buscou se debruçar sobre o sentido do in dubio pro societate e o papel que ele exerce nas decisões judiciais. Após uma análise do conteúdo dos acórdãos e dos argumentos mobilizados para sustentar as decisões tomadas, pretende-se compreender como o in dubio pro societate é utilizado e sustentado em sede de execução penal.

Conforme observado, os desembargadores utilizam esse conceito em situações nas quais constatam a existência de dúvida no tocante ao “mérito” para a obtenção da progressão de regime, afirmando estar ausente o “requisito subjetivo” exigido pela Lei de Execução Penal para permitir que a pessoa em privação de liberdade passe a cumprir sua pena em um regime menos rigoroso. Como forma de justificar essa dúvida sobre o “merecimento”, as decisões recorrem a uma série de critérios – muitos deles não previstos na legislação penal – e, por isso, a denominação de “critérios extralegais” (ROSA, 2019).

A fim de reunir os principais argumentos que se relacionam à utilização do in dubio pro societate, a análise foi dividida em três partes. As duas primeiras se dedicam a analisar os critérios mencionados pelos desembargadores para justificar a ausência de certeza no tocante ao “merecimento” para progredir de regime: questões relacionadas à personalidade, que justificariam a realização do exame criminológico como forma de aferir a periculosidade e fornecer um prognóstico de reincidência; e critérios extralegais suscitados a fim de embasar esse estado de dúvida. Por fim, analisa-se o conteúdo do in dubio pro societate e a justificativa para a sua incidência na execução penal a partir do argumento da segurança pública, que serve para negar direitos da pessoa em privação de liberdade.

 

A imprescindibilidade de realização de exame criminológico como forma de dar certeza acerca do “mérito” do sentenciado

Nas decisões judiciais analisadas, foi possível observar um raciocínio recorrente: a alegação de que o exame criminológico configura um instrumento fundamental para fornecer melhores informações acerca do mérito do (a) sentenciado (a) para a progressão de regime. Em recursos interpostos pelo Ministério Público, na maioria das vezes, pleiteava-se a cassação da decisão de progressão de regime dada pelo juiz de primeiro grau e, aliado a isso, a realização de exame criminológico. De outro lado, nos casos em que a defesa do (a) sentenciado (a) agravou a decisão, solicitava-se: (i) a progressão de regime pelo entendimento de que a valoração do exame criminológico já feito estava equivocada ou; (ii) a desnecessidade do exame para aferir o “requisito subjetivo”, quando o juiz de primeiro grau havia solicitado a sua realização.

Em todas essas situações, majoritariamente, os magistrados declararam a necessidade de realização de exame criminológico como uma “valiosa ferramenta à avaliação do quadro evolutivo dos reeducandos” (caso 1). Essa determinação é baseada no entendimento de que na execução penal vige o in dubio pro societate, o que justifica a necessidade de uma decisão pautada pela certeza da não reincidência, comprovação suficiente da cessação da periculosidade e aptidão para o retorno ao convívio social, situações que o exame criminológico poderia, em tese, fornecer, como se observa nos trechos a seguir:

E, não realizado o exame criminológico, não se pode inequivocamente afirmar que está presente o requisito subjetivo, e, por isso, de bom alvitre determinar a realização de perícia, para que com a vinda dos laudos, possa ser analisada a viabilidade da progressão, com a necessária e imprescindível instrução, até porque em sede de execução penal vige o princípio do “in dubio pro societate”. (caso 19, destaques no original).

É sempre bom pontuar que na Execução Penal vige o princípio “in dubio pro societate”, de modo que, não havendo comprovação suficiente da cessação da periculosidade da agravante, bem como sua aptidão para retornar ao convívio social, de rigor a realização de exame criminológico. (caso 10, destaques no original).

Dessa forma, devido à centralidade dada ao in dubio pro societate na execução penal, o exame criminológico é visto como forma de se aferir com mais certeza que o(a) sentenciado(a) tem condições de passar a cumprir pena em regime menos rigoroso, de modo que o atestado de boa conduta carcerária emitido pelo diretor da penitenciária não é visto como documento suficiente para tal finalidade: “embora a direção da unidade prisional tenha atestado que o sentenciado possui bom comportamento carcerário […] tal informação não se mostra suficiente” (caso 16).

A partir da falta de confiabilidade no atestado de conduta, critérios extralegais são utilizados para justificar a necessidade de uma análise mais aprofundada do mérito. É o caso do magistrado que entende ser necessária a realização do exame em razão do sentenciado cumprir “pena por crimes graves, dois deles cometidos mediante violência ou grave ameaça contra a pessoa” (caso 13).

No entendimento deles, a decisão de deferimento da progressão de regime exige a reunião de informações fundamentais que só podem ser acessadas por meio do exame, já que os “laudos técnicos fornecem ao magistrado informações que normalmente o Julgador não possui, pois foge à sua especialidade” (caso 24). As informações mencionadas com maior frequência são o prognóstico de reincidência e a suposta periculosidade:

[…] o mérito do reeducando, frise-se, somente pode ser analisado de forma satisfatória, na hipótese em tela, com a elaboração do exame criminológico completo, estudo capaz de maneira multidisciplinar [de] fazer prognóstico acerca do comportamento do sentenciado em programa mais suave de resgate da pena. (caso 2).

