A AÇÃO DE RESTITUIÇÃO NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL E NA FALÊNCIA
Jorge Augusto Derviche Casagrande
1 INTRODUÇÃO
A ação de restituição, conhecida na prática forense como “restituição de bens” ou “restituição de mercadorias”, é uma ação especial prevista e regulada na lei falimentar, tanto na nova Lei da Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falência (Lei nº 11.101 de 2005 – LRE) como no antigo Decreto-Lei nº 7.661 de 1945, Lei da Concordata e Falência (LCF).
Do Decreto-Lei de 1945 à Lei 11.101/2005 a ação de restituição não sofreu grandes mudanças, na realidade, foi regulada ainda de forma mais condensada dentro da nova lei, permanecendo inalterado o direito positivo; a introdução dos valores e princípios de preservação da empresa, interesse social da empresa, dentre outros. Entretanto, em estudo jurisprudencial nesse trabalho verifica-se que ainda não mudou a visão dos juristas sobre esse instituto em específico, alterando somente a visão sobre o procedimento principal ajuizado (falência ou recuperação judicial) e dando algumas linhas gerais aos demais procedimentos anexos.
Como adiante será estudado a ação de restituição de bens tem, basicamente, três áreas principais de tutela, que serão estudadas: a) propriedade ou posse; b) operações de compra e venda a crédito; c) o crédito cambiário; e; d) inscrição de créditos advindos de ação revocatória.
Encontra-se timidamente regulada na Seção III da LRE em nove artigos, três incisos e oito parágrafos, que fazem remissão a dois dispositivos legais dentro do mesmo diploma e um da Lei do Mercado de Capitais (Lei nº 4728 de 1965 – LMC).
O presente trabalho pretende não só estudar esses dispositivos enquanto texto legal como analisar, de forma breve, o direito material e processual que dá, respectivamente, concretude e forma ao procedimento em tela.
Não se pretende abranger todos os tópicos e situações, concretas ou mesmo hipotéticas, possíveis relativas à ação de restituição e sim buscar a compreensão ampla do que é essa ação e como ela se encaixa dentro desse emaranhado, e muitas vezes complexo, plexo de normas falimentares e como ela se relaciona com o restante do ordenamento jurídico pátrio. Tudo em busca do incentivo ao debate e do aprofundamento na pesquisa científica.
Destarte se pretende uma análise jurisprudencial breve, um “case” para ao final, à partir do conhecimento obtido no tema, elaborar uma conclusão crítica.
Oportuno ainda esclarecer que o presente trabalho tenta, com simplicidade e brevidade, relacionar a mais atual doutrina sobre o direito da posse e da propriedade e novos tipos de contratos empresariais, mais comumente noticiados na doutrina, com a ação de restituição de bens, algo que até a elaboração do presente não se teve notícia na doutrina.
A inovação, a crítica e a simplicidade foram escopos no presente trabalho e, espera-se, estão satisfeitos e bem materializados nas páginas que adiante se veem. Isso porque se tem a forte crença de que a pesquisa como atividade científica não tem valor se não se guiar em busca da inovação, apesar de todos os riscos inerentes. Ainda, é sabido que toda a inovação só poderá partir de um juízo de valor. E ainda, jamais conhecimento algum ou crítica alguma será bem sucedida sem humildade por parte do pesquisador, o aristotélico, “saber que nada sabe”.
2 AÇÃO DE RESTITUIÇÃO
Adiante estão expostos os aspectos de direito material da ação de restituição, ou seja, os elementos ensejadores e legitimadores da propositura da demanda ora estudada em face da massa falida ou da empresa recuperanda.
2.1 ASPECTO DE DIREITO MATERIAL
Para o desenvolvimento do presente estudo entende-se por escorreita a posição doutrinária de Ovídio Baptista no que tange a natureza da ação – corrente doutrinária da “Teoria do Direito Abstrato de Ação” – como “no sentido processual, o exercício de um direito conferido ao cidadão de invocar a proteção jurisdicional do Estado, provocando, por meio de pedido formal, a respectiva atividade estatal, entendida como um dever do Estado decorrente do monopólio estatal da função jurisdicional.”[1] Ou seja, a ação corresponde ao “exercício do direito” de invocar a proteção dos Tribunais e não pode com tal se confundir.[2]
Portanto, na ação que é objeto de nosso estudo, nessa mesma linha, podemos entender como Ovídio Baptista, nos seguintes termos: “Denomina-se ‘pretensão de direito material’ a especial faculdade também de exigir, porém agora dirigida não mais contra o Estado e sim contra o destinatário do dever jurídico. Nem todo o direito é promovido de pretensão. O direito a termos, ainda antes de vencer o termo inicial, é direito íntegro e até, em certas hipóteses, tutelável judicialmente. Falta-lhe, porém, pretensão, pois seu titular não poderá exigir do devedor o cumprimento. (O Art. 123 do Código de Civil confirma isto, ao dispor que ‘o termo inicial suspende o exercício [pretensão], mas não a aquisição do direito’).”[3]
Ainda, bem aponta o ilustre doutrinador, referindo-se ainda a dispositivo no Código Civil Brasileiro de 1916: “Quando se diz (art. 75 do Código Civil) que a todo o direito corresponde uma ação, que o assegura, usa-se a palavra ‘direito’ no sentido de ‘pretensão de direito material’, porque há direitos, como se viu, a que não se reconhece ainda, ou não se reconhece mais, ação.”[4]
Ainda trata sobre a pretensão do autor frente ao Estado (e não contra o devedor), para que cumpra seu dever jurisdicional em “dar o que for de direito”: “Perante o juízo existe o direito de conseguir o ‘bem que nos é devido’ (se a sentença o reconhecer como existente), a ser realizado pela ‘ação de direito material’, que o Estado substituindo-se (Chiovenda) ao titular do direito, satisfaz; e existe o direito de ‘invocar a proteção jurisdicional’ que é um bem que nos é devido também, pelo Estado e não pelo obrigado.”[5]
O direito material do autor é composto pelo direito subjetivo da propriedade sobre a coisa a que se pretende a restituição, a pretensão de direito material, de ter novamente essa coisa em sua esfera de poderes, detendo novamente sua posse, isso legitimando a ação de direito material, que nada mais é do que a possibilidade de se exigir, sem a provocação do judiciário, esta coisa que se encontra na posse da falida ou da recuperanda.
Ou seja, ainda em fase administrativa, a da arrecadação, o autor, titular da pretensão material, proprietário da coisa, portanto legitimado a ações de direito material, pode interpelar extrajudicialmente, até mesmo oralmente, o administrador judicial para que este não proceda com a arrecadação de bem que seja de sua propriedade e que lá se encontre por algum motivo simples, entenda-se esse como sendo outro que não uma transação comercial com a falida. Agora, havendo transação comercial, ou de tipo em que se extraia de qualquer forma uma natureza intrinsecamente mercantil, o caso demandará apreciação por parte do juízo falimentar, até por conta do interesse público que cobre a matéria.
2.2 POSSE E PROPRIEDADE DOS BENS ARRECADADOS NA FALÊNCIA
2.2.1 Da Posse
Sobre o estudo do conceito jurídico, Francisco de Oliveira Cardozo, afirma: “A validade do conceito jurídico não pode ser inferida do próprio conceito, tomando de forma isolada e convertido em realidade supra-empírica, sob pena de reduzir-se a compreensão do direito a um positivismo estanque e, conseqüentemente, avesso ao que o ato de conhecimento pode conceber de inovador na ciência. A validade do conceito jurídico surge no processo de concretização, na relação entre os elementos do conceito e os valores da realidade fática que constituem o substrato conceitual.” [6]
Historicamente o conceito de posse a ser adotado e aqui estudado surgiu em Roma quando da República (de 510 a. C. À 27 a. C.), período clássico do Direito. Tempo em que regras de equidade passaram a ter importante relevância quando da operacionalização do direito e período no qual os jurisconsultos romanos passaram a reconhecer a posse como fato distinto à propriedade.[7]
A diferenciação conceitual entre posse e propriedade pelos romanos teve uma aproximação conceitual de ordem fática dada a concentração da propriedade no poder de poucos e essa, como meio de produção, trabalhada por muitos. Razão pela qual ocorreu uma evolução conceitual onde a posse passou a ser reconhecida e juridicamente tutelada tal como era a propriedade. Em níveis semelhantes.[8]
Ocorreu, portanto, uma distinção entre corpus e animus como elementos caracterizadores da posse:
Afirma-se que os romanos teriam distinguido corpus e animus como elementos característicos da posse. De acordo com José Carlos Moreira Alves, o animus que caracteriza a posse no direito romano clássico passou a ser considerado no direito justinianeu o animus domini, que é a intenção de ser proprietário. Mas a grande contribuição romana em matéria possessória situa-se no âmbito da tutela de fato da posse. A proteção possessória surgiu como a prática do ius honorarium consolidado pelo trabalho do pretor de utilizar dos interditos para assegurar a posse daqueles que, não sendo proprietário, ocupavam o ager publicus. À origem da proteção possessória, portanto, está inserida na esfera do direito público romano. Os interdicta retinendae possessionis causa e os interticta reciperandae possessionis cause protegiam a posse sem considerar qualquer relação com direito de propriedade. [9]
É fato que a relação do humano com os objetos à sua volta, ao longo dos anos, é mutável e tais fatores de mutabilidade devem-se a ordem social-econômica, que é sempre dinâmica.
É importante ressaltar, todavia, que o caráter fático da posse se mantém apesar da predominância ou declínio de modelos econômicos. A manutenção de fato da posse, porém, não autoriza admitir que se deve atribuir à posse o caráter abstrato do conceito, de modo a assegurar-lhe uniformidade capaz de permitir a transposição linear da noção de posse, concebida pelo direito romano, e reconhecida válida para a sociedade romana, para o direito moderno, sem considerar as alterações sócio-econômicas ao longo da história.[10]
Segundo crítica de Francisco Cardozo Oliveira, as teorias classicamente adotadas e aceitas pelo direito, a de Savigny e Jhering, falharam ao distinguir, em campo teórico jurídico, o fundamento da independência da posse em relação à propriedade.[11] Senão, vejamos:
Savigny conceituou a posse orientando-se basicamente pela noção de animus domini:
Para Savigny posse é a possibilidade de deter e dispor materialmente da coisa, com animus domini. O que caracteriza a posse, segundo Savigny, é o animus domini. O seu conceito de posse, portanto, tem caráter subjetivo porque repousa em última instância na vontade do possuidor de exercer o poder de fato sobre a coisa possuída. Permanece válida a teoria Savignyana, todavia, o pressuposto de diferenciação entre posse e propriedade porque, ainda que de forma limitada, permitiu que a posse pudesse ser reconhecida, antes de mais nada, como fato, através da valorização de elementos da realidade fática, em detrimento do formalismo dos conceitos e do positivismo legalista.[12]
Então, para Savigny, a vontade, elemento subjetivo, de se apropriar da coisa caracterizaria a posse da res. O que verifica então que teria identificado um direito de posse, ius possidendi, o que poderia garantir a autonomia do instituto (portanto desconexa da propriedade) e proporcionar causa para sua efetiva tutela pelo Estado.
Na tentativa de desqualificar o animus domini como elemento da posse, Rudolf von Jhering fez a crítica da teoria de Savigny, afirmando que a posse é a exterioridade, a visibilidade da propriedade. Jhering transitou do formalismo da jurisprudência dos conceitos para a postura crítica da Jurisprudência dos interesses. Na teoria objetiva da posse que propôs, entretanto, a posse deixa de ser reconhecida de fato e, praticamente, torna-se antecedente lógico do direito de propriedade. (…) É evidente o caráter normativo do conceito de posse de Jhering. A teoria objetiva da posse não retira o seu fundamento da validade diretamente de elementos da realidade fática. Conforme ressalta Antonio Hernandez Gil, embora Jhering faça a crítica do caráter individualista do sistema romano da propriedade, não é possível identificar na sua teoria o caráter fático, material e, portanto, social da posse. (…) De qualquer modo, tanto para Savigny quanto para Jhering, a posse está ligada ao direito de propriedade ainda que, em Savigny, seja mais nítida a independência entre um e outro.[13]
A princípio a autonomia entre posse e propriedade só se deu quando da identificação por Saleilles de um elemento econômico ligado a posse: o fato da posse preservaria o valor de uso sobre determinado bem enquanto a propriedade, para o direito, tem como preponderante o valor de troca regulado pelo mercado.[14] E a evolução da conceituação de posse evoluiu nesse sentido – ainda mais considerando as doutrinas de Marx e Weber, que em análise à sociedade capitalista se debruçaram no estudo da propriedade – a ponto de apontar tanto na posse quanto na propriedade um valor econômico distinto mais ligado a sua destinação final[15].
O Código Civil Brasileiro, define e limita a posse nos termos do seguinte dispositivo legal:
Art. 1196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.
Seguidamente, quando da definição de propriedade, conforme descrita pelo mesmo diploma legal:
Art. 1228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
Chega-se a conclusão de que a posse de fato o exercício de poderes inerentes a propriedade, incluindo o interesse em reavê-la caso alguém a injustamente possua.
Nessa banda, afirma Sílvio de Salvo Venosa, quando defere posse de detenção, esculpindo seu conceito partindo de Jhering:
Posse é, enfim, a visibilidade da propriedade. Quem de fora da divisão possuidor, não o distingue do proprietário. A exterioridade revela a posse, embora no íntimo do possuidor possa ser também proprietário. Nessa mesma ideia, a detenção seria nada mais nada menos do que espécie de posse à qual o ordenamento não concede proteção, ou uma modalidade de posse degradada ou diminuída.(…) Em princípio, toda a situação material envolvendo o titular à coisa é posse, salvo se o ordenamento a excluí, quando então se considerará a situação como de mera detenção. Por conseguinte, pode ser concluído existir na detenção o corpus, mas não o animus. Ou seja, o próprio ordenamento concede o balizamento ao julgador para, no caso concreto concluir que o detentor tem a coisa sem a intenção de exercer poder material sobre ela.[16]
Sobre a posse em nosso ordenamento assim entende Caio Mário da Silva Pereira:
Posse, em nosso direito positivo, não exige, portanto, a intenção de dono, e nem reclama o poder físico sobre a coisa. É a relação de fato entre a pessoa e a coisa, tendo em vista a utilização econômica desta. É a exteriorização da conduta de quem procede como normalmente age o dono. É a visibilidade do domínio (Código Civil, art. 1.196).[17]
E quanto a sua natureza jurídica, o mesmo autor, concluí:
Sem embargo de opiniões em contrário, é um direito real, com todas as suas características: oponibilidade erga omnes, indeterminação do sujeito passivo, incidência em objeto obrigatoriamente determinado, etc.
