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AÇÃO RESCISÓRIA POR VIOLAÇÃO DE NORMA CONSTITUCIONAL SEGUNDO O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

AÇÃO RESCISÓRIA POR VIOLAÇÃO DE NORMA CONSTITUCIONAL SEGUNDO O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Felipe Scalabrin

 

SUMÁRIO: Introdução; 1 Ação rescisória e segurança jurídica; 2 Ação rescisória por violação manifesta de norma jurídica; 3 Violação de norma constitucional segundo o Supremo; 3.1 Primeiro momento: nascimento da Súmula nº 343 do STF; 3.2 Segundo momento: mitigação da Súmula nº 343 do STF; 3.3 Terceiro momento: reafirmação da Súmula nº 343 do STF; 3.4 Quarto momento: nova mitigação da Súmula nº 343 do STF; 3.5 Momento atual: não cabe ação rescisória de matéria controvertida no Supremo; Considerações conclusivas; Referências.

 

INTRODUÇÃO

O difícil dilema entre efetividade e celeridade tem seu ponto final com a ação rescisória. No sistema processual brasileiro, a rescisória se traduz no meio para apurar se a resposta anterior confere com o esperado pelo ordenamento e, em caso negativo, para que a segurança jurídica individualmente obtida seja afastada. Eventualmente, a ação rescisória também permite que a causa originária seja novamente apreciada em razão da desconstituição da decisão anterior.

As variadas hipóteses que justificam a ação rescisória recebem atenta análise dos tribunais – dentre elas, aquela de maior atrito envolve o cabimento fundado em violação de norma da Constituição. E como o texto constitucional confere ao Supremo Tribunal Federal a função de uniformizar o sentido e o alcance das normas constitucionais, a melhor forma de sistematizar o assunto é justamente a partir da jurisprudência do Supremo. Não há, porém, como bem entender as soluções jurisprudenciais sem, antes, relembrar o papel da ação rescisória diante do direito à segurança jurídica.

Assim, para melhor compreender os contornos da ação rescisória fundada em violação da Constituição, é necessário realçar o papel da segurança jurídica e da coisa julgada frente à efetividade das normas jurídicas. Após, é viável revisar o que se entender por manifesta violação de norma jurídica como justificação da ação rescisória. Por fim, com tais vetores mais bem delineados, torna-se possível um exame acurado da jurisprudência passada e presente do Supremo em torno da chamada “violação de norma constitucional” como hipótese de rescisão de decisão transitada em julgado.

 

1 AÇÃO RESCISÓRIA E SEGURANÇA JURÍDICA

A segurança jurídica, como direito fundamental (art. 5º, caput, da CF/1988), representa, com José Afonso da Silva, o “conjunto de condições que tornam possível às pessoas o conhecimento antecipado e reflexivo das consequências diretas de seus atos e de seus fatos à luz da liberdade reconhecida” e, prossegue ele, “uma importante condição da segurança jurídica está na relativa certeza que os indivíduos têm de que as relações realizadas sob o império de uma norma devem perdurar ainda quando tal norma seja substituída[1].

A coisa julgada, enquanto desdobramento do direito à segurança jurídica, fornece estabilidade ao pronunciamento judicial “para que o titular do direito aí reconhecido tenha a certeza jurídica de que ele ingressou definitivamente no seu patrimônio[2]. Com efeito, todos os demais direitos fundamentais seriam “simples promessas soltas no ar” se o resultado do processo “não se encontrasse blindado a controvérsias futuras”. E para garantir que o bem jurídico obtido pela decisão judicial “não seja subtraído do patrimônio jurídico do beneficiado” é que nasce o instituto da coisa julgada[3]. É assim que, desde suas origens romanísticas, a coisa julgada se relaciona, “para que a vida social se desenvolva o mais possível segura e pacífica”, com a certeza na fruição dos bens da vida que são resultado do processo[4].

A garantia de estabilidade do resultado do processo imuniza a sentença de investidas posteriores por parte de qualquer autoridade – seja ela legislativa ou judiciária – que pretenda “subtrair os direito de alguém, objeto de processo pretérito[5]. A imutabilidade do comando sentencial, segundo Liebman, opera “não já em face de determinadas pessoas, mas em face de todos os que no âmbito do ordenamento jurídico têm institucionalmente o mister de estabelecer, de interpretar ou de aplicar a vontade do Estado[6]. Cuida-se, pois, de garantia constitucional que protege o titular contra “qualquer alteração estatal futura e não apenas a alteração futura promovida por lei”[7]. De fato, não haveria sentido algum em tornar estável uma relação jurídica em face da lei e negar-lhe estabilidade em face de atos judiciais posteriores.

Embora alicerçada no texto constitucional[8], os contornos da coisa julgada são detalhados pelas normas infraconstitucionais e que podem, inclusive, prever hipóteses de desconstituição da decisão transitada em julgado quando existir algum vício legalmente definido. A “injustiça” da decisão, de outro giro, não é causa de rescindibilidade[9]. Nessa esteira, são rescindíveis as decisões consideradas como tal pela lei. Trata-se, ademais, de rol taxativo, na medida em que a procedência da rescisória implica verdadeira relativização do direito fundamental à segurança jurídica, rompendo a autoridade da coisa julgada formada em processo anterior.

Dentre as hipóteses de rescisão, de longe a mais controvertida envolve a “manifesta violação de norma jurídica“.

 

2 AÇÃO RESCISÓRIA POR VIOLAÇÃO MANIFESTA DE NORMA JURÍDICA

Nos termos do art. 966, V, do CPC, a decisão de mérito transitada em julgado pode ser rescindida se violar manifestamente norma jurídica. Com isso, é admitida a desconstituição da decisão de mérito que implique desrespeito manifesto de norma jurídica. É esperado que as decisões judiciais sejam elaboradas, adequadamente fundamentadas[10] e tragam resultados compatíveis com as normas vigentes. No passado, aliás, considerava-se que o papel da função jurisdicional seria apenas anunciar a vontade concreta da lei[11], isto é, apenas declarar o que já vinha previsto pelas regras vigentes, tornando a atividade jurisdicional “simples oráculo do legislado[12]. A acertada crítica à carga declaratória da jurisdição[13] permitiu que o discurso evoluísse em prol do caráter criativo da função jurisdicional, sempre respeitadas as balizas conferidas pelo direito posto[14].

A decisão judicial deve estar em conformidade com a ordem jurídica. Para tanto, o sistema legal prevê que o pronunciamento transitado em julgado que afronte manifestamente alguma norma jurídica possa ser desconstituído: a decisão que viola manifestamente norma jurídica contém o vício da rescindibilidade, deixando flanco aberto para novo confronto, agora via ação rescisória.

Reconhecida essa violação, a efetividade da ordem vigente deverá prevalecer sobre a segurança jurídica individualmente obtida. Trata-se de uma clara escolha política presente na conformação infraconstitucional da coisa julgada, já que a cadeia recursal deveria ser suficiente para suplantar o vício ocorrido no julgamento. Ora, quando uma decisão judicial viola manifestamente norma jurídica, em má aplicação do Direito, ela pode ser controlada pelos recursos cabíveis. O pronunciamento que viola norma federal, presentes os requisitos de admissibilidade, justifica a utilização de recurso especial perante o Superior Tribunal de Justiça (art. 105, III, da CF/1988)[15]. Já a decisão que violar diretamente a Constituição pode ser confrontada por recurso extraordinário perante o Supremo Tribunal Federal (art. 102, III, da CF/1988)[16]. Na sistemática brasileira, em demandas individuais, a palavra final sobre a norma constitucional, se houver repercussão geral, é dada pelo Supremo em recurso extraordinário. As exigências de repercussão geral e prévio debate (prequestionamento) reforçam que a interpretação constitucional, isto é, o sentido e o alcance da norma constitucional aplicável ao caso, é construção coletiva, haurida da dialética entre todos os envolvidos na relação processual, inclusive as partes e os órgãos julgadores anteriores ao Supremo. Nem sempre a última palavra para um caso concreto será do STF.

