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A ALTERAÇÃO DA ORDEM PROCESSUAL NO NOVO CPC – ASPECTOS GERAIS E O DIREITO EMPRESARIAL

A ALTERAÇÃO DA ORDEM PROCESSUAL NO NOVO CPC – ASPECTOS GERAIS E O DIREITO EMPRESARIAL

Luiz Fernando Valladão Nogueira

SUMÁRIO: Rápida referência aos princípios; Princípios relevantes para compreensão da alteração da ordem processual; A ordem processual e sua alteração; A inversão em situações relacionadas ao direito empresarial; Conclusão.

RÁPIDA REFERÊNCIA AOS PRINCÍPIOS

A Lei nº 13.105/2015, que consubstancia o novo Código de Processo Civil, encampou a compreensão de que as normas se identificam como gênero, do qual se extraem espécies como são as regras e os princípios.

A propósito, pode-se dizer que as regras têm contornos objetivos, de maneira que o Magistrado pode aplicá-las ao caso concreto, conforme a sua interpretação.

Diferente disso, os princípios trazem conceitos mais genéricos e amplos. Eles contribuem para a própria criação das regras, assim como na manifestação de escolha pelo Magistrado quando aquelas trazem cláusulas abertas. De igual forma, ajudam para a superação de conflitos entre regras distintas ou decorrentes de lacunas legislativas.

De fato, já no primeiro artigo, o novo Código chama a atenção para o fato de que ele não se guiará por aprioristicamente regras legais, mas sim por “normas fundamentais“.

Em uma demonstração de que haverá certa horizontalidade entre as normas, em vez de hierarquia, tem-se a mudança redacional adotada pelo legislador no art. 140 do NCPC. Sim, no novel dispositivo, diz o Código, valendo-se de induvidosa generalidade, que “o juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico“. Na redação do dispositivo correlato no CPC/1973 constava, diferente disso, que o juiz não se recusaria a decidir sob a alegação de “lacuna ou obscuridade da lei” (art. 126). E, evidenciando a hierarquia à época adotada, constava na parte final do artigo: “No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito“.

Em outras palavras, antes, o Código Processual indicava preponderância das leis. Só não as havendo é que poderia se socorrer a outras fontes, inclusive aos princípios. Agora no novo Código, em sintonia com o que aqui já foi dito, excluiu-se aquela parte final que consubstanciava hierarquia em prol da lei, autorizando-se a utilização das demais fontes em aparente pé de igualdade.

 

PRINCÍPIOS RELEVANTES PARA COMPREENSÃO DA ALTERAÇÃO DA ORDEM PROCESSUAL

A boa-fé processual, na mesma linha do sempre vigente princípio da lealdade, impõe conduta pautada pela eticidade. Tal imposição, como decorre do próprio art. 5º do NCPC, alcança todos que “de qualquer forma” participam do processo. Dito de maneira objetiva, a boa-fé processual importa que as partes, embora dotadas de parcialidade, devem guardar coerência em suas manifestações e posturas processuais, não criando embaraços à prestação jurisdicional.

Já o princípio da cooperação, previsto no art. 6º do NCPC, exige transparência no diálogo entre os sujeitos do processo. É referencial a ser seguido, a fim de obter-se um processo justo e que não seja maculado por armadilhas. Se o desejo é que o mérito seja desatado, impõe-se colaboração de todos.

De outro lado, tem-se como verdadeira obsessão do novel Código o atingimento do mérito, ou seja, o efetivo desate da lide. A isso se tem dado o nome de princípio da primazia do mérito. Com efeito, o art. 4º do novo Diploma Processual informa que a duração razoável do processo está atrelada à “solução integral do mérito“. De igual forma, o art. 6º estabelece que a cooperação entre os sujeitos do processo tem em mira alcançar “decisão de mérito justa e efetiva“. E o art. 139, ao versar sobre as incumbências do Juiz, insta-o a optar, sempre, por “determinar o suprimento de pressupostos processuais e o saneamento de outros vícios processuais” (inc. IX).

Anote-se, ainda, o estímulo do legislador à autocomposição. Sim, diz o código que “a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial”  (art. 3º, § 3º, do NCPC). A permissividade à solução consensual de conflitos chegou, inclusive, ao ponto de viabilizar-se, doravante, a autocomposição ao redor do procedimento e dos ônus, poderes, faculdades e deveres processuais das partes, o que pode ser estabelecido antes mesmo da instauração do processo ou durante seu trâmite (art. 190 do NCPC).

Por derradeiro, pontue-se que o Código, como não poderia deixar de ser, manteve o princípio do impulso oficial (art. 2º do NCPC). Dele decorre a compreensão no sentido de que as partes devem vir a juízo com suas postulações, porém, assim feito, compete ao Magistrado, na direção do processo, dar-lhe impulso e prosseguimento ex officio. Mais ainda, o Magistrado detém poder inquisitivo (iniciativa probatória – art. 370 do NCPC), o qual lhe atribui flexibilidade, sem perda de imparcialidade, para apurar a verdade real.