Como direito real especificadamente qualificado de “direito real provisório”, para distingui-lo da propriedade que é direito real definitivo, compreende-a Martin Wolff, e com ele a moderna doutrina tedesca.[18]
Desta feita, concluímos que posse é o poder fático sobre a coisa e em nosso ordenamento não possuí a necessidade da aferição de um elemento subjetivo, no íntimo do possuidor, para que seja externa, a não ser em casos específicos (usucapião, etc) e sempre se presumirá a propriedade do possuidor sobre a coisa, pois funda-se no exercício de um de um dos poderes desse instituto (conforme dispositivo legal citado: art. 1196, do Código Civil Brasileiro). Entende-se ainda que posse só será entendida como detenção em casos específicos e previstos por lei, caso contrário, posse será.
Conclui-se ainda, por decorrência lógica do aduzido, que sendo a posse um bem que merece tutela e isso conforme regra geral dada pelo inciso XXXV do artigo 5º da Constituição da República de 1988.
E nesse estudo é a visão econômica da posse e da propriedade é pertinente em se tratando de empresas, unidades de produção capitalizadas em economia de mercado, pois os bens que as guarnecem, aqueles essenciais à sua atividade-fim ou ainda aqueles destinados a servir de matéria prima ou mesmo à mercantilização no estabelecimento da empresa – que está prestes a pleitear recuperação judicial ou está prestes a ter sua quebra decretada recuperaçômico ligado a posse., não são necessariamente de sua propriedade, e sim deles detém a posse – essa, por sua vez, também passível de tutela. E esse conceito se dá graças ao estudo anteriormente citado às assertivas e conclusões de Marx e Weber.
A pretensão acadêmica em entender a posse no presente estudo não pode se esgotar sem a conclusão abaixo:
A posse é fato e como fato revela a amplitude da sociabilidade humana, que escapa a sistematicidade do direito. Tem razão Pontes de Miranda quando, ao reconhecer a natureza da posse como fato, afirma que a posse que ocorre no mundo fático deve ser vista a partir do mundo jurídico como fato e não como direito. A posse é poder fático que materializa a apropriação direta da coisa, embora seja a relação entre pessoas e não entre pessoas e coisas. A apropriação que caracteriza a posse ocorre independentemente de qualquer mediação jurídica. A posse assegura a satisfação imediata das necessidades da pessoa humana. (…) O ato da posse é essencialmente finalístico.(…)[19]
Ou seja, a posse, como dito, é essencialmente finalística, esgotando-se em si, e seus efeitos, em plano fático, são bem visíveis e real a ponto de que seja facilmente verificada no plano concreto.
Diferencia-se da propriedade por tratar-se do domínio fático sobre a coisa onde o que possuí se assenhora sobre ela dando-lhe fins economicamente aferíveis exercendo faculdades tais como se fosse proprietário tendo, inclusive, interesse em defender sua posse de terceiros que venham a perturba-la ou ameaça-la de alguma forma. Enquanto a propriedade não enseja por si um vínculo fático, dele não necessita para se constituir, necessitando do mero ato da tradição (ou ato de registro para imóveis).
Aquele que torna-se proprietário não presume-se, automaticamente, detentor da posse sobre a res. O exercício da posse mesmo para o proprietário não é algo “automático” decorre sim de seu vínculo fático com a coisa.
2.2.2 Da Propriedade
Assim como a posse a mais antiga e eficaz forma de se classificar, conceituar e localizar a propriedade no mundo jurídico é proveniente do direito romano com a divisão da res mancipi e res nec mancipi. Tal divisão advém da realidade agrícola de roma antiga, quando a propriedade poderia ser dividida entre aquela com a função familiar e de sustento, a terra, portanto res mancipi e bens mercantilizáveis, res nec mancipi, tais como produtos extraídos da terra, semoventes e etc, cuja propriedade transferia-se quando da simples tradição. Foi a ius civile romana que passou a disciplinar a propriedade quiritária onde é seria o ato solene da mancipatio que a transferiria. [20]
Sobre o direito quiritário assim entende Francisco Cardozo Oliveira:
O direito quiritário assegurava a propriedade exclusiva ao quirite, cidadão romano, com capacidade eleitoral e jurídicas reconhecidas em função da estirpe familiar. O proprietário detinha poder absoluto da coisa objeto da propriedade porque ao exercer o direito de propriedade, estava protegido pelo princípio nemo damnum facit, nisi qui id facit, quod facere ius non habet (não se causa dano no exercício do direito). Apesar das variantes que a noção de propriedade assumiu durante a história romana, consolidou-se no direito o conceito quiritário de propriedade absoluta e exclusiva. (…) A propriedade quiritária era tutelada através da rei vindicatio que permitia a recuperação da posse do bem pelo proprietário.[21]
Portanto a ação para reivindicar a coisa em poder de outrem surgiu ainda da ius civile romana. A equação jurídica é simples: O proprietário que se vir apartado de sua res, de forma alheia a sua vontade, poderá invocar pela rei vindicatio o direito de reaver a posse dessa com quem quer que seja que essa se encontre.
A exemplo do que foi estudado, o conceito de propriedade e seu exercício para o direito, por sempre estar muito ligado com as transformações sociais-filosóficas, sempre sofreu e sofrerá alterações ao longo dos séculos. E isso decorre da atividade filosófica humana. Nesse estudo adotaremos as seguintes premissas:
A faculdade de disposição da coisa objeto da propriedade concede ao proprietário, entre outros poderes, o de transferência do direito que se opera primordialmente através do contrato. O direito subjetivo de propriedade concretiza-se na pessoa do proprietário que é o titular do direito e pode exercer as faculdades a ele inerentes. Na titularidade da propriedade, o proprietário é considerado indivíduo dotado do poder de dispor da coisa, de forma que a transferência da propriedade, operada em sentido largo pelo contrato, ocorre entre indivíduos no exercício da autonomia da vontade. O contrato, portanto, é o instrumento que o proprietário utiliza para exercitar o poder mais amplo da faculdade de disposição contida no direito de propriedade, que é o da transferência da propriedade da coisa. Por meio da titularidade estrutura-se o caráter individual e exclusivo da propriedade. O título de propriedade, todavia, não esgota todas as potencialidades do direito de propriedade e, diante dos deveres impostos pelo princípio da função social, já não é suficiente para conferir ao proprietário o poder outrora absoluto de usar, usufruir e dispor da coisa. Sem deixar de ser direito, a propriedade obriga.[22]
Ainda, sobre a função social da propriedade:
A propriedade não é o prius a que se conecta o posterius da função social. A propriedade contém a função social sem que o fato de conte-la venha a reduzi-la à mera propriedade-função, em que são diluídos os poderes proprietários. (…) A função social enriquece a propriedade, porque confere ao exercício dos poderes proprietários valor que ultrapassa a relação entra o proprietário e a coisa. A funcionalização valoriza a utilidade individual e coletiva proprorcionada pelo uso do bem, direcionado para o objetivo finalístico traçado pelo ordenamento jurídico. (…) Diante do princípio da função social, a natureza abstrata do conceito de propriedade perde sentido, porque a funcinalização reintroduz na noção de propriedade valores relacionados à utilidade e ao uso da coisa objeto da propriedade. (…) O conceito de propriedade funcinalizada não depende apenas de uma formulação teórica abstrata, sem relação com os valores da realidade social e histórica em que inserido o exercício dos poderes proprietários. (…) O princípio da função social, portanto, direciona o conceito de propriedade para a recepção de valores ligados á realidade social e histórica em que inseridos a situação proprietária concreta e o conflito entre proprietários e não-proprietários. Através do princípio da função social, supera-se a concepção individualista da propriedade que evolui para a ideia de propriedade que considera a dinâmica da vida em sociedade.[23]
O conceito de propriedade segundo Caio Mário da Silva Pereira:
O nosso Código Civil não dá uma definição de propriedade, preferindo enunciar os poderes do proprietário (art. 1.228): “O proprietário tem a faculdade de usar, gozar, dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”.(…) Fiquemos então com o conceito calcado no Código civil de 2002, similar ao adotado pelo código civil de 1916, que, sem pruridos de perfeição estilística, define o domínio e ao mesmo tempo o analisa em seus elementos. Estes, desde as fontes, consistem no uso, fruição e disposição da coisa. São atributos ou faculdades inerentes à propriedade. Errôneo, contudo, seria dizer que esta reúne ou enfeixa os direitos de usar, gozar e dispor da coisa. A propriedade é que é um direito e este compreende o poder de agir diversamente em relação à coisa, usando, gozando, ou dispondo dela: ius utendi, fruendi et abutendi (Windscheid, Coviello, Serpa Lopes).[24]
Ainda, sobre a propriedade, na definição de Sílvio de Salvo Venosa, sobre o poder de senhoria sobre a coisa que exerce o proprietário:
Dentro do que foi examinado, o direito de propriedade é o direito mais amplo da pessoa em relação à coisa. Esta fica submetida à senhoria do titular, do dominus, do proprietário, empregando-se esses termos sem maior preocupação semântica.(…) O Código preferiu descrever de forma analítica os poderes do proprietário (ius utendi, fruendi, abutendi) a definir a propriedade. A síntese dessas faculdades presentes na senhoria sobre a coisa fornece seu sentido global. Se vista isoladamente essa descrição legal, sem dúvida que se concluiria por um direito absoluto.(…)[25]
Concluímos, portanto, que a propriedade, tal como figura no art. 1.228 do Código Civil, descreve a total senhoria e domínio sobre a coisa, podendo isso ser imposto erga omnes, cujas limitações são todas descritas por força de lei, obedecida a função social. Contudo, como visto, não enseja a posse e nem dela necessita para se constituir.
2.2.3 Da Interpretação dos Institutos da Posse e da Propriedade
Para entender as razões do pedido de restituição na falência, em especial o descrito no art. 85 caput, é necessária a atenção aos conceitos e classificação de direitos reais em que se funda a posse e da propriedade sobre esses exercida.
Para o estudo mais aprofundado da interpretação dos dispositivos legais, tanto concernentes à restituição de bens como aqueles que discorrem sobre a posse e a propriedade se faz extremamente pertinente citar a sábia conclusão de Francisco Cardozo Oliveira, sobre os métodos clássicos de interpretação dos textos legais:
A abordagem literal ou gramatical do texto legal, ou mesmo a busca de uma conexão lógico-sistemática entre textos de leis positivas, não permite determinar o sentido da norma. O trabalho de interpretação não se destina a determinar o sentido da norma jurídica considerada a letra da lei de forma isolada ou apenas conectado ao sentido das demais regras do ordenamento. O sentido da norma torna-se discernível uma vez reconhecida a dinâmica sistêmica do ordenamento jurídico e através do confronto da literalidade do texto legal com os elementos da situação de fato. O sentido do texto legal é determinado no momento da aplicação. Logo, o trabalho de interpretação que pretenda valer-se de elementos gramaticais ou lógico-sistemáticos, voltando exclusivamente para a letra da lei e para o alcance literal das regras integrantes do ordenamento jurídico, sem considerar o momento da aplicação e os elementos da realidade concreta, não terá condições de delimitar o sentido da norma e, por conseguinte, propiciar a elaboração de tutelas efetivas para a posse e para a propriedade. [26]
Sobre a interpretação histórica, sociológica, ou teleológica objetiva diz:
A investigação da finalidade histórica ou teleológica da lei tem grau mais elevado de conteúdo valorativo. Neste tipo de interpretação é inevitável a ocorrência de relação comparativa entre os valores do momento histórico e social de elaboração da lei e os da realidade social e histórica do processo de aplicação. (…) O legislador não pode definir todos os valores e finalidades inerentes ao texto da lei que está a elaborar. Nem o intérprete pode identificar na lei todas as finalidades que ela contempla. Para o legislador, o futuro da lei é cercado de incertezas que ele tenta controlar através da previsão de hipóteses de incidência. Para o intérprete, a incerteza da lei está na sua gênese e na ambiguidade que aparece no texto, confrontado com a dinâmica da situação de fato. O intérprete, portanto, não pode apreender aquilo que o legislador não foi capaz de prever.[27]
Razões essas pelas quais se tentará, nessas resumidas linhas, à partir de uma abordagem hermenêutica, tal como sugerida por Francisco Cardozo Oliveira, com densa fundamentação filosófico-doutrinária, a qual não pretende-se aqui reproduzir, o desenvolvimento da presente ação e o estudo dos direitos em que se fundam, essencialmente nesse capítulo.
Para a concepção hermenêutica, a justiça que o direito encerra não se revela a priori. O que é justo somente se mostra justo no direito na perspectiva do caso concreto, o que implica reconhecer que somente é possível conhecer e compreender o direito como processo, do ponto de vista de sua operacionalidade. Não basta, portanto, conhecer o direito. É necessário compreendê-lo, o que reclama do intérprete um ponto de vista interno ao sistema jurídico que retira do ato de conhecimento a possibilidade de separação radical entre sujeito e objeto. A racionalidade hermenêutica estrutura-se através da compreensão sugerida da relação entre sujeito e objeto, ou entre a teoria e a prática, possibilitada pela interpretação. O processo do interpretar e do compreender reintroduz no ato de conhecimento a consideração do momento da aplicatio, da experiência, da atividade prática. Interpretação, compreensão e aplicação constituem, deste modo, os elementos fundamentais para uma abordagem hermenêutica do direito. (…) Compreender mediante o interpretar significa admitir a impossibilidade teórica de um conhecimento definitivo e acabado do objeto, expresso na universalidade intemporal e a-histórica do conceito. Significa admitir a impossibilidade de conceitos de posse e propriedade universalmente válidos. (…) O texto, portanto, nunca é definitivo, acabado. Aceitar a possibilidade teórica de um sentido acabado do texto legal equivale a negar à lei a qualidade de fonte reprodutora no tempo do justo e da juridicidade. (…) Consequentemente o que seria lacuna para a concepção formal-positivista do direito, na abordagem hermenêutica, revela-se a necessidade de interpretação.[28]
Destarte que daí deve decorrer a análise de casos jurisprudenciais e aspectos controvertidos da restituição de bens, que cinge-se essencialmente, como vimos, em direitos reais sobre esses.
