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ALIMENTOS AVOENGOS: PANORAMA LEGISLATIVO, DOUTRINÁRIO E JURISPRUDENCIAL

ALIMENTOS AVOENGOS: PANORAMA LEGISLATIVO, DOUTRINÁRIO E JURISPRUDENCIAL

Rosemeire Aparecida Moço Vilella

SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Cabimento da Ação – Possibilidades Esgotadas. 3 Alimentos Provisórios e Cabimento de Liminar. 4 Interpretação Equivocada da Jurisprudência. 5 Alimentos Avoengos e Penhora do Bem de Família. 6 Pedido de Prisão Civil em Casos de Alimentos Avoengos. 7 Conclusão. 8 Referências Bibliográficas.

                                  

1 Introdução          

Inicialmente, é importante registrar a importância dos alimentos, que, de fato, preservam a dignidade da pessoa humana, sendo certo que a própria Constituição da República, no seu art. 6º, consagrou como direito social a “alimentação“, sem olvidar do disposto nos arts. 3º e 4º da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA). O dispositivo constitucional tem a seguinte redação, verbis:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.” (destaque nosso)

Já o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê expressamente:

Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.           

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, a profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.” (destaque nosso)

Como visto, a Constituição Federal e o próprio ECA definiram que o direito aos alimentos é pessoal, intransferível, indisponível, irrenunciável, não pode ser restituído nem compensado, é impenhorável, não passível de transação e imprescritível, porém, atraiu para o Estado a responsabilidade pela manutenção daquele que estiver impossibilitado de sobreviver com dignidade, pois, expressamente, garante ao indivíduo meio de subsistência.

Todavia, essa enorme carga de responsabilidade é mitigada pelo legislador no Código Civil brasileiro, mais precisamente nos arts. 1.694 e 1.696, na medida em que possibilita ao necessitado socorrer-se do auxílio do parente (ascendente) mais próximo, caso os pais estejam impossibilitados de fornecer amparo. Nesse sentido, os arts. 1.694 e 1.696 têm a seguinte redação:

Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.

  • 1º Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.
  • 2º Os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia.

(…)

Art. 1.696. O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros.”

O legislador aplicou o princípio da solidariedade, no qual todos os familiares tenham responsabilidade de colaboração mútua para o bem-estar uns dos outros. A obrigação alimentar constitui estudo que interessa ao Estado, à sociedade e à família. Dessa relação jurídica ocuparam-se os romanos, que a consideravam antes mais como officium pietatis do que propriamente como uma obrigação. Aliás, a linguagem dos romanos exprime o fundamento moral do instituto que repousa no dever que toca aos parentes, sobretudo aos mais próximos, de se ajudarem mutuamente nos casos de necessidade.

Nas palavras do sempre lembrado mestre Silvio Rodrigues,

a tendência moderna é a de impor ao Estado o dever de socorro dos necessitados, tarefa que ele se desincumbe, ou deve desincumbir-se, por meio de sua atividade assistencial. Mas no intuito de aliviar-se desse encargo, ou na inviabilidade de cumpri-lo, o Estado o transfere, por determinação legal, aos parentes, cônjuges ou companheiro do necessitado, cada vez que aqueles possam atender a tal incumbência.” (2007, p. 373)

No que concerne especificamente ao direito de prestação de alimentos entre avós e netos, a obrigação destes em arcar com tal pagamento é subsidiária e complementar, ou seja, surgirá após o esgotamento de todas as possibilidades de recebimento direto dos pais.

2 Cabimento da Ação – Possibilidades Esgotadas            

Os arts. 1.696 e 1.698 do Código Civil permitem a distribuição de ação de alimentos em relação aos avós de forma complementar, quando o genitor não estiver em condições de prestá-los ao filho menor ou àquele que, muito embora, maior de idade, ainda necessite de auxílio, principalmente no que concerne à continuidade dos estudos.

Isso significa dizer que o simples fato de o alimentante primário deixar de pagar os alimentos não autoriza ao alimentado voltar-se contra seus avós, sob pena de desvirtuar o objetivo da lei.

Noutras palavras, apenas se esgotadas as formas de cobrança do responsável primário, com a permanência da inércia do genitor do alimentado, seria colocada em risco a subsistência do filho e necessária a condenação de ascendente em grau sucessivo (avós).