Há, portanto, sobreposição nos instrumentos de controle relacionados com a interpretação constitucional e a conformação da decisão com as normas jurídicas[17].

Por outro lado, o difícil equilíbrio entre a segurança jurídica trazida pela autoridade da coisa julgada e a efetividade do preceito normativo desrespeitado se dá com a qualificação do vício que justifica a ação rescisória. Nem toda a violação de norma jurídica justifica a desconstituição de decisão transitada em julgado, mas apenas aquela adjetivada como “manifesta” (art. 966, V, do CPC). A redação atual da codificação processual aperfeiçoa a antiga noção de “literal disposição de lei” (art. 485, V, da CPC/1973; art. 798, I, c, do CPC/1939). E tanto cá como lá, quanto mais ampliado for o sentido de “manifesta violação” ou “literal disposição“, menor será a garantia constitucional da coisa julgada. A vagueza do critério legal deu ensejo a variadas polêmicas doutrinárias[18], algumas já superadas, outras ainda presentes. E nem poderia ser diferente, já que envolve temas de agudo dissenso, como o conceito de norma jurídica, a distinção entre texto e norma e os limites da atuação e da interpretação judicial.

No plano jurisprudencial – que é o corte metodológico do presente estudo -, cedo se passou a entender que a presença de divergência na interpretação da norma jurídica pelos tribunais afastaria a “violação literal“. Em síntese, instaurou-se a concepção de que não se pode considerar “literal” a violação da lei, quando a própria “letra da lei” recebe sentidos e alcances diferentes por julgadores diferentes. Quando havia, portanto, dúvida na aplicação da norma pelos tribunais na época da decisão, não se poderia, posteriormente, vindicar a desconstituição do julgado. Essa solução deu origem à Súmula nº 343 do Supremo Tribunal Federal.

A Súmula nº 343 do STF prevê o seguinte: “Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais” (STF, Sessão Plenária de 13.12.1963).

A posição fixada pela jurisprudência dominante da época precisa ser compreendida no seu contexto histórico. A função dos tribunais superiores, a hermenêutica jurídica, a teoria do Direito, a jurisdição constitucional possuíam um limite no seu horizonte de sentido que somente foi alargado nas décadas seguintes.

O enunciado sumular prevê, em síntese, que não há violação manifesta à norma jurídica quando houver divergência na sua interpretação pelos tribunais. Logo, a ação rescisória por violação a norma jurídica nesses casos será inviável. Embora bastante antiga, a Súmula nº 343 do STF reverbera como verdadeiro “mantra” contrário à ação rescisória que se funde em interpretações posteriores da norma jurídica.

Contudo, em dado momento histórico, especialmente após o advento da Constituição de 1988, a vedação da rescisória por violação de norma jurídica de interpretação controvertida passou a receber severas críticas nas hipóteses de respeito à Constituição. É dizer, um dado segmento da doutrina passou a defender que a violação de norma constitucional, ainda que houvesse discordância sobre o seu sentido na época do trânsito em julgado, justificaria o manejo de ação rescisória[19]. A jurisprudência do Supremo, como se perceberá na sequência, seguiu a tendência.

 

3 VIOLAÇÃO DE NORMA CONSTITUCIONAL SEGUNDO O SUPREMO

A jurisprudência do Supremo referente ao cabimento da rescisória por violação de norma constitucional passou por uma gradativa evolução, com idas, vindas, e intensos debates. Para melhor compreender o tema, é necessário identificar os principais pontos de inflexão, até que se possa avançar para a posição atual da Corte.

 

3.1 PRIMEIRO MOMENTO: NASCIMENTO DA SÚMULA Nº 343 DO STF

O primeiro momento envolve a elaboração da Súmula nº 343 do STF. Naquela época, o Supremo concentrava as competências que hoje estão divididas com o Superior Tribunal de Justiça e sequer existia a figura do recurso especial. Não se fazia diferença entre normas constitucionais e normas infraconstitucionais para fins de ação rescisória.

Elaborado em 1963, o enunciado tem origem, dentre outros, em voto do Ministro Victor Nunes Leal, segundo o qual, “para corrigir interpretação de lei, possivelmente errônea, não cabe ação rescisória[20]. Conforme já pontuado, o ambiente histórico não era favorável à valorização da Constituição e menos ainda da defesa da unidade do ordenamento jurídico. Daí por que, se a norma constitucional fosse de interpretação controvertida, não caberia posterior ação rescisória. Com alguma oscilação[21], o enunciado foi reiterado por anos[22].

Gradativamente, porém, passou a ganhar força o entendimento de que a violação da norma constitucional, mesmo se houvesse divergência sobre o seu sentido, permitiria o manejo da ação rescisória. Ou seja, seria cabível ação rescisória por violação de norma constitucional ainda que a matéria fosse controvertida na época da decisão rescindenda. No Supremo, a posição foi defendida pelo Ministro Gilmar Mendes, inicialmente vencido[23], mas logo após vencedor na consagração de uma nova etapa.

 

3.2 SEGUNDO MOMENTO: MITIGAÇÃO DA SÚMULA Nº 343 DO STF

O segundo momento tem início com voto vencedor do Ministro Gilmar Mendes. Em linhas gerais, Sua Excelência defendeu a prevalência da força normativa da Constituição. Para ele, a Súmula nº 343 deveria ser revista, notadamente para “processos que identificam matéria contraditória à época da discussão originária, questão constitucional, bem como jurisprudência supervenientemente fixada, em favor da tese do interessado“. Conforme Sua Excelência, a ação rescisória se traduz na “última via de correção para o sistema judicial” e permite a correção de decisões contrárias à interpretação constitucional definida pelo Supremo. No seu entendimento, em síntese: (a) o sistema jurídico prevê soluções diferentes para controvérsia na interpretação da lei e controvérsia na interpretação da norma constitucional; (b) a violação da norma constitucional é mais grave do que a violação da norma infraconstitucional; (c) a manutenção de decisão fundada em interpretação equivocada da norma constitucional é fator de maior instabilidade do que a rescisão dessa decisão, o que vulneraria o princípio da isonomia; (d) o sentido dado à norma constitucional pelo Supremo concretiza diretamente a Constituição e esta, por sua vez, é pressuposto da autoridade de qualquer ato legislativo, administrativo ou judicial; (e) a manutenção de soluções divergentes causa uma fragilização da força normativa da Constituição.

É inadmissível – prossegue o Ministro Gilmar Mendes – que o Supremo tolere uma diminuição na eficácia de suas decisões. Com isso – afirma ele -, “se somente por meio do controle difuso de constitucionalidade, portanto, anos após as questões terem sido decididas pelos Tribunais ordinários, é que o Supremo Tribunal Federal veio a apreciá-las, é a ação rescisória, com fundamento em violação de literal disposição de lei, instrumento adequado para a superação de decisão divergente” (p. 17). Do contrário, segundo ele, seriam fortalecidas as decisões das instâncias ordinárias em detrimento das decisões do Supremo Tribunal Federal, o que é intolerável.

A posição do Ministro Gilmar Mendes foi acompanhada pelos demais, vencido apenas o Ministro Marco Aurélio. A ementa do caso, a seguir transcrita, repercute até hoje com se fosse a “posição atual” da Corte:

Embargos de declaração em recurso extraordinário. 2. Julgamento remetido ao Plenário pela Segunda Turma. Conhecimento. 3. É possível ao Plenário apreciar embargos de declaração opostos contra acórdão prolatado por órgão fracionário, quando o processo foi remetido pela Turma originalmente competente. Maioria. 4. Ação rescisória. Matéria constitucional. Inaplicabilidade da Súmula nº 343/STF. 5. A manutenção de decisões das instâncias ordinárias divergentes da interpretação adotada pelo STF revela-se afrontosa à força normativa da Constituição e ao princípio da máxima efetividade da norma constitucional. 6. Cabe ação rescisória por ofensa à literal disposição constitucional, ainda que a decisão rescindenda tenha se baseado em interpretação controvertida, ou seja, anterior à orientação fixada pelo Supremo Tribunal Federal. 7. Embargos de declaração rejeitados, mantida a conclusão da Segunda Turma para que o Tribunal a quo aprecie a ação rescisória. (STF, RE 328812-ED, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, J. 06.03.2008)

Após essa decisão, diversas outras foram no mesmo sentido, confirmando que, no entender da Corte, a máxima efetividade da norma constitucional deveria prevalecer sobre a garantia da coisa julgada[24].