Da leitura do texto legal, tanto na legislação falimentar de 1945 como na nova lei de 2005 podemos chegar à conclusão de que a ação de restituição, como pretensão capitulada no caput do art. 85 da lei 11.101/2005 cinge-se, mormente, na compreensão do direito de propriedade e na posse do bem em questão.
3 APLICABILIDADE DA AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE BENS
3.1 ASPECTOS PROCESSUAIS
A Ação de Restituição de Mercadorias, então em âmbito processual, trata-se de uma proteção jurisdicional dada pelo Estado, invocada pelo titular de um direito violado (ou ameaçado) em face deste, tendo como escopo o salvamento, o destaque, o resgate de um determinado bem – desta forma individualizável ainda que fungível, seu que componha que perigue a vir compor o ativo da massa insolvente para satisfação a credores, portanto terceiros, nessa execução concursal.
Então, já no âmbito de direito processual, podemos dizer que o autor, proprietário da coisa, base em seu direito subjetivo de ação, irá interpelar o Estado, aí exercendo sua pretensão processual, levando em curso então a ação processual competente, a ação de restituição, perante o juízo falimentar.
Não há que se discutir agora quem seria o sujeito passivo, o devedor, se seria a massa (ente de personalidade judicial ou ente despersonalizado – há forte discussão doutrinária quanto a natureza do ente “massa falida”), se seria o administrador judicial dessa (isso decorre da noção de despersonalização da massa) ou mesmo do próprio juízo que administra a falência (como titular da administração da insolvência – juiz é o administrador da falência), a tutela é invocada sim contra o Estado-Juiz, mas tendo como objeto de tutela bem que compõe a massa, daí justificando doutrinariamente a intervenção do Ministério Público e a do Administrador Judicial.
Sobre a fiscalização do Ministério Público e seu consequente interesse recursal entende-se que “o órgão ministerial tem legitimidade para interpor recurso em processos de natureza falimentar, haja vista que tem o parquet atuação fiscalizatória determinada expressamente em Lei, em decorrência do interesse público que permeia a matéria”(TJGO – AC-ProcFal 73882-7/192 – (200302255324) – 2ª C. Cív. – Rel. Des. Zacarias Neves Coelho).
A ação de restituição, do art. 85, caput, tem uma natureza eminentemente de cunho reivindicatório, assim ensina Pontes de Miranda: “Quem reivindica, em ação, pede que se apanhe e retire a coisa, que está, contrariamente a direito na esfera jurídica do demandado, e se lhe entregue. (Nas ações de condenação executivas por créditos não se dá o mesmo: os bens estão na esfera jurídica do demandado, acorde com o direito; porque o demandado deve, há a condenação dele e a execução que é a retirada do bem, que está numa esfera jurídica, para outra esfera jurídica, a fim de se satisfazer o crédito portanto, modifica-se a linha discriminativa das duas esferas.)”[29]
3.1.1 COGNIÇÃO DA AÇÃO
A ação de restituição trata-se de um procedimento sumário, fundado ou na posse e na propriedade, num título judicial ou na hipótese de devolução de valores em dinheiro dada por lei e se desenvolve em um procedimento especifico dada pela Lei de Recuperação Judicial e Falências (Lei 11.101/2005) e tem por fim buscar a coisa ou, alternativamente, a indenização e se procede da seguinte forma:
Primeiramente deve o autor da ação protocolizar o pedido no distribuidor requerendo a “distribuição por dependência” aos autos principais. A inicial será remetida ao juízo no qual a falência é processada e lá o magistrado autorizará, por despacho no anverso da peça postular, a distribuição por dependência. Após autuação, cumprido todo o disposto no código de normas, os autos de restituição virão ao magistrado.
Conforme disposição na segunda parte do § 1º do art. 87 da LRE o juiz mandará o falido e o administrador judicial que se manifestem, em prazo sucessivo de cinco dias, quando o pedido. Nessa fase é interessante ainda, e na práxis é comum, abrir vista do procedimento ao promotor de justiça, que fiscaliza o procedimento do feito falimentar principal, antes que voltem conclusos:
Art. 87. O pedido de restituição deverá ser fundamentado e descreverá a coisa reclamada.
1º O juiz mandará autuar em separado o requerimento com os documentos que o instruírem e determinará a intimação do falido, do Comitê, dos credores e do administrador judicial para que, no prazo sucessivo de 5 (cinco) dias, se manifestem, valendo como contestação a manifestação contrária à restituição.
2º Contestado o pedido e deferidas as provas porventura requeridas, o juiz designará audiência de instrução e julgamento, se necessária.
3º Não havendo provas a realizar, os autos serão conclusos para sentença.
Então cada feito se desdobrará em suas particularidades. Há algumas opções genéricas encontrados na prática:
a) O administrador judicial dá conta da arrecadação equivocada do bem e pede pela procedência da ação para proceder a restituição ao proprietário;
b) O administrador judicial dá conta da não arrecadação do bem, desconhecendo seu paradeiro;
c) A falida ou o administrador judicial rivalizam o contrato (ou título) em que se baseia a propriedade sobre o bem arrecadado;
d) A falida ou o administrador judicial discordam com da restituição por quaisquer outros motivos diferentes de vício no título.
Caso haja de fato uma pretensão resistida à do autor o feito comporta dilação probatória, desenvolvendo-se assim de acordo com o Artigo 87 e parágrafos com a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, dada pelo art. 189 da LRE: “Art. 189. Aplica-se a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, no que couber, aos procedimentos previstos nesta Lei.”
Dessa forma a Audiência de Instrução e Julgamento, prevista na lei, servirá tão-somente para que seja comprovada a propriedade do autor sobre a coisa reclamada ou quaisquer das hipóteses legais estudadas que podem ensejar a restituição do bem. Devendo essa ser designada pelo juiz caso esse não entenda pelo julgamento antecipado da lide (caso a prova da propriedade não seja exclusivamente documental).
A Ação de Restituição é uma ação executiva latu sensu[30] pela própria natureza da sentença de restituição a que pretende o autos, que deverá ordenar a restituição com a expedição do competente mandado para a entrega do bem reivindicado.
As sentenças que imponham o dever de entrega de coisa, ora em exame, veio a ser restrito, em regra, aos títulos extrajudiciais. As sentenças que imponham o cumprimento do dever de entrega de coisa – móvel ou imóvel, fungível ou infungível – submetem-se agora a regime de eficácia executiva. Ou seja, tais sentenças serão efetivadas no próprio processo em que proferidas – não dando ensejo a uma relação processual subsequente. Ademais, por aplicação subsidiária do art. 461 (art. 461-A, § 3º), o juiz tem o poder para adotar, de ofício, medidas atípicas sub-rogatórias e coercitivas.[31]
Ainda, a ação é de cunho eminentemente reivindicatório, ou seja, seria a ação do proprietário sem posse sobre a coisa conta o possuidor não proprietário que a detenha[32], e, portanto pela “sua natureza real, quer dizer, a natureza de uma ação por meio da qual o proprietário busca obter a posse das coisas corpóreas integrantes de seu patrimônio (PONTES DE MIRANDA, Tratado das Ações, vol. VII, § 17, n.2). Somente coisas corpóreas, capazes de apropriação pelo homem, podem ser objeto de posse e, portanto, fundar ações reais (res) e, em nosso caso, a ação reivindicatória”[33] Portanto, podemos dizer que consiste basicamente o objeto principal da ação na obtenção da posse da coisa reivindicada e uma vez determinada pelo Magistrado ordem para que seja restituída essa teve sua pretensão satisfeita.
Ou seja, ao estudar aspectos relativos à eficácia preponderante da sentença, para dela extrair sua qualificação, que dá a procedência do pedido é executiva, daí podemos dizer que a sentença que dá procedência a restituição de um bem no processo falimentar é dotada de auto-executividade[34], ou seja, “opera-se por força de sentença, na mesma relação processual, sem que se possa, sequer, pensar na necessidade de uma segunda demanda na execução da sentença, como se o autor da ação de reivindicação estivesse, depois de ver acolhida sua ação, a promover execução “por crédito”, segundo o art. 621 do CPC, na suposição de que o réu, proclamado “possuidor injusto” pela sentença, se houvesse transformado em “devedor” e o proprietário não mais o fosse, depois da vitória, reduzido à situação de “credor”, em virtude da ‘litis contestátio’, exumada do direito romano.”[35]
Portanto, da sentença que reconhece o direito real e sua violação pode-se extrair a autorização para a recuperação da coisa no próprio processo em curso, vez que entende-se dispensável execução autônoma para a entrega da coisa. Nesses termos, até mesmo pelo atual regime jurídico, podemos dizer que – independentemente do título ser fundado em um relação real ou obrigacional – a entrega de coisa, no caso a restituição, sempre será ação executiva latu sensu e, secundariamente, madamental.[36]
Logo, não haverá, para cumprimento do Mandado de Restituição, cuja expedição é determinada no dispositivo da sentença, necessidade de nova citação da Massa Falida ou mesmo dos representantes legais da falida. Mesmo porque a restituição constitui processo incidental, à falência ou à recuperação judicial, onde as partes, já qualificada naqueles autos principais, serão meramente intimadas não só a interposição (por ser a restituição procedimento incidental, assim como os Embargos de Terceiro, que inclusive suspende a disponibilidade da coisa reclamada na execução concursal (falência), entendemos que o correto seja o uso do verbo “interpor”, tal como aqueles embargos) da Ação de Restituição como de seus subsequentes atos até seus últimos termos, isso incluí, portanto, o Mandado de Restituição.
Não se permite que a Restituição seja provisoriamente executada na pendência de uma apelação ou outro recurso recebido com efeito ativo (o efeito “ativo” dado a um recurso seria um misto entre os efeitos suspensivo, devolutivo e uma antecipação da tutela pretendida, para que o direito não pereça, obedecidos os requisitos gerais da antecipação de tutela ou ainda com base no poder geral de cautela do magistrado ad quem) ou suspensivo. Nesse sentido essa ação tem as mesmas características de uma ação reivindicatória, ou seja, o detentor de um título judicial, que lhe reconhece o Direito Real sobre um bem teria a mesma força de um portador de um título executivo extrajudicial.
Há críticas por parte do doutrinador Ovídio A. Baptista da Silva. Em que pese a execução da ação reivindicatória, que baseia-se em Direito Real, a execução desta, dado os efeitos suspensivos recursais, haveria portando uma desigualdade, considerada por esse injusta, entre o possuidor de um Direito Real e aquele que tem Direito Real reconhecido com a procedência da ação de Restituição – que seria, em verdade, detentor de título executivo judicial.[37]
O Mandado de Restituição, a ser lavrado pela serventia, deverá conter o nome das partes, o dispositivo da sentença, data, assinatura do juiz e do escrivão que o lavrou e deve ser cumprido por oficial de justiça, que acompanhará o proprietário da coisa a ser restituída, devendo ainda ser lavrada a devida certidão pelo oficial.
Contudo, não há vedação legal para que a restituição possa ser feita independentemente da emissão deste mandado – dispensando a diligência por parte da serventia quando da lavratura do mandado e por parte do oficial de justiça -, ou seja, uma vez dado pelo juiz o comando dispositivo “restitua-se” o bem que está em posse da massa falida ou mesmo da recuperanda pode ser restituído diretamente ao proprietário pelo administrador judicial ou representante legal da falida, mediante recibo.
A natureza da sentença mudará cabalmente quando não mais se vislumbrar a possibilidade da restituição do bem, seja pelo seu perecimento, da sua não-arrecadação ou mesmo pelo seu desaparecimento no decurso do processo.
Se a ação de restituição tem cunho possessório (art. 85, da LRE) sobre coisa que esteve em poder da falida ou da recuperanda e que se perdeu, sendo ou não arrecadada, tem sido pacífica a jurisprudência no sentido de proceder com a condenação da massa na devolução da quantia em pecúnia, em caráter indenizatório. Quando isso ocorre, em dispositivo, o juiz falimentar determina seja o crédito correspondente ao valor do bem inscrito como “Encargos da Massa Falida”, ou seja, como último dos extra-concursais a serem pagos pelo Administrador Judicial. Ou seja, a Ação Real, que objetivava o destaque de bem da massa falida ou mesmo da recuperanda com base em título de propriedade transformar-se-á em uma Ação Condenatória.
E como ação condenatória (visa uma condenação, a inscrição do crédito extra-concursal) terá como objeto de prestação jurisdicional a inscrição do crédito como “Encargos da Massa”, ao inscrever o crédito nessa categoria deverá o juiz necessariamente reconhecer a propriedade do bem ao credor e condenar a massa à indenização. Completamente diferente da Impugnação ao Crédito ou da Habilitação de Crédito em falência e recuperação judicial, que tem cunho iminentemente declaratório e isso estudamos em seu dispositivo, vez que não há necessário reconhecimento de Direito Real e sim de um Direito Creditício.
