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ALGUMAS ANOTAÇÕES SOBRE O DIREITO DE REPRESENTAÇÃO NA SUCESSÃO HEREDITÁRIA

Rogério Tadeu Romano

 

I – A SUCESSÃO LEGÍTIMA

Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários, como manda o artigo 1784 do CC de 2002, é a saisine, que se abre perante o último domicílio do de cujus (artigo 1785). Ela dá-se por lei ou por ato de última vontade (testamento).

O direito sucessório brasileiro adota os sistemas de sucessão por cabeça, quando concorrentes exclusivamente sucessores de uma mesma classe, e de sucessão por estirpe. Nesta segunda hipótese, a sucessão deverá obedecer, em relação aos chamados a herdar por representação, a proporção devida ao parente pré-morto que tenha deixado prole viva (Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, Comentários ao Código Civil. Coord. Antonio Junqueira de Azevedo. 2ª ed. São Paulo: Saraiva: 2007, v. 20, p. 244).

A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quando aos bens adquiridos na vigência da união estável, nas condições do artigo 1790 do CC de 2002:

Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:

I – se concorrer com filhos comuns terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;

II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;

III – se concorrer com outros parentes sucessíveis terá direito a um terço da herança;

IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.

O artigo 1829 do Código Civil define a sucessão legítima, deferindo-se na seguinte ordem:

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III – ao cônjuge sobrevivente;

IV – aos colaterais.

À luz do artigo 1845 do Código Civil são herdeiros necessários: os descendentes, os ascendentes e o cônjuge.

A teor do artigo 1846 pertence aos herdeiros necessários de pleno direito a metade dos bens da  herança, constituindo a legítima.

A legítima é calculada sobre o valor dos bens existentes na abertura da sucessão, abatidas as dívidas e as despesas do funeral, adicionando-se, em seguida, o valor dos bens sujeitos à colação.

Para isso, há um inventário, procedimento de jurisdição contenciosa que consiste na discrição individuada e clara dos herdeiros e dos bens do morto, a menção dos encargos e a avaliação e liquidação da herança, sejam móveis ou imóveis, dividas ativas ou outros direitos.

Para isso, haverá a partilha, que é a divisão de bens do espólio (universalidade) entre os herdeiros do finado, em quinhões iguais entre todos os herdeiros ou legatários do inventário.

 

II – DIREITO DE REPRESENTAÇÃO

Vem à hipótese do direito de representação.

Pode ter-se direito à herança, quer por a ela ter sido pessoal e imediatamente chamado, quer por se ter tomado o lugar de quem foi precedentemente chamado e não pôde suceder. Diz-se que sucede por direito próprio aquele  que, pelo seu grau de parentesco, é o mais próximo parente na sua categoria e por chamamento direto vem à herança; suceder por direito de representação aquele que seria precedido e excluído por outro, se este outro não tivesse morrido antes, não fosse ausente ou indigno e que, portanto, se substitui no lugar daquele, recolhendo em vez dele a herança.

A herança por representação tem clara finalidade de reparar o mal sofrido pelos filhos em razão da morte prematura de seus pais, viabilizando, por convocação exclusivamente legal, que os netos, em linha reta descendente, ou os sobrinhos, em linha colateral descendente – também denominada linha transversal – possam vir a participar da herança dos avós ou tios, conforme o caso.

O patrimônio herdado por representação, contudo, não se perfaz em nome do herdeiro pré-morto, como pode sugerir a literalidade da denominação do instituto.

Ao contrário, o herdeiro por representação, embora sujeito à proporcionalidade diversa da participação no acervo hereditário, participa do inventário em nome próprio e, como já observado,  por expressa convocação legal.

Nessa linha de pensar,  deve-se compreender que apenas serão os netos chamados a herdarem por representação, quando previamente falecido seu ascendente direto, e não, por exemplo, quando este ascendente, ainda vivo, renunciar à herança do avô. No direito português, por exemplo, há previsão legal para se herdar por representação também na hipótese de renúncia pelo ascendente representado. De outro turno, a renúncia do neto quanto à herança deixada por seu ascendente pré-morto não alcança a herança aberta em razão do óbito posterior do avô, nos termos do art. 1.856 do CC/2002:

Art. 1.856. O renunciante à herança de uma pessoa poderá representá-la na sucessão de outra.