Trazendo os referidos princípios ao tema ora em debate (ordem processual), é possível fixar as seguintes premissas objetivas:

– Para que o Magistrado visualize claramente os limites da lide e conduza o processo voltado ao efetivo desate do mérito, as partes trarão, de maneira leal quando da petição inicial e da resposta, suas pretensões probatórias (arts. 319, VI, e 336 do NCPC) e, desde já, a prova documental (art. 434 do NCPC).

– Quando do saneamento (art. 357 do NCPC), competirá ao juiz, entre outras atribuições, fixar os limites fáticos e probatórios, assim como eventual inversão do ônus probatório. De tal forma, o Magistrado cooperará para que as partes saibam como se comportarão durante a instrução probatória.

– Em seguida, as partes, imbuídas de boa-fé e movidas pelo espírito de cooperação, proporcionarão o debate e a produção das provas pendentes, em conformidade com o que foi deliberado no saneamento aludido.

– Nada obsta, inclusive, que se componham com relação aos ônus probatórios ou, até mesmo, quanto à ordem processual. Aliás, tal composição pode ocorrer antes mesmo do ajuizamento da ação (art. 190 do NCPC) [1].

– O Juiz, contudo, não é mero expectador. Compete-lhe, enquanto dirigente do processo e observando o impulso oficial, dar-lhe movimentação segundo o fluxo legal e, sempre e em qualquer instante, sanear vícios ou imperfeições que possam retardar o exame do mérito.

– De igual forma, o magistrado, sempre atento à imparcialidade e ao contraditório efetivo, poderá determinar a produção de provas, ainda mais por ser ele quem as analisará.

A ORDEM PROCESSUAL E SUA ALTERAÇÃO

O Direito Processual sempre esteve como espécie do Direito Público, na medida em que, até a vigência do CPC/1973, o Juiz devia atenção ao rito legal, com poucos poderes de flexibilização.  De igual forma, as partes não detinham poderes mais intensos para negociar a alteração dos ritos e suas próprias incumbências processuais. Em outras palavras, o processo, entendido como meio judicial para a aplicação do direito material, sempre era regrado pelo Estado, com espaço reduzido para alterações pelo juiz ou pelas partes.

A ideia de um processo previamente idealizado estava associada ao paradigma da segurança. Ou seja, para que as partes não fossem prejudicadas no exercício oportuno do contraditório e para que o processo alcançasse seu fim, era necessário seguir um rito reto e inflexível.

Porém, tal rigor acabava por levar a resultados injustos, como aqueles decorrentes de inércia probatória da parte, muitas vezes advinda da sua fragilidade econômica ou social. De igual forma, o preconizado rito inflexível impedia o saneamento de vícios e conduzia à extinção de processos sem exame de mérito ou o não conhecimento de recursos. Em situações deste jaez, como a lide não chegava a ser equacionada, as partes ficavam no desalento, restando ao Judiciário o descrédito.

Pois bem, a nova ordem legal trouxe, movida por princípios de grandeza constitucional – como são os do devido processo legal, da razoável duração do processo, do livre-arbítrio ou autonomia das partes -, o recebimento pelo processo civil de estímulos próprios do direito privado [2]. Agora, o Juiz tem poderes para mudar a ordem processual, podendo as partes, inclusive, pactuarem nessa seara [3].

Com efeito, a primazia do mérito exige que não se perca tempo com atos processuais desnecessários que atrasarão a solução do conflito. No sentido inverso também tem valia o princípio citado, pois não mais se admite que a entrega do bem de vida seja postergada a fases posteriores, se é possível defini-lo com clareza, desde já [4].

Ao influxo de tais ponderações, pode-se apontar, à guisa de exemplos, os seguintes dados quanto à inversão da ordem processual no novo sistema codificado:

– Art. 317 – Impõe ao juiz oportunizar o saneamento do processo e correção do vício antes de extingui-lo sem resolução de mérito. Ou seja, o juiz deve oportunizar a correção do vício, mesmo que já feitas tentativas anteriores, de forma que, se vendo na contingência de extinguir o feito sem resolução de mérito, há de instar, derradeiramente, a parte interessada. Nessa hipótese, volta-se à etapa anterior, mas assegura-se o efetivo enfrentamento do mérito.

– Art. 338 – Nesse dispositivo, o legislador faculta ao autor, deparando com preliminar de ilegitimidade ou invocação de que o mesmo não é “responsável pelo prejuízo invocado“, alterar sua petição inicial “para substituição do réu“. Ou seja, mitiga-se o rigor da estabilidade da lide, no plano subjetivo, e permite-se mudança do réu após a contestação. Dito de outra forma, tal dispositivo repugna a ideia de extinção do processo sem resolução de mérito e autoriza a solução da lide com a inserção de novo réu.

– Art. 139, VI – Permite não só a dilação de prazos processuais como, em especial, que venha o juiz “alterar a ordem de produção dos meios de prova“. Por tal dispositivo, que será esmiuçado mais adiante, o legislador, de forma programática e principiológica, insta o Juiz a “conferir maior efetividade à tutela do direito“, mesmo que, para tanto, flexibilize a ordem na produção das provas.