Assim, para a concessão da promoção prisional não basta o preenchimento do requisito objetivo, devendo ser observadas a submissão do sentenciado às regras, a cessação de sua periculosidade, assimilação da terapêutica penal, existência de comportamento carcerário satisfatório, entre outros requisitos. (caso 9).

Por fim, houve uma série de casos nos quais já havia exame criminológico e, em sede de recurso, o magistrado corroborou a valoração do exame feita pelo juiz de primeiro grau. Os principais apontamentos apresentados no exame que serviram de argumento para indeferir o pedido de progressão foram: ausência de elaboração crítica do delito cometido, ausência na demonstração de arrependimento, traços de impulsividade, elaboração deficiente de planos futuros e ausência de contatos com familiares, como se observa nos trechos a seguir:

O relatório psicológico se mostrou desfavorável […] “elabora aparentemente crítica inconsistente”, “não demonstra sinais de arrependimento, necessitando de mais um período para reflexão sobre seus atos” e “não tem consciência da moral social”, consignando, por fim, que “talvez uma progressão de regime neste momento pudesse ser precoce”. (caso 4, destaques no original).

[…] demonstrou que o reeducando apresenta hostilidade, traços de impulsividade e agressividade. Ausente, pois, o requisito subjetivo. Assim, necessária maior permanência no cárcere para absorção da terapêutica penal a revelar merecimento à progressão ao regime semiaberto para não pôr em risco a sociedade. (caso 29).

[…] segundo o exame criminológico, apresentou “senso crítico e moral ainda carentes de maior reflexão. Quanto aos delitos praticados, os assumiu de maneira superficial e parcial. Os planos para o futuro foram considerados superficiais e fragilizados”. (caso 14, destaques no original).

A pesquisa de Budó e Dallasta (2016, p. 512) também observou, nos acórdãos do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, uma valoração negativa direcionada à personalidade e às condições de vida das pessoas em privação de liberdade, a partir das informações presentes nos exames criminológicos. As autoras identificaram o uso da expressão “vulnerabilidade” atuando em prol da denegação dos pedidos de progressão de regime, servindo para delimitar fatores de risco no tocante à reincidência.

Apesar dos 96 agravos analisados nesta pesquisa não utilizarem essa expressão, fato é que a valoração dos exames tem o condão de ser utilizado pelos desembargadores como justificativa para impedir a concessão da progressão de regime, argumentando pela impossibilidade de alcançar um estado de certeza sobre comportamentos futuros dos (as) sentenciados(as) a partir do entendimento de que rege o in dubio pro societate na execução penal.

 

Critérios extralegais e a “incerteza” quanto ao mérito para o alcance da progressão

Outra questão preponderante nos acórdãos consiste na reunião de critérios extralegais para embasar a dúvida no tocante ao mérito do (a) sentenciado(a) para progredir de regime. Segundo o entendimento majoritário dos desembargadores, a legislação não condicionou a análise do mérito às informações presentes no atestado de boa conduta carcerária. Sendo assim, os magistrados entendem como relevantes para essa análise os seguintes critérios: gravidade do delito cometido, vida pregressa, faltas disciplinares já reabilitadas e longa pena a cumprir.

Em um dos acórdãos, o magistrado ressalta a necessidade de se “atentar para o histórico do preso […] crime por ele praticado, suas circunstâncias, gravidade e tempo de prisão” (caso 20). Houve casos em que foi reconhecida a impossibilidade de retorno à sociedade em razão da reiteração das condutas delituosas. Depreende-se desse entendimento que o sentenciado jamais terá direito à progressão, pois nada mais é suscitado além dos crimes cometidos:

[…] houve a prática de novo crime durante o cumprimento de pena no regime aberto, o que evidencia, sem mais bastar, sua inaptidão para o convívio em sociedade, já que não absorveu a terapêutica penal que lhe foi imposta, pois, frise-se, não se trata de um deslize, isoladamente, mas sim da reiteração de condutas que claramente impedem o seu retorno à sociedade. (caso 28).

Os critérios extralegais são utilizados de forma recorrente para justificar esse estado de dúvida em relação ao “mérito” do sentenciado, pela ausência de apresentação de “seguras mostras” de que pode ser progredido:

[…] o sentenciado não possui méritos para ser beneficiado […] cumpre longa pena por delitos graves, dentre os quais o de roubo qualificado, cometido mediante violência ou grave ameaça, que tem gerado grande temor nas pessoas, chegando mesmo, alguns indivíduos, nem sequer saírem de suas casas ao anoitecer. (caso 15).

Ao ser levantado, como argumento da defesa, que a sentença de primeiro grau carecia de fundamentação por ter se limitado à gravidade abstrata do delito para motivar o indeferimento do pedido, o magistrado afirmou que, “apesar da concisão, a decisão judicial atendera a sua finalidade, dentro do contexto em que se realizava a discussão da matéria” (caso 10), ressaltando que não se pode confundir decisão não fundamentada com decisão com fundamentação sucinta.