Em tantas outras oportunidades, por questões formais, a matéria não era apreciada no mérito. O principal motivo é que a jurisprudência invariável do Supremo se firmou no sentido de que a análise das hipóteses de cabimento da ação rescisória tem caráter infraconstitucional e, portanto, não justifica a admissão de recurso extraordinário[25]. Não cabe recurso extraordinário para rediscutir a admissibilidade de ação rescisória. Mesmo assim, dadas às regras de competência da rescisória e a magnitude de alguns casos, o assunto retornou ao Plenário.

 

3.3 TERCEIRO MOMENTO: REAFIRMAÇÃO DA SÚMULA Nº 343 DO STF

O terceiro momento começa em recurso extraordinário relatado pelo Ministro Marco Aurélio, no ano de 2014, logo após o Supremo promover uma virada de jurisprudência em matéria tributária que dizia respeito à creditamento do IPI (RE 353.657).

O Ministro Marco Aurélio, em resumo, reafirmou o seu entendimento de que a interpretação constitucional não afasta, por si só, a incidência da Súmula nº 343 do STF. Para Sua Excelência: (a) a rescisória se presta apenas para situações excepcionalíssima, já que deve prevalecer a garantia da coisa julgada enquanto cláusula pétrea; (b) é preciso prestigiar a coisa julgada se, “quando formada, o teor da solução do litígio dividia a interpretação dos Tribunais pátrios ou, com maior razão, se contava com óptica do próprio Supremo favorável à tese adotada” (p. 10); (c) tanto o preceito constitucional como o infraconstitucional são iguais no ponto em que comportam a distinção ontológica entre texto e norma jurídica; (d) a rescisória não é instrumento de conformação dos pronunciamentos dos tribunais ao que vier a ser decidido após o trânsito em julgado pelo Supremo Tribunal Federal, isto é, a rescisória não é ferramenta de uniformização de jurisprudência. Desse modo, quando a resposta do caso, à época do trânsito em julgado, “dividia a interpretação dos tribunais“, não será viável posterior ação rescisória por violação de norma jurídica. Valoriza-se a autoridade da coisa julgada. O Ministro Celso de Mello, acompanhando o relator, trouxe ainda diversos argumentos em defesa da prevalência da coisa julgada.

Neste caso, o Ministro Teori Zavascki apresentou voto divergente. Segundo Sua Excelência, dentre outros argumentos, a teoria da “tolerância da interpretação razoável”, para o Supremo, não abrange a ofensa de preceito constitucional, dada a gravidade da violação à Constituição. Defendeu também negar a ação rescisória fundada em interpretação dada pelo Supremo em recurso extraordinário é o mesmo que atribuir, àquele recurso, efeito prospectivo automático (ex nunc), desconsiderando o seu efeito natural (ex tunc) ou porventura modulado. Quanto a esse último argumento, o Ministro Teori pareceu reconhecer que o recurso extraordinário teria efeitos erga omnes, já que um terceiro alheio à relação processual é atingido pelos efeitos da decisão do Supremo, ainda que não haja qualquer manifestação do Senado, como prevê a Constituição. O Ministro Gilmar Mendes acompanhou a divergência.

O Ministro Marco Aurélio, após os debates trazidos com a divergência, manteve o voto e reforçou: “Se durante praticamente dois anos vigorou essa orientação daquele que é guarda da Lei Maior, é possível dizer-se que os pronunciamentos formalizados pelos demais tribunais, pelos Tribunais Regionais Federais, contrariaram frontalmente a Constituição Federal?” (p. 58). Como se percebe, o relator deixa claro que a divergência interpretativa nos tribunais – seja qual for o tribunal – existente na época da decisão combatida torna inviável a ação rescisória, mesmo que se alegue violação a normas constitucionais.

Com isso, prevaleceu o voto do Ministro Marco Aurélio. Na essência, ficou definido que não cabe ação rescisória quando há superveniente mudança de jurisprudência. Confira-se a ementa e a tese aprovadas relativas ao Tema 136 da Repercussão Geral:

Ação rescisória versus uniformização da jurisprudência. O Direito possui princípios, institutos, expressões e vocábulos com sentido próprio, não cabendo colar a sinonímia às expressões “ação rescisória” e “uniformização da jurisprudência“. Ação rescisória. Verbete nº 343 da súmula do Supremo. O Verbete nº 343 da súmula do Supremo deve de ser observado em situação jurídica na qual, inexistente controle concentrado de constitucionalidade, haja entendimentos diversos sobre o alcance da norma, mormente quando o Supremo tenha sinalizado, num primeiro passo, óptica coincidente com a revelada na decisão rescindenda. (RE 590809, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, J. 22.10.2014)

Tese: Não cabe ação rescisória quando o julgado estiver em harmonia com o entendimento firmado pelo Plenário do Supremo à época da formalização do acórdão rescindendo, ainda que ocorra posterior superação do precedente.

O apanhado histórico do julgamento permite concluir, com segurança, que a ementa e a tese da repercussão geral não traduzem as razões determinantes da posição vencedora. Frise-se: o que decidiu o Supremo foi que não cabe ação rescisória quando o julgado estiver em harmonia com a jurisprudência dos tribunais, especialmente a do Supremo, à época da formalização do acórdão rescindendo, ainda que ocorra posterior mudança de entendimento. A existência de divergência no STF é um plus e não uma redução dos limites da tese formada, tal como a redação final dá a entender. Com efeito, não houve qualquer limitação nos votos vitoriosos no sentido de que a controvérsia deveria ser no próprio Supremo. Muito pelo contrário, o Ministro Marco Aurélio expressamente defendeu que a divergência “nos tribunais” não permite a desconstituição em razão de fixação posterior de entendimento sobre a Constituição. Essa indevida limitação, que não consta nos votos, foi aprovada em lista de sessão administrativa, sem deliberação do Plenário Judicial[26].

Na sequência, de qualquer modo, é de se frisar que o momento jurisprudencial acaba por restabelecer a postura originária e impedir o cabimento de ação rescisória se existir divergência nos tribunais na época da decisão atacada, mesmo que ocorra posterior mudança ou pacificação de entendimento em sentido oposto. Após a fixação da tese no julgamento liderado pelo Ministro Marco Aurélio, inúmeras decisões passaram a seguir a posição firmada[27].

Na mesma época, porém, o Supremo veio a julgar outro tema relacionado com a autoridade da coisa julgada e a impossibilidade de execução de pronunciamento judicial “fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal“. Nessa oportunidade, não estava em jogo o papel da ação rescisória, mas sim a constitucionalidade da regra sobre a inexigibilidade da decisão baseada em lei inconstitucional ou baseada em interpretação incompatível com a Constituição (art. 741, parágrafo único, do CPC/1973 – regra parcialmente reproduzida nos arts. 525, § 12, e 535, § 5º, do CPC atual).

O Ministro Teori Zavascki, que foi relator, destacou que o efeito vinculante das decisões do Supremo acarreta a conformação superveniente dos atos administrativos ou judiciais inferiores; “não os pretéritos, ainda que formados com suporte em norma posteriormente declarada inconstitucional“. Há que se prestigiar, pois, a autoridade da coisa julgada e que somente pode ser confrontada por ação rescisória e quando cabível (“se for o caso”). A tese que prevaleceu foi justamente em prol da coisa julgada, no sentido de que somente seria possível a superação da coisa julgada via ação rescisória se viável. Acrescente-se que não houve discussão sobre os limites do cabimento da própria rescisória, já que não era objeto do recurso. Prevaleceu, porém, a validade das regras sobre a inexigibilidade da sentença inconstitucional[28].