– Art. 361, caput – Diferente do CPC/1973 e atento à provocação do citado art. 139, IV, do NCPC, o legislador, ao estabelecer ordem na produção de provas em audiência, diz que se deve segui-la, “preferencialmente“. Isso significa que a ordem não é absoluta, comportando adequações conforme as especificidades do caso.

– Arts. 331, 333, § 3º, e art. 485, § 7º – Estes dispositivos admitem que o Juiz, mesmo após proferir decisão extintiva do feito (indeferimento da inicial, improcedência liminar e extinção sem resolução de mérito), volte atrás e retrate-se, dando, em seguida, continuidade no processo.

– Art. 938 – Este dispositivo e seus parágrafos trazem a proposição de que as preliminares antecedem ao mérito. E, mais ainda, se resultarem na identificação de vício sanável, elas serão corrigidas por mera diligência, sem anulação do ato judicial recorrido. E a grande novidade está no § 3º do citado artigo: identificado cerceamento ao direito de produção de provas ou mesmo havendo iniciativa probatória pelo próprio tribunal, haverá mera conversão em diligência, sendo que, produzido o elemento probatório, o julgamento na instância recursal será concluído. Ou seja, as decisões não serão anuladas, a fim de que sejam renovadas após a produção da prova faltante. O próprio tribunal resolverá de imediato o recurso após vir aos autos a prova.

– Art. 700, § 5º – Trata-se de exemplo típico da fungibilidade das ações no novo Código. O legislador, em referido dispositivo, permite que o Juiz, em vez de extinguir ação monitória sem resolução de mérito (descabimento), inste o autor para adaptá-la ao procedimento comum e, assim, oportunizar seja alcançado o desate da lide. Em situações deste jaez, o processo retrocede à fase inicial postulatória, mas evita-se a extinção do feito sem resolução de mérito.

– Art. 932, parágrafo único – Por força desse dispositivo, o Relator, mesmo que retarde um pouco o julgamento do recurso, a fim dele conhecer (superar o juízo de admissibilidade), concederá ao recorrente oportunidade para sanar vício ou complementar documentação. Ou seja, para alcançar o mérito, vale voltar um pouco atrás e corrigir vício formal.

Ao que se verifica, o novo Código, prestigiando a menor intervenção estatal na vontade das partes e a primazia do mérito, contemplou inversões e acordos quanto à ordem processual.

E a prática forense mostrará inúmeras situações que revelarão o acerto do legislador, pois a segurança processual não pode se transformar em dogma, ao ponto de, desnecessária e desproporcionalmente, impedir o exame do mérito.

A procura pela verdade real, de outro lado, fomentará diversas situações de inversão, mormente no campo da produção das provas.

Assim é que se pode exemplificar com a hipótese em que, quando do exame de tutela provisória sobre paralisação ou demolição de determinada obra, o juiz, já ao início do processo e antes de proferir dita decisão, marque a prova pericial em caráter de urgência. Ora, se o dano pode ser irreversível tanto ao autor quanto ao réu, o juiz poderá determinar prova que lhe traga a segurança necessária para se posicionar. A flexibilização na ordem da produção das provas (art. 139, VI, do NCPC) autoriza que assim faça o Magistrado.

Na mesma toada, pode acontecer de o juiz, em uma ação indenizatória, designar, em primeiro lugar, a audiência de instrução e julgamento, para apuração da culpa. E, em uma autêntica inversão da sequência probatória [5], designar a perícia depois, a fim de quantificar os danos sofridos pela vítima, uma vez evidenciada a responsabilidade civil. Ou seja, o juiz, de uma só vez no exemplo dado, permitirá que a perícia seja designada apenas se imprescindível (prévio reconhecimento da culpa do agente), e que os valores sejam, desde já e independente de posterior liquidação, fixados na decisão final.

Ainda na ilustração por exemplos, a despeito de aparente peremptoriedade do parágrafo único do art. 456 do NCPC [6], poderá, inexistindo real prejuízo ao réu e com base no que contém o art. 139, VI, do mesmo Codex, ser ouvida, em primeiro lugar, alguma testemunha por este arrolada, antes da oitiva daquelas do autor. Ora, o que o parágrafo único assevera é a possibilidade de o juiz aceitar e dar concretude à composição das partes quanto à inversão da inquirição das testemunhas. Porém, nada obsta que, com base no seu poder instrutório, inverta referida sequência [7]. É o que pode acontecer na hipótese de desnecessário e prejudicial adiamento de audiência para oitiva de testemunha do réu, se a do autor ainda não foi ouvida por carta precatória pendente de cumprimento. De igual forma, é o que pode acontecer no caso em que o juiz, para avaliar a suspeição de testemunha do autor, tiver que, antes, ouvir aquela arrolada pelo réu. Ou mesmo naquele caso em que a testemunha do réu trará, pela sua qualificação, informações fáticas que facilitarão ao juiz a coleta de dados daquela arrolada pelo autor.