Direito de representação é o direito à sucessão indireta, por meio do qual o parente mais próximo representa aquele que faleceu antes do de cujus, observada a ordem de vocação hereditária.

O direito de representação tem sua origem histórica na Novela 118 de Justiniano, porém a legislação civil vigente não o contemplou de forma a beneficiar todos os herdeiros de pessoas já falecidas, em qualquer situação.

As teorias que explicam a natureza jurídica do direito de representação são: a) a teoria da ficção, segundo a qual a lei estabelece o direito de representação com a finalidade de assegurar a sucessão de outros parentes, mediante a atribuição de um grau de parentesco que eles, na verdade, não possuem. Segundo essa orientação, trata-se o direito de representação de uma ficção jurídica por meio da qual os representantes passam a obter a herança, assumindo a posição de herdeiro excluído. Não há sucessão entre o representante e o representado, porém a assunção de posição jurídica do outro. b) a teoria da conversão do negócio jurídico, que permitiria que o benefício fosse extensivo a outra pessoa que não aquela originariamente contemplada pela lei, a fim de se evitar o não atendimento da finalidade da norma jurídica; c) a teoria da sub-rogação, por meio da qual o representante assumiria a posição daquele a quem virtualmente caberia a sucessão, se vivo estivesse, sem a extinção de uma relação obrigacional anterior; d) a teoria da unidade orgânica, mediante a qual haveria no direito de representação a preservação da sucessão, porém coletiva e por estirpe; e) a teoria da substituição legal, em que uma pessoa adquire o direito e seu exercício, que eram de outra, em nome próprio e como direito próprio.

A divisão do acervo faz-se, pois, por estirpes, não por cabeças, em confronto das outras pessoas chamadas e com as quais os ditos descendentes concorrem: só nas relações internas entre si os descendentes fazem a divisão por cabeça.

Considera-se que se uma pessoa produziu vários ramos, a subdivisão se faça por estirpes mesmo em cada ramo e por cabeças entre os membros do mesmo ramo, como já ensinavam Melucci (Colazzioni, II, pág. 416 e seguintes); Losana (Unicità di stirpe nei rapporti del diritto di reppresentazione), dentre outros.

As condições a que é subordinada a sucessão por representação, dizem respeito por um lado à pessoa do representante e, por outro, à do representado:

a) O representante, isto é, aquele que toma o lugar de outro, deve ser filho ou ulterior descendente;

b) O representado deve ser filho ou descendente do de cujus, ou ainda um seu irmão ou irmã, mantendo-se, porém, sempre a regra precedente de que o representante seja descendente do representado;

c) não se representam as pessoas vivas, exceto se se trata de ausentes ou incapazes de suceder.

São requisitos para o direito de representação:

a) O falecimento do representado, por premoriência ou comoriência, ou ainda a indignidade ou deserdação;

b) O vínculo de parentesco entre representado e representante, tendo em vista que o representante deve ser descendente daquele, pois não há representação nas demais linhas, exceção feita no direito de representação que se reconhece a favor dos sobrinhos; o representante deverá ter a capacidade sucessória por ocasião da abertura da sucessão, o que se aplica às pessoas nascidas com vida e àquelas já concebidas na data da morte do de cujus;

c) A habilitação para a sucessão, ou seja, a pessoa deve estar vocacionada de forma própria para a sucessão;

d) A inexistência de solução de continuidade entre os graus do representado e do representante, como sucederia, por exemplo, se o representante tivesse sido adotado por terceiro, antes da abertura da sucessão.

Os principais efeitos do direito de representação são: a) a partilha se faz sempre por estirpe e dentro de cada estirpe subdivide-se a quota do representado pelo número de representantes ((art. 1.855); b) cada estirpe é encarada como se fosse uma cabeça, ou seja, um herdeiro e tem direito a herança que herdaria o seu ascendente pré-morto; c) o representante do de cujus em grau mais remoto herdará como se fosse do mesmo grau do representado; d)a quota hereditária dos que herdam por direito de representação responde pelos débitos do de cujus e não pelo dos representados; e) os representantes devem trazer à colação aquilo que seus pais receberam do avô, autor da herança, através de doação, ou seja, adiantamento de legítima, pois mesmo que não tenham sido beneficiados com os bens doados, a doação faz parte da legítima do representado e deve ser compensada quando da partilha de bens; f) o renunciante à herança de uma pessoa poderá representá-la na sucessão de outra (art. 1.856).