O Superior Tribunal de Justiça emitiu o seguinte pronunciamento sobre o cabimento da ação de alimentos em face dos avós:

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. OBRIGAÇÃO ALIMENTAR AVOENGA. PRESSUPOSTOS. POSSIBILIDADES DO ALIMENTANTE. ÔNUS DA PROVA. 1. Apenas na impossibilidade de os genitores prestarem alimentos serão os parentes mais remotos demandados, estendendo-se a obrigação alimentar na hipótese, para os ascendentes mais próximos. 2. O desemprego do alimentante primário – genitor – ou sua falta confirmam o desamparo do alimentado e a necessidade de socorro ao ascendente do grau imediato, fatos que autorizam o ajuizamento da ação de alimentos diretamente contra eles. 3. O mero inadimplemento da obrigação alimentar, por parte do genitor, sem que se demonstre sua impossibilidade de prestar os alimentos, não faculta ao alimentado pleitear alimentos diretamente aos avós. 4. Na hipótese, exige-se o prévio esgotamento dos meios processuais disponíveis para obrigar o alimentante primário a cumprir sua obrigação, inclusive com o uso da coação extrema preconizada no art. 733 do CPC (…) Recurso não provido.” (REsp 1.211.314/SP, Relª Minª Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 15.09.2011, DJe 22.09.2011)

Vale ainda fazer menção ao Enunciado nº 342 da Jornada de Direito Civil, que, sobre o tema, afirma:

Observadas as suas condições pessoais e sociais, os avós somente serão obrigados a prestar alimentos aos netos em caráter exclusivo, sucessivo, complementar e não solidário, quando os pais destes estiverem impossibilitados de fazê-lo, caso em que as necessidades básicas dos alimentados serão aferidas, prioritariamente, segundo o nível econômico-financeiro dos seus genitores.”

Está evidente que o cabimento da ação de alimentos em desfavor dos avós está condicionada à comprovação cabal da impossibilidade do alimentante primário em prestá-los, não se admitindo tal demanda em razão do mero inadimplemento ou mesmo da dificuldade em localizar o alimentante.

A propósito, citamos alguns casos em que houve a comprovação da impossibilidade do pai em suportar tal ônus, fazendo com que a demanda ajuizada em face dos avós tenha desfecho favorável ao alimentado.

A obrigação alimentar dos avós é complementar e subsidiária à de ambos os genitores, caracterizando-se apenas quando pai e mãe não dispõem de meios para prover as necessidades básicas dos filhos. Os ascendentes mais remotos (avós em relação aos pais) só podem ser demandados por alimentos a título subsidiário e complementar, quando comprovado cabalmente que os mais próximos, qualquer deles, ainda que isoladamente, não tem condições para se desincumbir a contento de seus deveres. 

No caso dos autos, o genitor do menor está preso e o estudo social realizado informou que o mesmo é usuário de substâncias entorpecentes, ficando por diversas vezes internado em clínicas de recuperação, sendo inclusive economicamente dependente da ré (avó paterna).” (TJSP, Apelação 0011238-65.2011.8.260637, 5ª C. Dir. Priv., Rel. Des. Edson Luiz Queiroz)

Trata-se de ação de alimentos ajuizada pelo autor, ora apelado, em face de sua avó paterna com o intuito de obter alimentos da mesma, uma vez que seu genitor residiria, atualmente, em Londres e não teria logrado localizar seu paradeiro. (…)           

Pelo que se infere dos autos, as necessidades do menor vem sendo supridas somente por sua genitora, uma vez que não se sabe o paradeiro do genitor, com informação apenas de que residiria em Londres. Vale destacar, a respeito, o que bem enunciou o i. Promotor de Justiça de primeiro grau, à fl. 45: (…) ‘a genitora do autor já tentou localizar a residência do pai do seu filho em outro processo, conforme demonstrado. Deste modo, demonstra que a autora esgotou todas as possibilidades de promover a ação de alimentos em relação ao pai do autor e mesmo em contato com a avó paterna não conseguiu, em momento algum, fazer com que a mesma dissesse onde seu filho está residindo’. De acordo com a doutrina, ‘para que os filhos possam reclamar alimentos dos avós, necessário é que faltem os pais; ou pela falta absoluta, que resulta da morte ou da ausência; ou pela impossibilidade de cumprir a obrigação, que se equipara à falta’ (ALIENDE, Aniceto. Questões sobre alimentos, p. 11) (…).           

