ADITAMENTO DA PETIÇÃO INICIAL NA TUTELA ANTECIPADA ANTECEDENTE
José Rogério Cruz e Tucci
Dentre as novidades introduzidas no vigente Código de Processo Civil destaca-se o capítulo sobre a tutela provisória, desdobrado em duas modalidades, quais sejam, tutela de urgência (antecipada e cautelar) e tutela da evidência, que se caracterizam pela cognição sumária, diante da probabilidade do direito alegado. O convencimento prima facie do juiz constitui, portanto, pressuposto fundamental para a concessão da tutela provisória.
Infere-se realmente que o aperfeiçoamento dessa técnica continua sendo devido às contingências peculiares à universalização do procedimento comum (inexorável demora) e ao número sempre crescente de demandas. Isso significa que são exatamente nas experiências, como a nossa, nas quais a justiça é lenta, que a precipitação temporal da tutela jurisdicional ganha expressão!
No capítulo que rege o procedimento da tutela antecipada pleiteada em caráter antecedente, o artigo 303 do diploma processual, procurando precaver o perigo iminente de demora, permite que o requerente, ao elaborar a respectiva petição inicial, possa limitar-se à simples indicação do pedido principal (tutela final), deduzindo um resumo do litígio, dos fundamentos jurídicos que geram o interesse processual e, ainda, “do perigo de dano ou do risco ao resultado útil ao processo”, que justifica o pleito de antecipação da tutela.
Observe-se, outrossim, que na petição inicial o autor também deverá, desde logo, atribuir valor à causa, considerando o objeto do pedido principal, que já pode ser deduzido nessa oportunidade ou que ainda será formulado (artigo 303, parágrafo 4º).
Aforado então o pedido de tutela antecipada de natureza antecedente, o juiz poderá, como sói acontecer, concedê-la ou indeferi-la.
Deferido o pleito de antecipação de tutela, na hipótese de a petição inicial estar incompleta, ou seja, se o autor se limitou a deduzir apenas a causa petendi e o pedido atinentes à tutela de urgência, duas situações se descortinam, a saber: a) o demandante deverá aditar a petição inicial, em prazo a ser fixado pelo juiz, com a narração da causa de pedir adequando-a à pretensão almejada, seguindo-se o pedido de confirmação da concessão liminar e a especificação do pedido principal, possibilitada, à evidência, a juntada de prova documental (artigo 303, parágrafo 1º, inciso I); e b) deixando de proceder ao aditamento, o processo será extinto sem resolução de mérito (artigo 303, parágrafo 2º).
Caso indeferido o requerimento de antecipação, o processo também deverá ser extinto se a petição inicial não for aditada no prazo de 5 dias (artigo 303, parágrafo 6º).
É certo que nas duas situações, acima referidas, nas quais a petição inicial reclama aditamento, o autor deverá ser intimado para tal finalidade. Em particular, na primeira hipótese, na qual o pedido de tutela de urgência foi deferido, o inciso I do parágrafo 1º do artigo 303 preceitua que o demandante deverá emendar a petição inicial em 15 dias “ou em outro prazo maior que o juiz fixar”.
Assim, mesmo tomando conhecimento da concessão da liminar, por exemplo, pelo recurso de agravo de instrumento interposto pela outra parte, o autor deverá ser intimado para proceder ao referido aditamento, até porque deve ele tomar ciência do prazo que lhe foi deferido para providenciar a emenda da petição inicial. No silêncio da decisão, o prazo será de 15 dias.
A esse respeito, interessante questão foi submetida à apreciação da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento que desproveu o Recurso Especial n. 1.766.376/TO, da relatoria da ministra Nancy Andrighi. A turma julgadora, que secundou o voto da relatora, foi instada a examinar o seguinte problema: “O propósito recursal consiste em determinar se a juntada de petição pelo autor após a concessão da tutela antecipada antecedente é apta a: a) configurar a ciência inequívoca da parte a respeito de seu conteúdo; e b) demarcar o início do prazo de 15 (quinze) dias para o aditamento da petição inicial previsto no artigo 303, parágrafo 1º, incido I, do Código de Processo Civil de 2015”.
O exame do acórdão mostra que o julgamento, ao traçar a correta exegese da citada norma processual, encontra-se afinado com a dogmática da moderna ciência processual, ao assentar que:
“A intimação das partes acerca dos conteúdos decisórios é indispensável ao exercício da ampla defesa e do contraditório, pois somente o conhecimento dos atos e dos termos do processo permite a cada litigante encontrar os meios necessários e legítimos à proteção de seus interesses.
No processo eletrônico, a ciência pessoal de todo o conteúdo do processo é presumida, em regra, com a intimação formal.
Excepciona-se essa regra na juntada superveniente de petição cujo conteúdo revele a indispensável ciência de todo o conteúdo decisório, isto é, o inequívoco conhecimento da decisão e a plena ciência da parte de que deve tomar alguma atitude processual.
Como, na inicial da tutela antecipada antecedente, o autor somente faz a indicação do pedido de tutela final, existe a previsão de que deve complementar sua argumentação, com a confirmação do pedido de tutela final, no prazo de 15 (quinze) dias ou outro maior fixado pelo juiz.
Solução diversa acarretaria vulnerar os princípios da economia processual e da primazia do julgamento de mérito, porquanto poderia resultar na extinção do processo a despeito da eventual ausência de contraposição por parte do adversário do autor, suficiente para solucionar a lide trazida a juízo.
Na hipótese dos autos, o conteúdo da petição juntada pelo autor, na qual requer a aplicação de multa em razão do descumprimento da tutela antecipada, não permite concluir por seu conhecimento inequívoco da determinação de aditar a inicial.
Além disso, por representar a passagem do ‘procedimento provisório’ para o procedimento da tutela definitiva, a intimação do autor para o aditamento da inicial e o início do prazo de 15 (quinze) dias para a prática desse ato, previstos no artigo 303, parágrafo 1º, inciso I, do Código de Processo Civil de 2015, exigem intimação específica com indicação precisa da emenda necessária, como realizado pelo juízo do primeiro grau de jurisdição”.
É dizer: sem intimação específica para tal finalidade – emenda da petição inicial –, nos termos do artigo 321, o respectivo prazo não começa a fluir.
Conclui-se, pois, que esse importante precedente, ao dimensionar a mens legis do referido artigo 303, procurou estabelecer um equilíbrio, tanto quanto possível harmônico, entre técnica de tutela substancial e efetividade das garantias processuais.