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ANÁLISE DE ALGUMAS RECENTES DECISÕES TRIBUTÁRIAS DO STF EM SEDE DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

ANÁLISE DE ALGUMAS RECENTES DECISÕES TRIBUTÁRIAS DO STF EM SEDE DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

Karol Araújo Durço

SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 O Controle de Constitucionalidade; 2.1 Breves Notas sobre a Origem e o Desenvolvimento do Controle de Constitucionalidade; 2.2 Os Pressupostos para o Controle de Constitucionalidade e os Modelos ou Sistemas de Controle de Constitucionalidade; 2.3 O Controle de Constitucionalidade no Brasil; 2.4 Teorias Contemporâneas sobre o Controle de Constitucionalidade. 3 Análise das Recentes Decisões do Supremo Tribunal Federal em Sede de Controle de Constitucionalidade Tributária; 3.1 As Decisões nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade 2.732, 4.481, 4.628, 4.259, 4.511 e 1.942 e no Recurso Extraordinário 723.651; 3.2 Análise das Posições do Supremo Tribunal Federal à Luz das Teorias Contemporâneas sobre o Controle de Constitucionalidade. 4 Conclusão. 5 Referências.

                                  

1 Introdução          

O escopo do presente trabalho consiste na análise da jurisprudência tributária do Supremo Tribunal Federal – STF, em matéria de controle de constitucionalidade, a partir de alguns casos recentes e à luz das teorias contemporâneas sobre o controle de constitucionalidade.

Para cumprir tal tarefa, parte-se de uma pesquisa em fontes secundárias, investigando-se a legislação do Brasil, além dos ensinamentos de autores brasileiros e estrangeiros, a fim de construir o aporte teórico necessário para se empreender uma investigação crítica da postura do STF.

No primeiro capítulo, o foco foi revisitar o tema do controle de constitucionalidade, realizando um resumo de sua origem e desenvolvimento, passando pelos pressupostos, modelos ou sistemas de controle para, em seguida, expor como se dá o controle de constitucionalidade no Brasil e quais são as nuances de algumas das teorias contemporâneas sobre o tema. Tais teorias, em face do contorno limitado do presente estudo, são apresentadas de forma bastante sintetizada, apenas expondo seus principais argumentos, para que seja possível explicitar, minimamente, o arcabouço teórico para se empreender a pretendida análise da postura do STF.

No segundo capítulo, inicia-se apresentando algumas das mais recentes decisões do STF em sede tributária. Optou-se por priorizar decisões em sede de controle concentrado de constitucionalidade, fazendo menção a um único caso de controle difuso. No item seguinte, a partir das premissas assentadas no primeiro capítulo e em face das decisões apresentadas na primeira parte deste segundo capítulo, empreendeu-se a análise destes julgados, sob um viés de sua legitimidade democrática e com base no papel da Constituição no Estado de Direito contemporâneo.

Ao final, seguem-se as conclusões decorrentes deste breve ensaio.

2 O Controle de Constitucionalidade                        

2.1 Breves Notas sobre a Origem e o Desenvolvimento do Controle de Constitucionalidade

Em 1803, no célebre caso William Marbury vs. James Madison, a Suprema Corte norte-americana, com base no voto do Juiz John Marshall, criou o precedente de deixar de aplicar a lei infraconstitucional contrária à Constituição (BARROSO, 2012, p. 24-28).

Em face do princípio vinculativo herdado do sistema britânico – stare decisis quieta movere -, tal precedente se tornou obrigatório não só para a própria Suprema Corte como também para os demais Tribunais. Ou seja, restou definida para a própria Corte e para os demais Tribunais a competência de expressar o significado da Lei Maior, por meio do seu poder de verificar a compatibilidade das leis em face da Constituição, ou dos atos dos demais ramos do Poder (Legislativo e Executivo) em face da Constituição.

Com o passar do tempo, a Corte começou a verificar não só a compatibilidade formal da lei ou do ato em face da Constituição como, até mesmo, os aspectos materiais, chegando a deixar de aplicar a lei que se entendeu contrária, ou mesmo desarrazoada, em face, inclusive, dos princípios implícitos que se extraem do texto da Lei Maior.

Na verdade, em última análise, o patamar de atuação do aplicador constitucional está muito além da técnica jurídica, pois expressa a vontade política, o modo de ser, os valores que realmente importam na sociedade, pois estes são os ilimitados horizontes do poder constituinte.

Para compreender melhor o que isso significa, são ilustrativas as palavras de Charles Evans Hughes, ex-Presidente da Suprema Corte, antes mesmo de meados do século XX, quando afirmou: “We are under the constitution, but the constitution is what we say it is“. Frase que, em tradução livre, quer dizer: “Nós [o povo dos Estados Unidos] vivemos sob a Constituição, mas ela é o que nós [os juízes da Suprema Corte] dizemos que é” (SLAIBI FILHO).

