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ANÁLISE DA OBRIGATORIEDADE DA GUARDA COMPARTILHADA E AS REPERCUSSÕES NAS FAMÍLIAS BRASILEIRAS: A LEI Nº 13.058/2014

ANÁLISE DA OBRIGATORIEDADE DA GUARDA COMPARTILHADA E AS REPERCUSSÕES NAS FAMÍLIAS BRASILEIRAS: A LEI Nº 13.058/2014

Aldrin Teubl Sanches Zamariola

Daniela Romano Tavares Camargo

Glauber Vinícius Vieira de Oliveira

SUMÁRIO: 1 Esboço Histórico da Guarda Compartilhada no Brasil. 2 O Surgimento do Projeto de Lei nº 117/2013. 3 Guarda de Menores e Incapazes; 3.1 Definição de Guarda; 3.2 Modalidades de Guarda. 4 Aplicação da Guarda Compartilhada. 5 A Essência da Guarda Compartilhada e Reflexões sobre a Lei nº 13.058/2014. 6 Referências Bibliográficas

1 Esboço Histórico da Guarda Compartilhada no Brasil

No Brasil, a guarda compartilhada não era prevista expressamente no Código Civil de 2002, muito embora fosse possível a adoção desta modalidade, já que não havia proibição legal para tanto. A despeito de tal possibilidade, predominava a fixação da guarda unilateral, sendo raros os casos em que se decidia pela guarda compartilhada dos filhos.

A regulamentação da guarda compartilhada ocorreu apenas em 2008, por meio da Lei nº 11.698, que alterou os arts. 1.583 e 1.584 do Código Civil, para que assim dispusessem:

Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada.         

  • 1º Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (art. 1.584, § 5º) e, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns
  • 2º A guarda unilateral será atribuída ao genitor que revele melhores condições para exercê-la e, objetivamente, mais aptidão para propiciar aos filhos os seguintes fatores:

I – afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar; 

II – saúde e segurança;

III – educação.          

  • 3º A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos.”

Art. 1.584. A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser:       

I – requerida, por consenso, pelo pai e pela mãe, ou por qualquer deles, em ação autônoma de separação, de divórcio, de dissolução de união estável ou em medida cautelar;

II – decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe.

  • 1º Na audiência de conciliação, o juiz informará ao pai e à mãe o significado da guarda compartilhada, a sua importância, a similitude de deveres e direitos atribuídos aos genitores e as sanções pelo descumprimento de suas cláusulas.
  • 2º Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada.
  • 3º Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda compartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar.§ 4º A alteração não autorizada ou o descumprimento imotivado de cláusula de guarda, unilateral ou compartilhada, poderá implicar a redução de prerrogativas atribuídas ao seu detentor, inclusive quanto ao número de horas de convivência com o filho.
  • 5º Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, deferirá a guarda à pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de preferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade.”

Pode-se dizer que a alteração havida por meio da Lei nº 11.698/08 foi ao encontro de diversos movimentos sociais visando à garantia de condições igualitárias de direitos aos pais em relação a seus filhos e mostrou-se significativa, sendo certo que não apenas previu expressamente a guarda compartilhada como ainda visou tornar regra tal modalidade, dispondo que fosse aplicada “sempre que possível”, mesmo que não exista acordo entre os pais.

Entretanto, a despeito do inegável avanço representado pela previsão expressa da guarda compartilhada como guarda legal, tem-se que a alteração não se mostrou suficiente para o fim a que se destinou, sendo certo que ainda hoje predomina a guarda unilateral em nítido detrimento da guarda instituída em 2008.

2 O Surgimento do Projeto de Lei nº 117/2013        

Como se disse, mesmo com a instituição oficial da guarda compartilhada e a tentativa de que se tornasse regra no ordenamento jurídico pátrio, as estatísticas demonstram que não foi o que ocorreu.

O que se verifica, embora tenha havido um discreto crescimento da aplicação da guarda compartilhada, é que, na maioria dos casos em que há dissenso entre os pais, decide-se pela aplicação da guarda unilateral, especialmente atribuída à mãe.

Tal posicionamento se deve a um apego tradicionalista do próprio Poder Judiciário, que, no mais das vezes, prioriza a guarda da mãe, de acordo com a ideia de que a capacidade materna de cuidar de uma criança é superior à capacidade paterna.

Confirmando isso, em setembro de 2014, a revista Isto É divulgou uma matéria [1] sobre o instituto da guarda no Brasil, na qual constou que, segundo dados referentes ao ano de 2012, enquanto 87,10{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} das guardas foram atribuídas unilateralmente às mães, apenas 5,38{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} foram concedidas aos pais. E nada leva a crer que de 2012 para hoje tenha havido alteração substancial neste cenário.

Além da evidente discrepância entre a quantidade de guardas unilaterais atribuídas a homens e a mulheres (resultante do processo histórico-social), tal pesquisa mostrou também ser extremamente baixo o percentual de decisões judiciais favoráveis à guarda compartilhada: somente 5,95{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}.

Destarte, visando à alteração deste cenário, deu-se início a tentativa de ampliação da adoção da guarda compartilhada, consubstanciada no Projeto de Lei nº 117/2013 – proposto pelo Deputado Federal Arnaldo Faria de Sá -, que recentemente originou a Lei nº 13.058/2014.

O Projeto de Lei em questão intentou tornar a guarda compartilhada obrigatória, buscando, para tanto, explicitar e objetivar os critérios que excepcionam a regra geral de adoção da guarda compartilhada.

A principal justificativa do referido Projeto, constante da respectiva exposição de motivos, foi a má interpretação e aplicação da lei que instituiu a guarda compartilhada, inclusive por parte dos magistrados.

Isso porque, embora se depreenda das já mencionadas alterações legislativas de 2008 que o intuito foi justamente o de fazer com que o Judiciário decidisse pela guarda compartilhada nos casos em que não houvesse acordo entre os pais quanto à guarda dos filhos, a maneira como foi interpretada a regra do § 2º do art. 1.584 do Código Civil acabou por comprometer a tentativa de inovação, sendo certo que a expressão “sempre que possível” acabou sendo entendida praticamente como sinônimo de bom relacionamento entre os pais. E, como se sabe, nos casos de separação[2] o que mais se observa é um desgaste entre as partes envolvidas que inviabiliza, ao menos de imediato, um bom relacionamento posterior.

Ainda segundo a exposição de motivos do Projeto de Lei nº 117/2013, esta aplicação errônea da disposição legal poderia, mesmo que involuntariamente, agravar as situações de litígio, inclusive propiciando que pais de má-fé pratiquem alienação parental e/ou mantenham propositalmente uma relação litigiosa com o outro genitor[3] exatamente com o objetivo de afastar a aplicação da guarda compartilhada pelos magistrados.