Como o julgamento não ensejou qualquer rediscussão explícita sobre os limites da Súmula nº 343, as decisões posteriores seguiram o entendimento liderado pelo Ministro Marco Aurélio no caso do creditamento do IPI (inclusive por parte do Ministro Teori Zavascki), indicando ser incabível ação rescisória em face de norma constitucional de interpretação controvertida[29].

Após esse período, curiosamente, a jurisprudência da Suprema Corte voltou à dispersão, com indicativos de flexibilização das razões de decidir formadas no caso do creditamento do IPI (Tema 136).

 

3.4 QUARTO MOMENTO: NOVA MITIGAÇÃO DA SÚMULA Nº 343 DO STF

O quarto momento jurisprudencial começa quando o Ministro Teori Zavascki defende que o STF “não operou, propriamente, uma substancial modificação da sua jurisprudência sobre a não aplicação da Súmula nº 343 em ação rescisória fundada em ofensa à Constituição“, mas somente fixou que a superveniente modificação da sua própria jurisprudência “não autoriza, sob esse fundamento, o ajuizamento de ação rescisória para desfazer acórdão que aplicara a firme jurisprudência até então vigente no próprio STF[30]. Sobreleva que, nesse caso, o julgamento foi unânime, mas as razões do Ministro Teori Zavascki – vencido anteriormente no julgamento sobre o creditamento do IPI – não traduzem com precisão os limites do que ficara decidido no julgamento passado da repercussão geral. De fato, lá não havia exigência de que a jurisprudência controvertida fosse “no próprio STF” e menos ainda que houvesse “firme jurisprudência” existente para afastar a vedação à rescisória.

No seguimento, em outro julgamento, o Ministro Teori Zavascki trouxe novamente à baila o assunto da inexequibilidade de sentença baseada em decisão fundada em norma declarada inconstitucional, assunto que já havia sido discutido em outras oportunidades. Cabe lembrar que estava novamente em debate, agora em controle concentrado, a validade constitucional das regras que permitem a declaração de inexigibilidade da decisão judicial baseada em norma jurídica inconstitucional (art. 741, parágrafo único, do CPC/1973; arts, 525, § 12, e 535, § 5º, do CPC atual). O ministro explicou que os dispositivos ampliam o controle das decisões inconstitucionais, pois “tanto a procedência da ação rescisória como a procedência dos embargos à execução ou do incidente de impugnação inibem a prática dos atos executivos da sentença atacada e impõem a extinção do processo de execução“.

A garantia constitucional da coisa julgada – prossegue o ministro – tem sua conformação delineada pela legislação infraconstitucional e, por isso, “cede passo a postulados, princípios ou bens de mesma hierarquia“, conforme o que vier a ser detalhado pela legislação. Daí a constitucionalidade das regras que permitem a desconstituição da decisão transitada em julgado. Obviamente, como ocorre com qualquer norma que concretize a Constituição, fica ela sujeita à crítica do Supremo para que se possa verificar “a legitimidade da solução oferecida pelo legislador” e que supõe a “observância de critérios de razoabilidade e de proporcionalidade, a fim de não comprometer mais do que o estritamente necessário qualquer dos valores ou princípios constitucionais colidentes”.

Segundo ele, alguns defendem “que a inexigibilidade do título executivo judicial seria invocável apenas nas restritas hipóteses em que houver precedente do STF em controle concentrado de constitucionalidade, declarando a inconstitucionalidade do preceito normativo aplicado pela sentença exequenda” (na doutrina, é a posição de Araken de Assis), enquanto outros aceitam que mesmo a declaração em controle difuso justifica a inexigibilidade do pronunciamento atacado. Ele reconhece, por seu turno, que o debate envolve o problema maior que diz respeito aos efeitos das decisões no controle de constitucionalidade.

O Ministro Teori Zavascki ressaltou que as regras sobre a inexigibilidade do título agregam ao sistema processual um instrumento com eficácia rescisória de “certas sentenças eivadas de especiais e qualificados vícios de inconstitucionalidade“. Cuida-se de mais uma ferramenta de combate à “sentença inconstitucional“. Sua Excelência, então, exemplifica algumas hipóteses de “sentença inconstitucional“: (a) quando aplica norma inconstitucional ou “com um sentido ou a um situação tidos por inconstitucionais“; (b) quando deixa de aplicar norma declarada constitucional; (c) quando aplica norma constitucional considerada não autoaplicável; (d) quando aplica norma constitucional com interpretação equivocada; (e) quando deixa de aplicar norma constitucional autoaplicável. Em suma, de acordo com o Ministro, “em qualquer caso de ofensa à supremacia da Constituição“, a sentença é inconstitucional e sujeita a instrumentos de controle. As hipóteses de ineficácia da sentença, por sua vez, traduzem situações em que o controle se apresenta viável mesmo depois do trânsito em julgado, já no curso da fase executória. Não se trata, porém, de “relativização da coisa julgada” (fenômeno por meio do qual se nega a eficácia de decisão judicial transitada em julgado sem que exista uma expressa autorização legal para tanto).

Após abordar algumas características próprias da hermenêutica constitucional, o Ministro Teori Zavascki arremata que tanto a sentença exequenda que declara norma inconstitucional como a que deixa de aplicar norma declarada constitucional pelo Supremo estará submetida à declaração de inexigibilidade (art. 741, parágrafo, do CPC/1973; art. 525, § 1º, III e §§ 12 e 14 e art. 535, III, § 5º, do CPC atual). Nas duas situações, segundo ele, a decisão contrária ao precedente da Corte Suprema estará sujeita tanto à rescisão, isto é, à desconstituição, como à declaração de inexigibilidade pela via da impugnação ou dos embargos, isto é, a perda da sua carga executória.

Aprofundando na diferença dos instrumentos de controle de constitucionalidade, já com base na nova codificação processual, o ministro prossegue: “A distinção restritiva, entre precedentes em controle incidental e em controle concentrado, não é compatível com a evidente intenção do legislador, já referida, de valorizar a autoridade dos precedentes emanados do órgão judiciário guardião da Constituição, que não pode ser hierarquizada simplesmente em função do procedimento em que a decisão foi tomada” (p. 32). Com isso, é preciso compreender que a força das decisões do Supremo é a mesma no controle concentrado e no controle difuso de constitucionalidade, ganhando relevo a tendência de considerar com eficácia erga omnes inclusive as decisões proferidas em recurso extraordinário (p. 33). O novo Código de Processo Civil teria influenciado de forma determinante esse novo perfil do recurso extraordinário.

O Ministro Teori Zavascki conclui, uma vez mais, que regras que admitem a inexigibilidade da sentença inconstitucional estão em sintonia com o texto constitucional. Em tais situações, exige-se que (a) a sentença exequenda esteja fundada em norma reconhecidamente inconstitucional – seja por aplicar norma inconstitucional, seja por aplicar norma em situação ou com um sentido inconstitucionais; ou (b) a sentença exequenda tenha deixado de aplicar norma reconhecidamente constitucional; e (c) desde que, em qualquer dos casos, o reconhecimento dessa constitucionalidade ou a inconstitucionalidade tenha decorrido de julgamento do STF realizado em data anterior ao trânsito em julgado da sentença exequenda.[31]

Quanto ao último ponto, o ministro ressaltou, no curso do julgamento, que, se a decisão do Supremo é posterior ao trânsito em julgado da sentença exequenda, não caberá alegar a sua inexigibilidade, mas será cabível ação rescisória, já que a lei processual expressamente passou a admitir essa hipótese.

Novamente, não houve discussão sobre os limites de cabimento da própria ação rescisória. Não houve debate em torno da Súmula nº 343 ou do seu afastamento em matéria constitucional, embora se tenha reconhecido que é cabível, em tese, a ação desconstitutiva fundada em interpretação constitucional surgida depois do trânsito em julgado da decisão que se pretenda desconstituir. Aliás, nem poderia ser diferente, já que o cabimento “em tese” está atualmente amparado no Código de Processo Civil em previsão legal não abordada no julgamento (art. 525, § 15, do CPC) e também em regra de transição (REF).