Pois bem, fato é que esse movimento, iniciado no sistema norte-americano a partir da segunda metade do século XX, fortificou-se, espalhando a preocupação em se adotar alguma forma de controle para boa parte dos países ocidentais. Até então, a maioria dos países não tinha qualquer mecanismo de controle repressivo e, muito menos, judicial, vez que qualquer forma de controle era vista como antidemocrática e, em especial, o controle judicial, por permitir um “governo de juízes” (LAMBERT, 2005).

Mas com os horrores da Segunda Guerra Mundial, percebeu-se a necessidade da adoção de alguma forma de controle de constitucionalidade como mecanismo de garantia de direitos em face de maiorias de ocasião. Isso ocorreu na própria Alemanha, com previsão na Lei Fundamental de 1949, seguida da Itália, na Constituição de 1947, na mesma linha a França, na Constituição de 1958, anos depois Portugal e Espanha, em suas Constituições da década de 1970. O mesmo caminho seguiu o Canadá, em sua Carta de Direitos e Liberdades de 1982, e também a América Latina e o Leste Europeu, cuja maioria dos países adotou um sistema de controle nas Constituições promulgadas nos anos 1980 e 1990 (BARROSO, 2012, p. 383).

Conforme será detalhado em item posterior, o Brasil conta com um controle de constitucionalidade desde o advento da República, ou seja, com a promulgação da Constituição de 1891 (BARROSO, 2012, p. 57). Inicialmente, por influência de Rui Barbosa, adotou-se o modelo norte-americano do judicial review. Atribuiu-se a todos os juízes nacionais a possibilidade de realizarem, em casos concretos, o controle de constitucionalidade das leis (controle difuso e concreto). Por sua vez, a partir da Emenda Constitucional nº 16, de 1965, foi introduzido na Constituição de 1946 o controle abstrato e concentrado, inspirado na matriz kelseniana, embora não tenha desempenhado papel relevante até a Constituição de 1988.

Portanto, foi com o reconhecimento da centralidade da Constituição para o sistema jurídico que se consolidou a ideia de controle de constitucionalidade. Todo sistema de controle tem por base sua consideração como Lei Suprema. Quando a Constituição era tida por mera norma programática, não havia preocupação com a compatibilidade de institutos e leis com suas previsões.

2.2 Os Pressupostos para o Controle de Constitucionalidade e os Modelos ou Sistemas de Controle de Constitucionalidade        

Seguindo esta mesma linha, importante pontuar os pressupostos para o controle de constitucionalidade e os principais modelos ou sistemas que se desenvolveram, ao longo do século XX, em diversos países ocidentais.

Como principais pressupostos, para que seja possível um controle de constitucionalidade, tem-se a existência de uma Constituição formal (escrita), a compreensão da Constituição como lei fundamental (rigidez e supremacia) e a existência de órgão dotado de competência para realização da fiscalização.

Quanto à existência de uma Constituição formal, ou seja, de uma Constituição escrita, resta evidente sua necessidade para que seja possível o exercício do controle de constitucionalidade, vez que necessária uma referência sólida e concreta a fim de permitir o controle. Seria inviável o estabelecimento de mecanismos de controle sem a existência formal de um texto constitucional, já que, neste contexto, o controle poderia se confundir com o próprio poder de definir regras constitucionais, o que não é o objetivo deste instrumento jurídico.

Em relação à rigidez e à supremacia, vinculadas à noção de Constituição como lei fundamental, são pressupostos para existência do controle de constitucionalidade tendo em vista que só é possível se pensar na realização de um comparativo a partir da existência de uma base sólida, de um referencial normativo rígido. Evidentemente, por outro lado, que como a ideia central do controle é afastar quaisquer instrumentos normativos contrários à Constituição, tal postura só se faz possível considerando-se as normas constitucionais hierarquicamente superiores às demais normas. Mas não é só isso, as normas constitucionais, além de formalmente superiores, devem ser encaradas, também, como materialmente superiores, o que remete à ideia de supremacia constitucional.

Por fim, para haver controle, é lógico que tem de haver alguém que exerça esse controle, restando, portanto, a imprescindibilidade de um órgão dotado de competência para realização desta fiscalização.

Pois bem, a partir destas noções e pressupostos, desenvolveram-se, nos países ocidentais, ao longo do século XX, alguns sistemas de controle (BARROSO, 2012, p. 45-56), quais sejam: o sistema político, também conhecido como modelo francês, que é realizado por órgão político; o sistema jurisdicional, seja o modelo austríaco ou norte-americano, que é realizado por órgão jurisdicional, sendo concentrado e abstrato o austríaco, difuso e concreto o americano; o sistema misto, ou seja, político e jurisdicional repressivos, também conhecido como modelo suíço. Na Suíça, os atos normativos federais sofrem controle político e os atos normativos locais sofrem controle jurisdicional; por fim, o sistema híbrido, existente no Brasil, que é preventivo sob um ponto de vista político, sendo definido pela possibilidade de veto presidencial, nos termos do § 1º do art. 66 da CF e também pela existência, em ambas as casas do Congresso Nacional, de Comissões de Constituição e Justiça, que precisam aprovar todos os projetos de lei em tramitação. O controle híbrido brasileiro comporta, ainda, um lado repressivo jurisdicional, que envolve os controles concentrado e difuso e, por fim, excepcionalmente, um controle repressivo exercido pelo Poder Legislativo no caso específico das medidas provisórias. Outros detalhes do sistema de controle brasileiro serão apresentados no próximo ponto.