Tal preocupação é verificada também em estudos concernentes ao tema, conforme se verifica, a título de exemplo, da citação abaixo:

Pais/mães contrários à aplicação da guarda compartilhada aos seus casos concretos poderão lançar mão do recurso de manipular emocionalmente seus filhos menores para que passem a odiar o pai/mãe, com argumentos inverídicos, mas suficientemente graves e convincentes para mobilizar as autoridades para impedir as visitas (e até suspender o poder familiar, anterior ‘pátrio poder’), com acusações de agressão física ou molestação sexual, procedentes ou não. Além de ser um entrave à aplicabilidade da guarda compartilhada, será uma manobra sórdida para afastar o outro genitor do convívio, objetivando a destruição definitiva dos vínculos parentais – causando graves prejuízos psíquicos aos filhos e a desmoralização do outro genitor acusado e excluído.”[4]

Com efeito, é patente a necessidade de uma reavaliação dos critérios de atribuição da guarda, especialmente no que se refere a uma imputação mais significativa da guarda compartilhada, considerada teoricamente pelas correntes psicológicas a mais benéfica às crianças.

Neste passo, faz-se oportuno discorrer sobre as possíveis repercussões das alterações instituídas pela Lei nº 13.058/2014, que torna regra geral a fixação da guarda compartilhada, sendo certo que, para tanto, primeiramente deve-se tratar, ainda que brevemente, sobre as modalidades de guarda e, bem assim, abordar algumas das críticas correlatas, sem pretensão de exauri-las.

                                  

3 Guarda de Menores e Incapazes                              

3.1 Definição de Guarda

Como se sabe, a guarda é atributo do poder familiar, antigamente denominado pátrio poder, valendo mencionar que foi emblemática a mudança em tal nomenclatura, na medida em que representou um distanciamento da ideia patriarcal de que o pai era quem detinha os direitos sobre os filhos.

De fato, a substituição do termo “pátrio poder” por “poder familiar” acompanhou uma evolução social no sentido de que o homem e a mulher detêm direitos iguais, conforme reza a Constituição Federal, de modo que ambos são igualmente importantes na vida dos filhos e fazem jus, portanto, aos mesmos direitos sobre eles.

Além da equivalência de posições entre pai e mãe na relação familiar, a inovação trazida pelo conceito de poder familiar também pôde ser observada na forma como se passou a considerar os filhos, os quais deixaram de ser vistos como objeto de um direito subjetivo e assumiram o papel de titular de direitos, de modo que ficaram mais em evidência os deveres dos pais em relação a eles.

Em decorrência disso, o que se observa no cenário jurídico atual é que os pais têm o que se acordou chamar de poder-dever em relação à prole, o que significa dizer que, além do poder direto, os pais têm o dever legal de resguardar os superiores interesses dos filhos, proporcionando a eles educação, saúde, segurança, bem-estar, integridade física e psíquica, desenvolvimento, etc.

Nesse raciocínio, o direito de custódia dos pais em relação aos filhos se justifica, e somente se legitima, na medida em que seja exercido visando ao melhor interesse destes, mitigando as incapacidades e contribuindo para o desenvolvimento das respectivas potencialidades.

A guarda, objeto do presente texto, como atributo do poder familiar tal como se disse, e independentemente da modalidade, tem sobretudo o sentido de proteção da pessoa dos filhos menores, de responsabilidade dos pais sobre estes, sendo certo que, como os filhos se encontram em posição de fragilidade, tanto frente à natureza (desenvolvimento físico e psíquico ainda não completo) quanto frente à sociedade (capacidade civil ainda não plenamente alcançada), é papel dos pais prover o cuidado e proteção dos quais dependem os menores.

Trata-se de um desdobramento natural da dinâmica familiar, uma vez que, em regra, os pais sempre cuidaram da respectiva prole, provendo materialmente o necessário para sua sobrevivência e protegendo-a de terceiros, independentemente da existência de leis regulamentando isso.

Já nas situações em que há uma crise no núcleo familiar, como se observa nos casos de separação/ruptura do vínculo conjugal, passa a ser objeto de reflexão a maneira como a guarda dos filhos será exercida, evidenciando-se a necessidade de se observar aquilo que a lei dispõe sobre o tema, a fim de se aplicar a modalidade de guarda mais adequada a cada família e atribuir a guarda àquele que, de fato, tem melhores condições de exercê-la, sempre em observância ao superior interesse dos menores envolvidos no processo de separação.

Assim, quando o núcleo familiar encontra-se instável, o instituto da guarda, quanto a sua forma e exercício, tem fundamental importância.

3.2 Modalidades de Guarda      

Tal como ocorre com muitas classificações jurídicas, existe alguma divergência em relação à quantidade de modalidades de guarda que podem ser conceituadas.

De qualquer forma, para a finalidade do presente texto, é suficiente a consagrada classificação que aponta serem três as modalidades de guarda, a saber: (i) guarda alternada, (ii) guarda compartilhada e (iii) guarda unilateral.

 (i) Guarda Alternada

Conquanto o direito brasileiro só acolha os institutos da guarda unilateral e da guarda compartilhada, é importante esclarecer alguns aspectos da guarda alternada, até mesmo para diferenciá-la das duas modalidades adotadas pelo ordenamento jurídico pátrio, ajudando a contornar os limites destas, em especial da guarda compartilhada.

Pois bem. A guarda alternada pressupõe um revezamento do exercício de guarda, que pode se dar, por exemplo, de forma anual, semestral, mensal, semanal ou até mesmo determina-se um revezamento dentro dos dias da semana.

Desta feita, tem-se como principal característica desse tipo de guarda a concentração da exclusividade da soberania do poder familiar na pessoa de apenas um dos pais, no momento em que se encontra na sua fase do ciclo de revezamento.

Isso significa que a guarda se altera periodicamente de acordo com a alternância da convivência física dos filhos com cada um dos pais, de modo que, quando o filho está com determinado genitor, é este quem exerce o poder-dever sobre ele, ou seja, tem o poder soberano de decidir e a responsabilidade direta sobre o menor, e, quando finaliza tal período, os atributos do poder familiar são transferidos exclusivamente ao outro genitor com quem o menor passará a estar.

Conforme se verifica, nessa modalidade de guarda, não apenas o aspecto físico como também o aspecto jurídico são assumidos por aquele que está com o menor em determinado período e imediatamente transferidos ao outro genitor quando cessa tal fase, sendo certo que a alteração da guarda entre os genitores é cíclica.

