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ALIMENTOS ENTRE EX-CÔNJUGES

ALIMENTOS ENTRE EX-CÔNJUGES

Ester Camila Gomes Norato Rezende

Não se olvida que com o fim da sociedade conjugal têm termo os deveres do matrimônio, mormente, para o que interessa ao presente artigo, o dever de assistência mútua. Assim, a rigor, um ex-cônjuge não pode ser compelido a assistir materialmente ao outro depois de finda a sociedade conjugal. Não há, igualmente, relação de parentesco entre eles da qual derive, encerrada a sociedade conjugal, o dever de assistência.

Excepcionalmente, no entanto, em atenção ao princípio da solidariedade, a ordem jurídica preconiza o cabimento de prestação alimentícia de um ex-cônjuge em favor do outro, para o que se deve exigir, além da capacidade do alimentante e da necessidade do alimentando (requisitos exigidos para qualquer situação de prestação alimentícia, art. 1.695 do CC), que o alimentando não disponha de outro indivíduo, com capacidade para prestar alimentos, que tenha o dever de lhe assistir.

Em outros termos, a necessidade imperativa para configurar o dever de alimentos em relações entre ex-cônjuges tem contornos diversos daquela examinada em outras situações. No caso de ex-cônjuges, cumpre analisar a necessidade pelo prisma da efetiva necessidade, que detém os seguintes contornos: a impossibilidade de o alimentando prover pelo seu trabalho a própria mantença e, concomitantemente, inexistência de indivíduo com capacidade para prestar alimentos que tenha o dever de lhe assistir.

Essa deve ser a inteligência do dever de prestar alimentos imposto ao ex-cônjuge, porquanto não se pode perder de vista que ele é excepcional, na medida em que estende efeito da sociedade conjugal (o dever de prestar assistência) quando esta já se encerrou.

O fim da sociedade conjugal, a rigor, põe termo a todos os efeitos do casamento, inclusive ao dever de prestar assistência. Não se pode admitir que pelo simples fato de um sujeito ter um dia se casado que ele disporá, para todo o sempre, de alguém obrigado a lhe assistir, ainda que o casamento finde. Assim como com o fim da sociedade conjugal não há mais que se exigir do outro cônjuge assistência moral, respeito, fidelidade, etc., não cabe dele se exigir indefinidamente assistência material.

É recorrente a invocação do princípio da solidariedade como fundamento jurídico para a prestação alimentícia entre ex-cônjuges. Oportuno registrar que solidariedade significa mutualidade de interesses e deveres, é dizer, solidariedade é laço ou ligação mútua entre duas ou muitas coisas dependentes umas das outras.

A solidariedade que justifica o dever de prestar alimentos em relação de ex-cônjuges somente tem vez na perspectiva mais estrita desse princípio: visto que inexiste comunhão de vida entre os ex-cônjuges, não há que se impor a um deles dever em relação ao outro, não há entre eles, em regra, solidariedade.

O fim da sociedade conjugal, isto é, o fim da comunhão plena de vida, põe fim também à solidariedade entre os ex-cônjuges, tornando esta solidariedade/mutualidade de interesses e deveres exceção. É mais do que cediço que as exceções devem ser interpretadas restritivamente e, por isso, em matéria de prestação de alimentos de um ex-cônjuge em relação ao outro somente é possível exigi-los quando inexista entre o pretenso alimentando ligação com outra pessoa que lhe deve solidariedade, isto é, assistência.

Tanto é assim que o CC (art. 1.708) prevê que um ex-cônjuge não pode exigir alimentos do outro, ainda que não tenha condições de prover seu próprio sustento por seu trabalho e outro tenha capacidade/condições de fazê-lo, se o necessitado constituiu novo casamento ou união estável com outrem. Isso porque esse outrem, por força de lei, tem o dever de prestar assistência e não cabe aplicar a exceção de exigir do ex-cônjuge o pagamento dos alimentos quando há um obrigado primeiro a fazê-lo.

O mesmo raciocínio se aplica na situação em que o necessitado, diga-se, aquele que não tem condições de prover o próprio sustento, dispõe de parentes que também por lei são os primeiros obrigados a prestar assistência. Quanto a eles, a solidariedade é regra, e não exceção. Vejam-se os arts. 1.696 e 1.697 do CC: “Art. 1.696. O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros. Art. 1.697. Na falta dos ascendentes cabe a obrigação aos descendentes, guardada a ordem de sucessão e, faltando estes, aos irmãos, assim germanos como unilaterais“.

Conclui-se, assim, que o dever de prestar alimentos entre ex-cônjuges é excepcional e que, no binômio “necessidade-capacidade” indispensável à configuração do dever de prestar, a necessidade deve ser compreendida como efetiva necessidade, somente presente quando o ex-cônjuge que não tem condições de prover por seu trabalho seu próprio sustento também não disponha de sujeitos outros primeiramente obrigados a lhe assistir (parente-ascendente, descente ou irmão, e/ou novo cônjuge ou companheiro).

Vale repisar: casamento não é garantia perpétua de assistência financeira. Se a sociedade conjugal se encerrou, um ex-cônjuge não mais terá o outro como seu dependente e/ou provedor. Entender de modo diverso é contrariar o princípio da dissolubilidade do casamento.

É nesse sentido, aliás, que caminha a jurisprudência do STJ, que afastou o dever de prestar alimentos entre ex-cônjuges mesmo tendo um deles a mesma capacidade de prestar e o outro a mesma não condição de prover sozinho o próprio sustento: concluiu o STJ que a ex-cônjuge pretensa alimentanda não detinha efetiva necessidade, pois os alimentos, quando encerrada a sociedade conjugal, são excepcionais e, naquele caso, ela já tinha tido tempo hábil para pessoalmente se estruturar e, assim, prover por seu próprio trabalho seu sustento. Vide REsp 1.205.408/RJ, julgado em junho de 2011:

Se os alimentos devidos a ex-cônjuge não forem fixados por termo certo, o pedido de desoneração total, ou parcial, poderá dispensar a existência de variação no binômio necessidade/possibilidade, quando demonstrado o pagamento de pensão por lapso temporal suficiente para que o alimentado revertesse a condição desfavorável que detinha, no momento da fixação desses alimentos. (…)

Nota-se que o conceito de necessidade, no voto citado, foi redimensionado, ganhando contornos mais alargados, pois a locução ‘efetiva necessidade’ conjuga a própria necessidade, tomada em todos os seus aspectos possíveis, com a incapacidade de supri-la por moto-próprio. A condicionante agregada preserva a boa-fé também nos relacionamentos familiares findos, impede o enriquecimento sem causa do alimentado e conspira contra aqueles que, mesmo sendo aptos ao trabalho ou exercendo atividade remunerada, insistem em manter vínculo de subordinação financeira em relação ao ex-cônjuge tão somente por esse ostentar condição econômica superior à sua própria. (…)        

No entanto, resguardadas essas peculiaridades e outras mais que venham exigir tratamento diferenciado, na ausência de premente necessidade, deve, cada qual, administrar sua vida e carreira profissional de forma independente, pois já não há mais liames que os obriguem à mútua assistência.”

Mutatis mutandi, o mesmo entendimento do STJ quanto à exigência de efetiva necessidade deve se aplicar ao caso de o ex-cônjuge contar com outrem que, por força de lei, deve lhe prestar alimentos; tanto é assim que o art. 1.708 do CC exclui do ex-cônjuge o dever de alimentar, cumprindo aplicar a mesma inteligência quanto aos arts. 1.696 e 1.697 do CC.