2.3 O Controle de Constitucionalidade no Brasil   

Conforme exposto, o sistema brasileiro pode ser apontado como sendo um sistema híbrido, que possui características bastante peculiares. Neste tópico, a intenção é apenas pontuar algumas nuances relacionadas ao controle repressivo jurisdicional (BARROSO, 2012, p. 57-67), já que é ele que se refere mais de perto ao objeto do presente ensaio.

No controle difuso, como o nome sugere, a principal característica é a competência atribuída a qualquer órgão em qualquer grau de jurisdição. Pode ocorrer em qualquer ação por alegação de qualquer pessoa. A alegação é sempre incidental, como fundamento do pedido principal.

Portanto, a análise da constitucionalidade do ato normativo é questão prejudicial que deve ser apreciada pelo Poder Judiciário para o deslinde do caso concreto.

É considerada como causa de pedir ou razão de decidir, jamais como pretensão principal. Na primeira instância, não existe qualquer especificidade de procedimento, bastando que o magistrado se pronuncie quanto à inconstitucionalidade na sentença. Nos Tribunais, o procedimento é definido pelos arts. 948-950 do CPC, pelo art. 97 da CF e pela Súmula Vinculante nº 10 do Supremo Tribunal Federal, restando condicionado à denominada cláusula de reserva de plenário (maioria absoluta), e julgamento pelo órgão pleno ou especial.

No controle difuso, quando proferido pelo Supremo Tribunal Federal – STF, o que ocorre, em regra, pela via do recurso extraordinário, é possível a comunicação ao Senado para que este, livremente, suspenda a eficácia do ato inconstitucional por meio de resolução (art. 52, X, da CF). Tal decisão terá efeito ex tunc.

Vale observar, contudo, que, mesmo sem tal comunicação, as decisões dadas pelo Supremo Tribunal Federal – STF no controle difuso têm se aproximado do controle abstrato, tendo em vista as recentes reformas constitucionais e processuais. Ex.: súmula vinculante; repercussão geral (relevância e transcendência); causas repetitivas; reclamação; poderes monocráticos do relator, etc. Tal situação restará melhor evidenciada no capítulo seguinte.

O sistema brasileiro conta, ainda, com o chamado controle concentrado ou abstrato ou por ação, que, como já mencionado, surgiu depois do difuso, ganhando importância apenas após a Constituição Federal de 1988. Fala-se concentrado porque o órgão competente é sempre um Tribunal específico, ao contrário do difuso, que é exercido por qualquer magistrado. Por sua vez, é abstrato porque o Tribunal trabalha como legislador negativo, ou seja, retira do sistema uma norma geral e abstrata, motivo pelo qual se distancia de um controle concreto, que se dá apenas em um caso específico. É denominado, ainda, controle por ação, porque neste caso o pedido de declaração de inconstitucionalidade não é incidental, mas antes o pedido principal. Portanto, é um controle por ação, e não por exceção, no sentido processual dos termos.

No sistema brasileiro, em âmbito federal, compete ao Supremo Tribunal Federal – STF o papel de Corte Constitucional, ou seja, é a ele que cabe a última palavra em matéria de interpretação constitucional. Tal controle ocorre por meio das seguintes ações: ação direta de inconstitucionalidade (ADIn): por ação (art. 102, inciso I, a, da CF) ou omissão (§ 2º do art. 103 da CF) e Lei nº 9.868, de 10 de novembro de 1999; ação direta de constitucionalidade (art. 102, inciso I, a, da CF); ação de descumprimento de preceito fundamental (§ 1º do art. 102 da CF) e Lei nº 9.882, de 3 de dezembro de 1999; ação direta interventiva ou requisição interventiva (art. 36 da CF). Em face dos limites do presente estudo, não serão abordados outros detalhes em relação a tais instrumentos processuais.

Por fim, resta importante pontuar a possibilidade de limitação/modulação temporal dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, que é a possibilidade do Supremo Tribunal Federal, por 2/3 dos seus membros (oito ministros), alterar a data em que iniciará a produção de efeitos da declaração de inconstitucionalidade de uma norma. Isso se dá em razão da proteção à segurança jurídica ou de excepcional interesse social. Trata-se de uma exceção à regra, tendo em vista que a decisão passa a ter efeito ex nunc ao invés de ex tunc.

Destarte, uma decisão que modifique a data de início da produção de seus efeitos pode ser prolatada das seguintes maneiras: a partir de seu trânsito em julgado ou a partir da data a ser fixada pelo STF, tudo conforme o art. 27 da Lei nº 9.868/99.