Mas, o direito de representação dá-se na linha descendente (filhos, por exemplo), mas nunca na ascendente (pais). É o que se lê textualmente do artigo 1852 do Código Civil.

Os representantes somente podem herdar, como tais, o que herdaria o representado se fosse vivo.

O direito de representação, como disse Roberto de Ruggiero (Instituições de direito civil, terceira edição, volume III, pág. 478) é uma ficção legal, uma substituição feita por lei, que permite aos descendentes de determinadas pessoas, que não podem recolher a  herança ou por terem morrido antes do de cujus ou por serem ausentes ou indignos substituírem-se aos ascendentes no seu grau e lugar, para fazerem sua a herança que àquele teria pertencido.

Assim, pode ter-se direito à herança, quer por a ela ter sido pessoal e imediatamente chamado, quer por se ter tomado o lugar de quem foi precedentemente chamado e não pôde suceder.

Sucede, pois,  por direito próprio àquele que, pelo seu grau de parentesco, é o mais próximo parente na sua representação aquele que seria precedido e excluído por outro, se este outro não tivesse morrido antes, não fosse ausente ou indigno e que, portanto, se substitui no lugar daquele, recolhendo, em vez dele, a herança.

O representante toma o lugar do outro. Assim não pode um irmão representar um seu irmão morto anteriormente, um sobrinho o tio, um pai o filho.

Já se dizia no artigo 730 do antigo Código Civil italiano:

Tem lugar indefinidamente e em todos os casos, quer os filhos quer todos os filhos do defunto, tendo morrido antes dele, os descendentes dos ditos filhos e se encontram entre si em graus iguais ou desiguais e ainda que com paridade de grau haja desigualdade de número nalguma estirpe.

Disse bem Roberto de Ruggiero (obra citada, pág. 479): ”Se, pelo contrário,  a Fulano  sobreviverem, por exemplo, por exemplo, o pai e os avós maternos, a sucessão devolve-se toda ao pai, pois os avós maternos não podem representar a mãe, devendo precisamente o representante ser um descendente daqueles que ele representa; volta a imperar aqui a mesma regra, segundo a qual o mais próximo exclui o mais remoto”.

O representado deve ser um filho ou descendente do de cujus ou, ainda, um seu irmão ou irmã, mantendo-se, porém, sempre a regra precedente de que o representante seja descendente do representado.

Não só, pois, no caso referido acima, de ao de cujus sobreviverem um filho e os filhos de ouro filho morto anteriormente, mas também, naquele que lhe sobreviverem um irmão e os filhos de ouro irmão (ou irmã) que morreu antes, há lugar a representação, de modo que assim como no primeiro concorrem juntamente filho e netos ex-avo, no segundo concorrem irmãos e netos ex frate do defunto.

Assim, pois, para que haja lugar à representação, é preciso que aquele cujo lugar se toma tenha morrido antes do de cujus, tenha sido declarado indigno de lhe suceder ou se ache em estado de ausência(presumida ou declarada). Se renunciou, os seus descendentes não podem tomar o seu lugar e apenas poderão(quando isso for o caso) vir à sucessão por direito próprio.

Assim, se entende que não tem, pelo contrário, influência a renúncia, que o descendente de quem morreu antes, do indigno ou do ausente renunciar à herança deste e ao mesmo tempo tomar o seu lugar, para obter a herança, à qual aquele teria sido chamado, precisamente porque o representante não exerce um direito alheio, mas sucede em nome próprio.

Na linha reta descendente, se, p. ex., um dos filhos do autor da herança é pré-morto, seus descendentes poderão representá-lo na sucessão, recebendo a cota que àquele caberia (art. 1851 do CC). Nesse caso, herdam por representação (estirpe). A lei, portanto, admite em situações como essa, que herdeiros da mesma classe e de graus distintos percebam a herança simultaneamente.

