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ACESSO À JUSTIÇA E ABUSO DO DIREITO DE AÇÃO

ACESSO À JUSTIÇA E ABUSO DO DIREITO DE AÇÃO

João Carlos Leal Júnior

Carlos Picchi Neto

SUMÁRIO: Introdução; 1 Noções propedêuticas sobre o direito de acesso à justiça; 2 A teoria do abuso de direito e seus reflexos na processualística civil; 3 O abuso do direito de ação como desvirtuação do acesso à justiça; Conclusões; Referências.

 

INTRODUÇÃO

O princípio sobre o qual se assenta o reconhecimento e a busca pela proteção dos direitos humanos é “la garantía de la dignidad del ser humano a través de ciertos derechos mínimos que les son reconocidos a los individuos en su sola condición de seres humanos” (Rojas, 2008, p. 41). Com isso, “la idea original de los derechos individuales se fortalece y pasa a constituir una categoría especial de derechos subjetivos, con protección no sólo nacional, sino que internacional[1].

Nesta senda, sabe-se que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela Resolução nº 217A, da III Assembleia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948, e assinada pelo Brasil na mesma data, preceitua, em seu art. VIII, que “toda pessoa tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei“.

Por sua vez, a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), ratificada pelo Brasil em 25 de setembro de 1992, prescreve, em seu art. 8º, I, que

  1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.

Vislumbra-se neste espaço, então, direitos humanos impositivos que trouxeram os contornos do acesso à justiça, ou acesso à ordem jurídica justa, incorporado como direito fundamental na Constituição brasileira de 1988. Do ponto de vista do direito internacional, o sistema de codificação dos direitos e o estabelecimento dos mecanismos de controle buscam consagrar uma ordem pública global centrada na ideia de direitos humanos para garanti-los na realidade de cada país. Assim, “la preocupación por la situación de los individuos pasa a ser un tema de interés para toda la comunidad internacional y escapa de los límites de la soberanía de los Estados[2].

O acesso à justiça, então, é tido como direito humano e fundamental, na medida em que é garantido por documentos internacionais dos quais o Estado brasileiro é signatário, assim como pela Constituição de 1988, razão pela qual esforços devem ser feitos para que seja efetivado, deixando de constituir mero texto normativo.

O Estado brasileiro contemporâneo, assim como os demais países da América Latina, é marcado por desigualdade acentuada, baixa mobilidade social, subdesenvolvimento e elevada parcela populacional vivendo muito abaixo da linha da pobreza [3]. Apesar de peculiaridades existentes em cada um, os países que compõem o subcontinente possuem basicamente os mesmos problemas, entre eles questões sociais e inúmeros óbices na concretização de direitos humanos [4]. Nesta senda, o acesso à efetiva justiça enfrenta entraves dos mais diversos, tais como custos, burocracia e morosidade, destacando-se, para o presente estudo, outro óbice: seu uso desvirtuado, por meio do abuso do direito de ação, consistente em verdadeira contraversão do direito, utilizado de forma ilegítima.

Partindo destas premissas inaugurais, inicialmente são feitas considerações preliminares sobre o direito humano de acesso à justiça, com enfoque para sua concepção atual, notadamente no cenário jurídico brasileiro. Após, ingressa na teoria do abuso do direito, analisando seus traços conceituais, natureza jurídica e elementos fundamentais, para destacar os reflexos do instituto na processualística civil.

Por derradeiro, aborda especificamente o abuso do direito de ação como desvirtuação do acesso à justiça, trazendo fundadas críticas acerca da prática, culminando, enfim, nas conclusões acerca do tema, a fim de contribuir para sua sistematização.

1 NOÇÕES PROPEDÊUTICAS SOBRE O DIREITO DE ACESSO À JUSTIÇA

Uma das consequências da vida em sociedade é, naturalmente, a existência de conflitos de interesse entre seus membros, que se caracterizam “por situações em que uma pessoa, pretendendo para si determinado bem, não pode obtê-lo – seja porque (a) aquele que poderia satisfazer a sua pretensão não a satisfaz, seja porque (b) o próprio direito proíbe a satisfação voluntária da pretensão[5]. Disputas assim acarretam insatisfação, o que constitui fator antissocial, “independentemente de a pessoa ter ou não direito ao bem pretendido[6].

Após o longo período em que o Estado se apresentava como uma instituição incipiente, vivencia-se momento em que, fortalecido, passou a impor-se sobre os particulares, prescindindo de voluntária submissão, determinando-lhes autoritativamente a sua solução para os conflitos de interesses.