A conexão entre o delito praticado e a personalidade do agente é muito frequente. Um dos magistrados aponta que o delito praticado seria resultado da personalidade e de como o sentenciado se determina socialmente, além de demonstrar “personalidade enraizada no mundo marginal” (caso 11). Esses apontamentos são usados para indicar que o condenado não é merecedor do direito à progressão.

A legislação condiciona a progressão à obtenção do mérito, o que significa ser algo que deve ser conquistado ao longo do cumprimento de pena. Afirmar que o delito cometido e a sua gravidade indicam que ele não é merecedor da benesse permite indeferir todos os pedidos de progressão de regime solicitados, tendo em vista que esses fatos são inalteráveis e sempre existirão no histórico do(a) sentenciado(a).

A pesquisa de Budó e Dallasta (2016, p. 522) identifica a gravidade do crime como elemento imutável no processo de execução, utilizado para comprovar a periculosidade. As autoras ressaltam que “se a cada vez que o pedido for realizado ele for negado pela gravidade do crime, o indivíduo permanecerá em regime fechado durante toda a execução”.

Apenas um magistrado difere do entendimento majoritário, ressaltando a falta de amparo legal para a utilização desses critérios – que já foram levados em consideração no momento de calcular a pena –, além do fato de que ter “longa pena a cumprir” só demonstra que o sentenciado demorou mais tempo para pleitear a progressão de regime: “Irrelevante que o sentenciado ainda conte com significativa pena a cumprir. Justamente por ser longa é que teve de resgatar maior período para poder pleitear a progressão. Não fosse assim, o legislador não teria estabelecido em fração o requisito de tempo” (caso 5).

Um último ponto a ser suscitado se refere ao significado de individualização da pena na execução penal. Um argumento recorrente diz respeito à justificativa para a análise dos critérios extralegais aqui tratados. Na visão dessa corrente decisória, olhar para a prática de faltas disciplinares, a forma de cometimento dos delitos etc. são formas de obedecer ao princípio da individualização da pena:

A pena deve ser aplicada de forma individualizada, também em prol da ressocialização de cada penitente, razão pela qual não se aparenta adequada a linha de argumentação traçada no sentido de que, para aferir a viabilidade da progressão, basta resgatar o lapso temporal previsto em lei e ostentar comportamento carcerário classificado como “bom” à época do pedido. (caso 17, grifos no original).

Ainda nos casos em que se reconhece ser inviável utilizar esses critérios isoladamente para indeferir os pedidos, as decisões fazem uso deles para auxiliar na construção argumentativa sobre o estado de dúvida a respeito do mérito. Baseado no entendimento de que rege o in dubio pro societate, os desembargadores ressaltam que o indeferimento se apresenta como a única resposta possível para a garantia da “segurança da sociedade”, ponto a ser tratado a seguir.

A lógica do “nós x eles” nas decisões: o argumento da segurança pública para negar direitos à pessoa em privação de liberdade

O argumento de que em sede de execução penal vige o in dubio pro societate é preponderante, inclusive pontuando que não se aplica o in dubio pro reo19. Dessa forma, a dúvida sobre o merecimento do sentenciado à progressão de regime, diante das condições já tratadas anteriormente, é utilizada como argumento para indeferir os pedidos. Isso porque, de acordo com os desembargadores, a “sociedade não é obrigada a conviver com a insegurança”:

[…] o requisito subjetivo é caracterizado pelo elemento de ordem social, levando-se em consideração a reintegração de indivíduo que praticou delitos graves. Com efeito, em sede de execução penal, o princípio que rege é in dubio pro societate. E em caso de dúvida – se o condenado pode ou não obter o benefício – deve ser resolvido em favor da sociedade, a qual não é obrigada a conviver na insegurança. (caso 27, destaques no original).

Com efeito, em sede de execução penal o princípio que rege é in dubio pro societate, devendo prevalecer o interesse social sobre o particular. Assim, a dúvida acerca da concessão ou não do benefício deve ser resolvida em favor da sociedade, a qual não é obrigada a conviver na insegurança. (caso 18, destaques no original).

Os interesses da sociedade, portanto, são colocados acima dos da pessoa presa, como se houvesse incompatibilidade entre eles. Em uma decisão, inclusive, afirma-se que deve ser comprovado que a progressão é saudável para a sociedade e não para a pessoa em privação de liberdade: “deverá ser comprovado através de elementos idôneos ser salutar a progressão de regime do sentenciado não a este próprio, mas sim ao meio social” (caso 26).

Diante disso, os magistrados exigem que haja “segurança absoluta quanto à sua readaptação” (caso 25); “demonstração inequívoca de senso de disciplina e responsabilidade por parte daquele” (caso 3); “prova cabal que demonstre que o cativo se revela apto para o abrandamento do regime prisional” (caso 12); para que a sociedade não seja colocada em risco, não bastando “alguma evolução” no “aproveitamento da terapêutica penal” (caso 22). Isso porque, de acordo com eles, “a sociedade não pode servir de cobaia para a constatação de índice de recuperação de condenado” (caso 18) e negar o in dubio pro societate significaria que “a vida em sociedade representaria um ‘laboratório’ para testar a recuperação do preso” (caso 23).