Após o julgamento, entretanto, as contradições ante a ausência de uma apreciação clara e objetiva acerca da subsistência da Súmula nº 343 ficaram mais agudas. Podem ser identificados casos posteriores com evidentes rupturas à tese da repercussão geral (Tema 136). A seguir, alguns exemplos dessa verdadeira dispersão decisória:

(a) Se reconheceu que não cabe ação rescisória quando a decisão que se pretende rescindir não diverge da orientação jurisprudencial estabelecida no Supremo Tribunal à época da prolação do decisum rescindendo e ainda prevalente. O Ministro Gilmar Mendes, contudo, volta a defender seu antigo voto sobre a não incidência da Súmula nº 343 em matéria constitucional.[32]

(b) Mantiveram-se decisões no sentido de que não cabe ação rescisória quando o acórdão rescindendo, à época de sua prolação, não estava em confronto com a jurisprudência da Corte[33], o que vem reforçado em casos recentes.[34]

(c) Foi reafirmado que não cabe ação rescisória “aos casos em que se cogite interpretação controvertida de questão constitucional nos tribunais[35]. Nesses casos, não se fez distinção entre a controvérsia ser ou não no próprio STF.

(d) Consignou-se que não cabe ação rescisória quando a matéria era controvertida no STF na época do julgamento da decisão rescindenda.[36][37][38]

(e) Ao reverso, reconheceu-se que, como a matéria ainda não era pacífica no Supremo e, portanto, haveria divergência jurisprudencial, não seria cabível ação rescisória.[39] Decisão mais recente sobre créditos de ICMS foi nesse mesmo sentido.[40][41]

(f) No exato oposto, sem qualquer distinguishing, a 2ª Turma, pelo Ministro Edson Fachin, assentou que “não é aplicável a Súmula nº 343 do STF, quando o acórdão do juízo de origem reconheceu a controvérsia tratada no acórdão rescindendo como inédita, logo não haveria alteração jurisprudencial ou mesmo divergência jurisprudencial acerca de aplicação da norma[42]. Inédita, na realidade, é a distinção proposta pelo relator e que jamais foi levantada nos precedentes que deram origem à incidência da Súmula nº 343 em matéria constitucional.

(g) Uma vez mais se traz ementa que não espelha o julgamento. Em caso concreto, a 1ª Turma reconheceu que não cabia ação rescisória, pois a decisão atacada estaria no mesmo sentido da jurisprudência da época e ainda existente sobre dada matéria (o que obviamente afasta a Súmula nº 343 pelo simples fato de inexistir controvérsia), mas fez lançar na ementa que o “Supremo Tribunal Federal (STF) firmou o entendimento de que a Súmula nº 343/STF deve ser afastada no caso de decisões das instâncias ordinárias divergentes da interpretação adotada por ele, STF. Veja-se o RE 382.812-ED, Rel. Min. Gilmar Mendes[43]. Essa situação revela que se aplicou, ou reiterou, apenas na ementa, o entendimento do Ministro Teori Zavascki pela ampliação da rescisória, desconsiderando o recurso extraordinário com repercussão geral acerca do creditamento do IPI e no qual foi vencedor o Ministro Marco Aurélio. O caso julgado, contudo, revelava ausência de controvérsia nos tribunais.

(h) O Ministro Gilmar Mendes, que voltou a defender sua posição antiga, emplacou na 2ª Turma caso concreto que manteve a procedência de ação rescisória que desconstituiu sentença com base em virada de jurisprudência, sob alegação de inaplicabilidade da Súmula nº 343[44]. Posteriormente, a 2ª Turma apontou que caberia ação rescisória por inexistência de divergência no STF[45]. Cabe lembrar que, nos julgamentos com repercussão geral já estudado anteriormente, não se exigiu que existisse divergência no Supremo para afastar a rescisória por violação de norma constitucional.

(i) Mais recentemente, foi reafirmado pelo Plenário, em agravo regimental, que a rescisória “não se presta para desconstituir julgados, se à época da decisão a matéria era flagrantemente controvertida, ainda que a jurisprudência, em momento posterior, venha se firmar a favor da parte autora[46]. Na mesma linha: “Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais[47].

(h) Por fim, se a matéria era pacífica do STF, sem qualquer mudança posterior, é evidentemente cabível a ação rescisória, caso em que sequer se aplica a Súmula nº 343. Contudo, mesmo nestes casos em que se afigura viável a ação rescisória, não cabe devolução de valores recebidos de boa-fé por decisão judicial posteriormente desconstituída.[48]

Com tantas decisões contraditórias, embora haja precedente qualificado que já deveria ter sepultado a controvérsia (Tema 136 da repercussão geral – caso do creditamento do IPI), é preciso refletir em torno da posição atual do Supremo Tribunal Federal. Com o repertório de jurisprudência acima e decisões ainda mais atuais, torna-se possível identificar, no mínimo, três correntes de pensamento e que serão mais bem explicadas na sequência.

 

3.5 MOMENTO ATUAL: NÃO CABE AÇÃO RESCISÓRIA DE MATÉRIA CONTROVERTIDA NO SUPREMO

A falta de um consenso sólido no Supremo Tribunal Federal, com uma crescente flexibilização de posições anteriores mas em algum sentido convergentes, exige exame mais detido, especialmente com propósito didático, das vertentes que podem ser identificadas. Dentre elas, cumpre ainda perquirir se há alguma prevalente.

A primeira posição, vista em julgados da 2ª Turma, admite ação rescisória em face de decisão que contraste com a jurisprudência atual do Supremo, seja qual for a postura dos tribunais ou do próprio STF por ocasião do trânsito em julgado da decisão atacada. Em resumo, não se aplica a Súmula nº 343 quando há violação de norma constitucional pela decisão atacada e deve prevalecer o sentido dado à norma pelo Supremo, mesmo que posterior ao trânsito em julgado da decisão. Essa primeira corrente, como visto extensamente, desconsidera o que foi fixado em regime de repercussão geral pelo próprio Supremo e traduz entendimento superado pelo Plenário.

A segunda posição, presente em julgados do Plenário, não admite ação rescisória em face de decisão contrária à jurisprudência atual do Supremo, se a matéria era controvertida no próprio STF na época do trânsito em julgado. Essa corrente pode ser compreendida como uma nova leitura da Súmula nº 343: não é cabível ação rescisória por ofensa de norma constitucional quando a decisão rescindenda estiver fundada em norma de interpretação controvertida no Supremo. Nesse cenário, muitas situações passam a admitir ação rescisória. Como exemplo, se: a) não havia uma posição do STF na data do trânsito em julgado; ou b) a despeito da controvérsia nos tribunais, o Supremo firma a sua posição sobre a matéria após o trânsito em julgado da decisão atacada, então será cabível rescisória.

A terceira posição, também do Plenário, não admite ação rescisória em face de decisão contrária à jurisprudência atual do Supremo se a matéria era controvertida nos tribunais na época do trânsito em julgado. Essa corrente reflete exatamente o que já havia sido decidido em recurso extraordinário com repercussão geral e traduz uma leitura ampliativa da Súmula nº 343 do STF: não cabe rescisória por ofensa a norma constitucional quando a decisão rescindenda é fundada em norma de interpretação controvertida nos tribunais (seja qual for o tribunal). Se há controvérsia nos tribunais sobre a norma constitucional, a autoridade da coisa julgada terá prevalência, prestigiando-se a segurança jurídica.

Diante desse cenário de incerteza jurisprudencial, cumpre identificar a posição prevalente. E uma análise detida dos casos mais recentes permite concluir que a segunda posição já é majoritária. Trata-se de entendimento amparado não apenas no repertório jurisprudencial, mas também nas regras vigentes em torno da inexigibilidade da sentença inconstitucional e da função do recurso extraordinário.