Sobre este aspecto, a guarda alternada é muito criticada por ser considerada prejudicial às crianças, na medida em que vai de encontro ao princípio da continuidade do lar, prejudicando o alicerçamento das bases da formação da criança em razão da troca constante de orientações a que ficam expostas, já que é característica desta modalidade de guarda a frequente alternância de referenciais físicos e pessoais.

De acordo com os críticos desta modalidade de guarda, em especial psicólogos, a alternância de constantes referenciais pode ser danosa à saúde psíquica do menor, tornando-o confuso e inseguro e causando instabilidade emocional.

Não por acaso, tem-se que a ausência de previsão legal deste instituto no Código Civil brasileiro representa um cuidado e certamente uma resistência do legislador em relação a esta modalidade de guarda cujos atributos, a despeito disso, são constantemente confundidos com os da guarda compartilhada.

(ii) Guarda Compartilhada

Como se disse, na guarda alternada, aquele que está com o filho mantém, durante tal período de convivência, tanto a guarda física quanto a guarda jurídica do menor, em detrimento do outro guardião, que deve esperar a respectiva vez na alternância para exercer a guarda.

Já na guarda compartilhada, o exercício do atributo do poder-dever dos pais é conjunto e independe da convivência de cada um deles com os filhos, sendo certo que a ambos é atribuída a guarda jurídica, ainda que apenas um deles conserve a guarda física ou que haja alternância dos períodos de convivência do menor com cada um dos pais.

O fato de um dos pais não estar fisicamente com o filho não afasta o direito de exercer a guarda dele, de modo que mantém os deveres e direitos legais sobre ele, e, bem assim, o fato de estar com o filho também não acarreta exclusividade do exercício da guarda.

Conforme consta do § 1º do já mencionado art. 1.583 do Código Civil, entende-se por guarda compartilhada “a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns“.

Como facilmente se verifica, diferentemente do que ocorre na guarda alternada, a guarda compartilhada não implica divisão dos períodos de guarda entre os pais, não havendo alternância rigorosa de exercício da guarda física.

Ainda assim, como se disse, não raro há confusão entre as duas modalidades de guarda, o que acarreta muitas críticas equivocadas à modalidade de guarda compartilhada e até mesmo impede que esta seja adotada no caso concreto.

Percebe-se frequentemente equívocos a respeito do conceito de guarda compartilhada, sendo comum considerar-se que implica necessariamente na alternância rigorosa de exercício físico entre os pais, o que não é correto.

As críticas à guarda compartilhada muitas vezes se relacionam à situação de instabilidade/quebra de rotina decorrente da alternância de convivência dos filhos com cada um dos pais. Contudo, tal alternância não corresponde ao conceito legal de guarda compartilhada.

A este respeito, vale transcrever as palavras de Perissini da Silva no sentido de que a guarda compartilhada não se relaciona à ideia de revezamento da convivência física de cada um dos pais com os filhos:

Verifica-se que a guarda compartilhada não inclui a ideia de ‘alternância’ de dias, semanas ou meses de exclusividade na companhia dos filhos. De fato, na guarda compartilhada, o que se ‘compartilha’ não é a posse, mas, sim, a responsabilidade por sua educação, saúde, formação, bem-estar, etc.” [5]

De qualquer forma, considerada de maneira correta, em estrita observância aos termos legais, a compartilhada é avaliada por muitos como a melhor espécie de guarda e defendida por garantir uma relação mais próxima dos filhos com ambos os genitores, possibilitando um salutar desenvolvimento da criança, que pode ter acesso conjunto e contínuo aos referenciais dos pais.

Os defensores desta modalidade de guarda apontam que o compartilhamento ajuda a evitar a disputa acirrada entre os pais para conquistar o amor do filho, frequentemente presente em casos de separação, já que tanto o pai quanto a mãe sentem-se presentes na vida da criança e tendem ao mútuo entendimento para proporcionar o bem-estar dela.

A satisfação dos pais também aparenta ser mais evidente nestes casos de guarda compartilhada, ao menos em longo prazo, na medida em que ambos os pais dividem a responsabilidade pelos filhos de forma igualitária, o que acaba reduzindo embates.

 (iii) Guarda Unilateral

A guarda unilateral, também prevista no art. 1.583 do Código Civil, é aquela atribuída a um dos genitores ou, excepcionalmente, a uma terceira pessoa que o substitua, de modo que o guardião detém de forma exclusiva e contínua os direitos e os deveres sobre a criança, enquanto ao outro genitor cabe apenas o papel de visitante e supervisor.

Isso significa dizer que, nessa modalidade de guarda, o poder-dever sobre o filho é exercido de forma direta e constante por apenas um dos pais, embora o outro não seja propriamente destituído do poder familiar e tenha possibilidade de supervisionar o guardião.

Embora a aplicação da guarda unilateral a um dos pais seja a solução viável nos casos de incapacidade ou não desejo do outro de exercer a guarda, tem-se que tal modalidade nem sempre se apresenta como a melhor solução para os casos de desentendimento entre os pais, podendo, como se disse no início, até mesmo agravar a litigiosidade entre os membros de determinado núcleo familiar existente quando da separação/ruptura do vínculo conjugal em razão da disputa pela guarda exclusiva dos filhos.

De acordo com o apontado por inúmeros estudos, a atribuição do poder de guarda a um único guardião pode levar à colocação do filho no lugar de objeto de posse e disputa entre os pais, acarretando situações em que estes se utilizam dos menores como moeda de troca, o que, obviamente, é extremamente prejudicial à criança em formação e já exposta à situação de transição da dinâmica familiar.

Ademais, o papel de visitante dado a um dos pais, além de estigmatizá-lo, pode gerar um distanciamento afetivo entre este e o filho, sendo certo que a figura do genitor não guardião, colocado em posição inferior à experimentada pelo genitor responsável por comandar a vida do filho, pode restar fragilizada.

4 Aplicação da Guarda Compartilhada          

Como já exposto, a modificação introduzida pela Lei nº 11.698/08 não apenas incluiu expressamente a guarda compartilhada no ordenamento jurídico pátrio como também intentou torná-la regra geral. Entretanto, ainda hoje, passados anos da respectiva inclusão no Código Civil brasileiro, ainda representam exceções as decisões judiciais no sentido de aplicação desta modalidade de guarda.

Na realidade, percebe-se que isto ocorre sobretudo em razão da interpretação ampliativa que se faz daquilo que deveria ser excepcional, justificada pela existência, no corpo do texto que determina a guarda compartilhada como regra geral, da expressão “sempre que possível“.