Aliada a essa necessidade de certeza quanto ao mérito, alguns magistrados entendem que a progressão de regime não se constitui como um direito “absoluto” do(a) sentenciado(a), já que tal direito estaria condicionado à segurança da coletividade:

Deve ainda o sentenciado comprovar de forma cabal, que não representa perigo para a sociedade, pois, como se sabe em sede de execução de penas vige o princípio do in dubio pro societate, devendo-se destacar que progressão no regime prisional não constitui direito pleno do condenado, antes está condicionada à segurança da vida em sociedade. (caso 6).

E nem se argumente que a morosidade do Estado em conceder a progressão imediatamente, ao tempo de cumprimento de cada fração de pena, acarreta ônus à presa, posto que tal não pode efetivamente gerá-lo a toda a sociedade, que teve suas regras de conduta violadas pela agravante, mormente quando, na fase de execução de penas, vige o princípio in dubio pro societate, e porque a progressão não se configura em direito absoluto da condenada […]. (caso 7, destaques no original).

Em outro caso, o magistrado afirma que a “recuperação” deve ser alcançada antes de a progressão ocorrer, o que demonstra um posicionamento contrário à função da progressão de regime definida pelo legislador como responsável por proporcionar a ressocialização: “A inserção prematura do sentenciado em regime mais brando não pode ser concedida como estímulo à recuperação, esta que deve anteceder ao benefício pleiteado, sob risco de cair por terra todo o processo de ressocialização já realizado” (caso 12).

De um lado, há posicionamentos que mencionam a necessidade de maior tempo no regime mais rigoroso para introjeção de “valores e assimilando a terapêutica penal” (caso 21). De outro, decisões em sentido contrário consideram o cárcere como um local que promove a “adaptação às regras da prisão, que se distanciaram gradativamente das regras do convívio social em liberdade” (caso 8).

Exceção a esse entendimento ocorre apenas em cinco acórdãos julgados pelo mesmo desembargador, para quem seria incorreto afirmar que a dúvida deve ser resolvida em prol da sociedade. Segundo ele, a ideia de risco é inerente ao próprio sistema progressivo, de modo que é assumindo riscos que o Estado permitirá que o condenado demonstre êxito do processo de ressocialização e, “[s]e preferir não os correr, nenhuma possibilidade terá o sentenciado de revelar seus méritos” (caso 20).

A despeito desse entendimento minoritário, em todos os outros acórdãos o in dubio pro societate é mobilizado para denegar ou postergar a análise sobre o direito à progressão de regime a partir da produção de hierarquias no discurso da justiça: a sociedade colocada em primeiro plano e objeto de preocupação dos desembargadores é aquela representada a partir de uma cisão entre as pessoas que estão fora e as que estão dentro do cárcere, acolhendo apenas o primeiro grupo e permitindo a configuração de um “nós x eles” nos julgamentos.

 

Construção de hierarquia(s) no discurso da justiça a partir do in dubio pro societate

A partir do que foi analisado anteriormente, constata-se que qualquer fator que coloque em dúvida a segurança de uma sociedade na qual as pessoas em privação de liberdade não são inseridas serve como argumento para o indeferimento do direito à progressão de regime. A esse respeito, verificou-se que qualquer um dos elementos considerados serve, a priori, para denegar o pedido. Isso ocorre por duas razões: (i) a partir do momento em que se verifica a impossibilidade da obtenção de certeza sobre atos futuros de um indivíduo, fundamentos utilizados como o conteúdo contido nos laudos psicológicos e sociais abrem margem para uma valoração negativa das informações apresentadas sobre a personalidade do(a) sentenciado(a) ou suas relações familiares; e (ii) a utilização de elementos de natureza inalterável, como gravidade do delito cometido, vida pregressa do sentenciado e faltas disciplinares já reabilitadas, por si só, representam óbices ao direito.

Em relação ao primeiro ponto, há uma consolidada literatura que critica a busca por informações como as perseguidas nas decisões judiciais, tendo em vista a impossibilidade de se constatar a reincidência futura. As críticas são formuladas, sobretudo, por profissionais da psicologia envolvidos com os exames criminológicos, para quem não cabe a eles avaliar se os presos “merecem” ou não progredir de regime, ou presumir se voltarão ou não a delinquir, já que “a qualidade de tornar alguém digno de prêmio ou castigo e o exercício da ‘futurologia’ não são questões focais do campo do conhecimento psicológico, nem função dos psicólogos” (BANDEIRA; CAMURI; NASCIMENTO, 2011, p. 35).