Quanto à inexigibilidade da sentença inconstitucional, anote-se que o Código de Processo Civil estipula que a decisão pode ser impugnada na fase de execução e, se o pronunciamento judicial atacado for “fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal, em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso“, o título judicial deve ser reputado inexigível (art. 525, § 12, do CPC). E se a inconstitucionalidade for reconhecida, pelo Supremo, após o trânsito em julgado da decisão atacada, é cabível ação rescisória por expressa autorização da lei (art. 525, § 15, do CPC). Diante da nova legislação, não importa se a decisão foi tomada em controle concentrado ou difuso de constitucionalidade. Além disso, para não deixar dúvidas de que essa é uma novidade legislativa no cabimento da rescisória, há regra específica de direito intertemporal indicando que a proposição se aplica apenas às decisões transitadas em julgado após a vigência do Código de Processo Civil (art. 1.057 do CPC).

Quanto ao recurso extraordinário, se havia debate sobre o seu papel no sistema de controle de constitucionalidade, o Código de Processo Civil reforça o papel central do Supremo para conferir unidade ao ordenamento jurídico. Essa a razão que torna possível a suspensão nacional dos feitos enquanto a matéria é examinada pela Corte (art. 1.037 do CPC) e a compulsoriedade na observância das teses fixadas em recurso extraordinário (art. 927 do CPC), inclusive via juízo de retratação (art. 1.040 do CPC).

Além das indicações legais, há uma valorização da jurisdição constitucional e da unidade do direito no tratamento de casos idênticos, típicos institutos de um sistema de precedentes em construção. De outro giro, o assim chamado “efeito expansivo” do recurso extraordinário acaba por projetar a interpretação constitucional nele fixada (eficácia declaratória da jurisdição constitucional) inclusive para casos anteriores já transitados em julgado e que tenham deixado de observar a diretriz do Supremo. Para os adeptos dessa eficácia, rompe-se pontualmente a garantia da coisa julgada em prol da norma constitucional violada pela decisão que se pretende desconstituir. Ao reverso, se existir divergência na jurisprudência do próprio Supremo, deve prevalecer a autoridade da coisa julgada.

Em casos mais recentes, o Supremo caminhou nessa linha de entendimento e dois julgamentos que, pela importância, exigem referência.

O primeiro julgamento envolveu embargos de declaração no recurso extraordinário que julgou a incorporação de quintos por servidores públicos federais. No caso originário, o STF reputara inconstitucional, por ofensa ao princípio da legalidade, a decisão que concede a incorporação de quintos pelo exercício de função comissionada no período de 08.04.1998 até 04.09.2001 (período compreendido entre a edição da Lei nº 9.624/1998 e a MP 2.225-48/2001). Ocorre que essa incorporação havia sido admitida em por diversas decisões judiciais, muitas já transitadas em julgado. O objeto dos embargos de declaração, pois, envolveu a modulação de efeitos do pronunciamento do STF de modo a resguardar a segurança jurídica dos servidores federais. Prevaleceu, no ponto sob enfoque, que não seria possível a cessão imediata de pagamentos já incorporados por força de decisão judicial transitada em julgado. Nessa situações, contudo, foi “ressalvado, em tese, o cabimento de ação rescisória para rediscutir o tema“, já que o ordenamento jurídico reconhece “mecanismos aptos a rescindir o título executivo, ou ao menos torná-lo inexigível, quando a sentença exequenda fundamentar-se em interpretação considerada inconstitucional pelo STF, seja em momento anterior ou posterior ao seu trânsito em julgado[49].

O segundo julgamento relevante envolveu os embargos de declaração no recurso extraordinário que julgou ausente de previsão legal o instituto da desaposentação. No caso originário, o Supremo julgara constitucional a norma que não contempla a aposentadoria como benefícios passível de concessão aos já aposentados (art. 18, § 2º, da Lei nº 8.213/1991), o que torna vedada ou sem amparo legal a concessão de aposentadoria para quem já está aposentado (“desaposentação“). Sobre o tema de fundo, cumpre recordar que o Superior Tribunal de Justiça admitia essa prática, dando origem a incontáveis pedidos julgados procedentes e transitados em julgado. Diante da solução dada pelo Supremo, seria possível, em tese, o ajuizamento de ação rescisória por afronta à Constituição ou, melhor, ao sentido da norma constitucional segundo a orientação do STF, contra aqueles sujeitos que tivesse obtido judicialmente o direito à desaposentação por decisão transitada em julgado.

Nos embargos de declaração, entretanto, a Corte promoveu a modulação de efeitos do julgamento originário “de forma a preservar a desaposentação aos segurados que tiveram o direito reconhecido por decisão judicial transitada em julgado até a data deste julgamento“. Ao reconhecer a necessidade de modulação dos efeitos, para proteger aqueles já beneficiados por decisão transitada em julgado e, por conseguinte, proibir o manejo da ação rescisória, o Supremo acabou por reconhecer que os efeitos naturais do julgamento teriam sido aptos a permitir a desconstituição de sentenças contrárias ainda que transitadas em julgado. Ou seja, se não tivesse ocorrido a modulação de efeitos, seria viável a ação rescisória com base no entendimento recém-formado pelo Supremo; porém, como houve modulação, há que se preservar a autoridade da coisa julgada em favor de quem conquistou judicialmente o direito à desaposentação[50].

Com esses dois exemplos, a posição do Supremo vai mais bem definida: não é cabível ação rescisória quando a decisão rescindenda está fundada em norma cuja interpretação era controvertida no Supremo. Por outro lado, se havia controvérsia nos demais tribunais, mas inexistisse posição do STF à época, a interpretação constitucional superveniente projeta os seus efeitos sobre decisão transitada em julgado, colocando essa última em xeque: será possível a desconstituição por ação rescisória se presentes os demais pressupostos da ação desconstitutiva. Obviamente, a hipótese de cabimento abordada envolve apenas a “manifesta violação de norma jurídica” presente na decisão atacada (art. 966, V, do CPC). Além disso, como os casos mais recentes revelam, torna-se possível a utilização da técnica da modulação de efeitos para preservar as relações jurídicas fundadas em pronunciamentos judiciais contrários ao entendimento que vier a ser firmado pelo Supremo. A modulação de efeito pode, portanto, impedir o cabimento da ação rescisória em que se venha a alegar violação de norma constitucional fruto de interpretação superveniente.

É possível concluir que, segundo o Supremo: (a) há violação “manifesta” quando a decisão é contrária à jurisprudência pacífica do Supremo sobre a norma constitucional na época do trânsito em julgado; (b) também há violação “manifesta” quando a decisão é contrária à jurisprudência superveniente do Supremo sobre a norma constitucional, desde que a matéria não fosse controvertida no próprio Supremo na época do trânsito em julgado da decisão que se pretende desconstituir. No que diz respeito à violação de normas infraconstitucionais, não é cabível ação rescisória quando a matéria era controvertida na data do trânsito em julgado, hipótese em que não há violação “manifesta” de norma jurídica.

Por fim, a presença de “matéria controvertida no Supremo” na época do trânsito em julgado deve ser apreciada caso a caso, integrando o juízo cognitivo de cada demanda trazida a novo julgamento pela ação rescisória. Houve, portanto, uma flexibilização no entendimento presente na Súmula nº 343, bem como uma virada no entendimento acerca do papel da ação rescisória e que ficara estipulado em recurso extraordinário com repercussão geral (Tema 136).

 

CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS

A ação rescisória baseada em violação de norma jurídica enseja acirrada polêmica doutrinária e jurisprudencial desde longa data. O debate também atingiu efetivamente a prática decisória junto ao Supremo Tribunal Federal. A Corte, malgrado tenha a função de conferir unidade à interpretação constitucional, contribuiu significativamente para a presença de soluções contraditórias.

O alvorecer de uma resposta firme, qualificada, a ser cumprida e respeitada pelos integrantes de todos os tribunais brasileiros, ainda não despontou no horizonte. Na penumbra, contudo, algumas conclusões da instável jurisprudência majoritária podem ser lançadas:

(a) Embora tenha alicerce na Constituição, os contornos da coisa julgada são detalhados pelas normas infraconstitucionais e que podem prever hipóteses de desconstituição da decisão em razão de graves vícios (rescindibilidade).