Vejamos, pois, o que afirma Pontes de Miranda quando da Ação Declaratória, assim classificada quando da análise de sua sentença, no caso, a Habilitação ou Impugnação ao Crédito:
“A sentença declarativa é a prestação jurisdicional que se entrega a quem pediu a tutela jurídica sem querer ‘exigir’. No fundo, protege-se o direito ou a pretensão somente, ou o interesse em que alguma relação jurídica não exista, ou em que seja verdadeiro, ou seja falso, algum documento. É o caso típico da pretensão à sentença – à sentença declarativa, sem outra eficácia relevante que a coisa julgada material. O que mais a caracteriza é a proteção, sem ser examinada outra pretensão que a pretensão mesma à declaração. Trata-se de pretensão, a que talvez falte ação de direito material. Ação declarativa é exercício de pretensão à sentença. A dificuldade dos não-técnicos em compreendê-la resulta do fato de ter sido empregada a palavra “ação” erradamente, não só no sentido de ação, em que corresponde a pretensão à condenação, executiva, constitutiva ou mandamental, mais conhecidas.” [38]
Já, sobre a Ação Constitutiva, que decorrerá da perda do bem reivindicado na Ação de Restituição, nesse sentido diz Pontes de Miranda:
“Quem constituí faz mais do que declarar. Quem somente declara não constitui. Quem somente declara, necessariamente se abstém de constituir. “Declaração constitutiva” não seria classe de declaração, mas soma de declaração e constituição. Quando Francesco Canelutti, nas Lezioni (II, nº 71), falou de “declaração constitutiva”, cometeu o erro enorme (com razão, E. T. Liebman, Eficácia e Autoridade, 28 s.) de tomar como classe de declaração a soma “declaração mais constituição”. Procedeu como o jardineiro que, tendo peras e uvas para vinho, dissesse que possui “pereiral vinícula”.[39]
Fica claro que a sentença condenatória que determina a inclusão do crédito relativo ao valor indenizatório sobre bem que era de propriedade do reivindicante, em ação de restituição, constitui uma relação obrigacional, ou seja, supera os demais direitos creditícios, necessariamente sujeitos à execução concursal, concorrendo com demais em respectivas classificações creditícias, para tratar-se de uma relação distinta diretamente entre o proprietário, ou ex-proprietário, e a massa falida ou mesmo a recuperanda à nível de Direito Real, ainda que em cunho indenizatório.
Nas demais hipóteses legais de restituição (art. 86 e incisos da LRE), que não tem cunho reivindicatório, não há coisa a ser perdida, já há a previsão legal da restituição em dinheiro, contudo, essa deverá ser nos limites previstos em conformidade com o parágrafo único do artigo 86, ou seja, conforme disposto no art. 151 da mesma lei, ou seja, após os créditos trabalhistas de pequeno valor.
3.1.2 TUTELA PREVENTIVA
A tutela preventiva é uma tutela dada pelo Estado-juiz para assegurar a efetividade do procedimento, assim entende Humberto Theodoro Júnior:
É indubitável, porém, que o transcurso do tempo exigido pela tramitação processual pode acarretar ou ensejar, e frequentemente acarreta ou enseja, variações irremediáveis não só nas coisas como nas pessoas e relações jurídicas substanciais envolvidas no litígio, como, por exemplo, a deterioração, o desvio, a morte, a alienação etc., que, não obstados, acabam por inutilizar a solução final do processo, em muitos casos. Parece lógico que, ao Estado, como detentor da jurisdição, não basta garantir a tutela jurídica; não basta instituir o processo e assegurar socorro a ele por meio da ação.[40]
Dada a natureza da tutela preventiva necessário se faz a análise do fundado receio que teria o proprietário ou possuidor, nas ações fundadas nesses direitos (art. 85, da LRE), em ver a coisa perdida pelo pedido de falência ou deferimento do plano de recuperação social.
Nos demais contratos e relações beneficiadas pelo pedido de restituição (art. 86, da LRE) a possível situação de insolvência da devedora é particularmente difícil vislumbrar a hipótese de uma tutela preventiva. Poderia, em tese, o juiz, nesses casos, se certificar da reserva do valor junto a massa falida até o julgamento de seus pedidos.
A lei falimentar não prevê especificamente, fora a ação de restituição, a tutela preventiva da posse e da propriedade e, portanto, utiliza-se a regra geral da aplicação subsidiária do Código de Processo Civil. Em linhas gerais, pode-se dizer que a coisa pode ser sim sujeita a uma reivindicação por parte de seu proprietário, de forma desembaraçada, caso esse se veja turbado em seus direitos ou caso essa coisa esteja, após a sentença que decretou a quebra, na iminência de uma arrecadação por parte do administrador judicial.
A fase administrativa da falência, dada pela nova sistemática da lei 11.101/2005, elaboração de quadro geral de credores até sua publicação e etc., faz, em tese, desnecessária a provocação do judiciário por parte do proprietário ou possuidor da coisa quando essa esteja em vias de ser arrecadada pelo administrador judicial. Esse pode fazê-lo ou não de acordo com seus deveres dados pela LRE. Recebendo um pedido de se abster de arrecadar um determinado bem, por não ser de propriedade da falida, informando ao juízo as razões pelas quais deixou de arrecadar aquele bem.
A tutela preventiva só se justifica nas hipóteses de possíveis direitos tutelados pelo art. 85 da LRE. As hipóteses do art. 86 não podem estar sujeitas a preventividade ligada a ação de restituição, pois sem a decretação de falência ou mesmo deferimento da recuperação judicial a legitimidade de agir desses credores fica atingida.
A exceção é a hipótese de ação revocatória, executada como pedido de restituição, em conformidade com o inciso III do art. 86, onde pode o magistrado determinar a reserva de valores pela recuperanda ou massa falida para assegurar que a restituição ocorra já que a ação revocatória não suspende a disponibilidade de valores por força legal (art. 91), como as ações previstas no art. 85 e inciso II do art. 86 da LRE.
3.1.3 CAUTELARIDADE
Todo o processo pode se utilizar de vias cautelares, da antecipação da tutela ou da asseguração dessa por outros meios, isso quando estão presentes os requisitos para que, incidentalmente ou ainda antes de postulada a ação haja fundado receio na demora da prestação jurisdicional de modo a resultar em danos graves ou de difícil reparação.
Nas ações reais, em especial na restituição de mercadorias, a possibilidade da perda da res reivindicada pela demora no acionamento e desfecho da tutela jurisdicional pode admitir medidas cautelares ales das previstas em lei. Sobre a prestação cautelar assim se entende:
A atividade cautelar foi preordenada a evitar que o dano oriundo da inobservância do direito fosse agravado pelo inevitável retardamento do remédio jurisdicional (periculum in mora). O provimento cautelar funda-se antecipadamente na hipótese de um futuro provimento jurisdicional favorável ao autor (fumus boni iuris): verificando-se os pressupostos do fumus boni iuris e do periculum in mora, o provimento cautelar opera imediatamente, como instrumento provisório e antecipado do futuro provimento definitivo, para que este não seja frustrado em seus efeitos.[41]
O provimento cautelar deve ser requerido junto ao juízo universal em que se processa a falência, obedecida a vis atrattiva, e poderá ser formulado anteriormente à propositura da ação de restituição, como medida cautelar preparatória, ou ainda provido mediante via incidental, no curso da ação.
Obedecida a provisoriedade do provimento cautelar esse, em ação de restituição, fundada em reintegração de posse de bem em favor de seu proprietário ou possuidor, não podem ser levadas a efeito medidas como sequestro, busca e apreensão ou reintegração de valores ao poder do requerente (ressalvado o depósito judicial quando o levantamento de valores pelo requerente da medida seja deixado somente para o final da prestação jurisdicional), quando a lei prevê a restituição em valores monetários, sob pena de que sejam consideradas medidas satisfativas.
A própria legislação falimentar (Lei 11.101/2005) já prevê inicialmente a suspensão da disponibilidade da coisa reclamada:
Art. 91 O pedido de restituição suspende a disponibilidade da coisa até o trânsito em julgado.
Ou seja, a distribuição do pedido de restituição, a mera existência da ação, já suspende a disponibilidade do bem independentemente do deferimento dessa medida pelo magistrado ou de requerimento dessa em peça postular. Nesse sentido entende Marcos Paulo de Almeida Salles:
O art. 91 da Lei 11.101/2005 e seu parágrafo único mantém as disposições do art. 78 e seu § 3º, do Dec.-lei 7.661/1945, dando-lhes sentido viabilizador da pretensão pela restituição da coisa na sua espécie, tendo o legislador anterior lhe dado tutela definida independentemente do estado do processo, enquanto o legislador atual tratou a indisponibilidade do bem nas mãos de que o detivesse, em proteção ao resultado da ação de restituição, por meio de sua indisponibilidade até o trânsito em julgado da sentença que reconhece a procedência do pedido. A suspensão da indisponibilidade é admitida de modo precário no fato da execução provisória da sentença favorável à restituição, mediante a prestação substitutiva da caução que deve ainda o credor proprietário prestar, assecuratória do resultado da apelação, mantendo-se íntegra, até o trânsito em julgado, a possibilidade satisfativa do beneficiário final da sentença.[42]
A impossibilidade ou a desnecessidade de se requerer outro tipo de medida acautelatória, ante a disposição legal, já atingiria o interesse de agir da reclamante em ação ou medida cautelar específica para esse fim, dentro da restituição de bens.
Há quem entenda que dada a natureza cogente do que dispõe esse dispositivo legal nem mês com caução prestada haveria, por força de lei, razão para a disponibilidade da coisa, como é o caso de Carlos Henrique Abrão:
Ressalte-se, mesmo na hipótese de caução prestada, não haverá razão para a disponibilidade da coisa, haja vista a restrição imposta que segue a norma cogente impeditiva da alienação, cessão ou transferência do bem.[43]
A lei 11.101/2005 também prevê a hipótese de interposição de embargos de terceiro consoante dispositivo legal:
Art. 93. Nos casos em que não couber pedido de restituição, fica resguardado o direito dos credores de propor embargos de terceiros, observada a legislação processual civil.
A esse tipo de ação, embargos de terceiros, cabem as disposições comuns do Código de Processo Civil e todas as medidas cautelares aplicáveis a esse procedimento que, mesmo admitido em âmbito falimentar, como procedimento incidental a atingir a execução concursa, não se trata de ação própria da legislação especializada e, portanto, não possui peculiaridades específicas dadas pela legislação falimentar.
3.1.4 ANTECIPAÇÃO DE TUTELA
Toda e qualquer pretensão de tutela antecipatória deve ter presente em seu bojo, nos termos do art. 273 do Código de Processo Civil, os seguintes requisitos: prova inequívoca geradora da verossimilhança da alegação e, ainda, que haja um fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.
Malgrado controvérsias doutrinárias da “prova inequívoca” que geraria uma suposta verossimilhança, a que se refere o Código de Processo Civil, entende-se que essa deve, tão-somente, estar apta a convencer o magistrado da semelhança ao alegado gerando subsídios suficientes a uma fundamentação para o juízo provisório, onde os elementos trazidos em postular, pelo autor, já induzem o convencimento do magistrado a uma prestação favorável ao autor.
Presentes esses requisitos não há óbices legais ao juízo universal a aplicação de uma medida liminar assecuratório, desde que não satisfativa e consequentemente prejudicial a posterior interesse de agir da requerente.
Já para a ação de natureza possessória, do art. 85 da LRE, assim como para as ações possessórias em geral, a antecipação da tutela para a ação de restituição deve demonstrar somente a prova inequívoca, o fumus, não necessitando demonstrar o receio de dano irreparável.
A existência da ação de restituição, com base no art. 85 da LRE, já torna a coisa indisponível, como visto, não podendo nenhuma das partes dispor dessa, contudo, uma medida antecipatória, seria a restituição da posse da coisa ao requerente. Desta feita, pode sim o magistrado, então, poderá colocar a res reclamada sob a posse e guarda do requerente, com ele devendo ficar até o final da ação de restituição. Havendo procedência, a situação fática se manteria podendo o possuidor e requerente, se proprietário, dispor patrimonialmente da coisa.
3.2 DA ABRANGÊNCIA MATERIAL DA PRETENSÃO DA AÇÃO DE RESTITUIÇÃO
A ação de restituição é cabível, taxativamente nas seguintes hipóteses: a) casos de posse e propriedade sobre a coisa – conforme disposto no art. 85, caput, da lei 11.101/2005; b) quando a coisa é vendida a crédito e entregue ao devedor nos quinze dias anteriores ao requerimento de sua falência – conforme o Parágrafo Único do art. 85, da lei 11.101/2005; c) quando a coisa, antes sujeita às duas hipóteses anteriores (a e b), não mais existir ao tempo da restituição (se tiver sido vendida receberá o requerente o valor resultante da venda ou o valor de sua avaliação) – conforme inciso I do art. 86 da lei 11.101/2005; d) de valores entregues pelo contratante de boa-fé ao devedor, cuja falência sobreveio, prejudicando o negócio jurídico – conforme inciso III do art. 86 da lei 11.101/2005, somente quando da revogação de ato, por meio de ação revocatória a execução da sentença que julgou procedente o pedido, em desfavor da massa falida, por meio da ação restituição. e) de valores entregues em contrato de adiantamento de câmbio – ACC.
A primeira hipótese enseja na posse ou propriedade sobre o bem, questão probatória específica.
A segunda hipótese, igualmente restrita, trata-se de má-fé legalmente prevista em contrato de compra e venda a credito. Nesse caso a prova restringe-se na: a) prova da efetiva entrega da mercadoria nos 15 dias anteriores ao requerimento da falência da devedora; b) a não-alienação da mercadoria reivindicada a tempo da propositura da ação.
A terceira hipótese tem caráter indenizatório. Reconhecida a propriedade ou posse sobre coisa que se perdeu ou foi alienada ou, ainda, reconhecida a subsunção legal do parágrafo único do art. 86 da LRE por meio de sentença, que ordenou a sua restituição de coisa que embora existisse ao tempo do pedido se perdeu (não sendo encontrada, tendo sido alienada no decurso da ação de restituição) deve se proceder a restituição em dinheiro, extraconcursal.
A quarta hipótese depende tão-somente do título judicial da ação revocatória que anulou o ato praticado pela falida ou recuperanda. Nessa hipótese o pedido de restituição teria natureza puramente executória para a inscrição de valor em quadro de créditos extraconcursais. Quando estudamos os contratos empresariais nos deparamos com uma enorme quantidade de contratos tipificados e atípicos cada um com características particulares. Fugiria ao objeto do estudo o esgotamento, nesse trabalho, de todas as hipóteses de relações contratuais e comerciais que estariam dentro do âmbito da ação revocatória.