Além disso, a valoração negativa feita às condições de vida e personalidade das pessoas em privação de liberdade demonstram, segundo Cristina Rauter (2003), que, a partir da ideia de que o crime seria uma anormalidade psicológica, a análise da história do indivíduo e de sua personalidade são usadas na tentativa de identificar os traços indicativos desse fato, confirmando o rótulo de “criminoso” e produzindo essa hierarquização entre os “maus”, que lotam o cárcere, e o restante da sociedade, que deve se manter em salvaguarda. Pensando ainda nos argumentos mobilizados pelo Judiciário, ao utilizar, por exemplo, a ausência de contato com familiares, é possível que se esteja negando um direito em razão de condições a que o próprio sistema carcerário sujeita o indivíduo.

Dina Alves (2017, p. 113-114) aponta para o racismo institucional do poder judiciário identificado em diversos jargões jurídicos, como “personalidade desajustada e perigosa” e “personalidade incompatível com o convívio social”. Segundo a autora, esses jargões demonstram que, embora a raça como categoria biológica seja um tabu nos discursos punitivos, “os juízes adaptam, conscientes ou inconscientemente, os discursos racializados em pressupostos subjetivos para justificar punições e criminalizar os grupos vulneráveis”.

A utilização recorrente da periculosidade aos imputáveis auxilia na configuração dessa hierarquização produzida pelo argumento do in dubio pro societate. Entretanto, considerando que a culpabilidade é a única medida de reprovação do delito e que a pena deve ser aplicada para reprovar o fato e não seu autor, “não é lícito considerar-se a personalidade perigosa ou o meio de vida do condenado para condução da execução” (BRITO, 2019, p. 113). O risco de se apoiar em uma suposta periculosidade para negar direitos individuais na execução penal assemelha-se àquele mencionado por Mariângela Gomes (2011) quando se adota a periculosidade como fundamento para a imposição da sanção criminal: utilizar o direito penal para afastar do convívio social quem não se adequa aos valores sociais e culturais dominantes pelo grupo detentor do poder.

No tocante aos critérios extralegais, na visão de Patrick Cacicedo (2018), o cometimento de faltas disciplinares já acarreta duas consequências extremamente negativas ao cumprimento de pena: impede o acesso a direitos previstos em lei durante o tempo de “reabilitação da falta” e promove a regressão de regime, o que representa uma piora concreta na forma de cumprimento da pena. Partindo da constatação de que os efeitos concretos das faltas disciplinares graves “são mais gravosos para a liberdade do que grande parte dos crimes previstos na legislação penal” (CACICEDO, 2018, p. 423), representa um prejuízo ainda maior à pessoa em cumprimento de pena não só sofrer as consequências impostas pelo cometimento da falta, mas, sobretudo ter esse histórico reiteradamente sendo utilizado em seu prejuízo.

Em relação aos outros elementos, como gravidade do delito e pena a cumprir, Barros (2001) considera que, como a individualização da pena na execução penal é voltada para o presente e para o futuro, diferente do processo de conhecimento que se funda na culpabilidade em razão do fato passado, “não é mais possível considerar a gravidade do fato, o comportamento passado do agente, o quantum da pena a ser cumprida” (BARROS, 2001, p. 242). Sobre o uso da gravidade do delito, Andrei Schmidt (2007, p. 259) sustenta que “o non bis in idem estabelece que um fato ou uma circunstância que foi sancionada ou serviu de base para a agravação de uma pena não pode ser utilizado para uma nova sanção ou agravação”. Desse princípio decorrem dois sentidos: um material, de que ninguém pode ser castigado duas vezes pela mesma infração cometida; e outro processual, de modo que ninguém pode ser julgado mais de uma vez pelos mesmos fatos.

Os critérios extralegais aqui tratados abrem margem para uma discricionariedade desmedida, pois a gravidade do delito cometido não apresenta delimitação clara, o lapso considerado como “longa pena a cumprir” varia a critério arbitrário do magistrado. Assim como o legislador já determinou um tempo mínimo que considera, em princípio, suficiente para a obtenção da progressão, também considera que o tempo necessário para a reabilitação de faltas disciplinares é suficiente para que seja permitida a progressão. Isso nos leva ao questionamento de se esses critérios não estariam funcionando, na verdade, como pena indeterminada na manutenção do (a) sentenciado(a) no cumprimento de pena em regime fechado, já que a maioria dos pedidos indeferidos pleiteava a progressão ao regime semiaberto.

Essa indeterminação da pena, a partir dos critérios discricionários utilizados pelos magistrados, representa enorme ônus à pessoa em privação de liberdade. Conforme demonstrado pelo estudo de Rafael Godoi (2017, p. 89), a relação da pessoa presa com a indefinição do processo de execução configura uma das “dimensões estruturantes” da experiência da punição, apontando que “o preso continuamente redimensiona os aspectos quantitativos e qualitativos da pena que sofre: seu tempo de duração e regime de cumprimento” (GODOI, 2017, p. 90), questionando-se “se a lei está sendo aplicada em seu proveito”, gerando angústias e incertezas.

A partir disso, há uma vasta literatura que julga que o entendimento sobre o in dubio pro societate em oposição ao in dubio pro reo em sede de execução penal não é possível. Conforme demonstra Roig (2018, p. 41-42), decisões que se orientam por critérios utilitários e periculosistas prejudicam o princípio do estado de inocência, ao inverter o ônus da prova da periculosidade do Estado para a pessoa presa, que passa a precisar provar a improcedência do juízo valorativo atribuído a ela.