(b) A decisão de mérito transitada em julgado pode ser rescindida se violar manifestamente norma jurídica (art. 966, V, do CPC), revelando peculiar sobreposição nos instrumentos de controle relacionados à conformação da decisão às normas jurídicas.

(c) O difícil equilíbrio entre a segurança jurídica trazida pela autoridade da coisa julgada e a efetividade do preceito normativo desrespeitado se dá com a qualificação do vício que justifica a ação rescisória (“violar manifestamente“).

(d) A jurisprudência do Supremo referente ao cabimento da rescisória por violação de norma constitucional passou por uma gradativa evolução e segue instável.

(e) No primeiro momento, o STF definiu que não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais (Súmula nº 343 do STF).

(f) No segundo momento, a Corte mudou em parte de entendimento, passando a indicar que a interpretação constitucional posterior prevalece sobre a coisa julgada. Assim, caberia ação rescisória por ofensa à literal disposição constitucional, ainda que a decisão rescindenda tivesse se baseado em interpretação controvertida ou fosse anterior à orientação fixada pelo Supremo Tribunal Federal (RE 328812-ED).

(g) No terceiro momento, em nova virada, o STF reafirmou que a coisa julgada prevalece sobre a interpretação constitucional posterior, sendo incabível ação rescisória por violação manifesta de norma constitucional cujo sentido e extensão foi fixada após o trânsito em julgado da decisão atacada. Em síntese, a divergência nos tribunais, especialmente no Supremo, não permite a desconstituição em razão de fixação posterior de interpretação sobre a Constituição. A ação rescisória não é ferramenta de uniformização de jurisprudência (RE 590809-RG – Tema 136).

(h) No quarto momento, com mudanças legislativas relevantes e desencontros sobre a extensão de seus próprios julgamentos, o Supremo gradativamente revê o papel da ação rescisória.

(i) No momento atual, em mais uma virada, o STF faz uma releitura da sua jurisprudência: não é cabível ação rescisória por ofensa de norma constitucional quando a decisão rescindenda estiver fundada em norma de interpretação controvertida apenas no Supremo. Com isso: (a) há violação “manifesta” quando a decisão é contrária à jurisprudência pacífica do Supremo sobre a norma constitucional na época do trânsito em julgado; (b) também há violação “manifesta” quando a decisão é contrária à jurisprudência superveniente do Supremo sobre a norma constitucional, desde que a matéria não fosse controvertida no próprio Supremo na época do trânsito em julgado da decisão atacada. E se houver alegação de violação de normas infraconstitucionais, não é cabível ação rescisória quando a matéria era controvertida na data do trânsito em julgado, já que ausente a “manifesta” violação da norma jurídica de norma jurídica.

A solução ofertada pelo Supremo é consistente com o sistema legal vigente, que valoriza a resposta unitária dada em recurso extraordinário com repercussão geral, bem como fraqueia às partes até mesmo a alegação de inexigibilidade de título fundado em norma ou interpretação inconstitucional.

Por outro lado, à luz das concepções tradicionais em torno da coisa julgada, essa sistemática vulnera perigosamente o direito fundamental à segurança jurídica, bem como traz grande instabilidade às relações jurídicas já apreciadas por decisão transitada em julgado. Ora, uma das funções essenciais da coisa julgada é imunizar a resposta judicial de alterações supervenientes em torno dos elementos jurídicos controvertidos.

A prevalecer o entendimento do Supremo, na prática, o patrimônio jurídico conquistado por decisão transitada em julgado ficará sob constante ameaça. A “certeza definitiva” sobre a causa apenas surgirá quando, no futuro, alguma decisão do próprio STF aborde as normas presentes na decisão anterior desde uma perspectiva constitucional. Trata-se, pois, de uma drástica redução na autoridade da coisa julgada e que é potencializada com outras regras processuais não tratadas neste momento (especialmente o prazo da rescisória por violação de norma constitucional). A segurança jurídica, portanto, recebe dura uma pesada flexibilização em detrimento da efetividade da ordem jurídica.

 

REFERÊNCIAS

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[1] SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 136.

[2] SILVA, José Afonso da. Op. cit., p. 137.

[3] ASSIS, Araken de. Processo civil brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 1, 2015. p. 515.

[4] CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual. São Paulo: Saraiva, v. I, 1965. p. 370.

[5] ASSIS, Araken de. Op. cit., p. 516.

[6] LIEBMAN, Enrico Tullio. Eficácia e autoridade da sentença e outros escritos sobre a coisa julgada. Rio de Janeiro: Forense, 1945. p. 50.

[7] PORTO, Sérgio. Ação rescisória atípica: instrumento de defesa da ordem jurídica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 51.

[8] “O instituto da coisa julgada pertence ao direito público e mais precisamente ao direito constitucional.” (LIEBMAN, Enrico Tullio. Op. cit., p. 51)

[9] CÂMARA, Alexandre Freitas. Ação rescisória. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 35. A expressão “injustiça”, contudo, não se confunde aqui com o chamado error in iudicando, pois, diferente de outros ordenamentos jurídicos, o sistema brasileiro admite excepcionalmente a ação rescisória para desafiar decisão transitada em julgado com base em fato superveniente que revele a contrariedade da decisão à ordem jurídica (MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. V, 2005. p. 120). O vício que justifica a ação rescisória pode decorrer tanto de um error in procedendo como de um error in iudicando, mas a hipótese de cabimento sempre deverá estar prevista em lei.

[10]A respeito dos critérios para uma fundamentação idônea, vide: SANTANNA, Gustavo; SCALABRIN, Felipe. A legitimação pela fundamentação: anotação ao art. 489, § 1º e § 2º, do novo Código de Processo Civil. Revista de Processo, v. 255, p. 17-140, maio 2016.

[11]CHIOVENDA, Giuseppe. Op. cit., p. 40.

[12] BAPTISTA DA SILVA, Ovídio. Jurisdição, direito material e processo. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 110.

[13] BAPTISTA DA SILVA, Ovídio. Epistemologia das ciências culturais. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2009. p. 83.

[14] É preciso compreender o caráter criativo da jurisdição a partir da construção do resultado através do processo. A interpretação do texto legal efetuada pelo juiz, adaptando o texto ao fato, faz com que se construa a norma. A norma jurídica, portanto, é fruto da interpretação de um texto através da relação processual (STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas da possibilidade à necessidade de respostas corretas em Direito. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 504). Por essa razão, ao ser indicado o caráter criativo da jurisdição, não quer isto dizer que haja margem de liberdade para respostas contrárias ao ordenamento jurídico. Não há, pois, um “poder discricionário” para a solução da causa, mas sim a busca por um “resultado juridicamente legítimo” (CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2016. p. 33).

[15] CF/1988: “Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: […] III – julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida: a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência; b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal; c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal”.

[16] “Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: […] III – julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo desta Constituição; b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição; d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal.”

[17] ROSSONI, Igor Bimkowski. Recursos extraordinários e ação rescisória por ofensa à norma jurídica. São Paulo: JusPodivm, 2019. p. 26.

[18]Apenas para exemplificar, Pontes de Miranda explica que essa hipótese de rescisória deve ser compreendida como violação de “direito em tese”, isto é, a negação do sentido da regra tal como inserida no sistema jurídico (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado da ação rescisória das sentenças e de outras decisões. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1976. p. 297).

[19] Ver, com amplas referências: CRAMER, Ronaldo. Ação rescisória por violação da norma jurídica. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2012. p 225-230. No ano de 1995, o então Desembargador do Tribunal Regional Federal da 4ª Região Teori Zavascki publicava ensaio específico sobre o tema (Ação rescisória em matéria constitucional. Revista de Direito Renovar, n. 27, p. 153-174, 1995). Em 2015, o texto foi republicado (Revista Juris Plenum, Caixas do Sul, v. 11, n. 63, maio/jun. 2015). Da mesma época, pelo afastamento da súmula em matéria constitucional, ver: LENZ, Carlos Eduardo Thompson Flores. Ação rescisória em matéria constitucional. Súmula 343 do STF. Afastamento. Revista de Processo, 95:203-205; WAMBIER, Tereza Arruda Alvim. Sobre a Súmula 343. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, 22:55-64.