Ação Revocatória específica da lei 11.101/2005, regulado na Seção IX, que trata da ineficácia de atos praticados pela falida ou recuperanda e aplicável na seguinte hipótese legal: “Art. 130. São revogáveis os atos praticados com a intenção de prejudicar credores, provando-se o conluio fraudulento entre o devedor e o terceiro que com ele contratar e o efetivo prejuízo sofrido pela massa falida.”. Julgada procedente: “Art. 136. Reconhecida a ineficácia ou julgada procedente a ação revocatória, as partes retornarão ao estado anterior, e o contratante de boa-fé terá direito à restituição dos bens ou valores entregues ao devedor.” Sendo procedente a ação e caso a condenação atinja a falida, reconhecido ato lesivo a credores, caberá, finalmente, a restituição em dinheiro, que se dará por crédito extraconcursal. A sentença de julga procedente a ação revocatória, mesmo que perante o juízo universal, não é uma ação executiva lato sensu quando o julgamento vem em desfavor da massa falida, dado o disposto no inciso III do art. 86 da lei 11.101/2005, que assim dispõe: “III – dos valores entregues ao devedor pelo contratante de boa-fé na hipótese de revogação ou ineficácia do contrato, conforme disposto no art. 136 desta Lei.”. Ainda que não seja aparentemente pratico ou processualmente econômico, da exegese desses dispositivos conclui-se que a sentença dada em desfavor de terceiro, que não a massa falida tem natureza executiva, enquanto a que condena a massa falida deve ser executada por meio da ação de restituição para que seja paga como crédito extraconcursal pela massa falida.
A última hipótese, que adiante será estudada de forma pormenorizada, refere-se ao contrato de adiantamento de câmbio e a aplicabilidade da ação de restituição face a devedora que receber valores provenientes desse e tiver falência supervenientemente declarada.
A EXTENSÃO DA TUTELA DA AÇÃO DE RESTITUIÇÃO
4.1 A RESTITUIÇÃO COMO TUTELA DA POSSE, PROPRIEDADE E DEMAIS DIREITOS REAIS NA FALÊNCIA E NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL
O caput do art. 85 da lei 11.101/2005 não deixa dúvidas quanto a primeira e mais clássica aplicação da ação de restituição, a natureza reivindicatória da ação. Assim dispõe o referido dispositivo:
Art. 85. O proprietário de bem arrecadado no processo de falência ou que se encontre em poder do devedor na data da decretação da falência poderá pedir sua restituição.
Podemos dividir a tutela da posse e da propriedade na falência e na recuperação judicial em dois casos específicos: a) propriedade ou posse de bem arrecadado por administrador judicial, quando do exercício de suas atribuições em conformidade com a alínea f do art. 22 da LRE; b) arrolado como sendo de propriedade da recuperanda nos casos que aduz a alínea a ou inciso IV da alínea d do art. 51 da LRE – o primeiro dispositivo citado aplica-se quando arrolado em “balanço patrimonial” como bem da empresa e no segundo caso quando arrolado como bem de sócio da recuperanda.
Em ambos os casos podemos classificar como ato de turbação aos direitos daquele que detém a posse do bem – sendo essa posse decorrente de propriedade ou não. No segundo caso, o da recuperação judicial, essa turbação vem acompanhada de um fundado receio de dano injusto e de difícil reparação. Não há isso, caracteriza-se o perigo na demora no segundo caso, quando há um fundado receio de que a empresa não seja bem sucedida na recuperação judicial, torne-se completamente insolvente e tenha sua quebra decretada.
Como visto, no primeiro caso a ação cabível é a ação de restituição, que por si suspende a disponibilidade sobre a coisa reclamada, ressalva os direitos daquele que detém posse ou propriedade sobre a coisa, para depois devolve-la ou, em caso de perda, indenizar.
No segundo caso justifica-se uma ação possessória ordinária, admitindo-se a tutela antecipada. Como não há arrecadação ou a falência citada no art. 85, caput, acima transcrito. Desta feita o deferimento do processamento da recuperação judicial daquele que está violando direitos de posse e propriedade sujeita a ação do interessado à ação de restituição ou mesmo ao juízo falimentar.
Senão, veja-se:
O art. 6º da Lei 11.101/2005 suspende a prática de qualquer ato executório em face da falida, da empresa cuja recuperação judicial foi deferida ou credores particulares do sócio solidário:
Art. 6º A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário.
E o § 6º do mesmo dispositivo dispõe o seguinte:
6º Independentemente da verificação periódica perante os cartórios de distribuição, as ações que venham a ser propostas contra o devedor deverão ser comunicadas ao juízo da falência ou da recuperação judicial:
I – pelo juiz competente, quando do recebimento da petição inicial;
II – pelo devedor, imediatamente após a citação.
A lei obriga, portanto, a comunicação da ação possessória proposta conta a massa falida ou recuperanda. E em que pese a inexistência de dispositivos regulando a suspensão ou não da execução de ações reais propostas em face da recuperanda ou mesmo da falida aplica-se o seguinte dispositivo da lei 11.101/2005:
Art. 126. Nas relações patrimoniais não reguladas expressamente nesta Lei, o juiz decidirá o caso atendendo à unidade, à universalidade do concurso e à igualdade de tratamento dos credores, observado o disposto no art. 75 desta Lei.
Assim dispõe o art. 75:
Art. 75. A falência, ao promover o afastamento do devedor de suas atividades, visa a preservar e otimizar a utilização produtiva dos bens, ativos e recursos produtivos, inclusive os intangíveis, da empresa.
Mesmo na recuperação judicial a ação real, por ser executória, pode ser suspensa pelo prazo legal de cento e oitenta dias em hipótese específica, contudo o direito a propriedade e posse é tutelado na íntegra em todos os demais casos, não estando sujeitos à recuperação judicial.
Sobre a tutela da posse e propriedade assim dispõe o seguinte dispositivo da LRE na hipótese de Recuperação Judicial:
Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.
(…)
3º Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial. – (grifo nosso)
Como visto a execução real em face da devedora em recuperação judicial prossegue, normalmente, e só estará sujeito ao sobrestamento pelo prazo legal de cento e oitenta dias aqueles bens, que malgrado estejam compondo a esfera de direitos reais de terceiros, sejam essenciais para a continuidade dos negócios da empresa recuperanda. Tal princípio corteja integralmente o capitulado no art. 620 do Código de Processo Civil, conforme abaixo citado, e o princípio da preservação da empresa.
Art. 620. Quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor.
Daí decorre a necessidade da informação ao juízo em que se processa a recuperação judicial a existência de execuções reais em face da recuperanda. Sobre a essencialidade do bem reivindicado em ações reais deve se manifestar a recuperanda e, sujeitas a análise do juiz, as ações no sentido de retirar coisa dessa empresa devem ser sustadas por ordem do juízo em que se processa a recuperação judicial se o magistrado entender pela sua essencialidade, o que fará com fulcro no § 3º do art. 49 da LRE, e no artigo 620 do CPC.
Portanto, em sede de recuperação judicial, verificamos que esses direitos reais listados no § 3º do art. 49 da LRE não estão sujeitos à tutela por meio da restituição, pleiteada junto ao juízo em que se processam ritos da lei 11.101/2005, capitulada no art. 85, caput, e sim pelos meios “comuns” já existentes em ações previstas no restante da legislação.
No caso de da decretação de falência percebemos que há a integral subsunção ao art. 85, caput, acima transcrito, admitindo-se a ação de restituição. Essa ação caberá caso o bem não possa ser ou não seja entregue por vontade do administrador judicial ou pela falida, extrajudicialmente, a seus legítimos proprietários, mediante recebimento idôneo, que seria o comprovante de quitação da obrigação da falida – procedendo dessa forma se evitaria futuras alegações de não-devolução ou não-entrega e pedidos de restituição.
As pretensões reivindicatórias em face da falida, ensejadoras de ação de restituição com fulcro no art. 85, caput, podem ser feitas, indiscriminadamente, e isso decorre da análise conjunta às hipóteses taxativas do § 3º do art. 49 da LRE, pelos: a) proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis; b) arrendador mercantil; c) proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias; d) de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio.
Como vimos o art. 85, caput, lista apenas um direito real: a propriedade. O raciocínio no presente estudo estendeu a tutela dada a esse artigo, com base na hermenêutica jurídica, à posse e, via analogia e análise comparativa, a introdução demais direitos reais (listados no § 3º do art. 49, da LRE) à hipótese de pretensão da ação restituição.
Sobre direitos reais, o art. 1225 do Código Civil Brasileiro, assim dispõe:
Art. 1225. São direitos reais:
I – a propriedade;
II – a superfície;
III – as servidões;
IV – o usufruto;
V – o uso;
VI – a habitação;
VII – o direito do promitente comprador do imóvel;
VIII – o penhor;
IX – a hipoteca;
X – a anticrese;
XI – a concessão de uso especial para fins de moradia;
XII – a concessão de direito real de uso.
Para a pretensão de restituição junto à massa falida, com base no caput do art. 85 da LRE, é requisito que a coisa tenha sido arrecadada pelo administrador judicial e a comprovação de exercício de posse ou propriedade sobre a coisa que deverá ser individualizável.
Quando essa pretensão recaí sobre coisas imóveis é um tanto quanto simples, pois em sabendo individualizar sua localização no espaço já torna sua restituição eficaz, contando ainda com o sacramentado entendimento que, mesmo sendo a coisa alienada, terá o proprietário direito ao valor em dinheiro resultante dessa alienação na forma extraconcursal (inteligência do art. 86, I, da LRE), havendo diferenças essas ainda podem ser habilitadas na falência.
Há uma enorme problemática quanto essa coisa, que preenche todos os requisitos acima, tratar-se de coisa móvel:
A ação de restituição sobre a coisa a torna indisponível o que, em tese, assegura o direito do requerente de ter de volta a coisa ou seu valor como encargos da massa. Contudo, se não foi arrecada o requerente não está obrigado a se utilizar da restituição em face da massa falida o que não o impede de fazê-lo se entender que, mesmo em posse a falida, a coisa não foi arrecadada podendo inclusive requerer medidas cautelares assecuratórias junto ao juízo falimentar para que seja dado conta da existência da coisa e sua indisponibilidade seja levada a efeito, ou ainda, poderá prestar caução para ser ver novamente em posse da coisa liminarmente se ela estiver, realmente, em posse da falida.
Se a coisa não foi arrecadada e estiver em posse de terceiros, mesmo que o negócio jurídico para a transferência de sua posse tenha sido com a falida ou mesmo essa tenha sido confiada à mesma quando sobreveio a falência, a requerente não estará adstrita à ação de restituição, poderá, até mesmo simultaneamente, levar a efeito medidas de busca, apreensão e reintegração de posse em outro juízo. Nesse último caso esgotadas as medidas cabíveis e em sendo todas frustradas na localização do bem, a requerente poderá intentar ação revocatória, se entender que houve dolo, fraude ou má-fé por parte da falida, constituindo crédito extraconcursal.
O quadro muda drasticamente se a requerente tiver provas de seus direitos sobre a coisa móvel e de que essa estava em posse da falida não tendo essa disponibilidade sobre a mesma. Nesse caso a pretensão de restituição cumulará em sentença que condenará a falida a restituir o seu respectivo valor como crédito extraconcursal, consoante entendimento jurisprudencial (adiante estudado).
Conveniente se faz noticiar a existência dos direitos reais, alguns distintos dos listados nos incisos do art. 1225 do Código Civil Brasileiro, que podem envolver a falência de uma empresa em seu ativo e ensejar a pretensão da ação de restituição, são eles: a) Os derivados de compromisso de compra e venda de imóvel, quando registrado no Cartório de Imóveis (Lei nº 4.380/64, artigo 69); b) Compromissos de compra e venda, cessões e promessa de cessão de direitos sobre terrenos, registrados no Cartório de Imóveis (Lei nº 6.766/79, artigos 25 e seg.); c) Contratos de alienação fiduciária (Lei nº 6.071/74); d) Contratos de alienação fiduciária (Lei nº 6.071/74); e) Garantias dadas a empréstimos para financiamento da venda ou da construção de imóveis (Decreto nº 70/66, artigo 43, § único); f) direito real ao uso de garagem (Lei nº 4.591/64); g) direito real relativo à concessão de uso de superfície e de espaço aéreo (Decreto-Lei nº 271/67).
No caso do “terreno de marinha” e das terras pertencentes à União por força do que dispõe a Constituição da República e leis, como por exemplo a Lei nº 4.771/65, podem sim, esses direitos, também ensejar a pretensão real de reivindicação por parte da União, por meio da ação de restituição em face da falida ou quem quer que tenha adquirido bem pertencente a essa. Diga-se de passagem que o pagamento do laudêmio não necessariamente deve ser pretendido por meio de qualquer procedimento da lei 11.101/2005, isso decorre do disposto no art. 187 do Código Tributário Nacional, que assim dispõe: “Art. 187. A cobrança judicial do crédito tributário não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, recuperação judicial, concordata, inventário ou arrolamento.”
No caso de dinheiro ou de valores em posse do falido, confiados por terceiros, que igualmente podem ensejar a restituição caso desses o falido, por contrato, não tenha deles a disponibilidade. Isso ainda na inteligência do inciso III do art. 84 da LRE, interpretado conjuntamente com a súmula 417 do STF. O dispositivo citado acima da LRE assim dispõe:
Art. 84. Serão considerados créditos extraconcursais e serão pagos com precedência sobre os mencionados no art. 83 desta Lei, na ordem a seguir, os relativos a:
(…)
II – quantias fornecidas à massa pelos credores;
Já a súmula 417:
Pode ser objeto de restituição, na falência, dinheiro em poder do falido, recebido em nome de outrem, ou do qual, por lei ou contrato não tivesse ele a disponibilidade.