Pode-se realmente dizer que não se tem observado a regra basilar de hermenêutica, que indica que a regra geral deve ser interpretada ampliativamente e as exceções, por sua vez, devem ser interpretadas de forma restritiva e não extensiva.

Com efeito, as disposições legais anteriores à Lei nº 13.058/2014 já indicavam a guarda compartilhada como regra geral, de modo que a expressão “sempre que possível” indicava que apenas excepcionalmente se poderia afastá-la.

Decerto, a guarda compartilhada somente poderia ser afastada em privilégio de outra modalidade de guarda quando realmente não houvesse possibilidade de aplicação.

Obviamente, trata-se de texto genérico e passível de interpretações diversas, uma vez que o legislador não consignou expressamente em quais situações se poderia mitigar a aplicação da guarda compartilhada.

De qualquer forma, não se pode perder de vista que a modalidade de guarda em questão já era a regra e, portanto, não poderia sofrer restrições e limitações, como vinha ocorrendo quando se afastava de pronto a respectiva aplicação por não haver consenso entre os genitores.

No mais das vezes, observa-se que os magistrados limitavam a fixação da guarda compartilhada aos casos em que havia consenso entre os pais, muito embora a lei impusesse a aplicação da guarda compartilhada justamente quando não houvesse consenso entre os pais (ou seja, na maioria dos casos de separação).

Alguns estudiosos do tema entendem que a interpretação equivocada acarretava, em grande medida, recorrentes decisões judiciais contrárias ao estabelecimento da guarda compartilhada nos casos de inexistência de harmonia entre os pais e que a constante repetição de julgados neste sentido reforçaria e acarretaria diversos processos de alienação parental, mas com o agravante deste fenômeno ter fulcro no próprio Judiciário. Esta crítica é elucidada em posição defendida na revista jurídica Migalhas:

“(…) a guarda compartilhada é um dos dispositivos legais mais violados pelo próprio Poder Judiciário, com a leniência do MP, implicando em odiosa forma de alienação parental judicial em face do imenso prejuízo causado ao estabelecimento ou manutenção de vínculos entre pais e filhos.           

Explico.           

A Lei nº 12.318 (alienação parental) trouxe em seu art. 2º, parágrafo único, algumas formas exemplificativas de alienação parental, sendo a mais comum delas a alienação parental judicial, que deveria constar como a primeira forma no referido rol exemplificativo.                       

Dessa forma, a alienação parental judicial é forma gravíssima de alienação parental que vem ocorrendo diariamente nos tribunais brasileiros, onde magistrados recusam-se a aplicar o disposto no art. 1.583, § 2º, do CC (a guarda compartilhada como regra geral).[6]

A expressão “sempre que possível” era efetivamente interpretada como sinônimo de “sempre que haja acordo entre os pais” ou “sempre que os pais se entendam“, o que, todavia, não era o legalmente determinado.

Por óbvio, a compartilhada é a modalidade de guarda que mais exige equilíbrio e sensatez dos pais. Muito embora, por um lado, o fato de ambos os genitores serem igualitariamente corresponsáveis pela criança possa representar vantagem, tem-se que, por outro, implica a obrigatoriedade de se fazer concessões, colocando-se em segundo plano as discórdias e os rancores, muito comuns no processo de separação, a fim de possibilitar um gerenciamento conjunto e constante de ambos os pais em prol dos interesses dos filhos.

Desta forma, certamente se trata da modalidade de guarda em que os pais mais precisam se comunicar, se entender, em prol dos superiores interesses dos filhos, devendo acordar para resolverem conjuntamente os problemas a eles relacionados.

No entanto, a exigência de comunicação vinha sendo exacerbada em muitas decisões judiciais, tendo sido o bom relacionamento e o consenso entre os pais utilizados como requisitos, na maioria dos julgados, para a adoção da guarda compartilhada, conforme se verifica, apenas a título de exemplo, das ementas abaixo:

APELAÇÃO CÍVEL. GUARDA COMPARTILHADA. Não mais se mostrando possível a manutenção da guarda do menor de forma compartilhada, em razão do difícil relacionamento entre os genitores, cumpre ser definitiva em relação à genitora, que reúne melhores condições de cuidar, educar e zelar pelo filho, devendo, no primeiro grau, ser estabelecido o direito de visita. Apelo provido.” (TJRS, Apelação Cível 70005127527, 8ª Câm. Cível, Rel. Des. Antonio Carlos Stangler Pereira, j. 18.12.03)

GUARDA COMPARTILHADA. A estipulação de guarda compartilhada é admitida em restritas hipóteses, sendo de todo desaconselhável quando há profunda mágoa e litígio entre as partes envolvidas. Apelo desprovido.” (TJRS, Apelação Cível 70007133382, 7ª Câm. Cível, Relª Desª Maria Berenice Dias, j. 29.10.03)

Na opinião da psicóloga Perissini da Silva [7], tal posicionamento é equivocado, sendo certo que nenhum sistema de guarda funcionaria sem a mínima consonância entre os pais.

Justamente em razão da problemática em torno da questão é que surgiu o Projeto de Lei nº 117/2013, propondo a alteração da redação do § 2º do art. 1.584 do Código Civil, nos seguintes termos:

Art. 1.584. (…)        

  • 2º Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor.”

Como se vê, basicamente o que o Projeto de Lei em comento propôs foi a substituição da expressão vaga e genérica “sempre que possível” por critérios objetivos, a fim de disciplinar expressamente que a guarda compartilhada somente poderá ser afastada quando faltar capacidade de exercício do poder familiar a um dos pais ou faltar vontade a um dos pais de exercer o poder familiar.

A ausência de aptidão ao exercício do poder familiar pode ser analisada, primeiramente, pela capacidade civil em geral, de acordo com as regras de incapacidade absoluta ou relativa (arts. 3º e 4º do Código Civil), bem como deve ser analisada de acordo com o disposto particularmente a respeito do poder familiar, que pode ser extinto ou perdido definitivamente (casos de extinção do poder familiar, elencados nos arts. 1.635 e 1.638 do Código Civil) ou temporariamente suspenso (art. 1.637 do Código Civil).

Outrossim, aquele que não tiver interesse no exercício do poder familiar deverá declará-lo expressamente ao juízo, o que funciona para afastar a aplicação da guarda compartilhada, valendo salientar que tal declaração não isenta o genitor de responder por deveres inerentes à condição de pai ou mãe.