É fácil a apelante obter a extinção de sua obrigação alimentar. Basta que obtenha de seu filho a satisfação da obrigação dele para com o filho, obrigação que deveria ser a primeira a exigir, como mãe e avó que é. Caso venha a comprovar o cumprimento dessa obrigação pelo filho, com ele a assumir, de modo formal essa obrigação, para que possa vir a ser exigida sua satisfação inclusive pela via judicial, e poderá reclamar a extinção da obrigação aqui estipulada. (…)” (TJSP, Apelação 0003405-27.2010.8.26.0541, 3ª C. Dir. Priv., Rel. Des. João Pazine Neto, j. 06.08.2013)

Nesse contexto fático-jurídico, é forçoso concluir que o cabimento ou não da demanda em face dos avós estará sujeita à análise minuciosa acerca da impossibilidade total ou parcial dos pais, razão pela qual, antes do ingresso, o operador do direito deverá observar seu cabimento.

Em havendo incerteza sobre a comprovação da impossibilidade dos pais, a nosso ver, será conveniente ajuizar a ação de alimentos em face do pai e dos avós, eis que na instrução processual tal incapacidade ficará demonstrada e a pretensão alimentar relativa aos avós será acolhida.

3 Alimentos Provisórios e Cabimento de Liminar  

O art. 4º da Lei nº 5.478/68 (Lei de Alimentos) diz que, “ao despachar o pedido, o juiz fixará desde logo alimentos provisórios a serem pagos pelo devedor, salvo se o credor expressamente declarar que deles não necessita“.

O artigo é claro quanto à obrigatoriedade do juiz de fixar os alimentos provisórios em favor do alimentado, por certo para preservar a dignidade e a subsistência daquele que necessita dos alimentos.

Por outro lado, na ação de alimentos proposta em face dos avós (alimentos avoengos), o magistrado deverá, antes de proferir decisão liminar de fixação dos alimentos, verificar se houve a comprovação cabal da impossibilidade do genitor (alimentante primário) em arcar com tal despesa, haja vista, como dito alhures, a natureza subsidiária e complementar de tal obrigação. Sobre o tema, há dois julgados do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALIMENTOS PROVISÓRIOS. LIMINAR. AVOENGOS. Fixação de obrigação pelos avós somente se justifica se restar comprovado que os genitores não possuem condições financeiras de suprir as necessidades do alimentado, dada a natureza subsidiária e complementar da obrigação. Nesta fase de cognição sumária, há de se verificar apenas os requisitos legais para a concessão liminar. A concessão implica na necessidade de análise de maiores elementos de prova. Decisão mantida. Recurso não provido.” (2ª C. Dir. Priv., Relª Desª Rosangela Telles, j. 10.11.2015)

A verba alimentar provisória somente deve ser fixada no início da ação de forma excepcional, diante do caráter complementar e, não havendo elementos suficientes, deve ser indeferida pelo juízo de primeiro grau.” (TJSP, Agravo de Instrumento 2210065.51.2014.8.26.0000, Desª Silvia Maria Facchina Espósito Martinez – grifamos)

Assim, resta claro que o pedido de fixação de alimentos provisórios, na demanda ajuizada em face dos avós, será deferida em caráter excepcional e desde que acompanhado da prova cabal da impossibilidade do alimentante primário, das possibilidades daquele que os presta e, finalmente, da comprovação da efetiva necessidade do alimentado, tudo sob pena de inviabilizar a concessão do pedido liminar.

4 Interpretação Equivocada da Jurisprudência     

A jurisprudência entende que os alimentos avoengos têm caráter excepcional, já que a obrigação avoenga não é solidária, mas subsidiária, de sorte que somente se os alimentantes principais (ambos os genitores) forem ausentes ou impossibilitados para o pagamento da pensão alimentícia é que poderão ser demandados os demais ascendentes, sob pena de sugerir aos insatisfeitos com o valor dos alimentos já arbitrados a busca pela complementação junto aos avós.

A segunda parte do entendimento da jurisprudência nos parece um tanto equivocada, podendo trazer efetivas distorções no instituto dos alimentos avoengos, na medida em que tal entendimento inviabiliza o ajuizamento da ação de alimentos em face dos avós, no caso de um dos pais suportar integralmente os gastos dos filhos, como ocorre de forma corriqueira, quando a mãe fica com a guarda dos filhos e procura de todas as formas possíveis suprir as necessidades de sua prole.

O entendimento da Professora Maria Berenice Dias é esclarecedor e visa corrigir essa distorção da lei:

Quando da separação dos pais, os filhos, geralmente, ficam sob a guarda da mãe. Vem admitindo, a jurisprudência, a ação de alimentos contra os avós somente se ambos os genitores não tiverem condições de prover o sustento da prole. 