Vale imaginar, ainda, a hipótese de, após exaurimento da fase probatória e já em alegações finais, surgir um fato não comprovável por simples documento e que deva ser levado ao conhecimento do juízo[8]. E imagine-se que tal fato seja comprovado por ata notarial (art. 384 do NPC) [9], prova esta que poderá ser admitida pelo Magistrado, desde que ouvida a parte contrária. O referido fato poderá ser comprovado – também imagine-se – por meio do procedimento de produção antecipada de prova, hipótese em que os autos respectivos são entregues ao promovente da demanda (art. 383, parágrafo único, do NCPC). Enfim, tem-se situações em que, mesmo sem redesignar audiência ou perícia, o juiz terá acesso, já em momento próximo ao julgamento, a fatos relevantes e que vieram à tona posteriormente.

Seguindo adiante, é importante pontuar, agora no campo recursal, também a viabilidade de produção de provas.

De fato, o novo sistema processual ampliou o chamado efeito translativo dos recursos. Trata-se da possibilidade de a instância recursal conhecer de matéria ainda não enfrentada na instância a quo e, sequer, veiculada no recurso originariamente. Ou seja, a alegação de supressão de instância, ínsita ao duplo grau de jurisdição, deixa de ser relevante.

Pode-se identificar tal situação, por exemplo, na permissão do Código Processual a que a instância ad quem, por meio de mera diligência, supra os vícios que maculam o processo, sem impor nova decisão à instância a quo (conferir art. 938, e seus parágrafos, do NCPC).

No concernente à apelação, o código permite que o tribunal identifique o vício formal ou o equívoco advindo da extinção do feito sem desate da lide, corrija-os e julgue “desde logo o mérito” (art. 1013, § 3º, do NCPC).

No tocante às provas, partindo o legislador da premissa de que o princípio do duplo grau de jurisdição pode ser relativizado, assim estabeleceu:

  1. a) O art. 933 do NCPC admite a apuração e consideração de fato superveniente à decisão recorrida, devendo o relator, em tal hipótese, dar vista à parte contrária. Em outras palavras, se o fato pode vir à baila durante o trâmite do recurso, necessariamente deve-se permitir à parte interessada prová-lo, ainda que em sede recursal.
  1. b) Antes disso, o mesmo código acentua ser competência do relator, de forma geral nos tribunais, “dirigir e ordenar o processo […], inclusive em relação à produção de prova” (art. 932, I, do NCPC).
  1. c) Mais enfática e diretamente, o art. 938, § 3º, do NCPC, aqui já citado rapidamente, estabelece o procedimento para a produção de provas em sede recursal. Diz aquele dispositivo que, “reconhecida a necessidade de produção de prova, o relator converterá o julgamento em diligência, que se realizará no tribunal ou em primeiro grau de jurisdição, decidindo-se o recurso após a conclusão da instrução“.

Portanto, a prova, seja qual for sua natureza, pode, em determinadas situações, ser produzida no tribunal ou por ordem deste, sem necessidade de que a decisão recorrida seja anulada e outra proferida em seu lugar. A primazia do mérito prepondera sobre o princípio do duplo grau de jurisdição, permitindo a imediata decisão pela instância revisora [10]. O poder inquisitivo da instância ad quem dá esta maior extensão ao efeito translativo dos recursos.

Neste diapasão, tem-se autêntica inversão da ordem processual, a se implementar quando a instância recursal verificar a necessidade de produção de provas. Vale dizer que, mesmo já decidida a lide em instância anterior e encerrada a fase probatória, pode-se voltar àquela etapa por ordem da instância ad quem, produzindo-se, assim, as provas pendentes. Produzidas as provas, como se viu, retoma-se o julgamento, sacramentando-se a alteração da ordem processual (por exemplo, provas novas depois da própria sentença).

É importante destacar que a previsão legal anteriormente citada está inserida no capítulo que versa sobre “ordem dos processos no tribunal“. Aplica-se, pois, a todo e qualquer recurso, desde que sua natureza comporte discussão sobre matéria fática.

Em assim sendo, deve-se dar por superada a exegese extremamente radical, no sentido de que o efeito devolutivo do agravo de instrumento deve-se limitar aos fatos e às provas, inclusive documentais, já ofertadas em 1ª instância. Realmente, como acentuado, o tribunal pode conhecer, em qualquer recurso, de fatos novos ou pretéritos, ainda não submetidos ao 1º grau, desde que ligados à questão controvertida que ensejou a decisão interlocutória agravada. O princípio da primazia do mérito aqui estudado, aliado àquele que versa sobre a eficiência (art. 8º do NCPC), exige a decisão de imediato sobre a prova nova.

A propósito, vale acrescer que o art. 435 do novel Código é cristalino ao permitir a juntada de documentos, ainda que posteriormente à petição inicial ou contestação. E, ao estabelecer tal permissão, o legislador, sem excluir a fase recursal de seu alcance, apenas exigiu, no parágrafo único do citado artigo, a justificativa da parte e a fundamentação do Magistrado (sob a ótica do princípio da boa-fé).

A ressalva que cabe, a esta altura, é sobre a necessidade de a instância ad quem, por força do contraditório efetivo, ouvir a parte contrária sobre a nova prova (arts. 10 e 933 do NCPC). Sim, não se concebe a ideia de haver a produção de prova sem que sobre ela se manifeste a parte contrária.