De acordo com o Projeto de Lei em exame, que deu origem à Lei nº 13.058/2014, a falta de consenso e/ou ausência de bom relacionamento entre os pais não pode justificar a mitigação da guarda compartilhada e tampouco limitar a respectiva aplicação, como vinha ocorrendo, devendo tal modalidade ser realmente aplicada como regra nos casos de rompimento do relacionamento dos pais.

5 A Essência da Guarda Compartilhada e Reflexões sobre a Lei nº 13.058/2014    

Para que se possa compreender algumas das implicações da Lei nº 13.058/2014, há que se fazer algumas considerações sobre a essência da guarda compartilhada, fazendo-se necessário abordar dois aspectos que caracterizam a guarda: o físico e o jurídico.

Neste passo, tem-se que o aspecto físico se refere à convivência propriamente dita dos pais com os filhos, e o aspecto jurídico se refere aos direitos e deveres conferidos ao guardião.

A definição de guarda compartilhada se dá por seu aspecto jurídico, nos termos do disposto no Código Civil em vigor, que determina se tratar da responsabilização conjunta pelos filhos por parte dos pais que não vivam sob o mesmo teto.

Como facilmente se percebe, o compartilhamento do exercício de direitos e deveres concernentes ao poder familiar independe da possibilidade dos pais de estarem fisicamente convivendo com os filhos de forma estável/definitiva, de acordo com o disposto no § 1º do art. 1.583 do Código Civil.

Desta forma, percebe-se não ser o compartilhamento do aspecto físico que caracteriza a guarda compartilhada e a diferencia das demais modalidades de guarda, mas, sim, o compartilhamento do aspecto jurídico.

Destarte, tem-se evidente a preponderância do aspecto jurídico do compartilhamento de decisões entre os pais independentemente da convivência física, sendo certo que o legislador nada mencionou sobre o aspecto físico ao caracterizar a guarda compartilhada.

De fato, tal característica distingue a guarda compartilhada dos demais tipos, mormente da guarda alternada, notadamente relacionada ao aspecto físico, isto é, à alternância de convivência dos pais com os genitores, conforme acima mencionado.

No caso da guarda compartilhada, em tese, também cabe aos pais decidirem conjuntamente sobre os períodos de convivência de cada um com os filhos, haja vista que tal decisão é apenas mais uma das que devem compartilhar.

A alternância de lar e/ou de convivência dos filhos com cada um dos genitores, embora possa existir em decorrência de decisão conjunta dos pais, efetivamente não é requisito fundamental da guarda compartilhada, enquanto é da essência da guarda alternada.

Desta maneira, por não ser o aspecto físico fundamental à guarda compartilhada, sendo antes um desdobramento do aspecto jurídico, fez bem o legislador em dispor exclusivamente sobre o aspecto jurídico ao caracterizar esta modalidade de guarda.

A propósito, ressalte-se que surgiu, durante o trâmite do Projeto de Lei nº 117/2013, a tentativa de inclusão de dispositivo regulamentando aspecto físico da guarda compartilhada, conforme se percebe da leitura de redação então proposta para constar de § 5º do art. 1.583 do Código Civil:

“§ 5º Na guarda compartilhada, o tempo de custódia física dos filhos deve ser dividido de forma equilibrada entre a mãe e o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos.”

Sobre tal redação, ressalve-se de início que a palavra “custódia”, por si só, pode levar a entendimentos equivocados e até mesmo fomentar confusão entre os conceitos da guarda compartilhada e da guarda alternada.

Assim, embora seja possível compreender o significado que se pretendeu dar, mostra-se mais adequado, a fim de se evitar relação com guarda alternada, utilizar a palavra convivência no lugar de custódia, sendo certo que aquela foi, aliás, a utilizada na redação aprovada ao final pelo Congresso Nacional.

Além disso, muito embora a redação proposta mencione expressamente as “condições fáticas” e “os interesses dos filhos” para determinação da divisão do tempo de convivência de cada um dos pais com eles, o simples fato de se tratar legalmente o aspecto físico da guarda compartilhada pode ensejar equívocos.

Isso porque, como se disse, não é da essência da guarda compartilhada a divisão de tempo de convivência entre os pais, sendo certo que a regulamentação de tal convivência se apresenta apenas como um desdobramento do poder-dever dos pais de decidir conjuntamente sobre todas e quaisquer questões relacionadas aos filhos.

Outrossim, o termo “de forma equilibrada” referindo-se à divisão do tempo de “custódia” física dos filhos também pode ser entendido como uma aproximação da guarda compartilhada à guarda alternada, que são, como sabido, modalidades distintas.

Além disso, não se pode olvidar de que muitos desaconselham tal alternância por entenderem que gera insegurança e instabilidade para os filhos, de modo que impor a divisão equilibrada de tempo de “custódia” física dos filhos fatalmente acarretará críticas à guarda compartilhada que, na verdade, não se coadunam com o respectivo conceito.

A redação finalmente aprovada alterou apenas em parte a anteriormente proposta.

De fato, o § 2º do art. 1.583 deixou de lado a expressão “custódia física“, substituindo-a por “tempo de convívio“. Porém, foi acolhida a determinação de que o convívio dos pais com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada, levando em consideração as condições fáticas e os interesses deles.

Embora não haja mais a menção à custódia física, a simples disposição acerca da divisão de forma equilibrada do tempo de convívio significa o regramento de algo que seria mero desdobramento do exercício do aspecto jurídico da guarda compartilhada, este sim essencial.

Entretanto, por se tratar de disposição eivada de subjetividade, não parece atentar contra a ideia principal de que, na guarda compartilhada, a forma como será dividida a guarda física é apenas um desdobramento do exercício da guarda jurídica conjunta dos pais.

Com efeito, no tocante à possibilidade de confusão entre guarda compartilhada e guarda alternada, chama-se atenção para a nova redação dada ao § 3º do art. 1.584 do Código Civil, que, a despeito de ter mantido grande parte da anterior, a qual dispunha que, “para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda compartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar“, acrescentou, ao final, que esta orientação “deverá visar à divisão equilibrada do tempo com o pai e com a mãe“.

Com isso, regrou-se abstratamente o trabalho de profissionais especializados em entender justamente as condições fáticas e o melhor interesse do menor, atrelando-os a uma faceta da guarda que não é essencial à guarda compartilha: a divisão equilibrada do tempo.

Provavelmente, a tentativa do legislador de determinar o revezamento da guarda física deve-se à percepção da dificuldade de impor uma modalidade obrigatória de guarda que implique o compartilhamento de decisões entre pessoas que não necessariamente estarão em sintonia.

De fato, muitas vezes o que se verifica quando ocorre a dissolução de um relacionamento é um clima de beligerância e litigiosidade entre os envolvidos, que fatalmente dificulta o estabelecimento do diálogo e, consequentemente, do consenso, ainda que em prol dos filhos comuns.