[20] STF, RE 50.046, 2ª T., Rel. Min. Victor Nunes, J. 05.04.1963.

[21] STF, RE 89108, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cunha Peixoto, J. 28.08.1980; STF, RE 101114, 1ª T., Rel. Min. Rafael Mayer, J. 12.12.1983.

[22] STF, RE 205565, Tribunal Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, Rel. p/o Ac. Min. Nelson Jobim, J. 13.05.1998. Nesse julgamento, aliás, o Ministro Maurício Corrêa propôs ao Plenário que fosse admitida rescisória por violação de norma constitucional cuja interpretação havia sido fixada após o trânsito em julgado da decisão atacada. O relator foi vencido na proposta. Vale citar trecho do voto do então Ministro Sepúlveda Pertence: “Mas não vejo como acompanhá-lo, com todas as vênias, ao menos neste recurso extraordinário, cujo fundamento é a violação pelo acórdão recorrido dos §§ 5º e 6º do art. 201 da Constituição, pertinentes à matéria de mérito da decisão rescindenda, sobre a qual nada disse o Tribunal Regional Federal, simplesmente porque apenas entendeu descabida a ação rescisória por aplicação da Súmula nº 343. Entender que, aí, uma jurisprudência, sequer formalizada em súmula pelo Supremo Tribunal – e da inaplicabilidade da Súmula nº 343 às divergências jurisprudenciais em matérias constitucionais – fosse bastante para forçar os outros tribunais a aplicá-la, seria ir além do que tenho pregado a título de efeito vinculante da súmula ou, segundo a fórmula vencedora no Senado Federal, da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, quando qualificada por uma declaração por quórum de dois terços, do seu caráter vinculante. Não chego a tanto”.

[23] STF, AI 460439-AgRg, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, Rel. p/o Ac. Min. Sepúlveda Pertence, J. 17.08.2006.

[24] STF, AI 555806-AgRg, 2ª T., Rel. Min. Eros Grau, J. 01.04.2008; RE 382960-AgRg, 2ª T., Rel. Min. Gilmar Mendes, J. 30.09.2008; RE 596686-AgRg, 2ª T., Rel. Min. Eros Grau, J. 20.04.2010; RE 564425-AgRg, 2ª T., Rel. Min. Joaquim Barbosa, J. 05.06.2012; RE 567765-AgRg, 1ª T., Relª Min. Rosa Weber, J. 16.04.2013; RE 646435-AgRg, 2ª T., Rel. Min. Celso de Mello, J. 09.04.2013.

[25]STF, AI 598496-AgRg, 2ª T., Rel. Min. Ayres Britto, J. 27.03.2012; AI 706550-AgRg, 2ª T., Rel. Min. Joaquim Barbosa, J. 29.05.2012; AI 835145-AgRg, 1ª T., Rel. Min. Dias Toffoli, J. 11.12.2012; RE 646435-AgRg, 2ª T., Rel. Min. Celso de Mello, J. 09.04.2013; ARE 788531-AgRg, 1ª T., Rel. Min. Roberto Barroso, J. 29.09.2015; ARE 1141270-AgRg, 1ª T., Rel. Min. Roberto Barroso, J. 05.10.2018.

[26] Ata da 12ª Sessão Administrativa do STF, realizada em 09.12.2015.

[27] STF, AR 1900-AgRg, 1ª T., Rel. Min. Luiz Fux, J. 24.03.2015; AR 2199, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/o Ac. Min. Gilmar Mendes, J. 23.04.2015; RE 589513-ED-EDv-AgRg, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, J. 07.05.2015; AR 2343-AgRg, 1ª T., Relª Min. Rosa Weber, J. 15.03.2016.

[28]STF, RE 730462, Tribunal Pleno, Rel. Min. Teori Zavascki, J. 28.05.2015.

[29] STF, AR 2435-AgRg, 1ª T., Rel. Min. Marco Aurélio, J. 25.08.2015; AR 2160-AgRg, Tribunal Pleno, Rel. Min. Teori Zavascki, J. 19.08.2015; AR 1417-AgRg, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, J. 25.11.2015; AR 2343-AgRg, 1ª T., Relª Min. Rosa Weber, J. 15.03.2016.

[30] STF, AR 2370-AgRg, Tribunal Pleno, Rel. Min. Teori Zavascki, J. 22.10.2015.

[31] STF, ADIn 2418, Tribunal Pleno, Rel. Min. Teori Zavascki, J. 04.05.2016.

[32] STF, AR 2572-AgRg, Tribunal Pleno, Rel. Min. Dias Toffoli, J. 24.02.2017. No mesmo sentido (apesar de flagrante equívoco na ementa aferível pelas razões de decidir): AR 1981-AgRg, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, J. 20.02.2018.

[33] STF, AI 860284AgRg-segundo, 2ª T., Rel. Min. Dias Toffoli, J. 12.05.2017.

[34] STF, AR 2433-AgRg, Tribunal Pleno, Rel. Min. Dias Toffoli, J. 04.10.2019.

[35] STF, AR 2457-AgRg, Tribunal Pleno, Rel. Min. Edson Fachin, J. 08.08.2017. Em igual sentido: STF, AR 2280-AgRg, Tribunal Pleno, Rel. Min. Dias Toffoli, J. 18.12.2017; AR 2422-AgRg, Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz Fux, J. 25.10.2018.

[36] “Direito administrativo e processual civil. Agravo regimental em ação rescisória. Súmula nº 343/STF. Matéria controvertida no STF à época do julgamento. Decisão agravada alinhada à jurisprudência desta corte. Recurso desprovido. 1. Os fundamentos apontados no recurso não são aptos a alterar as conclusões da decisão agravada, que está alinhada à jurisprudência desta Corte. 2. Agravo regimental a que se nega provimento” (AR 2421-AgRg, Tribunal Pleno, Rel. Min. Roberto Barroso, J. 13.06.2018). Cabe pontuar que, nesse caso, o quórum não estava completo e diversos ministros não votaram.

[37] STF, AR 2416-AgRg, 1ª T., Relª Min. Rosa Weber, J. 18.12.2018.

[38] STF, AR 2415-AgRg, Tribunal Pleno, Relª Min. Rosa Weber, J. 29.03.2019. E no mesmo sentido: AR 2494-AgRg, Tribunal Pleno, Relª Min. Rosa Weber, J. 24.04.2019. Ressalte-se que, nesses dois casos, o Ministro Gilmar Mendes foi vencido, por voltar a defender sua posição antiga.

[39] STF, AR 2341-AgRg, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, J. 18.05.2018.

[40] STF, AR 1956-AgRg, Tribunal Pleno, Relª Min. Rosa Weber, J. 11.10.2019.

[41] Exatamente nesse sentido: AR 1889-AgRg, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, J. 18.12.2019.

[42] RE 1048518-AgRg, 2ª T., Rel. Min. Edson Fachin, J. 31.08.2018.

[43] RE 529675-AgRg-segundo, 1ª T., Rel. Min. Roberto Barroso, J. 21.09.2018.

[44] STF, ARE 888134-AgRg, 2ª T., Rel. Min. Gilmar Mendes, J. 04.02.2019.

[45]STF, RE 1032704-ED-AgRg, 2ª T., Rel. Min. Gilmar Mendes, J. 30.08.2019.

[46] STF, RE 1194899-AgRg, 1ª T., Rel. Min. Luiz Fux, J. 07.06.2019.

[47] STF, AR 2495-AgRg, Tribunal Pleno, Rel. Min. Edson Fachin, J. 23.08.2019.

[48] STF, AR 1976-AgRg, Tribunal Pleno, Rel. Min. Roberto Barroso, J. 11.05.2020.

[49] STF, RE 638115-ED-ED, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, J. 18.12.2019.

[50] STF, RE 827833-ED, Tribunal Pleno, Rel. Min. Dias Toffoli, Rel. p/o Ac. Min. Alexandre de Moraes, J. 06.02.2020.