A INVERSÃO EM SITUAÇÕES RELACIONADAS AO DIREITO EMPRESARIAL

O Direito Empresarial consiste “no conjunto de normas jurídicas que regulam as transações econômicas privadas empresariais que visam à produção e à circulação de bens e serviços por meio de atos exercidos profissional e habitualmente, com o objetivo de lucro[11].

Em tal seara, diversos são os conflitos que consubstanciarão lides e ensejarão a intervenção judicial. Sem dúvida, porém, que o novo Código Processual deu ênfase à denominada ação de dissolução parcial de sociedade, tanto que lhe dedicou um capítulo (arts. 599 a 609 do NCPC).

O art. 599 deixa claro que o litígio pode versar sobre resolução de sociedade cumulativamente com a apuração de haveres, mas também apenas sobre um ou outro, isoladamente (inc. III) [12].

O regramento eleito pelo legislador, na hipótese de cumulação, demonstra o propósito claro de definir na fase cognitiva a dissolução da sociedade, ficando a discussão sobre os valores devidos aos sócios ou à sociedade para a liquidação de sentença. Com efeito, dando concretude aos princípios da primazia do mérito e da eficiência, o legislador chega a criar estímulo ao réu para concordar com a dissolução da sociedade, isentando-o, em contrapartida, de condenação ao pagamento de honorários sucumbenciais (art. 603, § 1º, do NCPC). E, assim solucionado o pedido de dissolução, gasta-se energia apenas, e com mais rapidez, na apuração dos haveres.

Com efeito, vale verificar que o art. 603 estabelece que, havendo “manifestação expressa e unânime pela concordância da dissolução, o juiz a decretará, passando-se imediatamente à fase de liquidação“. No § 1º, como dito, o legislador afasta a hipótese de honorários sucumbenciais, caso haja a referida concordância unânime. Mas, se houver contestação, a lide, quanto à dissolução e outros pontos controvertidos, será resolvida por decisão de mérito. E a apuração de haveres será, por praticidade escolhida pelo código, relegada para a liquidação de sentença, a qual, na dicção do § 2º, “seguirá o disposto neste Capítulo“.

A liquidação de sentença na ação de dissolução parcial de sociedade, de fato, tem regramento específico, estabelecido nos arts. 604 e seguintes do Código, os quais disciplinam, em especial, sobre os critérios de apuração dos haveres.

É importante destacar três cuidados do legislador, adotados expressamente: (i) permissão à sociedade para invocar, no âmbito desta mesma ação de dissolução parcial [13], “indenização compensável com o valor dos haveres a apurar” (art. 602); (ii) imposição à sociedade ou aos sócios que nela permanecerem no sentido de que “depositem em juízo a parte incontroversa dos haveres devidos“, a qual poderá ser levantada “desde logo” (§§ 1º a 3º do art. 604);  (iii) determinação de que, “até a data da resolução, integram o valor devido ao ex-sócio, ao espólio ou aos sucessores a participação nos lucros[14] ou os juros sobre o capital próprio declarados pela sociedade e, se for o caso, a remuneração como administrador” (art. 608).

Pois bem, na sequência lógica estabelecida pelo Codex, depois de resolvida a sociedade (dissolução) e o direito à eventual indenização, assim como outro pedido que tenha sido objeto de cumulação (fase cognitiva), é que se passará à apuração de haveres propriamente dita (liquidação).

Ocorre que, para este prévio reconhecimento de dilapidações ou fraudes por sócio e do consequente direito ressarcitório à sociedade, poderá ser indispensável a prova pericial. Mas como é inviável ter a decisão condenatória feição condicional (parágrafo único do art. 492 do NCPC), poderá haver, em casos tais, inversão na ordem processual e, na fase cognitiva mesmo, ser realizada prova pericial e, desde já, apuradas as dilapidações ou fraudes, essenciais que são à análise do direito material em discussão (indenização). Inclusive, pelo princípio da economia processual e, se viável, poderá o Magistrado, em casos tais, aproveitando da prévia realização da perícia, já definir os critérios de apuração e fixar os haveres.

Com efeito, à luz da instrumentalidade das formas, o procedimento especial poderá ser alterado, caso pelo rito efetivamente adotado seja alcançado o fim almejado por aquele (no caso da ação de em exame, o levantamento real, a tempo e modo, dos haveres). O que não se pode alterar, por decisão do Magistrado, são os critérios impostos pelo legislador para a apuração dos haveres, como é o caso da necessária fixação da data da resolução da sociedade (art. 604, I, do NCPC) e a utilização do balanço de determinação (art. 606 do NCPC). Estes não podem ser olvidados pelo magistrado.

Destaque-se que a vantagem da apuração dos haveres, apenas na época da liquidação de sentença, reside na circunstância de que a perícia, nessa regra geral, poderá abarcar eventuais ocorrências havidas no curso do processo, sendo, assim, eficiente e definitiva. Mas, com exceção da hipótese em que a data da resolução da sociedade é aquela do trânsito em julgado da decisão que dissolvê-la (art. 605, IV, do NCPC [15]), nas demais situações os levantamentos periciais considerarão, a rigor, movimentações anteriores à instauração do processo, inexistindo, pois, prejuízos pela inversão da ordem quanto à prova pericial [16]. Mas é evidente que se deve prestigiar, ao máximo, o critério do legislador, até porque este evita, por situações diversas e próprias da discussão, riscos de repetição ou complementação de prova pericial.