A eficácia prática do direito de representação está em que pessoas (filhos ou descendentes), que ficaram excluídas da sucessão pela existência de um parente mais próximo, são pelo contrário admitidas, a fim de não pesarem sobre elas seja a indignidade (culpa) ou a desgraça (morte ou ausência).

Fala-se na representação na linha reta descendente, mas nunca na ascendente:

“Art. 1852. O direito de representação dá-se na linha reta descendente, mas nunca na ascendente.”

No primeiro caso, somente os filhos, netos e bisnetos representam o falecido. Os pais, avós e bisavós não são contemplados com este direito. Por exclusão, verifica-se também que o cônjuge sobrevivente não herda por representação.

Há representação na linha transversal.

Art. 1853. Na linha transversal, somente se dá o direito de representação em favor dos filhos de irmãos do falecido, quando com irmãos deste concorrerem.

Já na segunda hipótese, os sobrinhos, filhos de irmão (s) do falecido, podem exercer o direito de representação, desde que concorram exclusivamente com os irmãos do falecido. Se o de cujus tiver deixado herdeiros necessários (descendentes, ascendentes e/ou cônjuge), não incide o direito de representação tratado no artigo em análise.

No primeiro caso, somente os filhos, netos e bisnetos representam o falecido. Os pais, avós e bisavós não são contemplados com este direito. Por exclusão, verifica-se também que o cônjuge sobrevivente não herda por representação. Já na segunda hipótese, os sobrinhos, filhos de irmão (s) do falecido, podem exercer o direito de representação, desde que concorram exclusivamente com os irmãos do falecido. Se o de cujus tiver deixado herdeiros necessários (descendentes, ascendentes e/ou cônjuge), não incide o direito de representação tratado no artigo em análise.

O direito de representação se dará na sucessão legítima e na testamentária.

Diverso do direito de representação é o direito de substituição testamentária.

O direito de substituição testamentária é uma instituição subsidiária e condicional, pela qual o testador designa a pessoa que deverá receber a herança ou legado na falta de beneficiário direto.

Poderá ser simples, coletiva (a uma só pessoa instituída podem substituir-se várias conjuntamente, bem como a vários instituídos se pode substituir um só), recíproca (entre os próprios instituídos), fideicomissária (a disposição pela qual o testador, nomeado um herdeiro ou um legatário, impõe a esse que conserve a herança ou a coisa legada e que a transmita por sua morte a outra ou várias outras indicadas pelo mesmo testador) e vulgar ou direta (aquela pela qual o testador substitui ao herdeiro instituído ou ao legatário uma outra pessoa, no caso do primeiro não poder aceitar a herança ou legado, sendo uma forma de substituição condicional).

Dadas várias substituições sucessivas, qualquer substituído ulterior entende-se substituído não só à pessoa que imediatamente o proceda, mas também ao próprio instituído: substitus substituto est substitutus instituto.

A substituição implica que o substituído, tomando o lugar do instituído, se coloque numa posição perfeitamente idêntica à dele.

No direito romano, dava-se a substituição quando alguém instituía um segundo herdeiro na eventualidade de o primeiro não adir a herança. O numero de substituídos podia ser multiplicado, a fim de afastar a possibilidade de o testador morrer intestado. O direito romano conhecia três espécies de substituições: a vulgar, a pupilar e a quase-pupilar.

A substituição vulgar consiste em chamar à sucessão uma ou mais pessoas, na previsão da falta dos primeiros.

A substituição pupilar era a realizada pelo paterfamilias quando indicava um substituto para os seus filhos impúberes instituídos e, em seguida, lhes designa um herdeiro, prevendo o caso em que, após terem sucedido ao testador, faleçam antes da puberdade, sem ter podido, pois, fazer testamento, como ensinou Ebert Chamoun (Instituições de direito romano, 5ª edição, pág. 434).

A substituição quase-pupilar diferia, porém,  da pupilar em que não é atributo da patria potestas, mas se fundava na afeição, e, por isso, incumbe a todos os ascendentes. Era feito a favor dos descendentes dos loucos, na falta deles, de seus irmãos ou irmãs; se estes não existem, pode beneficiar qualquer pessoa. Para que a substituição quase-pupilar fosse eficaz era necessário que o louco não tivesse feito antes seu testamento, que ele fosse herdeiro legítimo do testador e que este lhe houvesse deixado a quarta legítima.