A respeito da visão compartilhada na maioria das decisões analisadas de que a segurança coletiva da sociedade deve ser priorizada em relação aos direitos na execução penal, Maria Lúcia Karam (2008, p. 150) defende outro posicionamento: o de que deve haver uma “prevalência da tutela da liberdade do indivíduo sobre o poder do Estado de punir”. Deste modo, a autora critica essa visão de que “interesses abstratos de uma também abstrata sociedade” devem prevalecer sobre os direitos individuais, na medida em que conduz a um caminho marcado por “totalitarismos de todos os matizes”.

O pressuposto da utilização do in dubio pro societate como “princípio” não previsto em lei e construído judicialmente é o de uma sociedade hierarquizada e dividida entre “bons e maus”. No entanto, é sempre preciso questionar a seletividade do sistema penal:

A criminalidade não será contida (como até hoje não foi) em virtude da manutenção de alguns criminosos presos a perder de vista. É sabido que a grande maioria daqueles que praticam crimes jamais será presa ou passará pelo sistema penitenciário. (BARROS, 2001, p. 146).

Essa seletividade evidencia, conforme demonstra Eugenio Zaffaroni (2001, p. 25), que o seu poder configurador “é exercido à margem da legalidade”, uma vez que os órgãos componentes desse sistema exercem o seu poder repressivo arbitrariamente com base nos estigmas já estabelecidos.

 

Considerações Finais

A partir das reflexões desenvolvidas neste trabalho, observa-se que a adoção do in dubio pro societate como suposto “princípio” que rege a execução penal desempenha um papel determinante na produção de hierarquias no discurso da justiça e se coloca contra a pessoa em privação de liberdade ao servir como justificativa para o indeferimento dos pedidos de progressão de regime ou para a suspensão da análise do pedido a fim de que se realize o exame criminológico com vistas a investigar o “merecimento” ao alcance do direito – o que, em ambos os casos, faz com que as pessoas permaneçam por mais tempo em regime mais rigoroso.

O uso do in dubio pro societate nesses moldes representa uma negação ao modelo de ressocialização adotado pela Lei de Execução Penal. Isso porque a adoção da ressocialização significou a imposição, ao Estado, de um dever de preocupação com a reintegração da pessoa em privação de liberdade na sociedade, ainda que se questione a efetividade desse objetivo por meio da pena privativa de liberdade.

A exigência de uma certeza acerca do “merecimento” de uma pessoa para progredir a um regime menos rigoroso sob o argumento de se garantir a segurança da sociedade traz a separação entre pessoas presas e a sociedade. Se assumirmos que a pessoa em privação de liberdade continua inserida no corpo social, a premissa da oposição não é abraçada e a proteção da sociedade se torna, também, a proteção da pessoa em privação de liberdade.

Apesar das críticas recorrentes à adoção do in dubio pro societate como princípio, a jurisprudência se mantém inalterada, utilizando-o para excepcionar os direitos das pessoas cumprindo penas de prisão. A adoção de uma execução penal pautada por bases constitucionais e democráticas impede a sua utilização para obstar a conquista de direitos, exigindo uma reflexão por parte dos aplicadores do direito sobre os efeitos gerados pela continuidade dessa aplicação, por perpetuarem a lógica e a dinâmica da execução penal de servir como uma contenção incapacitante da população prisional.

 

Referências Bibliográficas

ALVES, D. Rés negras, juízes brancos: uma análise da interseccionalidade de gênero, raça e classe na produção da punição em uma prisão paulistana. Revista CS, n. 21, p. 97-120, jan./abr. 2017.

BADARÓ, G. H. Ônus da prova no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

BANDEIRA, M. M. B.; CAMURI, A. C.; NASCIMENTO, A. R. Exame criminológico: uma questão ética para a psicologia e para os psicólogos. Mnemosine, v. 7, n. 1, p. 27-61, 2011.

BARROS, C. S. de M. A individualização da pena na execução penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

BITENCOURT, C. R. Falência da pena de prisão: causas e alternativas. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

BONFIM, E. M. Curso de processo penal. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

BRAGA, A. G. Reintegração social e as funções da pena na contemporaneidade. Revista Brasileira de Ciências Criminais, v. 107, p. 339-356, maio/abr. 2014.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília/DF: Presidência da República, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 15 jul. 2020.

BRASIL. Decreto-Lei Nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Brasília/DF: Senado Federal, 1940. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em: 15 jul. 2020.

BRASIL. Decreto-Lei Nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Brasília/DF: Senado Federal, 1941. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm. Acesso em: 15 jul. 2020.

BRASIL. Departamento Penitenciário Nacional. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias. Brasília: Ministério da Justiça e da Segurança Pública, 2019. Disponível em: http://antigo.depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen. Acesso em: 18 jul. 2020.