Volvendo aos exemplos, outra situação a ponderar-se está naquele caso em que inexista controvérsia no processo sobre determinada parcela, a qual, à luz dos citados §§ 1º a 3º do art. 604, a rigor, deve ser, desde já, depositada pelo devedor e levantada pelo credor. Pode acontecer, porém, de a rubrica ser incontroversa (por exemplo, valores decorrentes de determinadas transações) e o valor correlato, diferente disso, ser controvertido. É direito subjetivo do credor, ante a incontrovérsia e em vista do princípio da eficiência, levantar o que advém da parcela pacificada. Para se apurar o montante, contudo, será necessária prova pericial ou outra modalidade probatória [17], o que, ante o  art. 139, VI, do NCPC, poderá ser feito ao início do processo mesmo, a fim de que o credor, mormente em situações de necessidade, possa receber aquilo que não está marcado pelo dissenso.

Pode-se avançar em outro exemplo (ainda na ação de dissolução parcial da sociedade), qual seja a hipótese em que, na forma do art. 608 do NCPC, o sócio precisa receber a devida remuneração, até mesmo para sua subsistência. Ainda que a total extensão dos haveres seja complexa e, portanto, realizada apenas na fase de liquidação, justifica-se, em casos tais, a antecipação de prova pericial ou outra que a supra. De tal forma, apurar-se-á o montante da referida remuneração, que poderá ser concedida pelo juiz, se incontroversa (art. 604 e parágrafos) ou, mesmo se controvertida, em sede de tutela provisória (art. 300 do NCPC).

Não se pode ignorar situações de dilapidação, dissimulação ou ocultação de dados, a inviabilizar que se aguarde a fase de liquidação de sentença. Em hipóteses tais, para se apurar elementos imprescindíveis, ainda que não se trate propriamente da perícia destinada a apurar os haveres, pode-se requerer produção antecipada de provas em feito separado ou mesmo o simples arrolamento dos bens (art. 381, § 1º, do NCPC).

Enfim, são diversas as situações de alteração da ordem processual no campo do Direito Empresarial, notadamente na ação de dissolução parcial de sociedade. O que se deve ter em mente, frise-se, é que o rito especial dedicado à ação em comento pode ser alterado ou relativizado, desde que inexista prejuízo  à ampla, correta e eficiente apuração dos haveres.

 

CONCLUSÃO

A nova sistemática processual adota princípios que devem nortear toda a interpretação sobre o próprio Código. Assim é que a primazia do mérito e a eficiência autorizam a alteração da ordem processual, desde que inexista ofensa à desejada boa-fé.

Dessa forma, afigura-se viável e até desejável a alteração das etapas processuais, seja por consenso entre as partes seja por conveniência e praticidade verificadas pelo Magistrado. A fim de alcançar decisão de mérito o quanto antes, deve o Magistrado evitar a produção desnecessária de atos processuais e, ao mesmo tempo, não postergar a especificação do bem de vida a ser entregue ao vencedor.

Com certeza, a alteração da ordem processual encontra campo fértil no Direito Empresarial, com ênfase à ação de dissolução parcial de sociedade, cujo rito especial se concentra na fase de liquidação. Desde que não se subtraia dos litigantes o acesso eficiente à correta e abrangente apuração dos haveres, inexistirá óbice para eventuais modificações e/ou antecipações no rito especial em estudo. Ao nosso sentir, a opção legislativa é positiva, veiculando escolha do legislador pela eficiência do processo e desprezo pela exagerada adoração às formas.

[1] “Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo. Parágrafo único. De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.”

[2] Atualmente, o Estado e o direito público têm sido invadidos pela ideia da consensualidade: revê-se a atuação imperativa do Poder Público, a fim de buscar maior consenso com os cidadãos, inclusive como técnica para alcançar enquadramento mais democrático da atuação estatal, não mais permeada pela perspectiva democrática apenas para a escolha dos ocupantes do poder estatal, mas sim em busca da evolução para a democracia administrativa. Essas duas perspectivas gerais do direito público (consensualidade e eficiência) são introduzidas no mundo processual a partir do reconhecimento dos atuais princípios da duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII, da CF) e da cooperação, nitidamente entrelaçados no âmbito do novo CPC, quando se dispõe que todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva (art. 6º) (ANDRADE, Érico. A contratualização do processo. In: THEODORO JR., Humberto (Coord.). Processo civil brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2016. p. 49).

[3] O fato é que, com a abertura do Estado para a consensualidade, não deixa de ser possibilidade das mais interessantes a abertura do processo para esse tipo de ajuste processual, que permite maior participação e cooperação entre as partes e o juiz, no ajustamento da forma de condução processual, engajando as partes na condução do processo. Conjunto que, no mínimo, abre o processo para uma perspectiva participativa na sua condução, que passa a ser não apenas unilateral, imposta pelo Estado-juiz (ANDRADE, Érico. A contratualização do processo. In: THEODORO JR., Humberto (Coord.). Processo civil brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2016. p. 53).