2.4 Teorias Contemporâneas sobre o Controle de Constitucionalidade       

Ainda neste primeiro capítulo, mostra-se indispensável apresentar, mesmo que de forma superficial, algumas das principais teorias sobre o controle de constitucionalidade. Entende-se importante tal abordagem porque o tema relativo ao controle de constitucionalidade, não obstante se tratar de instituto generalizado nos sistemas jurídicos contemporâneos, não é aceito pacificamente. Isso ocorre porque a legitimidade para o exercício do poder de controle sempre é posta em discussão em diversos debates teóricos e com os mais variados argumentos e fundamentos. Tal abordagem resta, igualmente, indispensável a fim de construir a base para uma visão crítica da posição do Supremo Tribunal Federal – STF em matéria tributária, que será objeto do capítulo seguinte e que é o cerne deste ensaio.

Pois bem, um dos autores que apresenta severas críticas ao controle de constitucionalidade jurisdicional é Jeremy Waldron (CONSANI, 2014). Este autor defende a denominada dignidade da legislação e do Poder Legislativo (supremacia do Legislativo). Afirma que não existe supremacia constitucional, mas em última análise supremacia daquele que tem o poder de dizer o que é a Constituição (WALDRON, 2006). Nesse sentido, sustenta que as questões de inconstitucionalidade têm de ser resolvidas no próprio parlamento, já que lá estão os representantes do povo. Reconhece, de todo modo, que a efetividade desta forma de controle depende de uma sociedade razoavelmente democrática e de uma cultura de valorização dos direitos humanos. Portanto, excepcionalmente, admite o controle judicial em cenários patológicos, ou seja, em contextos sociais de instituições disfuncionais; formas endêmicas de preconceito; ou de cultura refratária a direitos.

Outro severo crítico de um controle jurisdicional é Larry Kramer (2004). O autor sustenta que o caso histórico, que iniciou o controle de constitucionalidade norte-americano mencionado no início do presente artigo, foi um grande erro de interpretação. Não se poderia depreender nunca do julgado a necessidade de controle de constitucionalidade. Os artífices da Constituição nunca imaginaram atribuir a última palavra sobre o significado da Constituição a órgãos não legitimados pelo voto do povo. Denuncia que, em última análise, esta supremacia judicial é assentada em uma atitude preconceituosa das elites em relação ao povo. Afirma que, neste contexto, o Direito Constitucional passou a ser visto como algo complexo para ser entendido pelo homem comum, sustentando que essa complexidade é produto da judicialização. Diante disso, defende uma proposta de constitucionalismo popular.

Sob outro aspecto, Mark Tushnet (1999) apresenta objeção ao controle judicial com base no fato de que as decisões da Corte Constitucional também são com base no princípio da maioria. Afirma que o principal problema da supremacia judicial seria promover a irresponsabilidade dos legisladores. Rejeita tal sistema de controle, mesmo que fosse restrito apenas a eventuais violações à garantia das precondições da democracia, pois entende que se for atribuído esse poder ao Judiciário o mesmo tenderia a fazer muito mais do que isto. Rejeita, inclusive, para solucionar crises políticas graves, vez que não considera o Judiciário capaz de superá-las. Mais recentemente, abrandando o radicalismo de sua posição, passou a admitir a participação do Judiciário no diálogo com outros poderes para fins de solução em sede constitucional.

Para além destes autores, que rejeitam completamente o controle jurisdicional, têm-se diversas outras posições. Um interessante debate é travado entre os adeptos do denominado “minimalismo“, como são Alexander Bickel (1964) e Cass Sunstein (1999) e os defensores do “constitucionalismo democrático“, como é o caso de Reva Siegel e Robert Post (SARMENTO, 2015).

Para os primeiros, os juízes devem decidir os casos de forma estreita e não criar regras amplas. Afirmam que a decisão da Corte pode ativar forças opostas e desmobilizar os atores políticos que ela favorece, representando verdadeiro retrocesso na discussão e mesmo na capilarização social de determinada ideia ou posição. Esse movimento é denominado refluxo social. Sustentam que deixar em aberto questões constitucionais mais fundamentais promove a deliberação democrática, reforçando e consolidando eventual posicionamento dominante.

Por sua vez, os adeptos do constitucionalismo democrático afirmam que o papel do Judiciário seria o de garantir a interpretação da Constituição em um contexto marcado pelo pluralismo. O constitucionalismo democrático afirma o papel do governo representativo e dos cidadãos mobilizados na garantia da Constituição, ao mesmo tempo em que defende o papel das Cortes na utilização de um raciocínio técnico-jurídico para interpretar a Constituição. Ademais, reconhece o papel essencial dos direitos constitucionais judicialmente garantidos na sociedade, legitimando a atuação do Judiciário por meio da utilização de princípios constitucionais de abertura argumentativa no processo de interpretação constitucional. Em síntese, defendem que as questões fundamentais podem e devem ser solucionadas pelo Judiciário à luz das disposições constitucionais.