A questão da devolução de valores, em dinheiro, deverá ser tratada de forma mais ampla quando do estudo da jurisprudência e casos no capítulo seguinte desse estudo.
Destarte que muito embora inciso II do art. 84 disponha sobre a natureza extraconcursal do mesmo, o Administrador, sem ordem judicial, não poderá classificar o valor como tal já que suas liberdades administrativas abrangem, somente, a elaboração do quadro geral de credores. Mais prudente se mostra que o credor de valores nessa situação seja informado pelo administrador para, em seguida, formular sua pretensão de restituição junto ao juízo juntando provas idôneas da propriedade sobre tais valores. Esses documentos ou provas idôneas devem ser capazes de individualizar essa quantia e provar a propriedade sobre a mesma.
Por derradeiro diga-se que à massa falida é reservado o direito de cobrar por quaisquer despesas que tenha tido na conservação de bens restituídos, sejam eles móveis, imóveis ou mesmo valores. Tal entendimento é sacramentado nos arts. 861 e seguintes do Código Civil. Aplica-se portanto, para a conservação dos bens, as regras gerais da gestão de negócios.
4.2 A RESTITUIÇÃO COMO TUTELA NOS CONTRATOS EMPRESARIAIS
No âmbito dos artigos 85 e 86 da lei 11.101/2005, como visto a restituição pode ser postulada junto ao juízo falimentar apenas em casos muito específicos, o que contrasta com a enorme gama de relações empresariais. Quanto a possível má-fé ou lesão gerada pela empresa insolvente ou em crise junto a contratantes e terceiros de boa-fé a tutela específica e geral é a ação revocatória. Essa ação, como visto, resultando em condenação ensejará pedido de restituição, que nesse caso específico teria uma natureza meramente executória (inciso III do art. 86 da lei 11.101/2005).
Veremos, a seguir, alguns casos específicos de contratos empresariais que ensejariam o pedido de restituição nas hipóteses do parágrafo único do art. 85 da lei 11.101/2005.
4.2.1 Contratos de Compra e Venda à Crédito
A compra e venda é a base da mercantilização moderna e ela se opera tanto com os clientes como com os fornecedores da empresa em crise. Esse tipo de negócio jurídico é a base, a essência, da grande maioria da empresas no mercado.
Ocorre que quando as empresas entram em crise e passam a buscar uma recuperação judicial ou tem a sua quebra decretada há abalo dessas relações comerciais.
A restituição tal como colocada em parágrafo único do art. 85 da lei 11.101/2005 destina-se a proteção daquele fornecedor que realizou negócio à crédito com a falida e efetiva entrega da mercadoria nos 15 dias que antecederam seu de falência
Esse dispositivo tem por objetivo primário a coibição da má-fé por parte da falida[44], que se locupletaria injustamente, recebendo mercadorias às vésperas de sua quebra e deixando de efetuar seu pagamento, em razão da transação ter sido realizada a crédito.
O prazo de quinze dias, a que se refere o parágrafo único do art. 85 da lei 11.101/2005, acima começa a contar da efetiva entrega da coisa (e não remessa ou mesmo pedido), eis que deverá estar efetivamente na posse da falida (devedora).[45] Isso deverá ser analisado pormenorizadamente quando do elenco de documentos essenciais a propositura da ação.
Ou seja, disso decorre que se a falência sobrevir, estiver provado que a falida recebeu a coisa não é necessário que o síndico tenha feito sua necessária arrecadação para que a massa seja obrigada a devolver aquilo que recebeu em pecúnia, sobre esse caráter indenizatório assim tem se decidido, como adiante será estudado.
A conversão em indenização, restituição em dinheiro, pela perda da coisa é possível e recorrente na restituição pelo parágrafo único do art. 85 da LRE por dois principais motivos: a) a suposta má-fé da empresa devedora; b) decorre da indisponibilidade do art. 91 da LRE (caso a coisa seja arrecada mas se perca no decurso do processo); c) O suposto uso da LRE para lesar credores de boa-fé, sujeitando-os injustamente a uma execução concursal.
Observa-se que é recorrente na prática, caso a coisa seja alienada a terceiro, não exista mais ao tempo do pedido (caso tenha sido transformada ou consumida pela falida, por exemplo), não se pode mais requisitar a restituição da res em si. Ou seja, é quando a hipótese do parágrafo único do art. 85 deixa de ser uma ação de natureza reivindicatória buscando uma sentença executiva lato sensu para ser convertida, a caráter indenizatório, pela perda da coisa ainda como encargos da massa.
Não pode, em hipótese alguma, confundir-se com créditos concursais, eis que esses tem fundamento e natureza distinta. Tratam-se de créditos extraconcursais, ou seja, não estão sujeitos à concorrência, tratam-se encargos da própria massa falida.
Assim ensina Fábio Ulhoa Coelho:
Sendo a restituição em dinheiro, o requerente deve ser pago pelo administrador judicial após o atendimento às despesas de administração da falência e antes do pagamento dos credores. A restituição em dinheiro representa o último dos pagamentos de crédito extraconsursal a fazer.[46]
Tal pedido só seria cabível se entendida improcedente a restituição pelo juiz, que determinaria também sua classificação no quadro geral de credores em posição adequada, se entender haver e restar comprovada a existência de crédito.[47] Caso até o crédito seja rivalizado, aí sim, justifica-se a conversão da restituição em habilitação / impugnação de crédito em falência.
A Ação de restituição com fundamento no parágrafo único do art. 85 da LRE sobre coisa individualizável, em geral bens afetos à mercantilização ou mesmo insumos, entregues quinze dias antes a decretação da falência ou declaração de insolvência pode ser entendida nesses termos pelo seguinte esquema sinótico:
a.1) Se a coisa foi recebida, comprovadamente, pela empresa insolvente, dentro do prazo legal, e arrecadada pelo administrador judicial: A ação é reivindicatória e pretende uma sentença executiva lato sensu. Até a prestação jurisdicional a coisa ficará indisponível (art. 91 da LRE) e em sendo procedente sua restituição será ordenada pelo juízo falimentar.
a.2) Se a coisa foi recebida, comprovadamente, pela empresa insolvente, dentro do prazo legal, mas não foi arrecadada pelo administrador judicial a prestação visará a ação real para sua localização, esgotadas as tentativas e não localizado o bem descrito:
a.2.1) Converte-se em indenização, como encargos da massa caso não haja prova de sua alienação (entendimento jurisprudencial conforme será estudado adiante).
a.2.2) Caso haja prova idônea de sua alienação o crédito pode ser habilitado como quirografário. Caso credor entenda que a alienação tem indícios de fraude poderá propor ação revocatória para aí então ter seu crédito como encargos da massa.
a.3) Se a coisa foi enviada pela autora mas não há comprovação do recebimento pela falida, dentro do termo legal, ou notícia de sua arrecadação (extingue-se portanto a pretensão real):
a.3.1) Havendo necessidade de dilação probatória ou inexistência de quadro geral de credores: Conversão em habilitação / impugnação ao crédito, condicionada a publicação do edital a que se refere o § 1º do art. 7º da lei 11.101/2005 e pedido expresso da requerente.
a.3.1.1) Se não publicado o aludido edital: extinção da ação de restituição com fulcro no art. 267, IV do Código de Processo Civil ou, alternativamente, em obediência aos princípios de economia e celeridade processual, o sobrestamento do feito até que publicado o referido edital para, após, ser dado o regular prosseguimento ao feito, sendo julgado como se habilitação de crédito fosse.
a.3.1.2) Se no edital já constar o crédito do requerente, na extensão na qual pretende em habilitação de crédito, a qual foi convertida a ação de restituição: extinção da ação de restituição com fulcro no art. 267, VI, do Código de Processo Civil.
a.3.2) Não havendo necessidade de dilação probatória, já publicado o quadro geral de credores e nele omisso o crédito da requerente: Juiz julgará improcedente a pretensão real, contudo determinará seja incluso pelo administrador judicial o crédito em sua respectiva classificação dentro do quadro geral de credores caso nele ainda não conste.
4.2.2 Contratos de Fornecimento Just In Time
Os contratos de fornecimento just in time são atípicos e derivam de um método de produção “enxuto”, criado pela fabricante de veículos Toyota na década de setenta. Seu conceito é bem simples: Consiste basicamente na manutenção do mínimo estoque possível, diminuindo assim os custos operacionais. Ou seja, o fornecedor, como contratado, é instruído para entregar a mercadoria ou insumo somente quando necessário para a confecção do produto a ser mercantilizado pelo contratante.[48] Esse contrato pode vir acompanhado de serviços complementares em geral também um contrato de transporte de carga[49] e caso a contratante ou contratada não disponha desse serviço de logística esse poderá ser ainda celebrado com um terceiro.
Quanto a natureza jurídica do contrato de fornecimento assim entende Sílvio de Salvo Venosa:
O contrato de fornecimento pertence àquela categoria de contratos mistos por nós referida ao tratarmos da classificação e interpretação. O fornecedor não apenas de obriga a entregar as coisas, no que o negócio se aproxima da compra e venda e da locação, como também a realizar atos, a fim de possibilitar que o fornecido delas se utiliza, no que aufere princípios da empreitada. Ao fornecido resta a obrigação principal de pagar o preço.[50]
O ponto fraco na solidez desse sistema é que demanda perfeita integração entre as empresas e a continuidade do pagamento para que a produção da contratante não se veja prejudicada.
Esse método de compra tem sido cada vez mais difundido dados os benefícios e a redução de custos de estocagem, logística e demais encargos trabalhistas decorrentes.
Observe-se a problemática do estudo da restituição: se uma das empresas dessa cadeia de produção just in time seja contratado ou contratante vier a se encontrar em uma situação de crise, que resulte no pedido de recuperação judicial ou decretação de falência os valores ou mercadorias entregues a esse contratante ou contratado estaria sujeito à hipótese de restituição?
Pois bem, no primeiro caso, o deferimento da Recuperação Judicial não implica no rompimento de contratos ou avenças bilaterais, isso incluí o contrato de fornecimento just in time, esse entendimento é pacificado. Assim entende Paulo Sérgio Restiffe:
Na atual Lei de Falências, as obrigações do devedor havidas até a data da distribuição do pedido, se houver mais de um juízo (art. 263 do CPC), devem observar as condições originalmente contratadas. No entanto, se inexistentes estas condições, devem ser respeitadas as regras definidas pela legislação correspondente, inclusive no tangente aos encargos, consoante estabelece o art. 49, § 2º, da Lei 11.101/2005. Anote-se, todavia, o plano de recuperação judicial, quanto às obrigações do devedor, poder estabelecer de modo diverso ao que originalmente contratado, haja vista os efeitos da novação dos créditos (art. 59 da Lei 11.101/2005). (…) Ainda quanto às obrigações do devedor, deve-se salientar que aquelas contraídas no decorrer do procedimento de recuperação judicial, inclusive as relativas às despesas com fornecedores de bens ou serviços e contratos de mútuo, são consideradas, em caso de decretação de falência, como créditos extraconcursais (arts. 67, caput, e 84, V, da Lei 11.101/2005). Ademais, os créditos quirografários pertencentes a fornecedores de bens ou serviços que continuarem a provê-los normalmente após o pedido de recuperação judicial passam a ter privilégio geral de recebimento em caso de decretação de falência, no limite do valor dos bens ou serviços, fornecidos durante o período da recuperação (arts. 67, parágrafo único, e 83, V, b, da Lei n. 11.101/2005). (…)[51]
O fornecedor poderá continuar com o contrato tendo seus créditos privilégio geral quando da sua inserção em quadro geral de credores caso sobrevenha a falência. O crédito do fornecimento na recuperação judicial só será extraconcursal quando a obrigação for assumida pela empresa em crise quando no curso de sua recuperação judicial.
Para que haja o rompimento do contrato aplica-se a regra geral da exceção do contrato inadimplido, pois não é prudente que o fornecedor, interrompa o abastecimento da recuperanda, podendo causar a mesma sério prejuízo e até mesmo resultando em sua quebra, enquanto essa, por lei ou por contrato, estiver em dia com suas obrigações, portanto não dando causa a perda do fornecimento.
Poderá, contudo, não existe vedação para que o fornecedor exija caução por parte da recuperanda para continuar suprindo a empresa caso haja receio de dano, tal pretensão deve ser fundamentada e sujeita à apreciação do magistrado do juízo onde se processa a recuperação judicial já que a garantia dada pela recuperanda, dependendo de sua natureza, pode ser cediça sem consentimento dos credores ou de autorização judicial.
Se sobrevier o pedido de falência da recuperanda a empresa que fornecia nessa modalidade contratual à recuperanda poderá pretender a restituição a que se refere o parágrafo único do art. 85 da LRE dos bens entregues à falida no prazo a que se refere tal dispositivo com demais créditos habilitados com privilégio geral.
Contudo, conforme será estudado no próximo capítulo, nem a lei nem a jurisprudência dão conta da possibilidade dessa pretensão sobre mercadorias entregues após os quinze dias do pedido de falência.
Já no segundo caso, no da decretação de falência, esbarra na mesma problemática; está sacramentado que os bens entregues nos quinze dias que antecederam o pedido de falência podem ensejar a pretensão real a restituição, contudo ainda resta dúvida quanto às bens entregues após.
Essa dúvida pode ser respondida quando da análise da classificação do contrato de fornecimento just in time: contrato consensual, bilateral, oneroso, comutativo, nominado, atípico, informal, de trato sucessivo ou de duração. O fornecimento, em geral, assemelha-se muito mais com um contrato de mútuo do que com um contrato de compra e venda, o oposto do que se observa com o contrato de fornecimento just in time, que tem mais semelhança com esse último ainda mais porque há ainda a possibilidade de se individualizar o bem sobre o qual exercerá tal pretensão.
Dada essa forte semelhança e natureza atípica há sim a possibilidade da credora pretender a restituição dos bens abrangidos pelo termo legal do parágrafo primeiro do art. 85 da LRE.