[4] Aliás, o art. 491 do NCPC estimula a apuração dos valores, sempre que possível, pela decisão da fase cognitiva, ainda que o pedido inicial seja genérico. “Art. 491. Na ação relativa à obrigação de pagar quantia, ainda que formulado pedido genérico, a decisão definirá desde logo a extensão da obrigação, o índice de correção monetária, a taxa de juros, o termo inicial de ambos e a periodicidade da capitalização dos juros, se for o caso, salvo quando: I – não for possível determinar, de modo definitivo, o montante devido; II – a apuração do valor devido depender da produção de prova de realização demorada ou excessivamente dispendiosa, assim reconhecida na sentença. § 1º Nos casos previstos neste artigo, seguir-se-á a apuração do valor devido por liquidação. § 2º O disposto no caput também se aplica quando o acórdão alterar a sentença”.

[5] O art. 477 do NCPC evidencia que, como regra geral, o laudo pericial antecederá à audiência de instrução e julgamento, devendo ser apresentado em pelo menos 20 dias antes de sua realização. Aliás, o perito poderá ser ouvido na referida audiência, acerca do laudo que já produziu (§ 3º do art. 477).

[6] “Art. 456. O juiz inquirirá as testemunhas separada e sucessivamente, primeiro as do autor e depois as do réu, e providenciará para que uma não ouça o depoimento das outras. Parágrafo único. O juiz poderá alterar a ordem estabelecida no caput se as partes concordarem.”

[7]  A propósito, mesmo no CPC/1973 já se admitia a viabilidade de inversão, partindo do pressuposto de não ser absoluta a ordem:

“Prova. Inversão na ordem prevista no art. 452 do CPC. Ausência de prejuízo. Além de não ser peremptória a ordem estabelecida no art. 452, do CPC, há a parte de evidenciar o prejuízo que lhe adviria com a inversão ocorrida. Aplicação ao caso, ademais, da Súmula nº 283-STF. Recurso especial não conhecido”. (STJ, REsp 35.786/SP, Rel. Ministro Barros Monteiro)

“A ordem de oitiva das testemunhas prevista no artigo 413 do estatuto processual aplicar-se-á apenas quando as testemunhas forem ouvidas na mesma audiência, pois no caso de alguma residir em comarca distinta, necessitando ser ouvida por cumprimento de carta precatória, não há como compatibilizar esta norma, em face da necessidade de cada juízo designar a data da audiência de acordo com a disponibilidade das atividades forenses, evitando-se, assim, atrasos e embaraços na conclusão dos atos processuais que lhes cabe cumprir.” (TAMG, Apelação Cível nº 2.0000.00.367964-1/000, Relª Juíza Tereza Cristina da Cunha Peixoto, DJ 23.11.2002)

“A inversão da ordem estabelecida no art. 413 do Código de Processo Civil não constitui nulidade, se não demonstrado prejuízo para qualquer das partes, mormente quando a oitiva das testemunhas se deu por meio de carta precatória, razão pela qual o não provimento do Agravo Retido é medida que se impõe […].” (TJMG, Apelação Cível nº 1.0079.10.007376-0/001, Rel. Des. Arnaldo Maciel, DJ 10.10.2014)

[8] “Art. 493. Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento do mérito, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a decisão. Parágrafo único. Se constatar de ofício o fato novo, o juiz ouvirá as partes sobre ele antes de decidir.”

[9] “Art. 384. A existência e o modo de existir de algum fato podem ser atestados ou documentados, a requerimento do interessado, mediante ata lavrada por tabelião. Parágrafo único. Dados representados por imagem ou som gravados em arquivos eletrônicos poderão constar da ata notarial.”

[10]  No Livro Recursos e Procedimentos nos Tribunais no Novo Código de Processo Civil, assim acentuei sobre o tema (D’Plácido, 2016, p. 34/35):

“Como já adiantado, o duplo grau de jurisdição, que já vinha sendo relativizado no CPC/1973, passou a ser tratado pelo legislador como de menor importância. Não há como ignorar essa realidade!

O que aconteceu foi que, no confronto entre o princípio do duplo grau de jurisdição e o da duração razoável do processo, preponderou, na livre opção do legislador, o segundo.

Com efeito, em diversas situações, verifica-se que o novel Código eliminou a necessidade de exaurimento do debate na instância inferior, sendo cabível a manifestação única sobre determinado tema pela instância recursal.

Assim é que, por exemplo, a nulidade pela ausência de produção de provas não ensejará a repetição de atos processuais e da própria decisão pelo magistrado da instância inferior. Sim, o art. 938 do NCPC prevê, em seu § 3º, que, em casos tais, “o relator converterá o julgamento em diligência, que se realizará no tribunal ou em primeiro grau de jurisdição, decidindo-se o recurso após a conclusão da instrução”.

Na hipótese acima aventada, ao que se percebe da clareza da norma, não se submeterá ao crivo da instância primeira a prova nova colhida. Poderá, isso sim, o tribunal decidir diretamente sobre a nova prova, relativizando-se aí o duplo grau de jurisdição.