De qualquer forma, como vimos, a existência de bom relacionamento entre as partes, embora seja desejável para um adequado exercício da guarda compartilhada, não é requisito para sua aplicação.

De acordo com a alteração trazida pela Lei em exame, a guarda compartilhada deve ser obrigatória, sendo certo que somente se uma das partes não se encontra apta ao exercício do poder familiar ou não tem vontade de exercê-lo é que poderá ser afastada tal modalidade de guarda.

Como se pode perceber, o legislador anteviu corretamente dificuldades de fixação do tempo de convivência de cada um dos pais com os filhos, especialmente quando a situação é de conflito. Todavia, ao tratar do aspecto físico, acabou aproximando a guarda compartilhada da guarda alternada.

Verifica-se o reconhecimento da problemática atualmente existente (impor a guarda compartilhada a pais que não necessariamente se relacionem bem) e consequente tentativa de afastá-la por meio da determinação de regras fixas ao menos no que se refere à convivência física, que, por sua vez, pode se apresentar como um dos aspectos mais impactantes de uma separação.

Não se pode dizer, de fato, que o legislador foi insensível à problemática, tanto que, durante o trâmite do Projeto de Lei em tela, pretendeu-se impor a diminuição do tempo de convivência como sanção à violação das cláusulas de guarda, determinando-se que o descumprimento imotivado de cláusula de guarda implicaria perdas de prerrogativas, “inclusive quanto ao número de horas de convivência com o filho“.

A conclusão de que poderia ser extremamente delicada a imposição desse tipo de sanção, mormente quando o que se intenta é diminuir a disputa entre pais pelos filhos comuns e a alienação parental atinente a esta disputa, não demanda muito esforço.

Ao prever expressamente a redução do número de horas de convivência com os filhos – notadamente um dos direitos mais almejados pelos pais que se separam em relação aos filhos comuns – como sanção pelo descumprimento das cláusulas de guarda, talvez o Projeto estivesse fomentando justamente aquilo que deseja evitar: a litigiosidade entre os pais e a possibilidade de alienação parental.

Tal previsão efetivamente poderia gerar uma acirrada – e muitas vezes injustificada – disputa entre os pais acerca de quem está e quem não está cumprindo adequadamente as obrigações de guarda, no intuito de obterem mais tempo de convivência com o filho, em detrimento do outro genitor, disputa esta que, no limite, poderia acarretar a alienação parental que se pretende – e se recomenda veementemente – inibir.

A redação ao final aprovada afastou a menção ao número de horas de convivência, prevendo, apenas genericamente, a perda de prerrogativas como consequência do descumprimento de obrigação da guarda.

É importante, desta forma, que os magistrados atentem para esta interpretação histórica do dispositivo, levando em conta o que foi eloquentemente dele retirado, para que as sanções aplicadas no descumprimento das obrigações de guarda não sejam exclusivamente punidas pela retirada de horas de convívio com o filho.

De qualquer forma, em linhas gerais, a Lei nº 13.058/2014, que especifica as exceções à regra geral de compartilhamento da guarda e traz outras importantes alterações concernentes ao tema, significa avanço no sentido da valorização da presença e participação decisória de ambos os pais na vida dos filhos, o que, ao menos em tese, atenderia ao superior interesse deles.

Sem prejuízo da importância desse ideal teórico, devem ser consideradas e ponderadas também as questões de ordem prática relativas ao tema, imprescindíveis para que se alcance um adequado modelo de guarda.

Não causa estranheza que a imputação obrigatória do instituto da guarda compartilhada divida sobremaneira a opinião dos especialistas.

Há aqueles que certamente concordam com as recentes alterações legais porque entendem que a adoção da guarda compartilhada realmente independe da boa convivência entre os pais.

Do parecer da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania favorável ao Projeto de Lei nº 117/2013, consta, por exemplo, que “a advogada, especialista em direito de família, Maria Berenice Dias entende que a guarda compartilhada deve ser concedida mesmo quando existirem desavenças e não exista consenso entre os pais[8].

De tal parecer depreende-se a importância atribuída por tal doutrinadora à guarda compartilhada:

A guarda conjunta garante, de forma mais efetiva, a permanência da vinculação mais estrita de ambos os pais na formação e na educação dos filhos, que a simples visitação dá espaço. O compartilhar da guarda dos filhos é o reflexo mais fiel do que se entende por poder familiar. A participação no processo de desenvolvimento integral dos filhos leva à pluralização das responsabilidades, estabelecendo verdadeira democratização de sentimentos.” (Parecer da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, sobre o Projeto de Lei da Câmara nº 117/2013, p. 06)

Obviamente, a viabilização da participação de ambos os pais na vida dos filhos é louvável e, de fato, ao menos em princípio, aparenta ser o mais recomendável e concatenado com o melhor interesse dos menores.

Em diversos diplomas, tais como na Declaração Universal dos Direitos Humanos e no Código Civil, é comum encontrarmos o termo melhor interesse da criança, principalmente em relação às normas referentes à guarda de menor. No entanto, a determinação do que viria a corresponder ao melhor interesse da criança está constantemente exposta à discussão, sendo difícil conceber a existência de uma fórmula genérica capaz de se aplicar a todos os casos de guarda de forma indistinta.

A importância dada à rotina da criança é um exemplo interessante de tentativa de determinação de algo que corresponda ao melhor interesse da criança. Na prática processual, bem como na doutrina e jurisprudência, percebe-se uma notória tendência no sentido de se defender que ao menor em situação de disputa judicial de guarda seria desejável o mínimo de mudanças possíveis. Tal posicionamento passou, inclusive, a ser um muito observado nas discussões a respeito de guarda, e sua aplicação vem se solidificando pela contínua repetição em numerosos julgados.

Isso acaba por limitar, em grande parte, a ponderação e reflexão sobre o que realmente seria mais benéfico ao infante e servir de justificativa para a imensa maioria das decisões judiciais no sentido de impor a guarda unilateral.

Em vista disso, sem adentrar no mérito da questão, é de se questionar a razão pela qual tal posicionamento consolidado no sentido de que a manutenção da rotina nos casos de separação dos pais atende ao melhor interesse dos filhos – que serve de justificativa, inclusive, para a fixação de guarda unilateral na maioria dos casos – seria agora mitigado, aplicando-se indistintamente a guarda compartilhada.

Não se discorda de que a mudança de rotina, para uma criança em formação, pode ser prejudicial, ainda mais quando exposta a uma situação extrema como a separação dos pais.