 

II – A CONFUSÃO DO PATRIMÕNIO DO DEFUNTO E DO HERDEIRO

Determina o artigo 1.792 do Código Civil:

Art. 1.792. O herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança; incumbe-lhe, porém, a prova do excesso, salvo se houver inventário que a escuse, demostrando o valor dos bens herdados.

Destaco que Bruna M. Siena (Responsabilidade dos herdeiros pelas dividas) disse:

“Conservando a noção do Principio da Responsabilidade Patrimonial de 428 a.C, que recaia a execução das obrigações sobre os bens do devedor e não em sua pessoa, o Código Civil dispõe em seu art. 391 “Pelo inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do devedor”.

Sendo assim, respondem os bens pela divida do de cujus, porém, uma vez feita à partilha, essa responsabilidade passará aos herdeiros que responderão em proporção a parte que lhe coube, já que os credores não podem ter seus direitos frustrados por essa divisão.

Além das dívidas, serão descontados outros encargos como despesas funerárias (art. 1998), vinteno testamenteiro (art. 1987 parágrafo único) e cumprimento dos legados. Missas ou outros cultos religiosos só farão parte das despesas quando obrigadas por testamento ou codicilo. “Somente após essa dedução que serão partilhados os bens ou valores remanescentes.”

De acordo com o principio da irresponsabilidade ultra vires hereditatis os herdeiros não responderão pelo excesso caso os débitos ultrapassem o valor da herança. O que não ocorre com os legados que podem ser atingidos pelo seu pagamento na proporção dos benefícios. Uma declaração de insolvência do espólio poderá ser requerida pelo inventariante caso ainda contenha débitos remanescentes.

Antes da partilha, toda a herança deixada responde pelas dívidas do falecido. Depois da partilha, a responsabilidade é dividida em partes proporcionais a todos os herdeiros, até o limite da cota que lhe couber. Ou seja, o herdeiro é responsável pela dívida do de cujus até o valor que recebeu a título de herança. Ainda, em outras palavras, o herdeiro não tem a obrigação de assumir dívida da pessoa falecida, em valor maior do que a parte da herança a que teve direito.

Sabe-se que a confusão do patrimônio do defunto com o do herdeiro é um dos mais importantes efeitos patrimoniais da sucessão hereditária – pode ser prejudicial tanto ao  herdeiro como aos credores hereditários; ao herdeiro, porque tendo recebido uma herança passiva, será obrigado a satisfazer com os seus bens próprios as deficiências do acervo; aos credores da herança porque, encontrando-se em frente de um herdeiro criado de dívidas, verão ameaçada a integral satisfação dos seus créditos pelo concurso dos credores do  herdeiro. Para eliminar estas consequências danosas há dois institutos especiais: o do benefício de inventário no primeiro caso, e a separação do patrimônio do defunto do patrimônio do herdeiro, no segundo.

O benefício de inventário foi introduzido no direito romano, na legislação justiniana.

O benefício de inventário é uma derrogação à norma de confusão dos patrimônios e da responsabilidade ilimitada do herdeiro e uma vantagem que a lei atribui a quem, tendo a certeza da passividade do acervo ou apenas dúvidas sobre a sua consistência efetiva, não queira, para além das forças do mesmo acervo, responder pelos encargos que sobre ele pesam; destina a remover o risco de uma série de renúncias sucessivas por parte dos vários chamados no que, além de irreverência pelo defunto, haveria um dano social pela incerteza em que seria colocada, talvez mesmo por longo tempo, a pertença de herdeiro e, com ela, a condição dos credores e dos legatários.

Assim, o instituto exerce uma função que vai mais além do interesse privado da pessoa chamada, cumprindo, como ensinou Roberto de Ruggiero (obra citada, pág. 439) uma  missão de utilidade social.