Interessante teoria, e que também merece breve menção, é a “teoria dos diálogos institucionais“, cujo um dos precursores é Stephen Gardbaun (SARMENTO, 2015). Tal teoria envolve a ideia do estabelecimento de mecanismos que implicam a interação e a cooperação de duas ou mais instituições pertencentes a poderes estatais distintos para fins de resolução de controvérsias sobre constitucionalidade, sem que haja a predefinição da supremacia da atividade decisória de uma dessas instituições em face da outra. Tende a ser uma posição intermediária entre o controle judicial de constitucionalidade das leis e a soberania do parlamento. Contudo, as regras para o funcionamento prático deste “diálogo institucional” precisariam ser mais bem definidas, sob pena de inviabilidade de qualquer solução diante de impasses.

Tem-se, também, a “teoria das capacidades institucionais“, proposta por Adrian Vermeule (SARMENTO, 2015). O autor afirma a necessidade de avaliar, adequadamente, as capacidades reais dos agentes julgadores. Trata-se de uma tentativa de superar a “falácia do nirvana“, a qual compara o melhor cenário de uma instituição (ex.: Judiciário) com o pior cenário de outras instituições (ex.: Legislativo). A ideia central é, ao invés de buscar a interpretação perfeita, buscar avaliar como seria se certas instituições, com suas habilidades e limitações, interpretassem determinados textos. Diante disso, ao serem avaliadas as limitações às quais o Poder é submetido, em comparação com o conjunto de mecanismos disponíveis em outras instituições, poder-se-ia chegar ao entendimento de que o Judiciário não ocupa o melhor lugar para resolver as questões que lhe são apresentadas. De uma forma ou de outra, assim como ocorre com a “teoria dos diálogos institucionais“, tal teoria parece exigir uma melhor sistematização de critérios para uma aplicação prática.

Um último debate digno de nota, e que poderá servir de aporte teórico para uma análise crítica da atuação do Supremo Tribunal Federal – STF em sede de controle de constitucionalidade tributário, é aquele travado entre os “procedimentalistas“, como Habermas, Hart e Marcelo Cattoni, e os “substancialistas“, como é o caso de Ronald Dworkin e Lenio Streck.

Para os “procedimentalistas“, o papel da Constituição seria o de definir as regras do jogo político, assegurando sua natureza democrática. Afirmam a necessidade de defesa de direitos que são pressupostos para o funcionamento da democracia, p. ex., liberdade de expressão, associação política, etc. Esta corrente possui como fundamento último o princípio democrático, tendo em vista a busca por procedimentos que asseguram a formação democrática da opinião e da vontade (HABERMAS, 2003). Neste contexto, a jurisdição constitucional teria uma postura de autocontenção, com exceção apenas da defesa dos pressupostos da democracia, devendo a Constituição ser encarada como um simples instrumento de governo, definidor de competências e regulador de procedimentos.

Ao revés, o “substancialismo” entende pela legitimidade de decisões substantivas pela Constituição. Defende um papel mais ativo para a jurisdição constitucional, que deve explicitar e impor os valores previstos na Constituição. Afirmam que o objeto último da Constituição seria transformar-se num plano global que determina tarefas, estabelece programas e define fins para o Estado e para a sociedade. Em síntese, “trabalha na perspectiva de que a Constituição estabelece as condições do agir político-estatal, a partir do pressuposto de que a Constituição é a explicitação do contrato social (contrato social também deve ser entendido a partir do paradigma hermenêutico, e não como um ponto de partida congelado)” (STRECK, 2003, p. 271).

Pois bem, apresentadas as linhas gerais de algumas das principais teorias contemporâneas sobre o controle de constitucionalidade, resta delinear algumas das decisões do Supremo Tribunal Federal – STF, em sede tributária, para, em seguida, apresentar-se uma abordagem crítica destas posições, a fim de incrementar o debate democrático sobre o papel da Corte Constitucional no Estado de Direito contemporâneo.

3 Análise das Recentes Decisões do Supremo Tribunal Federal em Sede de Controle de Constitucionalidade Tributária            

Ao longo dos últimos anos, o Supremo Tribunal Federal – STF vem intensificando sua atuação e incursões em diversos temas de importância social, adotando, paulatinamente, uma posição ativa na definição de soluções de conflitos que deságuam na Corte, seja em sede de controle difuso, pela via do recurso extraordinário, seja em sede de controle concentrado, pela via das ações diretas de controle, conforme anteriormente apresentadas.

Em sede tributária, tal postura não tem sido diferente, sendo certo que a pretensão desta parte do estudo é apresentar a posição da Corte em recentes decisões em tema tributário, para posterior análise à luz de algumas das teorias contemporâneas sobre o controle de constitucionalidade, antes explicitadas.