O fundamento é que a omissão de um deles transmite ao outro a obrigação alimentar. Assim, não poderiam os avós ser chamados a contribuir se o detentor da guarda trabalha ou tem algum recurso. Ou seja, a mãe é punida por desempenhar atividade lucrativa com sucesso, o que é injusto.           

A equivocada interpretação que se está dando à lei, além de livrar a responsabilidade dos avós, sinaliza o surgimento de um perigoso antecedente: a desoneração do pai de prover o sustento do filho, se este reside com quem tem renda própria.           

Com isso se está transferindo a um dos genitores a obrigação de prover sozinho a família. Quem detém a guarda fica com mais ônus de manter os filhos, bastando que tenha algum rendimento, ainda que modesto. Essa postura gera desarrazoada angularização da obrigação alimentar: o dever de prestar alimentos passa de um dos pais para o outro e só depois é que se transmite aos ascendentes. É mister reverter essa orientação, que restringe o sagrado direito de crianças e adolescentes terem assegurado um mínimo vital para se desenvolverem de maneira digna.           

O fato de a lei fazer uso da palavra ‘pais’, no plural, ao atribuir-lhes os deveres decorrentes do poder familiar, não quer dizer que está a se referir a ambos os pais, e sim a qualquer dos pais.” (DIAS, 2011, p. 541) (grifamos)

A nosso ver, a doutrina citada está em harmonia com o espírito da lei, pois, na ausência/impossibilidade de um dos pais, a ação de alimentos terá cabimento contra os avós, sendo “possível acionar os avós quando o genitor, embora obrigado judicialmente, se esquiva do cumprimento, desamparando o credor” (FARIAS; ROSENVALD, 2012, p. 815).

5 Alimentos Avoengos e Penhora do Bem de Família      

A Lei nº 8.009, de 29 de março de 1990, no seu art. 1º, dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família:

O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.”

Já o art. 3º, inciso III, do mesmo diploma legal traz a hipótese de exceção à impenhorabilidade do bem em se tratando de dívida oriunda de pensão alimentícia:

Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: (…)           

III – pelo credor da pensão alimentícia, resguardados os direitos, sobre o bem, do seu coproprietário que, com o devedor, integre união estável ou conjugal, observadas as hipóteses em que ambos responderão pela dívida;” (grifo nosso)

Da interpretação literal do dispositivo legal, fica evidente que o único bem utilizado pela família está sujeito à constrição e respectiva expropriação, em se tratando de ação judicial consubstanciada em crédito de pensão alimentícia.

Todavia, no caso de alimentos avoengos, por se tratar de obrigação subsidiária e complementar e a fim de preservar a dignidade humana dos próprios avós, a nosso ver, essa constrição não pode ser levada a efeito, sob pena de violação à Constituição da República, que no seu art. 230 dispõe:

Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.”

Isso porque aquele que tem uma obrigação complementar não pode, para quitar o crédito alimentar, ser “jogado” na rua, o que ocasionará um enorme problema a toda a família em vez de resolver a questão de um de seus entes.

O mestre Yussef Said Cahali Yussef nos ensina que,

“(…) quando se diz que não se vendem bens de raiz para acudir às pensões alimentícias, tem-se a preocupação de proteger o patrimônio do obrigado, e não o credor. Assim, Borges Carneiro – citado por João Claudino – ensinava que ‘não tem cabimento a venda de bens de raiz do alimentante para sustentar o alimentário, o que seria injusto, pois empobrece o alimentante’. E Lafayette, invocando Borges Carneiro e Lobão, também acentuava que ‘os alimentos são tirados dos créditos dos bens: assim, o pai não pode ser obrigado a vender a propriedade de seus bens, como terras, apólices, para socorrer os alimentos’.” (2013, p. 718-719)

Nas palavras do Desembargador Dimas Carneiro, do TJSP, Sétima Câmara de Direito Privado, no AI 640.733-4/7-00, “a obrigação pensional não pode ir a ponto de inviabilizar a sobrevivência da própria parte alimentante. Ninguém é obrigado a dar o que não tem“.

Em suma, a nosso ver, o bem utilizado como moradia da família não está sujeito à penhora, em se tratando de crédito (subsidiário e complementar) de pensão alimentícia, mais precisamente alimentos avoengos.