A posição jurídica de quem é chamado antes e depois da aceitação é diversa daquela do herdeiro normal e caracteriza-se pelos mais restritos poderes que ele tem sobre bens hereditários:

a) antes da aceitação e durante os prazos para fazer o inventário e para deliberar, ainda  não há um herdeiro nem se é obrigado a assumir tal qualidade;

b) depois da aceitação é verdadeiro herdeiro, titular de todos os direitos da herança, dos quais pode dispor como autorização do juiz, e devedor de todas as obrigações respectivas dentro dos limites das forças hereditárias.

Há, ainda, a separação de patrimônio do defunto daquele do herdeiro. Ela tem origens romanas e mais antigas do que o instituto do benefício de inventário, uma vez que a separatio bonorum foi introduzida naquele direito pelo pretor, como revelam Oertemann, Euler, Melucci (Trattado della separ. del patr. del defunto da quello dell’erede), dentre outros.

E esta uma segunda derrogação ao princípio da confusão, mas aproveita só aos credores e aos legatários, e não produz, assim, modificação alguma na condição jurídica do herdeiro, que continua a ficar exposto com todos os seus bens para com os credores da herança e os legatários.

É, pois, um motivo de preferência concedido aos legatários e aos credores hereditários em confronto com os credores do herdeiro, com efeitos pessoais para aqueles que a pediram.

A separação se introduz para proteger os credores do defunto e os legatários, contra um concurso de credores do herdeiro, de forma  que estes não devem tirar qualquer vantagem da separação pedida por aqueles.

O próprio herdeiro, por outro lado, não pode tirar vantagem e pretender limitada a ação dos credores hereditários e dos legatários ao acervo hereditário, pois a limitação de sua responsabilidade não é dada pelo instituto da separação, mas só ao beneficiário do inventário e a este devia o herdeiro recorrer para repelir a ação dos credores do defunto sobre os seus bens pessoais.

Determina ela um vínculo objetivo dos vários bens hereditários, destinando-os em primeiro lugar e com exclusão de quaisquer outros à satisfação dos credores do defunto e dos legatários, que mais apressados a tenham pedido, e é por isso uma forma de garantia com eficácia real, que limita a hipoteca e o privilégio, mas que pode ter uma eficácia maior.

 

III – DIREITO DE REPRESENTAÇÃO DOS NETOS  E OS DÉBITOS DEIXADOS PELO PAI QUE VEIO ANTES A FALECER

No direito sucessório brasileiro, a herança dos avós é transmitida diretamente aos netos nos casos em que o pai dos herdeiros tenha falecido antes da sucessão (pai pré-morto). Nessas hipóteses, os bens herdados por representação não chegam a integrar o patrimônio do genitor falecido e, por esse motivo, também não podem ser alcançados por eventuais dívidas deixadas por ele.

O entendimento foi fixado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao acolher recurso especial e julgar extinta ação monitória que, na ausência de bens deixados pelo pai falecido, buscava satisfazer o débito contraído por ele com a herança recebida por seus filhos diretamente da avó.

“Esse patrimônio herdado por representação jamais integrou o patrimônio do devedor, de modo que o que se pretende é imputar aos filhos do devedor pré-morto e inadimplente a responsabilização patrimonial por seus débitos, o que absolutamente é inviável no direito brasileiro”, apontou o relator do recurso especial dos herdeiros, ministro Marco Aurélio Bellizze.

O julgamento ocorreu quando do REsp 1.627.110.

Do que se colhe do voto do ministro Marco Aurélio Bellizze, naquele recurso especial, consoante site do STJ, a herança por representação tem a finalidade de reparar os danos sofridos pelos filhos em razão da morte de seus pais, viabilizando a convocação legal dos netos, em linha descendente, ou dos sobrinhos, em linha transversal, para participação da herança dos avós ou dos tios.

“O patrimônio herdado por representação, contudo, não se perfaz em nome do herdeiro pré-morto, como pode sugerir a literalidade da denominação do instituto. Ao contrário, o herdeiro por representação, embora sujeito à proporcionalidade diversa da participação no acervo hereditário, participa do inventário em nome próprio e, como já acentuado, por expressa convocação legal”, explicou o relator.

Por esse motivo, o ministro Bellizze concluiu que não seria possível o credor pretender o pagamento da dívida mediante o alcance do patrimônio transmitido diretamente aos filhos do falecido, sob pena de violação ao artigo 1.792 do Código Civil.

 

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