Esta atividade, por meio da qual os magistrados examinam as pretensões e resolvem os conflitos, denomina-se Jurisdição, e integra o rol das funções triviais desempenhadas pelo Estado na atualidade. O instrumento para o exercício da Jurisdição é o processo: mecanismo pelo qual “os órgãos jurisdicionais atuam para pacificar as pessoas conflitantes, eliminando os conflitos e fazendo cumprir o preceito jurídico pertinente a cada caso que lhes é apresentado em busca de solução” [7].Tem-se, então, no atual estágio, uma quase absoluta exclusividade estatal no exercício dessa função que se pretende pacificadora, muito embora venha crescendo, gradativamente, a utilização de métodos alternativos de solução de conflitos no Brasil. De toda sorte, sendo a Jurisdição – por meio do processo – a via ordinária de resolução de controvérsias, cumpre ao Estado proporcionar aos jurisdicionados esta atividade da melhor maneira possível. [8]

O denominado direito de acesso à justiça era concebido como direito de acesso ao Poder Judiciário, ou seja, mero direito de ação, bastando oportunizar às pessoas que tivessem suas pretensões examinadas pelo Estado-juiz para que o aludido direito já fosse tido por satisfeito. Entretanto, em uma Constituição cujo preâmbulo abriga a intenção de instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos, e elege a justiça como um dos valores supremos de uma sociedade que se pretende fraterna e pluralista, o mero direito de ação não satisfaria os objetivos do Estado [9]. A concepção de franqueamento da via judiciária para defesa de todo e qualquer direito, “embora ainda dominante, já não satisfaz[10].

É insatisfatório e reducionista considerar o direito em apreço nestes moldes.

Consoante a lição de Cappelletti e Garth [11], embora a expressão “acesso à justiça” seja reconhecidamente de difícil definição, serve para determinar “o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado“. Em razão disso, impõe-se que o sistema seja igualmente acessível a todos e que produza resultados que sejam individual e socialmente justos.

Assim, ultrapassando o mero acesso às vias processuais, a norma contida no inciso XXXV [12] do art. 5º da vigente Constituição constitui verdadeiro imperativo de efetivação da justiça, tendo por objetivo conceder provimento adequado às demandas judiciais, tomando em conta o direito material em discussão. Exsurge, então, o princípio constitucional do acesso à ordem jurídica justa. Trata-se, mais que princípio constitucional, de direito humano fundamental, garantido expressamente na lei magna, que impõe a realização de justiça aos que submeterem seus conflitos ao Poder Judiciário, possibilitando, de forma real, ao cidadão que vivencie um contexto de segurança jurídica, em que, ainda que por meio do processo jurisdicional, o direito é efetivamente realizado[13].

A grandeza do princípio na Constituição de 1988 é evidenciada pela previsão de concessão de tutela jurisdicional mesmo em situações em que inexista lesão: a mera ameaça a direito já possibilita a movimentação do Judiciário em ordem à obtenção de comando protetivo. Deste modo, para que esta meta constitucional seja atingida na sede ordinária de resolução de conflitos – a Jurisdição -, impõe-se que o processo judicial se desenrole mediante cognição adequada e que tenha razoável duração em seu trâmite, evitando o perecimento do direito, acarretado pela morosidade da prestação jurisdicional.

Reconhece-se, desta feita, o caráter instrumental do processo[14] como instituto voltado à realização da justiça [15], e coloca-se, consequentemente, a função social do processo como estandarte da revolução instrumentalizadora, que redefiniu os contornos axiológicos procedimentais, a fim de conferir ao processo a posição de ferramenta para a concretização da justiça, viabilizando que o Estado cumpra seu dever de dirimir conflitos de interesses e promover a pacificação social, desprendendo-se de formalismos sobejos e da irracional busca de exaurimento probatório, sob o risco de fenecimento do direito [16]. O acesso à justiça ganha importância capital neste contexto, encarado modernamente como elemento imprescindível a um sistema jurídico de vanguarda que pretenda efetivar, e não apenas proclamar direitos, como sobredito.

O direito fundamental em apreço constitui o ponto fulcral do princípio da dignidade da pessoa humana [17], porque essencial para a concretização dos demais direitos quando obstaculizados. Em virtude de seu realce, pode ser concebido como a base da processualística moderna, constituindo a ideia central a que converge toda a oferta constitucional e legal dos princípios e garantias.

Tem-se, então, que o acesso à justiça não se limita à dimensão puramente formal, não se identificando com a mera possibilidade de ingresso em juízo. O princípio, ao revés, determina a mais ampla admissão de pessoas e causas ao processo (universalidade da Jurisdição), com a garantia de observância das regras que consubstanciam o devido processo legal, para que possam participar intensamente da formação do convencimento do julgador (princípio do contraditório), que deve atuar imparcialmente, em diálogo cooperativo com as partes, de sorte a estar apto a fornecer uma decisão justa e idônea a eliminar qualquer resíduo de insatisfação. [18]

Contemporaneamente, propugna-se, então, pela “efetividade dos direitos materiais e a concretização das garantias processuais constitucionais[19], de forma que seja concedida concretamente a tutela jurisdicional adequada, tempestiva e efetiva ao litigante, cuja razão o ordenamento jurídico reconhecer. Sem que assim ocorra, “haverá o rompimento da garantia constitucional do acesso à justiça[20].

2 A TEORIA DO ABUSO DE DIREITO E SEUS REFLEXOS NA PROCESSUALÍSTICA CIVIL

Conforme debatido, o acesso à justiça, em sua concepção moderna, adquiriu o significado de uma ferramenta democrática indispensável para a realização da justiça nas soluções dos conflitos e, consequentemente, para garantir a efetividade dos demais direitos que assistem às pessoas. Exercido ordinariamente mediante o direito de ação, a concretude dos direitos apoia-se em uma tutela jurisdicional adequada, tempestiva e efetiva. Contudo, a acessibilidade real à justiça é obstaculizada por uma das mazelas decorrentes deste incremento, consistente justamente na abusividade do direito de litigar [21]. Surge, então, o compromisso de coibir tais abusos de forma a proporcionar uma prestação jurisdicional proba e efetiva, ou seja, que atenda às novas perspectivas constitucionais dos direitos humanos.