3.1 As Decisões nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade 2.732, 4.481, 4.628, 4.259, 4.511 e 1.942 e no Recurso Extraordinário 723.651          

No julgado da Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.732, proveniente do Distrito Federal, cuja relatoria foi atribuída ao Ministro Dias Toffoli, o Tribunal Pleno, por unanimidade, em 7 de outubro de 2015, entendeu pela constitucionalidade do art. 3º da Emenda Constitucional nº 29/03, que, alterando o § 1º do art. 156 da Constituição Federal, instituiu a progressividade fiscal do Imposto Predial Territorial Urbano – IPTU. Tal julgado reafirmou, agora em sede de controle concentrado, entendimento firmado em controle difuso, quando do julgamento do Recurso Extraordinário 423.768/SP, com relatoria do Ministro Marco Aurélio, oportunidade em que o Plenário do STF refutou a tese da inconstitucionalidade da EC nº 29/03, na parte em que modificou o arquétipo constitucional do IPTU para permitir o uso do critério da progressividade como regra geral de tributação, em acréscimo à previsão originária da Carta Magna, calcada no art. 185, § 4º, inciso II, que trata da progressividade sancionatória do imposto pelo desatendimento da função social da propriedade imobiliária urbana. Em ambos os julgados, a Corte afirmou não vislumbrar a presença de incompatibilidade entre a técnica da progressividade e o caráter real do IPTU, uma vez que a progressividade constitui forma de consagração dos princípios da justiça fiscal e da isonomia tributária.

Outra recente decisão em sede de controle concretado, que reafirma e consolida o entendimento do Tribunal manifestado em decisões anteriores, diz respeito ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS. Na Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.481, proveniente do Paraná, com relatoria do Ministro Roberto Barroso, o Tribunal Pleno, em março de 2015, por unanimidade, reafirmou entendimento de que lei estadual que institui benefícios fiscais relativos ao ICMS, sem prévio convênio interestadual, ofende o art. 155, § 2º, inciso XII, alínea g, da Constituição Federal, motivo pelo qual merece ser declarada inconstitucional. Cumpre ressaltar, de todo modo, que no referido julgado, com base nos princípios da boa-fé e da segurança jurídica, o Tribunal, por maioria, optou, ainda, por modular os efeitos da inconstitucionalidade, definindo como data inicial da produção de efeitos a data da sessão de julgamento. Para ilustrar melhor, segue transcrita a ementa com a síntese do julgado:

I – TRIBUTÁRIO. LEI ESTADUAL QUE INSTITUI BENEFÍCIOS FISCAIS RELATIVOS AO ICMS. AUSÊNCIA DE CONVÊNIO INTERESTADUAL PRÉVIO. OFENSA AO ART. 155, § 2º, XII, G, DA CF/88. II – CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. MODULAÇÃO DOS EFEITOS TEMPORAIS. 1. A instituição de benefícios fiscais relativos ao ICMS só pode ser realizada com base em convênio interestadual, na forma do art. 155, § 2º, XII, g, da CF/88 e da Lei Complementar nº 24/75. 2. De acordo com a jurisprudência do STF, o mero diferimento do pagamento de débitos relativos ao ICMS, sem a concessão de qualquer redução do valor devido, não configura benefício fiscal, de modo que pode ser estabelecido sem convênio prévio. 3. A modulação dos efeitos temporais da decisão que declara a inconstitucionalidade decorre da ponderação entre a disposição constitucional tida por violada e os princípios da boa-fé e da segurança jurídica, uma vez que a norma vigorou por oito anos sem que fosse suspensa pelo STF. A supremacia da Constituição é um pressuposto do sistema de controle de constitucionalidade, sendo insuscetível de ponderação por impossibilidade lógica. 4. Procedência parcial do pedido. Modulação para que a decisão produza efeitos a contatar da data da sessão de julgamento.”

Tema igualmente relevante em matéria de ICMS foi tratado na Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.628, proveniente do Distrito Federal. Com relatoria do Ministro Luiz Fux, restou julgada procedente, em setembro de 2014, por unanimidade, pelo Tribunal Pleno. A ação declarou a inconstitucionalidade do Protocolo nº 21/2011 do ICMS. Após superar entraves processuais, no mérito, sustentou que a Constituição Federal, diversamente do que fora estabelecido no referido Protocolo, dispõe categoricamente que a aplicação da alíquota interestadual só tem lugar quando o consumidor final localizado em outro Estado for contribuinte do imposto, a teor do art. 155, § 2º, inciso VII, alínea g. Ademais, na decisão, foram colacionados diversos outros fundamentos e razões que vão desde os princípios do não confisco tributário (art. 150, IV), da vedação à bitributação (art. 155, § 2º, VII, b), do ultraje à liberdade de tráfego de bens e pessoas (art. 150, V), da vedação à cognominada guerra fiscal (art. 155, § 2º, VI) até a ideia de pacto federativo e separação de Poderes.

Quanto ao tema afeto ao incentivo fiscal, relevante decisão foi adotada na Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.259, julgada em 3 de março de 2016, pelo Tribunal Pleno. Pela referida decisão, tomada por unanimidade, restou reafirmado o entendimento da Corte no sentido de que eventuais incentivos fiscais têm de respeitar os princípios da igualdade e da impessoalidade. Ilustrativo transcrever a ementa do julgado:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO TRIBUTÁRIO. INCENTIVO FISCAL. ESPORTES. AUTOMOBILISMO. IGUALDADE TRIBUTÁRIA. PRIVILÉGIO INJUSTIFICADO. IMPESSOALIDADE. LEI Nº 8.736/09 DO ESTADO DA PARAÍBA. PROGRAMA ‘ACELERA PARAÍBA’. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA. 1. A Lei Estadual nº 8.736/09 singulariza de tal modo os beneficiários que apenas uma única pessoa se beneficiaria com mais de 75{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} dos valores destinados ao programa de incentivo fiscal, o que representa evidente violação aos princípios da igualdade e da impessoalidade. 2. A simples fixação de condições formais para a concessão de benefício fiscal não exime o instrumento normativo de resguardar o tratamento isonômico no que se refere aos concidadãos. Doutrina. Precedentes. 3. Ação direta de inconstitucionalidade procedente.”