De qualquer forma, talvez a questão principal em relação a tais situações seja a própria concepção de rotina. Seria a rotina a mera repetição de tarefas mecânicas a serem desempenhadas pela criança?

Percebe-se que a maioria das decisões judiciais se refere à rotina apenas como questões práticas do dia a dia da criança, como sinônimo de imutabilidade de endereço, de escola, do responsável por levá-la às principais atividades, consultas médicas, etc. E, nesse sentido, a maioria dos julgados se posiciona pela guarda unilateral, especialmente a materna.

Entretanto, a formação de um indivíduo não se vincula unicamente a procedimentos diários aparentemente mais seguros e repetitivos, sendo certo que é muito mais complexa e se dá não apenas pela repetição de lugares a serem visitados e atividades a serem realizadas como também pela representação simbólica destas atividades.

Simplificadamente, pode-se dizer que a representação simbólica seria uma espécie de fusão da materialidade de uma atividade à sua possível e momentânea significação, representando tal significação um fenômeno dinâmico, que se molda de acordo com a circunstância fática e o momento de vida que a criança está experimentando.

Não é, portanto, a imposição da repetição material de tarefas que garante, por si só, uma salutar formação da individualidade. A rotina deve ser encarada de forma mais abrangente, considerando-se não apenas a repetição mecânica de atividades, mas também a simbolização dela decorrente.

O que se verifica, nos casos de separação, é um abalo deste elemento simbólico da rotina, sendo certo que a tentativa de manter algo que já sofreu considerável alteração talvez seja ilusória. Assim, talvez seja possível e até mesmo desejável que se pense, nestes casos, não em manter a rotina, cuja simbolização já se alterou, mas em reinventar uma nova rotina, aqui entendida em sentido abrangente, com uma nova representação simbólica dada a nova situação fática.

Nota-se, em especial nos processos judiciais relativos à separação/divórcio, uma preocupação em esconder da criança que as coisas mudaram. Daí, possivelmente, a tentativa de manter os elementos mecânicos da dinâmica familiar, dada a alteração dos elementos simbólicos. Mas a criança percebe, consciente e inconscientemente, este descompasso entre os atos rotineiros, que permanecessem sendo realizados, e sua vida, com a dimensão simbólica, que foi inegavelmente alterada, o que pode ser mais prejudicial do que o esforço para a compreensão de uma nova rotina.

Não se pode negar que nas disputas de guarda as famílias encontram-se invariavelmente em situação de crise, ainda sofrendo de um desarranjo em sua dinâmica, o que geralmente faz com que estejam distanciadas de uma concepção ideal de família.

A dúvida que surge, assim, é: será que uma medida coercitiva, imposta pelo Estado a todo e qualquer núcleo familiar, independentemente da respectiva dinâmica, realmente corresponderia ao melhor interesse da criança envolvida na disputa judicial da guarda? Mais do que isso, será que caberia ao legislador, com regramento por meio de uma abstração legal, determinar como os casos concretos deverão se reger, sem se atentar às peculiaridades de cada caso?

É verdade, como já dito, que a teoria defendida por muitos dos profissionais estudiosos do tema é a de que a presença e a participação de ambos os pais na infância representa o ideal para o desenvolvimento psicossocial da criança, e, por isso, a guarda compartilhada seria a melhor opção de guarda. E, de fato, no plano teórico, tal posição é incontestavelmente válida.

Porém, a decisão do Judiciário quanto ao tipo de guarda a ser aplicada a cada caso concreto deve sopesar, de modo minucioso, as particularidades da dinâmica familiar em desarranjo que se encontram a ela submetidas.

Em casos mais drásticos de conflito, com agressões e animosidades recorrentes, por exemplo, de nada adiantaria impor a guarda compartilhada, o que poderia acirrar a situação, sendo certo que tal modalidade exige dos pais um amadurecimento psicológico e um esforço em prol dos filhos que deve se sobrepor aos conflitos emocionais entre os adultos envolvidos. E nem sempre é o que se verifica.

Como se disse e facilmente se evidencia, infelizmente, poucos casais se separam de forma pacífica, mas isso, por si só, realmente não deveria levar à rejeição da possibilidade de atribuição da guarda compartilhada.

E, sobre este aspecto, é válido o intuito da alteração legal trazida, que, conforme se expôs, visa justamente evitar o afastamento indistinto da guarda compartilhada nos casos em que os casais não se entendem, a fim de privilegiar a presença e participação efetiva de ambos os pais na vida dos filhos, independentemente dos problemas que tenham como casal.

Contudo, ao tentar corrigir uma situação distorcida, talvez a Lei nº 13.058/2014 esteja a distorcendo para o lado contrário. Ou seja, também não se deve ignorar que, em alguns casos, a inviabilidade de um mínimo de boa convivência entre os pais pode efetivamente inviabilizar a aplicação da guarda compartilhada, tornando-a prejudicial ao próprio interesse da criança.

Ademais, como se disse, não apenas o bom relacionamento entre os pais como também outras peculiaridades, por exemplo, a indicação, ou não, de se manter a rotina dos infantes, devem ser consideradas, analisando-se caso a caso, sob pena de se cometer sérios – e talvez irreparáveis – equívocos em tema de tamanha importância.

Assim, se, por um lado, entende-se a preocupação do legislador reformador ao não deixar espaço para exceções à regra geral da adoção da guarda compartilhada, a não ser aquelas objetivas (inaptidão ou desinteresse pelo poder familiar), tem-se, por outro lado, uma justificada preocupação derivada da imposição de uma modalidade de guarda como regra geral, independentemente das peculiaridades de cada caso concreto.

Felizmente, há julgadores que buscam alternativas criativas e ponderadas, tendo em vista, por óbvio, o que dispõe o ordenamento jurídico pátrio, mas também contando com o poder – e dever – a eles atribuído de julgar cada caso concreto.

Talvez nestes trabalhos cuidadosamente desenvolvidos encontrem-se bons exemplos de um caminho intermediário a ser adotado no que se refere aos casos de guarda.

Vale destacar, a título de exemplo, o programa da Juíza Maria Cristina de Brito Lima, que, no Rio de Janeiro, se dedica de maneira muito interessante à difusão da guarda compartilhada.

O programa[9] criado há quatro anos consiste em encontros de grupos com cerca de 60 pessoas, compostos de pais em processo de litígio e seus respectivos advogados, nos quais são divulgadas palestras e vídeos sobre as vantagens de a criança conviver igualmente com ambos os pais, de modo que, após a primeira orientação, todos os envolvidos são encaminhados a grupos de orientação familiar coordenados por psicólogos.