A teoria do abuso do direito, enquanto busca da verdadeira função social, deita raízes no Direito medieval: identificada nos atos emulativos, a denominação representava os atos praticados pelo proprietário ou pelo vizinho com o objetivo exclusivo de prejudicar terceiros [22]. Devido a práticas dessa natureza, “tornou-se necessária a limitação do exercício dos direitos subjetivos no âmbito dos limites estabelecidos por sua própria finalidade social e econômica” [23].

Há, também, vestígios do instituto no Direito romano, embora tratado de maneira incipiente, sendo atribuída a Cícero a frase: “summum jus, summa injuria” (“do excesso do direito resulta a suprema injustiça“), ensinamento que demonstra que aquele que exceder os limites de seu direito, ao invés de realizar justiça, proclama injustiça [24][25].

Despontada ao longo do século XX, a teoria do abuso de direito reflete a superação da concepção liberal que, calcada no dogma da autonomia da vontade, valorizava o individualismo e a liberdade individual [26]. Com o advento do estado intervencionista, a atenção do legislador foi deslocada para a função social [27] que os institutos privados deveriam cumprir, reduzindo, assim, o poder da vontade em prol de objetivos baseados na dignidade da pessoa humana e na concretização da função social do direito [28]. É nesse cenário que a teoria do abuso de direito ganha corpo.

Entre as teorias que pretenderam compreender e delimitar o instituto, duas merecem destaque: a subjetiva e a objetiva, as quais, em síntese, distinguem-se pela presença ou não do elemento “intenção de prejudicar” para a caracterização do abuso do direito [29]. Para a primeira, o abuso depende do elemento culpa em sentido amplo, nela compreendida a intenção de prejudicar. Em outras palavras, o exercício de um direito deveria estar atrelado à finalidade, injustificável, de causar prejuízo [30].          Já para a teoria objetiva, cujo maior expoente foi Josserand [31], o critério para configurar o abuso reside no mero desvio de finalidade da conduta por um exercício excessivo e irresponsável às finalidades sociais, de modo a ser irrelevante a consciência do elemento subjetivo (dolo ou culpa) pelo agente [32]. Essa teoria se apoia no respeito à esfera jurídica do terceiro, no escopo social do direito e na proteção do interesse coletivo frente ao individual.

A despeito das duas correntes, o Código Civil de 2002, em seu art. 187 [33], consolidou no Brasil a teoria objetiva ao fundamentar o abuso quando o titular de um direito sobrepuja o seu fim econômico ou social, a boa-fé ou os bons costumes. O Enunciado nº 37 [34] da I Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal e os demais estudos doutrinários indicam que o ordenamento brasileiro, de forma adequada às diretrizes ético-sociais, fez a opção por esta vertente teórica.

Superada a discussão sobredita e consolidada a opção pela ênfase na finalidade da conduta, o ato abusivo passa a ser compreendido pela doutrina como aquele em que “o sujeito excede os limites ao exercício do direito, sendo estes fixados por seu fundamento axiológico, ou seja, o abuso surge no interior do próprio direito, sempre que ocorra uma desconformidade com o sentido teleológico, em que se funda o direito subjetivo[35]. Ou seja, quando há deturpação do fim – social, econômico ou axiológico – de determinado direito subjetivo.

Pode-se afirmar, assim, que no ato abusivo “há violação da finalidade do direito, de seu espírito, violação essa aferível objetivamente, independente de dolo ou culpa[36].

Adotando este entendimento, Stoco [37] conclui que o exercício de um direito deve conter-se “dentro de uma limitação ética, além da qual desborda do lícito para o ilícito e do exercício regular para o abusivo“. Explica que a teoria em tela surge do natural conflito entre interesse individual e coletivo e “se apóia no princípio da convivência, impondo-se conciliar a utilização do direito, respeitando-se, contudo, a esfera jurídica alheia, fixando-se um limite[38].

A acepção que se constrói é que há um aparente exercício legítimo do direito, pois a conduta está em consonância com a letra fria da lei; no entanto, a atitude do agente é deturpada quanto às finalidades daquela e colide com valores sociais, econômicos e/ou éticos.

Assim, não é difícil notar o contributo do combate ao abuso de direito à efetividade do exercício regular e efetivo dos direitos. Por outro lado, não se pode perder de vista a dificuldade em constatar tais abusos. Isso ocorre porque são condutas formalmente legais, praticadas ardilosamente e com seus objetivos mascarados.

O escopo de tolher o abuso de direito é o de “impedir que o direito sirva como forma de opressão, evitar que o titular do direito utilize seu poder com finalidade distinta daquela a que se destina[39]. O propósito, portanto, é coibir a má-fé, a deslealdade, o desvirtuamento do direito, sobretudo quando é instrumentalizado por meio do processo, oportunidade em que inúmeras atitudes desonradas buscam obstaculizar a devida e justa prestação jurisdicional.

A teoria do abuso de direito configura-se como verdadeiro princípio geral [40], que, como fonte normativa, merece aplicação em todas as áreas, seja no campo do direito material, seja no âmbito do processo [41].