4.3 A RESTITUIÇÃO NOS CONTRATOS BANCÁRIOS IMPRÓPRIOS
Segundo definição dada a tais operações por Fabio Ulhoa Coelho, que entende que tais operações, que em tese seriam exclusivas de bancos podem ser realizadas por outras entidades que não esses.[52]
4.3.1 Contratos de Fomento Mercantil – Factoring
Pela característica dos créditos de fomento e pela maneira com que se operacionalizam essas empresas, o crédito percebido pela empresa proveniente de fomento mercantil costuma ocorrer quando o crédito junto às instituições bancárias já está abalado ou mesmo esgotado. Isso porque as entidades que fornecem esse tipo de serviço creditício se sujeitam ceder créditos com maiores altos riscos em busca de maior lucratividade.
Os encargos decorrentes desse tipo de contrato são notadamente de maior vulto do que aqueles que provém de mútuo com instituições bancárias o que fazem desses créditos as “últimas alternativas” para o empresário que necessita capitalizar sua empresa.
Portanto, não é raro que quando a empresa já se encontra em profunda e até mesmo irremediável crise já esteja levando como credores entidades ou pessoas que travaram com a mesma contratos dessa espécie.
Fábio Ulhoa Coelho explica, sinteticamente, esse tipo de contrato do seguinte modo:
O fomento mercantil (factoring) é o contrato pelo qual o empresário (faturizador) presta a outro (faturizado) serviços de administração do crédito concedido e garante o pagamento das faturas emitidas (maturity factoring). É comum, também, o contrato abranger a antecipação do crédito, numa operação de financiamento (conventional facoring). A natureza bancária do conventional factoring é indiscutível, á vista da antecipação pela faturizadora do crédito concedido pelo faturizado à terceiros, que representa inequívoca operação de intermediação creditícia abrangida pelo art. 17 da LRB. Já em relação ao maturity factoring, em razão da inexistência do financiamento, poderia existir alguma dúvida quanto a seu caráter bancário.[53]
Os contratos empresariais de fomento mercantil são podem ser divididos em dois gêneros: a) convencional factoring e b) maturity factoring. No primeiro, como dito, o prestador do serviço de factoring apenas administra a cobrança das faturas emitidas, pagando o empresário contratante em dia, independentemente da adimplência ou não por parte dos terceiros. No segundo há uma operação de financiamento, onde o empresário recebe o adiantamento de parte do valor dos créditos cedidos ao contratado.
Por não ser considerada atividade bancária a faturizadora não pode cobrar taxas de juros superior a legal, mas não há limites quanto a cobrança quanto aos serviços de assessoramento e administração prestados ou mesmo quanto às garantias que pode exigir da contratante quanto a solvência dos títulos cedidos.
E é justamente em decorrência dessas garantias que poderá resultar em pedidos de restituição ou mesmo revocatórias.
Em geral não são as faturizadoras as autoras dos pedidos de restituição, são sim alvos de pedidos de revogação e ineficácia de contratos com a falida promovidos pelo administrador judicial. Pois muitas vezes os termos pelos quais avençam seus negócios com a empresa em crise induzem, de pronto, qualquer jurista a presunção de má-fé por parte da mesma.
A priori a cessão de direitos creditícios ou mesmo a administração desses é negócio particular, contudo não podem ser entabulados ao arrepio da lei de falências e em prejuízo a demais credores.
Pois bem, não raro encontrar também faturizadoras, ou pessoas físicas ligadas a essa, pretendendo restituição com base no caput do art. 85 sobre bens da massa falida cuja propriedade tenha sido transferida em garantia a solvência dos títulos cedidos pelos quais se operou ainda financiamento. Verificada situação como essa cumpre a investigação de tal crédito e se, dentro dos princípios regidos pela LRE, cabe a restituição – isso será feito caso o título pelo qual se baseia a propriedade seja rivalizado pelo administrador judicial, pela falida, pelo comitê de credores ou ainda pelo agente ministerial.
4.3.2 Arrendamento Mercantil – Leasing
Segundo Fábio Ulhoa Coelho o Arrendamento Mercantil, também conhecido como leasing, é a “locação caracterizada pela faculdade conferida ao locatário (arrendatário) de, ao término do prazo locatício, optar pela compra do bem locado”.[54] Entende-se ainda que o arrendamento mercantil se porta como uma sucessão de dois contratos distintos, o de locação para o de compra e venda. Sendo que o de compra e venda é opcional.
Nessa modalidade de contrato existe um valor chamado Valor Residual Garantido (VRG), que é avençado entre as partes, e o pagamento desse é necessário caso o arrendatário entenda por bem que ao final do contrato de locação desejar adquirir a propriedade do bem locado do arrendador. O pagamento desse valor e aquisição do bem é ato unilateral do arrendatário. Pago o VRG, transfere-se a propriedade.
São duas as principais espécies de leasing celebrado pelas empresas:
Há duas espécies de leasing: Operacional e financeiro. A principal diferença diz respeito ao valor do resíduo a ser pago pelo arrendatário ao término do contrato, caso opte pela aquisição do bem: expressivo no operacional e inexpressivo no financeiro.
Então o leasing financeiro trata-se de um financiamento por parte do arrendador. Por vezes essa característica é tão evidente em certas avenças que a VRG é integrada a parcela mensal referente ao arrendamento do bem. Já o operacional é mais próximo à locação, pois há evidente diferença ente o valor da locação e o VRG, sendo que esse último é bem elevado, sendo realmente referente a compra do bem locado.
A solução para a restituição dada pela jurisprudência para os direitos de propriedade do arrendador quando da falência da arrendatária é bem elementar: Se a falida não quitar a VRG a propriedade do bem ainda é do arrendador que terá direito de reavê-lo pelo procedimento dado pelo caput do art. 85 da LRE. Agora, se a VRG integra a parcela, sendo nítido o contrato de financiamento ou ainda estando essa quitada, o arrendatário não terá direito a restituição do bem, pois a propriedade já estava sendo ou foi transferida quando do pagamento da VRG, que é ato unilateral da arrendatária, consoante jurisprudência que será estudada no próximo capítulo.
4.3.3 Alienação Fiduciária em Garantia
Trata-se da garantia mais comumente celebrada quando do mútuo, recaí em especial sobre de bens móveis duráveis.
Assim define Fábio Ulhoa Coelho:
A alienação fiduciária é o contrato pelo qual uma das partes (fiduciante) aliena um bem para a outra (fiduciário) sob a condição de ele ser restituído à sua propriedade quando verificado determinado fato. Trata-se de contrato-meio, que instrumentaliza outros contratos. A alienação fiduciária em garantia é a alienação fiduciária que instrumentariza o mútuo, sendo o mutuário o fiduciante e o mutuante fiduciário.
Em linhas gerais essa modalidade de alienação instituí a propriedade fiduciária como garantia que poderá ser consolidada como propriedade em pleno por parte do credor estando ele munido de todos os direitos a essa inerentes quando verificada a não avença do contrato principal.
Pode o credor então pretender ação de busca, apreensão e depósito sobre o bem móvel e, caso esse não seja encontrado, requisitar a prisão civil de seu depositário. Quando o bem for imóvel a mera consolidação da propriedade já lhe confere todos os direitos a essa inerentes.
Sobre a consolidação da propriedade assim entende Fábio Ulhoa Coelho:
O objeto da alienação fiduciária em garantia pode ser móvel ou imóvel. No primeiro caso, sempre que o contrato tiver sido celebrado no âmbito do mercado financeiro ou de capitais ou vise garantir créditos fiscais ou previdenciários (Dec.-lei n. 911/69, art. 8º-A), a mora ou o inadimplemento do fiduciante acarreta a pronta exigibilidade das prestações vincendas e possibilita ao fiduciário requerer em juízo a busca e apreensão do bem objeto do contrato. Não havendo o integral pagamento de todo o valor devido pelo fiduciante em 5 dias após a execução da ordem judicial liminar de busca e apreensão, a propriedade sobre o bem objeto de contrato consolida-se no patrimônio do credor fiduciário com vistas a tornar efetiva a sua garantia. Faculta então a alei a venda da coisa independentemente de leilão, avaliação prévia ou interpelação do devedor. Justifica-se a prerrogativa em virtude de titularizar o credor o domínio resolúvel da coisa alienada em garantia, ou seja, o bem alienado fiduciariamente integra desde sempre o patrimônio do credor (cf. Alves, 1973:153/253). Para reverter a consolidação da propriedade no patrimônio do credor não basta a purgação da mora, exigindo a lei que o devedor pague a totalidade do valor financiado ainda em aberto. Se o bem (móvel) não for encontrado na posse do fiduciante, a busca e apreensão pode transformar-se, a pedido do fiduciário, em ação de depósito. Além disso, tem também o credor a alternativa de promover a execução do crédito que titulariza em razão do mútuo.
À luz do disposto no caput do art. 85 da LRE a proprietária fiduciária pode vir a pretender restituição caso o bem seja arrecadado pelo administrador judicial, pois esse ato administrativo de constrição obsta a continuidade ou a possibilidade de pretender ação de busca, apreensão e depósito. Isso sem prejuízo à habilitação do valor remanescente, resultante da diferença do montante devido pela falida e do aferido pela credora, na falência como quirografário ou restituído à massa falida.
4.4 CONTRATOS DE ADIANTAMENTO DE CÂMBIO – ACC
O contrato de adiantamento de câmbio (ACC) feito por instituição financeira a empresa exportadora trata-se do único contrato empresarial que por si só comporta pedido de restituição na falência por força do art. 75, parágrafos 3º e 4º, da Lei 4.728/65 (LMC). Essa restituição comporta o valor principal, juros até a decretação da falência e correção monetária até a data da efetiva restituição. Sobre esse dispositivo assim entende Waldo Fazzio Júnior:
Como se sabe, no ACC a empresa exportadora, que contratou a venda de produto a importador estrangeiro, fecha contrato e câmbio com agente financeiro, recebendo em moeda nacional o valor que lhe deveria ser pago após a entrega do produto. Efetivada a tradição, no exterior, o importador paga ao banco, solucionando-se o negócio. Se o exportador não entregar o produto vendido, porque sua falência foi decretada, o agente financeiro pode pedir a restituição da importância que antecipou. Consoante o dispositivo citado, da Lei de Mercado de Capitais, essa restituição não está vinculada ao prazo de 15 (quinze) dias que antecede a quebra. (…)
Vale a pena trazer à colocação, porque elucidativo, o parecer do Senador Ramiz Tebet, relator do substantivo do projeto da LRE, sobre a matéria, quando lembra que o ACC é o principal instrumento de financiamento da produção para a exportação do Brasil. Como oportunamente assevera “os exportadores brasileiros pagam nesse tipo de financiamento juros menores que o Estado Brasileiro paga no lançamento de seus papéis no exterior. Esse baixo custo relativo do financiamento por ACC decorre do baixo risco e da grande segurança jurídica que o revestem”. Enfim, conclui dizendo que “inviabilizar o ACC significa reduzir exportações, causar retração na economia e gerar desemprego, o que não interessa a ninguém, especialmente à classe trabalhadora”. É fato.[55]
Como bem apontado pelo doutrinador citado a possibilidade de pretensão de restituição em face da massa falida dos valores adiantados em ACC está inserida na LRE pelo contrato travado para a exportação de mercadorias ter um interesse público relevante para o Brasil, razão pela qual o legislador facilitou ao máximo a restituição de valores à entidade financeira buscando, em princípio, a segurança jurídica o que levaria ao baixo custo da operação de exportação, essencial para a economia do país.
Malgrado divergências jurisprudenciais, os valores referentes ao contrato de adiantamento de câmbio não estão sujeitos à restituição antes de qualquer crédito em absoluto, é preterido pelos créditos trabalhistas de menor vulto – créditos trabalhistas, estritamente salariais, vencidos até três meses antes da decretação da falência, até o limite de cinco salários-mínimos por trabalhador: art. 151 da LRE. Afinal, é justo pensar que o fomento a exportação e o interesse do país não podem conflitar com os trabalhadores, justamente quem o legislador visa defender. Isso por força do parágrafo único do art. 86 da LRE, justamente o artigo no qual está o inciso II que autoriza o pedido de restituição para o referido crédito: esses dispositivos assim dispõe:
Art. 86. Proceder-se-á à restituição em dinheiro:
(…
II – da importância entregue ao devedor, em moeda corrente nacional, decorrente de adiantamento a contrato de câmbio para exportação, na forma do art. 75, §§ 3º e 4º, da Lei nº 4.728, de 14 de julho de 1965, desde que o prazo total da operação, inclusive eventuais prorrogações, não exceda o previsto nas normas específicas da autoridade competente;
(…)
Parágrafo único. As restituições de que trata este artigo somente serão efetuadas após o pagamento previsto no art. 151 desta Lei.
Ocorre que há evidente conflito normativo quando estudado o art. 75 da LMC, em especial o disposto nos parágrafos 3º e 4º, e súmula nº 307 do STJ. Tal conflito será estudado no capítulo seguinte, de toda a forma, em que pese entendimentos diversos, o dispositivo anteriormente citado é aquele que deverá ser aplicado, isso por força do princípio dado pelo § 1º do art. 2º do Decreto-lei 4657 de 1942, Lei de Introdução ao Código Civil – lex posteriori derogat a priori.
Sobre os demais requisitos impostos à restituição de ACC, assim entende Gladston Mamede:
Como ensinou o Ministro Luiz Fux, no julgamento do Recurso Especial 356.778/RS pela Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, tais operações de câmbio desdobram-se comumente em duas fases. “Primeira fase: concessão de adiantamento pelo banco em até 180 (cento e oitenta) dias antes do embarque da mercadoria, caracterizando-se como um financiamento á produção embora perdendo a desvalorização cambial posterior que possa ocorrer. Segunda fase: a mercadoria já está pronta e embarcada, até 60 dias após o embarque. Entretanto, poderá o exportador (vendedor) requerer o adiantamento da obrigação do banco – antecipação do pagamento em moeda nacional, que deverá, obrigatoriamente, ser averbado no próprio instrumento do contrato de câmbio. […] Deflui da dinâmica do referido contrato que se o negócio de exportação correr normalmente, o banco recebe de volta o valor adiantado, tão logo receba a moeda estrangeira remetida pelo banco do importador estrangeiro. No entanto, pode ocorrer que a exportação não seja efetuada por falência do exportador brasileiro […], e, desta forma, o banco não receberá as divisas estrangeiras, que não serão pagas pelo importador estrangeiro, que não recebeu a mercadoria.”[56]
Para que haja a possibilidade do agente financeiro pretender a restituição com base no inciso II do art. 86 é necessário que a operação tenha sido realizada nos moldes e nos prazos acima citados.