Na mesma toada, vê-se, no tocante ao julgamento de apelação, que o legislador quer que o tribunal decida “desde logo o mérito” (art. 1013, § 3º, NCPC), ainda que a sentença recorrida seja de extinção do processo sem resolução de mérito ou esteja ela maculada por nulidade. De fato, a circunstância de não haver efetivo exame da lide pela instância originária não é impeditivo à apreciação da mesma pelo tribunal.

As referidas alterações e outras mais neste sentido estão coesas com a tendência legislativa. Já vinha o nosso legislador assim agindo e, embora se trate de tendência perigosa, é necessária, ante a expectativa do jurisdicionado com a decisão de mérito célere e com um processo menos burocrático.

E, para arrematar, cabe consignar que tais mudanças não ofendem a Constituição Federal, na medida em que o duplo grau de jurisdição, por ser princípio implícito, comporta sim atenuações, ainda mais se atentas estas à efetividade e à duração razoável do processo.”

[11] REQUIÃO, Rubens Edmundo. Curso de direito comercial. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. 2 v.

[12] “Art. 599. A ação de dissolução parcial de sociedade pode ter por objeto: I – a resolução da sociedade empresária contratual ou simples em relação ao sócio falecido, excluído ou que exerceu o direito de retirada ou recesso; e II – a apuração dos haveres do sócio falecido, excluído ou que exerceu o direito de retirada ou recesso; ou III – somente a resolução ou a apuração de haveres. § 1º A petição inicial será necessariamente instruída com o contrato social consolidado. § 2º A ação de dissolução parcial de sociedade pode ter também por objeto a sociedade anônima de capital fechado quando demonstrado, por acionista ou acionistas que representem cinco por cento ou mais do capital social, que não pode preencher o seu fim.”

[13] O STJ tem precedente, na vigência do CPC revogado, recusando tal cumulação: “[…] 4. A ação de dissolução parcial de haveres é contenda deveras específica, que se limita à superficialidade das questões atinentes a forma de apuração do patrimônio contábil e seus haveres – seja adotando o contrato social, seja em balanço especialmente levantado, o que sumariza o seu conhecimento, limitando sua extensão e/ou profundidade.  5. Com efeito, discussões sobre eventuais vícios de gestão, atos ultra vires societatis ou ainda abusos ou desvios em atos de administração, concorrência desleal, bem como eventuais artimanhas para fins de prejudicar determinado sócio, por certo, escapam aos limites objetivos da ação de resolução que, com a análise da situação patrimonial da sociedade, terá a função de apurar os cabedais do sócio egresso e, ao mesmo tempo, permitir o prosseguimento da sociedade empresária, com eventual preservação da empresa. 6. No caso, eventual indenização por descumprimento contratual, concorrência desleal, uso indevido da firma social, desvio de capital, há de ser apurada, se for o caso, por meio de ação própria, permitindo ampla defesa e produção de provas aos réus e chamando à lide possíveis terceiros prejudicados, sob pena de desvirtuar a dissolução em comento. […]” (REsp 1444790/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJ 25.09.2014). Porém, enfatizando a adoção do rito ordinário (expressão do CPC/1973), o mesmo STJ, posteriormente, decidiu diferente: “A não adoção do rito especial na dissolução de sociedade em comum (de fato) e a cumulação dos pedidos de indenização da inicial não importa nulidade, visto que o rito comum ordinário é mais amplo e mais completo, mormente quando exercidos a ampla defesa e o contraditório pela parte contrária. Ademais, devem ser prestigiados os princípios da economia processual, efetividade, respeito ao contraditório e ausência de prejuízo concreto. Precedentes” (AgRg-REsp 1563983/ES, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 12.05.2016).

[14] Ainda na vigência do CPC/1973, assim entendia a jurisprudência: “Na hipótese de retirada de um dos sócios da sociedade, a apuração de haveres deve ser efetivada da forma mais ampla possível, tendo em vista os valores reais do patrimônio social, para se apurar o patrimônio líquido, visando garantir a divisão lídima da sociedade, com a exata quantificação do ativo, passivo e lucros eventualmente não repassados ao sócio retirante. Tais elementos deverão ser levados em consideração pelo juízo, entregando às partes o que lhes cabe, sob pena de enriquecimento ilícito dos sócios remanescentes ou do sócio dissidente” (TJMG, Agravo de Instrumento nº 1.0024.94.094234-5/002, Rel. Des. José Flávio de Almeida, DJ 18.04.2011).

[15] A data da resolução da sociedade será: “[…] IV – na retirada por justa causa de sociedade por prazo determinado e na exclusão judicial de sócio, a do trânsito em julgado da decisão que dissolver a sociedade”.

[16] Os arts. 604, 606 e 608 do Código revelam que os valores serão apurados considerando a data da resolução da sociedade, que, na maioria das vezes, é anterior ao próprio ajuizamento da ação (art. 605, incs. I a III e V).

[17] Anote-se a viabilidade da prova técnica simplificada (art. 464, §§ 2º a 4º, do NCPC); a apresentação de laudos e/ou pareceres técnicos pelas partes, mesmo que, por ordem do juiz, depois da inicial e contestação (art. 472 do NCPC); perícia consensual (art. 471 do NCPC); diligência por Oficial de Justiça (art. 154, I, do NCPC) etc.