Para Cândido Rangel Dinamarco [42], o processo é um instrumento de demanda com regras específicas, no qual “a lei as municia de certas armas legítimas e de uso legítimo, mas com a advertência de que será reprimido o uso abusivo dessas armas ou emprego de outras menos legítimas“. O autor ainda afirma que o abuso de direito configura “uma sobrecapa do sistema ético da lei processual, sendo ilícitas as condutas consistentes em usar de modo abusivo dos meios de defesa oferecidos pela lei, posto que em si mesmos legítimos[43].

Os reflexos da temática na processualística civil são observados no dever expresso de coibir práticas que: (a) configurem-se tipificadas como litigância de má-fé; (b) importem em atos atentatórios à dignidade da justiça e (c) caracterizem abuso de direito no exercício da jurisdição por estar em desconformidade com a base principiológica apresentada. A proteção atinge tanto a parte prejudicada pelo abuso quanto a imprescindível reverência ao Judiciário.

A disciplina moralizadora outrora contida nos arts. 14 e seguintes da Lei nº 5.869/1973 – reproduzida e aperfeiçoada pelo art. 77 do novo Código de Processo Civil – endereça-se a todos aqueles que de qualquer forma participem do processo. Nesse contexto, as partes, advogados, serventuários da justiça, magistrados e demais envolvidos devem atuar de forma proba, sob pena de infringir o devido processo legal [44].

É dever do juiz velar pelos fundamentos éticos do processo, prestar justiça substancial – não meramente formal – e coibir o abuso do direito. Assim, o combate ao abuso surge do “dever de prestar a tutela jurisdicional em tempo hábil e de forma proba, a fim de que o titular do direito tenha o menor prejuízo possível em sua luta e a maior garantia de efetividade[45].

O abuso de direito deve ser considerado em todas as suas perspectivas, o que, inconteste, abrange a esfera processual, pois é exatamente nesta seara que o sujeito buscará a concretização do direito material lesionado ou ameaçado. Enfim, para se garantir o acesso à justiça e o resultado útil do processo, o direito de ação deve estar condicionado aos limites da boa-fé e atento às finalidades econômicas e sociais do Direito.

3 O ABUSO DO DIREITO DE AÇÃO COMO DESVIRTUAÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA

 Verificados os reflexos da teoria do abuso de direito no âmbito da processualística civil, passa-se, agora, a analisar especificamente o fenômeno do abuso do direito de ação, dado frequente na realidade brasileira. Na relação processual, todos os envolvidos podem praticar abusos, embora o presente trabalho restrinja-se à ocorrência ocasionada por atuação do demandante.

A consagração do direito de amplo acesso à justiça no cenário nacional, aliado ao conhecimento, pelos cidadãos brasileiros, dos direitos respectivos, gera, no mundo moderno, um aumento quantitativo e qualitativo da complexidade conflitiva produzida pela sociedade globalizada, cada vez mais dinâmica e fragmentada, o que concorre para uma verdadeira “explosão de litigiosidade[46].

Fazem parte deste processo a redemocratização do Estado, com a promulgação da Constituição de 1988; a consciência de grande parte dos direitos positivados no Código de Defesa do Consumidor; e a criação dos Juizados Especiais nos âmbitos Estadual e Federal. Fala-se, então, em “democratização do acesso à justiça[47].

Contudo, aliado a este processo evolutivo, verifica-se, como sobredito, a existência de fenômeno nocivo às importantes conquistas advindas do reconhecimento do acesso à justiça em sua concepção atual: o abuso do direito de ação.

Neste sentido, a doutrina identifica que o fato de ter-se atingido tamanho grau de acessibilidade à justiça “não representa, necessariamente, o regular e legítimo direito de ação. Uma das mazelas decorrentes deste incremento é, justamente, a abusividade do direito de litigar[48].

Quem se vale do processo sem finalidade séria e legítima, com excessos, lesando injustamente a esfera jurídica de terceiros, com indevido apoio no direito de acesso à justiça, comete abuso do direito de ação, ou abuso do direito de litigar, incidindo em ato ilícito, nos termos do art. 187 do Código Civil.

Na relação processual, cabe às partes observar requisitos mínimos, consubstanciados nos pressupostos processuais. Sua ausência deliberada e conhecida pelo demandante pode configurar indícios de abuso do direito de ação. Assim, embora ciente o autor de que ausentes estão pressupostos, propondo ele demanda “como mera aventura jurídica, acreditando ser um jogo de esperteza[49], estará abusando do direito de ação, em clara inversão da utilização do instituto.

Abusa do direito de ação, desta feita, aquele que age movido por interesses “egoísticos, emulativos e descomprometidos com os fins do processo e da própria jurisdição[50]. Gonçalves [51] explica que é possível falar em abuso processual tanto no que concerne ao conteúdo das alegações quanto no que respeita à forma pela qual as partes atuam. Cuida-se, respectivamente, do dever de veracidade e de

E, como é sabido, cresce cada vez mais o abuso e o descomprometimento com os verdadeiros escopos – especialmente os sociais – da Jurisdição, tão bem elucidados por Cintra, Dinamarco e Grinover [52], consistentes na pacificação com justiça e promoção do bem comum. Nesta senda, o abuso do direito de ação pode ser prática levada a efeito por particulares, sejam pessoas físicas ou jurídicas, bem como por entes, entidades e órgãos da Administração Pública; assim, a Fazenda Pública e o Ministério Público também estão sujeitos ao cometimento de abusos, que deverão ser observados e, por conseguinte, reprimidos pelo Estado-juiz [53].