Também reafirmando entendimento já assentado, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.511, em abril de 2016, o Tribunal Pleno, por unanimidade, entendeu pela inconstitucionalidade de lei estadual que violou a regra de não vinculação da receita proveniente de impostos. A ementa restou assim construída:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO TRIBUTÁRIO. DIREITO FINANCEIRO. INCENTIVO TARIFÁRIO. GRANDES CONSUMIDORES INDUSTRIAIS DE ÁGUA. VINCULAÇÃO DA ARRECADAÇÃO DOS IMPOSTOS A FINALIDADES NÃO EXPRESSAS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. LEI DISTRITAL Nº 3.383/04. 1. A jurisprudência desta Corte é pacífica no sentido de que a presente situação normativa representa burla direta à vedação de vincular a arrecadação de impostos a finalidades específicas e não previstas em nível constitucional, nos termos do art. 167, IV, da Constituição da República. Precedentes: ADI 2.529, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 06.09.07; ADI 1.750, Rel Min. Eros Grau, DJ 13.10.06; ADI 2848/MC, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 02.05.03; e ADI 1.848, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 25.10.02. 2. Ação direta de inconstitucionalidade parcialmente conhecida e, na parte conhecida, a que se dá procedência, para fins de afirmar a inconstitucionalidade da Lei Distrital nº 3.383/04, excetuado o art. 4º não conhecido.”

Em sentido parecido e em tema pacificado, o Tribunal Pleno, por unanimidade, afastou a possibilidade de custeio de serviço público geral e indivisível por meio de taxa, vez que importaria em violação do art. 145, inciso II, da Constituição Federal. Tal julgamento, ocorrido em dezembro de 2015, foi proferido na Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.942, de relatoria do Ministro Edson Fachin. Segue, igualmente, a síntese do julgado:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO TRIBUTÁRIO. TAXA. SEGURANÇA PÚBLICA. EVENTOS PRIVADOS. SERVIÇO PÚBLICO GERAL E INDIVISÍVEL. LEI Nº 6.010/96 DO ESTADO DO PARÁ. TEORIA DA DIVISIBILIDADE DAS LEIS. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal se consolidou no sentido de que a atividade de segurança pública é serviço público geral e indivisível, logo deve ser remunerada mediante imposto, isto é, viola o art. 145, II, do Texto Constitucional a exigência de taxa para sua fruição. 2. Da argumentação exposta pela parte requerente não se extrai a inconstitucionalidade in totum do dispositivo impugnado, assim se aplica ao caso a teoria da divisibilidade das leis, segundo a qual, em sede de jurisdição constitucional, somente se deve proferir a nulidade dos dispositivos maculados pelo vício de inconstitucionalidade, de maneira que todos aqueles dispositivos legais que puderem subsistir autonomamente não são abarcados pelo juízo de inconstitucionalidade. 3. Ação direta de inconstitucionalidade a que se dá parcial procedência, a fim de declarar inconstitucional a expressão ‘serviço ou atividade policial militar, inclusive policiamento preventivo’ constante no art. 2º da Lei nº 6.010/96 do Estado do Pará, assim como a Tabela V do mesmo diploma legal.”

Mas, nem sempre, ao contrário do que poderia parecer pelo exposto até aqui, a Corte reafirma seus entendimentos consolidados em sede tributária. Recente exemplo se deu no julgamento do Recurso Extraordinário 723.651, em fevereiro de 2016, quando, por maioria, o Supremo Tribunal Federal decidiu que incide o Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI na importação de automóveis por pessoas físicas para uso próprio. Segundo o entendimento adotado pela maioria dos ministros, a cobrança do IPI não afronta o princípio da não cumulatividade nem implica bitributação. Entendeu-se que a manutenção de sua incidência, por outro lado, preservaria o princípio da isonomia, uma vez que promoveria igualdade de condições tributárias entre o fabricante nacional, já sujeito ao imposto em território nacional, e o fornecedor estrangeiro. Não houve modulação de efeitos.