BRASIL. Departamento Penitenciário Nacional. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias, atualização junho de 2017. Org.: Marcos Vinícius Moura. Brasília: Ministério da Justiça e Segurança Pública, Departamento Penitenciário Nacional, 2017. Disponível em: http://antigo.depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen/relatorios-sinteticos/infopen-jun-2017-rev-12072019-0721.pdf. Acesso em: 18 jul. 2020.

BRASIL. Lei Nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Brasília/DF, 1984. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm. Acesso em: 18 jul. 2020.

BRASIL. Lei Nº 10.792, de 1º de dezembro de 2003. Altera a Lei Nº 7.210, de 11 de junho de 1984 – Lei de Execução Penal e o Decreto-Lei Nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal e dá outras providências. Brasília/DF: Senado Federal, 2003. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.792.htm. Acesso em: 15 jul. 2020.

BRASIL. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) Nº 347. 09 de setembro de 2015. Brasília/DF: Supremo Tribunal Federal. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10300665. Acesso em: 8 jul. 2020.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Segunda Turma). Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo 986.566/SE. Relator: Ricardo Lewandowski, 21 de agosto de 2017. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=13482632. Acesso em: 15 jul. 2020.

BRASIL. Lei Nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019. Aperfeiçoa a legislação penal e processual penal. Brasília/DF: Senado Federal, 2019. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13964.htm. Acesso em 15 jul. 2020.

BRETAS, A. S. N. Estigma de Pilatos: a desconstrução do mito in dubio pro societate da pronúncia no rito do júri e a sua repercussão jurisprudencial. Curitiba: Juruá, 2010.

BRITO, A. C. de. Execução penal. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2019.

BUDÓ, M. de N.; DALLASTA, K. In dubio pro societate na progressão de regime: defesa social, periculosidade, vulnerabilidade. Revista Jurídica, v. 3, n. 44, p. 499-534, 2016.

CACICEDO, P. O controle judicial da execução penal no Brasil: ambiguidades e contradições de uma relação perversa. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, v. 4, n. 1, p. 413-432, jan./abr. 2018.

CARVALHO, L. G. G. C. de. Processo penal e constituição: princípios constitucionais do processo penal. 4 ed. Rio de Janeiro: Lumen, 2006.

CARVALHO, S. de. Penas e garantias. 3 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

CARVALHO, S. de. Penas e medidas de segurança no direito penal brasileiro: fundamentos e aplicação judicial. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

CHIES, L. A. B. A capitalização do tempo social na prisão: a remição no contexto das lutas de temporalização na pena privativa de liberdade. São Paulo: IBCCRIM, 2008.

DIAS, P. T. F. A adoção do adágio do in dubio pro societate na decisão de pronúncia: (in)constitucionalidade e (in)convencionalidade. Dissertação (Mestrado em Ciências Criminais) – Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2016.

DIAS, P. T. F.; ZAGHLOUT, S. A. G. A aplicação do in dubio pro societate nos feitos cíveis e criminais e o (des)prestígio à presunção de inocência. Boletim IBCCRIM, v. 27, n. 322, p. 12-14, set. 2019.

FERRAJOLI, L. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

GODOI, R. Fluxos em cadeia: as prisões em São Paulo na virada dos tempos. 1 ed. São Paulo: Boitempo, 2017.

GOMES, M. G. de M. Periculosidade no direito penal contemporâneo. In: MENDES, G. F.; BOTTINI, P. C.; PACELLI, E. (Coord.). Direito penal contemporâneo: questões controvertidas. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 237-254.

KARAM, M. L. Disciplina do livramento condicional no ordenamento jurídico-penal brasileiro e violações a direitos fundamentais. In: JÚNIOR, A. de P. M.; PINTO, F. M. (Coord.). Execução penal: constatações, críticas, alternativas e utopias. Curitiba: Juruá, 2008, p. 149-182.

LIMA, R. B. de. Manual de processo penal. Volume único. 8 ed. Salvador: JusPodivm, 2020.

LOPES JUNIOR, A. Revisitando o processo de execução penal a partir da instrumentalidade garantista. In: CARVALHO, S. de (Coord.). Crítica à execução penal. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.

LOPES JUNIOR, A. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

MARCÃO, R. Curso de execução penal. 13 ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

MIRABETE, J. F. Processo penal. 10 ed. São Paulo: Atlas, 2000.

NUCCI, G. de S. Código de processo penal comentado. 15 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.

PEREIRA, M. F. R. Acusar ou não acusar? Eis a questão… O in dubio pro societate como forma perversa de lidar com a dúvida no processo penal brasileiro. Revista Espaço Acadêmico, v. 10, n. 117, p. 40-46, fev. 2011.

PITOMBO, S. M. de M. Pronúncia e o in dubio pro societate. Revista da Escola Paulista da Magistratura, v. 4, n. 1, p. 9-23, jan./jun. 2003.

RANGEL, P. Direito processual penal. 23 ed. São Paulo: Atlas, 2015.

RAUTER, C. Criminologia e Subjetividade no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 2003.

ROIG, R. D. E. Execução penal: teoria crítica. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2018.

ROSA, P. N. M. A função ressocializadora de acordo com o Poder Judiciário: encarceramento em massa e responsabilidade estatal. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2019.