Exemplo característico nesta vereda se evidencia no ajuizamento de ações civis públicas, especialmente de improbidade administrativa, temerárias, como expõe Mattos [54]:

[…] quando o Poder Público, responsável pela jurisdição, alça a condição de autor de ação judicial, ele terá que ter como finalidade a manutenção do postulado ético-jurídico da lealdade processual, onde o processo não poderá ser manipulado para viabilizar o abuso de direito. In casu, o abuso de direito se verifica quando o poder público exerce a sua faculdade de acionar agente público, com base na Lei de Improbidade Administrativa, sem que haja um mínimo de indício da prática de um ato devasso. Para situarem-se no campo da normalidade e da licitude, não basta a parte estar legitimada pela legislação para utilizar-se da via judicial, pois é necessário um mínimo de materialidade de determinado fato ilícito/devasso, sob pena de estar caracterizada a intenção de causar mal a outrem. Ainda mais quando se verifica que a Lei de Improbidade Administrativa causa danos irresgatáveis para os agentes públicos injustamente processados. Mesmo que o Agente Público seja inocentado a posteriori, ao término da morosa lide, o dano à sua imagem e à moral ficam entranhados no meio social que ele convive, pois a cada dia que passa existe a dor de quem se vê alçado à injusta condição de réu. […] No curso dos anos presenciamos várias ações de improbidade administrativa genéricas, instauradas sem elementos de apoio, para […] ser feita […] devassa na vida do agente público, com o objetivo de apená-lo, mesmo que inexistentes indícios de irregularidades. Além de discriminatório, esse tipo de conduta merece o devido repúdio por parte do direito, que não admite desvios ou excesso de poder por parte da Administração Pública.

Destarte, no campo da improbidade, se inexistente falta disciplinar, materializada de forma contundente, “é retirada da Administração Pública a faculdade de violar a intimidade do agente público“. A falta de indícios veementes – ou a existência de provas a contrario sensu – da prática de ilícito administrativo retira daquela a faculdade de instauração inclusive de procedimento investigatório [55], o que pode caracterizar igualmente abuso do direito. Trata-se, enfim, de singelo, porém expressivo, exemplo dentre uma vasta gama de situações em que pode ser caracterizado o abuso do direito de ação no cotidiano forense.

Inúmeras situações que configuram condutas abusivas deste direito no campo do processo civil podem ser listadas: o ajuizamento de demandas repetidas e anteriormente julgadas, a fim de tentar obter resultado distinto ao anterior que lhe desagradou, em patente desrespeito ao instituto da coisa julgada e às decisões judiciais; a propositura de ações alicerçadas exclusivamente em provas ilícitas ou ilegítimas, eis que vedadas pelo ordenamento, porque obtidas, respectivamente, em clara violação a normas de direito material ou processual; a dedução de pretensão contra texto expresso de lei ou fato incontroverso, por afronta ao ordenamento jurídico e desrespeito ao Poder Judiciário; a alteração da verdade dos fatos, conduta essa, mais que ilegal, imoral e repudiada por suas consequências; a cobrança judicial dolosa de dívida já paga, ou seja, nos casos em que não haja escusa justificável pelo credor demandante; assim como o manejo do processo para obter objetivo ilegal, em desvio de finalidade deste instrumento.

O abuso em comento, naturalmente, causa danos à parte adversa, além, ainda, de contribuir para a morosidade processual, ao aumentar o número de demandas a serem julgadas – ações estas, reforça-se, descabidas. Ou seja, cuida-se de conduta que ofende a pessoa do réu e, em última análise, o Estado, responsável pelo desempenho da função jurisdicional com presteza e justiça. Com isso, contribui, ainda, para o descrédito do Poder Judiciário como instituição, o que deve ser combatido, especialmente em um cenário de crise reconhecido por todos os segmentos sociais [56].

Feitas estas considerações, tem-se que o abuso do direito de ação, por se consubstanciar em desvirtuação do acesso à justiça, deve ser eficazmente enfrentado pelo Poder Judiciário, de sorte a não macular este princípio constitucional de tamanha magnitude, essencial à efetivação da dignidade humana.

O acesso à justiça em sua concepção hodierna, alçado à categoria de princípio constitucional do processo e direito humano e fundamental, resultou de conquista árdua derivada especialmente da ascensão do direito internacional dos direitos humanos, que não pode ser prejudicada pelo desvir­tuamento deste importante instituto. Por tal motivo, a repressão, notadamente mediante o reconhecimento de litigância de má-fé, com os consectários disso derivados, mostra-se imprescindível para coibir os abusos nesta seara e manter intocável este postulado que representa, atualmente, a base do processo civil moderno e a possibilidade de distribuição de justiça e consecução de paz social.

Enfim, a Constituição prevê o acesso à justiça, mas desde que haja um interesse legítimo e um direito que respalde a pretensão do interessado, sob pena de se infirmar o princípio e ocasionar exatamente o oposto, ou seja, injustiça por meio do processo. Resta o bom senso dos demandantes e a devida atenção ao fenômeno pelo julgador, responsável, em última análise, pela efetivação do princípio.