3.2 Análise das Posições do Supremo Tribunal Federal à Luz das Teorias Contemporâneas sobre o Controle de Constitucionalidade        

Evidentemente, todas as decisões acima expostas, que trataram da inconstitucionalidade de instrumentos normativos diversos, seriam rechaçadas com base nas posições de Jeremy Waldron, Larry Kramer, Mark Tushnet. Tais autores, céticos sobre a legitimidade democrática de decisões proferidas por órgãos jurisdicionais, apresentariam duras objeções às decisões proferidas, por representarem intromissão indevida na seara legislativa. Diriam estes autores que o Supremo Tribunal Federal, por ser composto por Ministros nomeados pelo Chefe do Poder Executivo, não poderia decidir sobre a inconstitucionalidade normativa, que deveria ficar a cargo de órgão que possua representatividade popular e que fosse capaz de canalizar os anseios populares. Tais posturas, porém, de viés extremado, não parecem ser as mais adequadas, tendo em vista que pouco acrescentam ao debate democrático e não apresentam proposta consistente para solução do impasse, vez que o Legislativo ou o Executivo, em especial em um país periférico, como o Brasil, dificilmente teriam a clareza necessária para promover o controle de constitucionalidade.

Por outro lado, a discussão sobre a extensão das decisões de controle de constitucionalidade e a adoção de uma postura ativa ou passiva por parte do Poder Judiciário, tal qual travada entre minimalistas e constitucionalistas democráticos, ou entre procedimentalistas e substancialistas, parece ser mais pertinente.

Nesse sentido, os minimalistas ou mesmo os procedimentalistas afirmariam que as decisões do STF em relação à progressividade do IPTU, à necessidade de convênio interestadual para benefícios do ICMS, à inconstitucionalidade do Protocolo nº 21/2011 ou mesmo a decisão sobre a incidência do IPI ultrapassariam a simples aplicação de regras constitucionais, ingressando na perigosa subjetividade de decidir a partir de razões políticas. Afirmariam que, nestes casos, o Tribunal acabou por criar regras amplas, ao invés de decidir os casos de forma estreita, afastando-se, portanto, de uma postura de autocontenção, que é mais adequada.

Já em decisões como a que entendeu pela impossibilidade de custear serviços públicos gerais e indivisíveis por taxas, desvinculação das receitas dos impostos, ou mesmo a debatida decisão sobre incentivo fiscal, diriam que a Corte decidiu de forma estrita, promovendo simples aplicação das regras constitucionais tributárias que claramente vedam tais condutas, tratando-se, portanto, de decisões legítimas e adequadas ao papel que deve desempenhar o Poder Judiciário.

Contudo, se a análise destes mesmos julgados fosse feita pela teoria constitucional democrática ou por um viés substancialista, é provável que seriam respaldos por tais correntes de pensamento, que apoiam uma postura mais ativa da Corte, sustentando sua legitimidade para ingressar em temas polêmicos ou de caráter político.

Sob outro ângulo, a falta de consulta a outros órgãos públicos e os procedimentos fechados definidos para ações que debatem o controle de constitucionalidade ou mesmo para a interposição dos recursos extremos no sistema brasileiro despertam críticas dos substancialistas e mostram-se igualmente incompatíveis com a teoria dos diálogos institucionais. Já a possibilidade de ofício ao Senado para que este, livremente, suspenda a eficácia do ato inconstitucional declarado inconstitucional por meio de resolução (art. 52, X, da CF), no bojo do procedimento de reconhecimento de inconstitucionalidade pelo STF em controle difuso, aproxima-se da ideia de se estabelecer pontes de diálogo entre as instituições, embora seja muito tímida diante do que a referida teoria propõe ser necessário.

4 Conclusão          

A título de conclusão, espera-se que tenha restado claro que a atuação do Supremo Tribunal Federal, como Corte Constitucional, pode ser objeto de críticas a partir das concepções de cada uma das teorias mencionadas, em cada situação sob um ângulo ou motivo diferente e em graus variados, com maior ou menor contundência.

Contudo, o ponto central do debate talvez não deva ser este, tendo em vista que críticas a partir de modelos teóricos sempre existirão, em especial porque tais modelos são arquitetados justamente para apontar as fissuras e as deficiências institucionais e procedimentais.

O que se espera de uma Corte Constitucional, para além de adequação a modelos teóricos, é coerência em suas decisões e procedimentos, de forma que se consiga o maior grau possível de estabilização do sistema jurídico. Não se defende o utópico imobilismo de um sistema impassível, já que resta evidente se tratar de condição inexistente, mas, de outro lado, não se pode admitir um subjetivismo desregrado, fundado em uma concepção de que o Tribunal primeiro decide e, somente depois, busca fundamentos ou razões para justificarem a decisão previamente tomada. Esta postura aristocrática e hermética do trato judicial tem de ser extirpada por completo, caso a pretensão seja de obtenção de decisões democráticas. Essa tarefa, contudo, não é nada fácil! Passa tanto pela adequação dos instrumentos constitucionais e legais quanto pela formação ética dos profissionais, no mínimo desde a graduação, quanto por uma necessidade de verdadeira mudança de mentalidade e postura de grande parte dos profissionais envolvidos nesta grande engrenagem jurídica.

Isto posto, espera-se que as reflexões deste breve ensaio possam servir de inspiração para o aprofundamento dos salutares debates doutrinários que devem ocorrer em relação às decisões e às posições dos órgãos jurisdicionais.

5 Referências        

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