6 Pedido de Prisão Civil em Casos de Alimentos Avoengos     

 A doutrina e a jurisprudência debatem este tema e várias são as correntes. Decisões existem no sentido da não prisão do idoso:

HABEAS CORPUS. ALIMENTOS. PRISÃO. AVÔ PATERNO. A pensão avoenga é complementar àquela prestada pelos genitores do menor, obedecendo ao binômio da necessidade possibilidade. Não se está a questionar obrigação alimentar em tela, uma vez que o art. 1.694 do novo Código Civil dispõe expressamente que podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de educação. Todavia, no caso concreto, submeter o avô paterno que conta com idade avançada e saúde precária à prisão pelo inadimplemento de alimentos mostra-se medida desumana, mormente quando demonstrada a sua incapacidade financeira, diante dos maus resultados da sua empresa, e a sua intenção de efetuar o pagamento de forma parcelada, o que não é aceito pela representante do menor. Ordem concedida.” (TJRS, Habeas Corpus 70005776661, Segunda Câmara Especial Cível, Relª Marilene Bonzanini Bernardi, j. 11.03.03)

Contudo, há decisões favoráveis à prisão dos avós, mesmo que idosos:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. RITO DO ART. 733 DO CPC. OBRIGAÇÃO AVOENGA. SUPOSTOS PROBLEMAS DE SAÚDE. JUSTIFICATIVA INSUBSISTENTE A AFASTAR O DECRETO PRISIONAL. A alegação de impossibilidade de pagamento da verba alimentar, em razão da idade avançada e dos problemas de saúde apresentados pelo devedor, avô da criança, bem assim a situação financeira precária, não o exime da obrigação já vencida, nem elide o decreto prisional. Ademais, consoante reiterado entendimento jurisprudencial, não há falar na discussão do binômio possibilidade/necessidade em sede de execução. Precedentes desta Corte e do egrégio STJ.” (TJRS, Agravo de Instrumento 70036826733, Sétima Câmara Cível, Rel. Jorge Luís Dall’Agnol, j. 10.11.2010) (grifo nosso)

O novo Enunciado da Jornada de Direito Civil indica que o julgador, estando diante do pedido de prisão civil, deve analisar a proporcionalidade da medida e, principalmente, se a medida não afronta a dignidade da pessoa, logicamente norteado pelo princípio da proteção ao idoso, e a garantia à vida. Com efeito, não havendo certeza sobre a aplicabilidade da medida extrema – prisão civil -, o magistrado deve aplicar medidas alternativas, como, por exemplo, multa ou mesmo negativação do nome do devedor nos órgãos de proteção ao crédito ou ainda o protesto do título judicial, conforme dispõe o art. 528, § 1º, do novo Código de Processo Civil.

A nosso ver, levando em conta a situação de fragilidade dos avós, o magistrado, ao analisar o pedido de prisão civil, deve primeiro pensar e aplicar uma medida alternativa, que garantirá o direito do alimentado, sem afrontar a dignidade dos avós.

Em seguida, verificada a ineficácia da medida alternativa e, também, o motivo pelo que isso ocorreu (como, por exemplo, total descaso dos avós), o decreto prisional deve ser levado a efeito.

7 Conclusão          

Os alimentos avoengos têm caráter subsidiário e complementar, portanto, devem ser deferidos após a comprovação cabal da impossibilidade total ou parcial dos pais (leia-se: qualquer um deles) de arcar com o pagamento de pensão alimentícia. O credor pode optar por ingressar com a demanda somente em face dos avós, ou incluí-los no polo passivo juntamente com o devedor primário. Na fase executiva, o imóvel utilizado como moradia dos avós (bem de família) não poderá ser expropriado para pagamento da pensão alimentícia, sob pena de ferir de morte o princípio da dignidade da pessoa e o direito à moradia. Por fim, a nosso ver, o decreto prisional (art. 733 do Código de Processo Civil) deverá ser precedido da aplicação de medidas alternativas (multa e negativação do nome do devedor) e da verificação do descaso dos avós em relação aos netos.

                            

8 Referências Bibliográficas

CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 8. ed. São Paulo: RT, 2013.

CUNHA, Tainara Mendes. Da obrigação avoenga na prestação de alimentos. Conteúdo Jurídico, Brasília/DF, 29 nov. 2011. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.34644&seo=1>. Acesso em: 10 fev. 2016.

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 2011.

 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil – famílias. 4. ed. rev. e atual. Salvador: Juspodivm.

GONÇALVES, Susély Aparecida Fonseca. Relação avoenga e a obrigação de alimentar. Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 106, nov. 2012. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12043&revista_caderno=12>. Acesso em: 2 fev. 2016.

RODRIGUES, Silvio. Direito civil 6 – direito de família. 28. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007.