Trata-se de projeto exemplar e que teve muito sucesso, sendo certo que a respectiva implementação acarretou considerável aumento nos casos de fixação de guarda compartilhada. Porém, isso se deu de forma responsável e cuidadosa, contando com trabalho interdisciplinar.

Desta feita, tendo sido aprovada a obrigatoriedade da guarda compartilhada – excetuando-se aquelas condições objetivas legalmente previstas – com o exagero da medida a ela inerente, dois possíveis caminhos se desenham: ou os julgadores aplicarão cegamente a guarda compartilhada a todos os casos, abstraindo as peculiaridades de cada um, ou, o que é mais provável e razoável, os julgadores, atentando-se para a inadequação da aplicação da guarda compartilhada a determinados casos concretos, deixarão de lado a letra da lei e buscarão alternativas para respeitarem o intuito do legislador, porém sem prejuízo da observância das peculiaridades de cada caso, em prol do superior interesse das crianças.

Assim, a obrigatoriedade da guarda compartilhada será de inegável importância em muitos casos (provavelmente na maioria deles), mas, nos casos em que tal modalidade de guarda não se mostrar desejável, será prejudicial ou inútil a obrigatoriedade imposta.

Como se pôde perceber, é evidente o avanço representado pela alteração legislativa trazida pela Lei nº 13.058/2014, que vai de encontro ao tradicionalismo observado na maioria das decisões judiciais referentes aos casos de guarda, no sentido de aplicação da guarda unilateral. Porém, desconsiderar e impedir a apreciação das exceções fáticas aplicando-se indistintamente a guarda compartilhada, mesmo em casos que não a justificariam ou recomendam, pode constituir um retrocesso.

Trata-se, a toda evidência, de difícil equilíbrio que, de qualquer forma, não pode deixar de ser buscado, até porque, em sendo dinâmicas as relações entre as pessoas, fatalmente as leis a elas relacionadas devem estar em constante formação e transformação, sendo certo que o sucesso do direito de família depende do desenvolvimento do diálogo entre direito e sociedade.

6 Referências Bibliográficas     

BRANDALISE, Camila. No caminho da guarda compartilhada. Revista Isto É independente, set. 2014. Disponível em: <http://www.istoe.com.br/reportagens/382249_NO+CAMINHO+DA+GUARDA+COMPARTILHADA>. Acesso em: 2 nov. 2014.

CÓRDOVA Jr., Milton. Alienação parental judicial. Revista Migalhas de Peso, abr. 2014. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI198431,51045 Alienacao+parenta l+judicial>. Acesso em: 2 nov. 2014.

PORTELA, Angela. Senadora-Relatora. Parecer da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, sobre o Projeto de Lei da Câmara nº 117, de 2013 (Projeto de Lei nº 1.009, de 2011, na origem), do Deputado Arnaldo Faria de Sá, que altera os arts. 1.583, 1.584, 1.585 e 1.634 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, para estabelecer o significado da expressão “guarda compartilhada” e dispor sobre sua aplicação. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=1 15668>. Acesso em: 25 set. 2014. Texto original.

RAUPP, Valdir. Senador-Relator. Parecer da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, sobre o Projeto de Lei da Câmara nº 117, de 2013, do Deputado Arnaldo Faria de Sá, que “altera os arts. 1.583, 1.584, 1.585, 1.596 e 1.634 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, para estabelecer o significado da expressão ‘guarda compartilhada’ e dispor sobre sua aplicação”. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=l 15668>. Acesso em: 25 set. 2014. Texto original.

SENADO FEDERAL. Projeto de Lei da Câmara nº117, de 2013, nº 1.009/2011. Altera os arts. 1583, 1584, 1585 da Lei nº10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, para estabelecer o significado da expressão “guarda compartilhada” e dispor sobre sua aplicação. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=l 15668>. Acesso em: 25 set. 2014. Texto original.

SILVA, Ana Maria Milano. A lei sobre guarda compartilhada. 4. ed. São Paulo: J.H. Mizuno, 2010.

SILVA, Denise Maria Perissini da. Guarda compartilhada e síndrome da alienação parental. O que é isso?. 2. ed. Campinas: Armazém do Ipê, 2011.

______. Psicologia jurídica no processo civil brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012.

[1] BRANDALISE, Camila. No caminho da guarda compartilhada. Revista Isto É independente, set. 2014. Disponível em: <http://www.istoe.com.br/reportagens/382249_NO+CAMINHO+DA+GUARDA+COMPARTILHADA>. Acesso em: 2 nov. 2014.

[2] Para fins deste trabalho, as palavras “separação” e “divórcio” são utilizadas indistintamente para referir o término do relacionamento amoroso dos pais de filhos em comum.

[3] No presente trabalho, tendo em vista que comumente o poder-dever familiar coincide com a filiação biológica, utiliza-se em diversos momentos o termo “genitor” como equivalente ao termo “pais”. Entretanto, ressalve-se que, ao se mencionar “genitor”, referimo-nos a todos os casos em que há o poder-dever familiar, coincidindo ou não com a filiação biológica, como, por exemplo, na adoção ou paternidade/maternidade socioafetiva.

[4] SILVA, Denise Maria Perissini da. Guarda compartilhada e síndrome da alienação parental. O que é isso?. 2. ed. Campinas: Armazém do Ipê, 2011. p. 47.

[5] SILVA, Denise Maria Perissini da. Guarda compartilhada e síndrome da alienação parental. O que é isso?. 2. ed. Campinas: Armazém do Ipê, 2011. p. 17.

[6] CÓRDOVA Jr., Milton. Alienação parental judicial. Revista Migalhas de Peso, abr. 2014. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI198431,51045 Alienacao+parenta l+judicial>. Acesso em: 2 nov. 2014. p. 2.

[7] SILVA, Denise Maria Perissini da. Psicologia jurídica no processo civil brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012.

[8] RAUPP, Valdir. Senador-Relator. Parecer da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, sobre o Projeto de Lei da Câmara nº 117, de 2013, do Deputado Arnaldo Faria de Sá, que “altera os arts. 1.583, 1.584, 1.585, 1.596 e 1.634 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, para estabelecer o significado da expressão ‘guarda compartilhada’ e dispor sobre sua aplicação”. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=l 15668>. Acesso em: 25 set. 2014. Texto original.

[9] BRANDALISE, Camila. No caminho da guarda compartilhada. Revista Isto É independente, set. 2014. Disponível em: <http://www.istoe.com.br/reportagens/382249_NO+CAMINHO+DA+GUARDA+COMPARTILHADA>. Acesso em: 2 nov. 2014.