 

CONCLUSÕES

Em sede se considerações finais, diante da pesquisa levada a cabo, pode-se afirmar que a temática em apreço detém notória e inegável importância. O direito fundamental de acesso à justiça constitui viga mestra do princípio da dignidade da pessoa humana porque essencial para a concretização dos demais direitos quando obstaculizados.

Tendo isto assente, tornou-se possível, no decorrer deste feito, chegar a certas ilações, direcionadas à realização de um processo judicial mais justo.

O acesso à justiça não pode mais ser concebido como mero direito de acesso ao Poder Judiciário. O modelo de Estado Democrático instituído pela vigente Constituição garante a efetivação da justiça. Insculpido como verdadeiro direito humano fundamental, o acesso à justiça deve ser encarado como um elemento imprescindível ao sistema jurídico que não pretende apenas proclamar, mas efetivar os direitos do cidadão que vive em uma sociedade plural.

Contudo, não são poucos os óbices para a real acessibilidade à justiça. Neste diapasão, menciona-se o fato de ser, na prática, reiteradamente desvirtuada, ocorrendo abuso do direito de ação.

O legislador direcionou sua atenção para a função social que os institutos privados devem cumprir em prol de objetivos baseados na dignidade da pessoa humana. Constata-se que, no Brasil, restou consolidada a teoria objetiva do abuso de direito, segundo a qual o abuso ocorre mediante o simples desvio de finalidade da conduta por um exercício excessivo e irresponsável às finalidades sociais, ou seja, quando o agente sobrepuja os fins econômico ou social, a boa-fé ou os bons costumes, ainda que a atuação tenha se adstrito aos limites aparentes do seu direito subjetivo.

Os direitos não são postos aos indivíduos para satisfazerem apenas seus interesses e necessidades; não são concedidos de maneira ilimitada pela lei. Além das questões objetivas, o direito possui contornos de ordem social e teleológica orientados pelos seus princípios, vale dizer, é contra a doutrina de direitos individuais absolutos que a teoria do abuso do direito reage opondo-se aos resultados antissociais e prejudiciais das ações.

Não são poucas as práticas lesivas, daí porque o escopo de tolher o abuso de direito é o de evitar o uso do direito para finalidades distintas à que ele se destina, coibindo o desvirtuamento deste instituto, inclusive quando é instrumentalizado por meio do processo. Dada a sua importância, a teoria do abuso de direito, enquanto verdadeiro princípio geral, deve ser considerada em todas as áreas, o que abrange o âmbito processual, em que recebe nomenclatura própria: abuso do direito de ação.

A falta de compromisso com a disciplina moralizadora constitui atentado ao acesso à justiça na sua concepção contemporânea. Quem se vale do processo sem finalidade séria e legítima, movido por interesses egoísticos e alheios aos seus fins, age com excessos e lesa injustamente a esfera jurídica de terceiros.

Enquadram-se como exemplos de abuso do direito de ação, entre outras situações, as seguintes: o ajuizamento de demandas repetidas e anteriormente julgadas, a fim de tentar obter resultado distinto ao anterior que lhe desagradou; a propositura de ações alicerçadas exclusivamente em provas ilícitas ou ilegítimas, eis que vedadas pelo ordenamento; a dedução de pretensão contra texto expresso de lei ou fato incontroverso; a alteração da verdade dos fatos; a cobrança judicial dolosa de dívida já paga; assim como o manejo do processo para obter objetivo ilegal, em desvio de finalidade deste instrumento.

Os atos abusivos causam danos à parte adversa e ao exercício escorreito da jurisdição: além de contribuir para a morosidade processual devido ao aumento do número de demandas ou incidentes a serem decididos, contribui para a não efetivação dos direitos legítimos e para o descrédito do Poder Judiciário.

Correta a doutrina atual quanto ao pensamento de que o processo, além de servir ao interesse das partes, encontra-se justificado na função de exercício do poder estatal, sendo devido garantir o acesso à justiça, o qual somente se sustenta se o acesso resultar em um processo justo.

A teoria do abuso do direito já é uma realidade que contribui para a satisfação dos interesses do Estado Democrático de Direito, bem como para a efetivação dos direitos humanos e construção de uma sociedade mais justa.

O acesso à justiça, alçado à categoria de princípio constitucional do processo e direito humano fundamental, não pode ser prejudicado pelo desvirtuamento do instituto, sob pena de se causar injustiça por meio das vias processuais. Assim, o abuso do direito de ação, como qualquer ato abusivo, deve ser devidamente enfrentado. Resta ao Poder Judiciário, diante da falta de bom senso do demandante, reprimir o fenômeno eficazmente, de sorte a efetivar um princípio maior: o primado da justiça.

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[1] ROJAS, Claudio Nash. La concepción de derechos fundamentales en Latinoamerica: tendencias jurisprudenciales. 2008. Trabalho de Conclusão de Curso (Doutorado em Direito) – Universidad de Chile, Santiago, 2008. p. 41.

[2] Idem.

[3] PNUD. Informe regional sobre desarrollo humano para América Latina y el Caribe 2010. Costa Rica: Editorama, 2010.

