AMPLIAÇÃO DOS PODERES DO JUIZ NO NOVO CPC E PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
José Rogério Cruz e Tucci
O artigo 139, na linha de outras disposições do novo Código de Processo Civil, dilata os poderes do juiz na direção do processo. Na verdade, do ponto de vista dogmático, nada há de surpreendente nesta opção do legislador, uma vez que tal tendência tem caracterizado as legislações processuais mais modernas.
O Codice di Procedura Civile de 1942, marcado pela ideologia fascista, também outorgou amplos poderes ao juiz. Convocado pelo Ministro da Justiça Dino Grandi para proceder à revisão final do texto legal, Piero Calamandrei procurou conciliar os poderes discricionários do juiz nos quadrantes do princípio da legalidade, ao afirmar que não se deveria criticar a tomada de posição do diploma italiano, uma vez que a atuação judicial sempre estaria delimitada pelo princípio da legalidade. É dizer: o juiz pode muito, mas não pode tudo!
Com efeito, embora reforçados os poderes do órgão diretor do processo em nosso novo Código, encontram-se eles freados pelo contraditório e, em particular, pelo dever de motivação dos atos decisórios. Dentre as questões que têm suscitado atenção nestes primeiros seis meses de vigência do estatuto processual brasileiro desponta aquela concernente à determinação de medidas coercitivas visando ao cumprimento das decisões judiciais.
Além das sanções típicas, expressamente disciplinadas no Código de Processo Civil, como, por exemplo, a imposição de astreintes, o artigo 139, inciso IV, prevê a atipicidade dos meios executivos, como uma regra geral do sistema em prol da efetivação das decisões judiciais, ao dispor que: “O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: (…) IV – determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária”.
E isso, porque em decorrência de novas exigências e do consequente aperfeiçoamento que permeia a ciência processual, os especialistas concluíram que o tradicional modelo da execução por meio de subrogação enseja, em muitas situações, enorme frustração ao credor vitorioso.
E, por esta razão, já há alguns anos, a nossa melhor doutrina influenciou o legislador pátrio a adotar, com maior ênfase, a técnica da tutela específica, para satisfazer, de forma efetiva, o interesse do credor.
No Brasil, o exemplo mais significativo desse desejo de superar as agruras da condenação em perdas e danos com a sucessiva sub-rogação estatal em bens do devedor, foi a possibilidade, introduzida pelo artigo 84 do Código de Defesa do Consumidor e, sobretudo, pelos artigos 461 e 461-A do Código revogado, de acesso à tutela específica, consistente na prestação de fazer, não fazer, ou dar coisa certa, visando a que o pronunciamento estatal não se revista de cunho simplesmente ressarcitório do prejuízo experimentado pelo credor.
Assim, uma vez acolhida a pretensão do demandante, consubstanciada na imposição de prestação específica, o provimento judicial deve recair exatamente sobre o bem da vida a que se obrigou o réu. Desrespeitado o comando, entram em cena as denominadas “medidas ou providências de apoio”, incluindo-se entre elas os meios coercitivos de pressão a fim de que seja cumprido o dever então imposto ao demandado.
Diante da recalcitrância do condenado, que não se curva de modo espontâneo, aos termos da decisão, o novo Código de Processo Civil atribui, pois, ao juiz, diante de uma determinada situação concreta, o poder de impor medida de coerção atípica, que possa propiciar o atendimento ao comando judicial.
Tenha-se presente que o princípio fundamental da duração razoável do processo, do modo sábio como contemplado no artigo 4º do Código de Processo Civil, abrange a atividade satisfativa.
Seja como for, a atuação judicial nesse sentido sempre deverá se desenvolver à luz das normas do devido processo legal, proporcionando ao obrigado, de forma incisiva, clara e expressa, as garantias da ampla defesa!
A questão interessante, que tem gerado acentuada polêmica em nosso meio jurídico, decorre da notícia de atos decisórios impositivos, como medida indutiva atípica, da suspensão da Carteira Nacional de Habilitação, da restrição ao passaporte e, outrossim, do cancelamento dos cartões de crédito do executado, até a comprovação do pagamento do débito em aberto.
E isso, independentemente da natureza do dever, inclusive na esfera de dívida alimentar e até mesmo de outras espécies de obrigação de pagar quantia certa.
Assim, como ocorre, por exemplo, nas situações nas quais se viabiliza a desconsideração da personalidade jurídica, tenho sustentado, após a devida reflexão, que tais medidas excepcionais procedem, desde que se possibilite ao obrigado o contraditório, facultando-lhe justificar as razões do descumprimento da sentença. E isso tudo, não apenas em homenagem ao due process of law, mas também em respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana e da regra da menor onerosidade, agora repetida no artigo 805 do Código de Processo Civil.
Norteando-se, portanto, pela legalidade estrita, apenas depois de terem sido esgotados todos os meios executivos possíveis e de dar oportunidade à manifestação do executado, é que o juiz, com inarredável fundamentação, poderá então deferir aquelas providências atípicas, especialmente no campo das relações de direito de família. E tudo, no exame do caso concreto, sem olvidar a proporcionalidade entre o meio processual de coerção imposto e o valor jurídico que se busca proteger!