SÁ, A. A. de. Criminologia Clínica e Execução Penal: proposta de um modelo de terceira geração. 1 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.

SÁ, A. A. de. Criminologia Clínica e Psicologia Criminal. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.

SCHMIDT, A. Z. Direitos, deveres e disciplina na execução penal. In: CARVALHO, S. de (Coord.). Crítica à execução penal. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.

TOURINHO FILHO, F. da C. Processo penal. 34 ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

VALOIS, L. C. Conflito entre ressocialização e princípio da legalidade penal. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.

ZAFFARONI, E. R. Em busca das penas perdidas: a perda da legitimidade do sistema penal. Tradução: Vania Romano Pedrosa e Amir Lopez da Conceição. 5 ed. Rio de Janeiro: Revan, 2001.

ZVEIBIL, D. G. O arbítrio palavreado no processo penal: breve ensaio sobre a pronúncia e o in dubio pro societate. Revista Brasileira de Ciências Criminais, v. 16, n. 74, p. 281-298, set./out. 2008.

 

[1] O plenário do STF, em sede de medida cautelar na ADPF Nº 347/DF, reconheceu o estado de coisas inconstitucional referente ao sistema carcerário, em 2015. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10300665. Acesso em: 8 jul. 2020.

[2] De acordo com o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), em 2019, o Brasil já apresentava uma população prisional de 748.009 pessoas, das quais 362.547 estavam cumprindo pena no regime fechado, 133.408 no regime semiaberto e 25.137 no regime aberto (BRASIL, 2019).

[3] No presente artigo, optou-se por não se referir ao in dubio pro societate com expressões frequentemente utilizadas, como “princípio”, “brocardo”, “axioma” e “aforismo”. Essa opção delineia uma escolha política da pesquisadora de não reproduzir termos que carregam grande carga valorativa e justificam a sua existência no campo jurídico.

[4] “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (BRASIL, 1988).

[5] Conforme observa Daniel Zveibil (2008, p. 283, destaques no original), “[…] a jurisprudência brasileira beira a unanimidade ao aceitá-lo como se regra jurídica válida fosse e naturalmente oposta ao in dubio pro reo, valendo-se do in dubio pro societate para legitimar decisões de pronúncia muitas vezes injustificadas”.

[6] “[…] na sentença de pronúncia deve prevalecer o princípio in dubio pro societate, não existindo nesse ato qualquer ofensa ao princípio da presunção de inocência, porquanto tem por objetivo a garantia da competência constitucional do Tribunal do Júri” (ARE Nº 986.566/SE-AgR, Segunda Turma, DJ de 30/08/17).

[7] Luigi Ferrajoli (2002, p. 441) sustenta que o in dubio pro reo decorre do princípio constitucional da presunção de inocência, “fruto de uma opção garantista a favor da tutela da imunidade dos inocentes, ainda que ao custo da impunidade de algum culpado”.

[8] O favor rei determina que, nos casos de dúvida acerca da interpretação da norma legal, a obrigação é escolher aquela mais favorável ao réu (TOURINHO FILHO, 2012, p. 96).

[9] O Código Penal, em seu art. 33, prevê três regimes de pena: fechado, semiaberto e aberto, que diferem quanto ao âmbito de liberdade proporcionado aos condenados (BRASIL, 1940). Por ser progressiva a pena, é sempre provisória a indicação sobre o regime de cumprimento inicial, ocorrendo adequação da sanção durante a execução.

[10] A expressão se baseia na divisão feita por Ana Gabriela Braga (2014, p. 340) sobre os discursos em torno das funções da pena em dois grupos: funções declaradas e não declaradas. As declaradas são definidas como “enunciados criados pela dogmática penal tradicional […] que prescrevem um dever ser e que legitimam o funcionamento de justiça”.

[11] O modelo progressivo da pena foi adotado, inicialmente, na Espanha (1834), mas foi a obra de Maconochie, na Austrália, que trouxe significativas transformações no sistema penitenciário, ao adotar o Sistema Progressivo Inglês (Mark System), marcado pela substituição dos castigos pelos prêmios (BITENCOURT, 2011, p. 98).

[12] O exame é responsável por produzir um diagnóstico – análise das condições pessoais, psicológica, familiares, sociais e ambientais associadas ao comportamento tipificado pelo direito penal – e um prognóstico criminológico – avaliação dos “possíveis desdobramentos futuros da conduta do examinando” (SÁ, 2011, p. 140).

[13] “Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade […] sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos […], podendo determinar […] de modo fundamentado, a realização de exame criminológico”.

[14] “Admite-se o exame criminológico pelas peculiaridades do caso, desde que em decisão motivada”.

[15] Disponível em: https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/resultadoCompleta.do. Acesso em: 10 jul. 2020.

[16] 27 acórdãos tratavam de livramento condicional e 19 dos demais casos.

[17] Até aqui, o artigo utilizou o masculino e o feminino para se referir aos(às) magistrados(as). A seguir, entretanto, será utilizado o masculino universal em razão da presença majoritária de desembargadores relatores na amostra. As únicas duas mulheres foram relatoras em apenas quatro dos 96 acórdãos.