[4] “La desigualdad es una de las principales características que definen la historia de América Latina y el Caribe. Una muy alta y persistente desigualdad que, acompañada de una baja movilidad social, han llevado a la región a caer en una ‘trampa de desigualdad’. En un círculo vicioso difícil de romper […]. La igualdad importa en el espacio de las libertades efectivas; es decir en términos de la ampliación para todos de las opciones de vida realmente disponibles para que puedan elegir con autonomía. Importan las oportunidades y el acceso a bienes y servicios, pero también el proceso mediante el cual los individuos son sujetos activos de su propio desarrollo, incidiendo responsablemente sobre sus vidas y su entorno inmediato”. (idem, p. 6-7).

[5] CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria geral do processo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 26.

[6] Idem, loc. cit.

[7] SANTOS apud LEAL JÚNIOR, João Carlos. Morosidade do judiciário e os impactos na atividade empresarial. Curitiba: CRV, 2015.

[8] LEAL JÚNIOR. Op. cit.

[9] NALINI, José Renato. Novas perspectivas no acesso à justiça. Revista CEJ, Brasília, v. 1,

  1. 3, set./dez. 1997.

[10] Idem.

[11] CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1988. p. 08.

[12] “XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito […].”

[13] LEAL JÚNIOR, João Carlos. Op. cit.

[14] “É reconhecida por todos a natureza instrumental do processo diante dos direitos que visa a assegurar em juízo. A instrumentalidade, como ‘marca’ do processo, leva a que dele se espere resultado absolutamente compatível com o objetivo perseguido pela parte que vai a juízo” (WAMBIER, Luis Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Anotações sobre a efetividade do processo. In: WAMBIER, Luis Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Doutrinas essenciais – Processo Civil: Princípios e temas gerais do processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 1019).

[15] BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2011.

[16] LEAL JÚNIOR, João Carlos; HAMDAN, Janaina; PIRES, Natália Taves. Da possibilidade de concessão de liminares em face de entes públicos. Revista CEJ, Brasília, v. 14, n. 50,

  1. 67-74, jul./set. 2010.

[17] O acesso à justiça é a pedra fundamental do Estado Democrático de Direito e um dos principais componentes do núcleo da dignidade da pessoa humana, uma vez que, em grande parte, dele depende a efetividade dos direitos constitucionais (BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002).

[18] LEAL JÚNIOR, João Carlos. Op. cit.

[19] PAROSKI, Mauro Vasni. Do direito fundamental de acesso à justiça. Scientia iuris, Londrina, v. 10, p. 225-242, 2006. p. 226.

[20] WAMBIER, Luis Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Anotações sobre a efetividade do processo. In: WAMBIER, Luis Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Op. cit., p. 1018.

[21] KORENBLUN, Fábio. Acesso à justiça vs. abuso do direito de litigar: uma necessária análise ao assoberbamento do poder judiciário. Migalhas, São Paulo, mar. 2015. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/depeso/16,mi216714,21048-acesso+a+justica+vs+abuso+do+direito+de+litigar+uma+necessaria>. Acesso em: 26 mar. 2016.

[22] CARVALHO NETO, Inacio de. Abuso do direito: totalmente atualizado de acordo com o novo Código Civil. Curitiba: Juruá, 2005. p. 25.

[23] Idem, loc. cit.

[24] STOCO, Rui. Abuso do direito e má-fé processual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

  1. 60.

[25] O registro histórico que consolidou o abuso de direito e permitiu sua disseminação enquanto teoria foi o caso Clement Bayard, datado de 1912. No episódio, um proprietário de terras vizinho a um campo de pouso de dirigíveis, sem qualquer justificativa ou interesse próprio, instalou altas torres com lanças de ferro, de forma a prejudicar o pouso das aeronaves que ali transitavam. Por exceder os limites legítimos da propriedade, a Corte de Amiens considerou a conduta abusiva (CARPENA, Heloisa. O abuso de direito nos contratos de consumo. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 377).

[26] BOBBIO, Norberto. Liberalismo e democracia. Trad. Marco Aurélio Nogueira. 6. ed. São Paulo: Brasiliense, 2005. p. 16.

[27] “Em decorrência do princípio da dignidade da pessoa humana, […] erigido como fundamento da República Federativa do Brasil, […] todo instituto jurídico está impregnado pela função social, a fim de que se alcance a edificação de uma sociedade livre, justa e solidária, um dos objetivos fundamentais do Estado brasileiro. Nesse sentido, deve-se entender por função social a obtenção de um resultado das atividades humanas em prol da coletividade. A ideia de função social, destarte, vincula-se a todo um movimento de funcionalização dos direitos subjetivos, reconstruindo institutos centrais do direito moderno, tais como a propriedade, o contrato e a empresa. Parte-se do pressuposto de que toda prerrogativa outorgada a alguém deve cumprir um papel perante a sociedade. O titular de um direito que dele se vale animado por egoísmo pode incidir em abuso, situação que afronta os ditames da Constituição […].” (LEAL JÚNIOR,, João Carlos. Op. cit., p. 98).

[28] TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 219.

[29] Há, ainda, expoentes que negam a doutrina autônoma do abuso de direito e trazem uma importante contribuição. Para Marcel Planiol, se houver abuso não há direito, pois um ato não pode ser, ao mesmo tempo, conforme e contrário ao direito.

[30] MAZEUD, Henri; MAZEUD, Léon; TUNC, André. Tratado teórico y prático de La responsabilidad civil: delictual y contratual. Buenos Aires: Jurídicas Europa-América, 1962-

-1977. p. 547 e ss.

[31] Para Silvio Rodrigues, a teoria abordada atingiu seu pleno desenvolvimento com a concepção de Josserand (RODRIGUES, Silvio. Direito civil. São Paulo: Saraiva, v. 1, 2003. p. 321).

[32] JOSSERAND, Louis. Cours de droit civil positif français: conforme aux programmes officiels dês facultes de droit ouvrage couronne parl’institut. Paris: Recueil Sirey, 1932-1933. p. 332 e ss.

[33] “Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”

[34] “A responsabilidade civil decorrente do abuso do direito independe de culpa, e fundamenta-se somente no critério objetivo-finalístico”.

[35] CARPENA, Heloisa. O abuso de direito no Código de 2002. Relativização de direitos na ótica constitucional. In: TEPEDINO, Gustavo. A parte geral do Código Civil. Estudos na perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 370.

[36] NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código civil comentado. 4. ed. São Paulo: RT, 2006. p. 296.

[37] STOCO, Rui. Op. cit., p. 59.

[38] Idem, p. 58.

[39] CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 161.

[40] RODRIGUES, Silvio. Op. cit., p. 321.

[41] Muitos são os exemplos nos quadrantes do direito que ilustram o abuso de direito. Apenas para exemplificar: o requerimento indevido de falência; o oferecimento de queixa-crime contra inocente; a transferência de empregado no intuito de puni-lo; o servidor que se vale do cargo para proveito pessoal; a imposição de cláusulas abusivas na relação de consumo.

[42] DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros, t. II, 2004. p. 259.

[43] Idem, p. 261.

[44] A exposição de motivos do Código de Processo Civil de 1973 já indicava o agir ético como dever das partes: “17. Posto que o processo civil seja, de sua índole, eminentemente dialético, é reprovável que as partes se sirvam dele, faltando ao dever, da verdade, agindo com deslealdade e empregando artifícios fraudulentos; porque tal conduta não se compadece com a dignidade de um instrumento que o Estado põe à disposição dos contendores para atuação do direito e realização da justiça”.

[45] AMARAL, Jane Dias do. O dever de coibição do abuso de direito no processo do trabalho. Revista TRT 3ª Região, Belo Horizonte, v. 41, n. 71, p. 127-136, jan./jun. 2005. p. 127.

[46] SANTOS, Boaventura de Souza. Introdução à sociologia da Administração da Justiça. In: FARIA, José Eduardo (Org.). Direito e Justiça: a função social do Judiciário. São Paulo: Ática, 1997.

[47] “O marcante crescimento do acesso à Justiça fez com que diferentes grupos sociais descobrissem o caminho dos tribunais, orientados por expectativas eventualmente inamoldáveis ao contexto judicial, mas utilizando-se de prerrogativas da Constituição Cidadã, de textura aberta, permeada pela indeterminação dos conceitos.” (GONÇALVES, Barbara. Acesso e decesso à justiça, litigância abusiva e a crise da efetividade do judiciário. 2007. Trabalho de Conclusão de Curso (Mestrado em Direito) – Universidade Estácio de Sá, Rio de Janeiro, 2007)

[48] KORENBLUN, Fábio. Acesso à justiça vs. abuso do direito de litigar: uma necessária análise ao assoberbamento do poder judiciário. Migalhas, São Paulo, mar. 2015. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/depeso/16,mi216714,21048-acesso+a+justica+vs+abuso+do+direito+de+litigar+uma+necessaria>. Acesso em: 26 mar. 2016.

[49] CAMPOS, Valdir. Combate ao abuso do direito de ação: uma necessidade para a celeridade e efetividade processual. Revista JurisFIB, Bauru, v. 3, dez. 2012. p. 116.

[50] GONÇALVES, Barbara. Op. cit.

[51] Idem.

[52] CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Op. cit.

[53] CAMPOS, Valdir. Op. cit., p. 116.

[54] MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. Responsabilidade Civil do Poder Público pelo manejo indevido de ação de improbidade administrativa. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 238, 2004. p. 102.

[55] Idem, loc. cit.

[56] “Em decorrência de fatores de ordens diversificadas, o Poder Judiciário brasileiro, instituição do Estado responsável pela resolução de conflitos de interesse por meio da prestação jurisdicional, vivencia, de há muito, crise de proporções dramáticas. Anacronismo e inoperância, em razão especialmente de legislação desatualizada, falta de recursos humanos e excessivo formalismo, têm levado a um descrédito generalizado desta instituição, que, contraditoriamente, é oficialmente responsável pela garantia e realização dos direitos, quando violados, ou mesmo ameaçados, dos indivíduos […]. Nas últimas décadas, as dimensões dessa crise ganharam maior amplitude, especialmente por conta de maiores reclamos da população, a cada dia mais insatisfeita com a instituição em pauta: ‘tem diminuído consideravelmente o grau de tolerância com a baixa eficiência do sistema judicial e, simultaneamente, aumentado a corrosão no prestígio do Judiciário.'” (LEAL JÚNIOR, João Carlos; MUNIZ, Tania Lobo. Reflexos da morosidade do judiciário nas relações negociais internacionais. Revista internacional de estudios de derecho procesal y arbitraje, Madrid, n. 3, 2012).