4.5 RESTITUIÇÃO QUANDO DA INEFICÁCIA OU REVOGAÇÃO DE CONTRATOS
A rigor, comprovada a má-fé por parte da falida, por meio de ação revocatória a restituição de valores será, em tese, determinada pelo juízo. Não sendo necessário, até mesmo em cortejo aos princípios da celeridade e da economia processual, que o requerente instrua, com o título judicial da ação revocatória que tramitou junto ao juízo universal, ação de restituição de valor, valendo-se a sentença da primeira, que contenha ordem de restituição, da mesma forma fosse dada em ação específica.
Ocorre que o julgador, mesmo não estando adstrito a visão jurídica das partes, não poderá condenar a massa falida a restituir o valor que a ação revocatória proposta pelo requerente tinha um caráter declaratório tão-somente. Aí sim, terá de se valer o requerente de ação de restituição para executar a massa falida e obter seu ressarcimento através do comando judicial executivo: “restitua-se”.
Assim dispõe o inciso III do art. 86 e art. 136 da LRE:
Art. 86. Proceder-se-á à restituição em dinheiro:
(…)
III – dos valores entregues ao devedor pelo contratante de boa-fé na hipótese de revogação ou ineficácia do contrato, conforme disposto no art. 136 desta Lei.
Art. 136. Reconhecida a ineficácia ou julgada procedente a ação revocatória, as partes retornarão ao estado anterior, e o contratante de boa-fé terá direito à restituição dos bens ou valores entregues ao devedor.
1º Na hipótese de securitização de créditos do devedor, não será declarada a ineficácia ou revogado o ato de cessão em prejuízo dos direitos dos portadores de valores mobiliários emitidos pelo securitizador.
2º É garantido ao terceiro de boa-fé, a qualquer tempo, propor ação por perdas e danos contra o devedor ou seus garantes.
O caput do art. 136 dá conta do direito da requerente em poder pretender, junto ao juízo, a restituição dos valores referentes a avença revogada ou cuja ineficácia foi declarada na preferência extraconcursal dada pelo inciso III do art. 86 da LRE. Se presume então que a sentença que revogou ou tornou ineficaz a avença tem, pela lei, natureza declaratória e não executiva tornando a ação de restituição a via executória cabível para o crédito obtido. Entretanto, não há óbices legais para que o requerente pretenda, em peça postular, a ordem para a inclusão dentre os créditos extraconcursais.
Como essa ação, assim como a que se refere o ACC, não é sobre direito real e sim sobre valores não há coisa sobre a qual se suspenderá a disponibilidade automaticamente, por força do art. 91 da LRE. Se pretende a requerente, na execução de sentença de ação revocatória, por meio da restituição, assegurar sua satisfação, deverá requerer medida assecuratória como a reserva do crédito.
Pela própria natureza da ação de restituição não se admite a possibilidade de execução de valores ilíquidos por meio dessa. A extensão do contrato revogado ou ineficaz deve ficar clara na ação revocatória que deu origem o pedido.
5 QUESTÕES CONTROVERSAS – CASE
O propósito deste capítulo não é esgotar as possibilidades de controvérsia na ação material, trabalho esse seria praticamente impossível quando se trata em direito aplicado dada a infinidade de casos com diferentes idiossincrasias, mas sim estudar as decisões e entendimentos, particulares, dos tribunais superiores no atinente a questão da ação de restituição, fazendo apontamentos pertinentes ao presente trabalho.
5.1 MATÉRIA SUMULADA – TRIBUNAIS SUPERIORES
Antes do estudo de caso e de decisões judiciais, conveniente se faz o estudo das súmulas dos tribunais superiores.
5.1.1 Supremo Tribunal Federal – STF
Assim dispõe a súmula nº 417 do STF: “Pode ser objeto de restituição, na falência, dinheiro em poder do falido, recebido em nome de outrem, ou do qual, por lei ou contrato não tivesse ele a disponibilidade.” [57]
A presente súmula é suficientemente fechada e ainda se encontra aplicável mesmo porque não se resume a contratos mercantis e sim a um direito de propriedade que teria terceiro sobre valores em posse da falida desde que sobre eles não tenha disponibilidade. Pela natureza, portanto, a eles se estende o benefício do pedido de restituição e a devolução de valores extra-concursal ainda que arrecadados devendo o autor do pedido fazer tão-somente a prova de sua propriedade sobre esses valores e sua entrega à falida.
Súmula nº 495 do STF: “A restituição em dinheiro da coisa vendida a crédito, entregue nos quinze dias anteriores ao pedido de falência ou de concordata, cabe, quando, ainda que consumida ou transformada, não faça o devedor prova de haver sido alienada a terceiro.”
A interpretação dessa súmula leva a entender que não só mercadorias vendidas a crédito à concordatária estariam sujeitas à restituição e sim qualquer tipo de bem, desde que entregues quinze dias antes do pedido de falência, autofalência ou concordata. A restituição não seria da res em si caso consumida ou transformada, seria em dinheiro como encargos da massa.
Observa-se que essa súmula estendeu ao extinto instituto da concordata hipótese ensejadora para a restituição de “coisa vendida a crédito”, indo além do comando legal do art. 76 e parágrafos da LCF (DL 7.661/1945) quando o devedor (concordatário, falido ou mesmo o Síndico da massa falida) não fizesse prova de sua alienação:
Art. 76. Pode ser pedida a restituição de coisa arrecadada em poder do falido quando seja devida em virtude do direito real ou de contrato.
1º. A restituição pode ser pedida, ainda que a coisa já tenha sido alienada pela massa.
2º. Também pode ser reclamada a restituição das coisas vendidas a crédito e entregues ao falido nos quinze dias anteriores ao requerimento da falência, se ainda não alienadas pela massa.
A motivação dessa súmula, segundo Carlos Henrique Abrão é notadamente a proteção ao credor quanto a possível má-fé com que estaria se comportando a concordatária:
O típico açodamento do concordatário procurando se desfazer das mercadorias adquiridas é sintomático e evidencia o espírito que norteou o negócio jurídico, procurando assim criar empecilhos ao terceiro, com o escopo de frustrar o desfecho oriundo do incidente e consubstanciado no pedido de restituição de mercadorias.[58]
Note-se que o entendimento não se escorava na arrecadação ou não da referida coisa e sim se entregue ao devedor no prazo de quinze dias e não fazendo ele prova de sua alienação, a ordem de restituição em dinheiro aconteceria de qualquer maneira, mesmo que a coisa já estivesse transformada. A restituição em dinheiro deve ser feita antes de qualquer credor, como encargos da massa e na concordata a ordem de restituição deveria ser cumprida imediatamente pela concordatária, não sujeita ao parcelamento.
Não foram encontrados precedentes jurisprudenciais quanto à aplicação da restituição da Súmula nº 495 do STF para a recuperação judicial contudo ainda há a aplicação da regra para a falência e autofalência do devedor, conforme será visto.
Entende-se que dados os novos princípios e a maneira com que se opera a nova legislação falimentar essa não seria aplicável no âmbito da recuperação judicial já que oneraria demais a empresa recuperanda e prejudicaria o concurso de credores.
Teria o magistrado, nesse caso, encontrar um elemento subjetivo, a má-fé da recuperanda quando da compra das mercadorias, mas se esse fosse encontrado mais prudente se faria, talvez, a convolação em falência da referida empresa. Ainda, some-se o fato de que cabe ao credor, que realiza a operação de venda à recuperanda, a prudência e aferição quanto às condições de solvibilidade da empresa antes de realizar tal operação mercantil.
Pode se dizer que a nova lei de falências incorporou parte do entendimento da presente súmula, mas separando a restituição da res da restituição em dinheiro.
O caso da restituição da coisa, em si, cuja ação é fundada no parágrafo único do art. 85, resolve-se com a entrega da coisa reivindicada, pois essa ainda não foi alienada e sua disponibilidade foi suspensa pela existência do pedido de restituição.
Agora para a restituição em dinheiro, no âmbito da presente súmula a LRE fez as seguintes disposições em seu art. 86.
Art. 86. Proceder-se-á à restituição em dinheiro:
I – se a coisa não mais existir ao tempo do pedido de restituição, hipótese em que o requerente receberá o valor da avaliação do bem, ou, no caso de ter ocorrido sua venda, o respectivo preço, em ambos os casos no valor atualizado;
[…]
Então a lei dispôs sobre a devolução de valores, a título indenizatório e extraconcursal, para aqueles que tiveram direitos assegurados pelo art. 85, caput, e parágrafo único, mas tiveram a coisa arrecadada e vendida no curso do procedimento falimentar de modo que o pedido de restituição veio após a venda dessa.
Hipótese legal é aplicada somente para bens arrecadados pelo administrador judicial, ou seja, tem um âmbito menos amplo do que o disposto na súmula onde a mera entrega da coisa e falta de prova de sua alienação já ensejaria a restituição.
Súmula nº 193 do STF: “Para a restituição prevista no art. 76, § 2º, da Lei de Falências, conta-se o prazo de quinze dias da entrega da coisa e não da sua remessa”.
A presente súmula pacificou apenas parte da problemática do prazo legal que ensejaria o pedido de restituição fixando o prazo na entrega da mercadoria. Em verdade o problema do presente prazo na ordem prática adquire proporções muito maiores. Os “quinze dias anteriores ao requerimento da falência” são de difícil aferição e percepção no mundo real.
Ora, o pedido de autofalência, da então concordata ou decretação de quebra não produz efeitos exteriores a ponto de deixar claro para qualquer um que negocie com a empresa em crise, realizando operação de venda a crédito. É claro que pelo requerimento da falência ser um ato público estaria ao conhecimento e alcance de todos, mas o fato é que o mesmo tribunal reconheceu a presumida má-fé da empresa em crise quando editou a súmula de nº 495 contudo não deve ter levado isso em conta quando extirpou do prazo as mercadorias entregues no dia seguinte ao requerimento com a edição da presente súmula.
É claro que o STF fez com base na regra geral do exceptio non adimpleti contractus e da possibilidade legal do vendedor sobrestar a entrega da coisa quando verificar que o comprador pode ter problemas quanto a sua solvibilidade. Tal disposição foi integrada cabalmente na LRE em seu parágrafo primeiro do art. 85:
Parágrafo único. Também pode ser pedida a restituição de coisa vendida a crédito e entregue ao devedor nos 15 (quinze) dias anteriores ao requerimento de sua falência, se ainda não alienada. (grifo nosso)
Contudo, como poderia esse vendedor, empresário, por exemplo, verificar que a mercadoria de alto valor agregado que enviou, há uma ou duas semanas atrás, foi entregue no dia seguinte ao pedido de falência da compradora?
Segundo a Súmula sua pretensão em receber de volta a mercadoria não estaria mais coberta pelo prazo compreendido para o pedido de restituição. Teria ele de ingressar com uma revocatória (talvez até mesmo com pedido liminar para a suspensão da disponibilidade sobre a coisa), comprovar o dolo da compradora, para aí conseguir ser de alguma forma indenizado após um penoso processo, em rito ordinário, junto ao juízo universal.
5.1.2 Superior Tribunal de Justiça – STJ
Súmula nº 36 do STJ: “36 – A correção monetária integra o valor da restituição, em caso de adiantamento de câmbio, requerida em concordata ou falência.”[59]
Está pacificado que a correção monetária sempre incidirá sobre qualquer valor devido pela falida ou recuperanda haja vista que a mesma se destina tão-somente a repor a perda monetária decorrente da inflação, não configurando acréscimo algum.
Súmula nº 133 do STJ: “A restituição da importância adiantada, a conta de contrato de câmbio, independe de ter sido a antecipação efetuada nos quinze dias anteriores ao requerimento da concordata.”
O Superior Tribunal de Justiça desembaraçou os valores referentes ao contrato de adiantamento de câmbio da problemática exposta anteriormente ensejada pela Súmula nº 193 do STF já ligando o contrato de adiantamento com os mesmos princípios ensejados pela Súmula nº 417, já que a problemática no contrato de adiantamento de câmbio seria a devedora efetivamente ter disponibilidade sobre os valores recebidos e se estaria dentro do âmbito de proteção do pedido de restituição.
A problemática também foi resolvida com o novo diploma falimentar a dispor expressamente sobre o contrato e a possibilidade desse ensejar o pedido de restituição, importando disposição do § 3º do art. 75[60] da Lei de Mercado de Capitais (Lei nº 4728/1965) desembaraçando a pretensão do credor em reaver valores referentes a tal operação do prazo de quinze dias anteriores ao pedido de falência.
Assim dispõe o referido dispositivo:
“Art. 75. O contrato de câmbio, desde que protestado por oficial competente para o protesto de títulos, constitui instrumento bastante para requerer a ação executiva.
1º. Por esta via, o credor haverá a diferença entre a taxa de câmbio do contrato e a data em que se efetuar o pagamento, conforme cotação fornecida pelo Banco Central, acrescida dos juros de mora.
2º. Pelo mesmo rito, serão processadas as ações para cobrança dos adiantamentos feitos pelas instituições financeiras aos exportadores, por conta do valor do contrato de câmbio, desde que as importâncias correspondentes estejam averbadas no contrato, com anuência do vendedor.
3º. No caso de falência ou concordata, o credor poderá pedir a restituição das importâncias adiantadas, a que se refere o parágrafo anterior.
4º. As importâncias adiantadas na forma do § 2º deste artigo serão destinadas, na hipótese de falência, liquidação extrajudicial ou intervenção em instituição financeira, ao pagamento das linhas de crédito comercial que lhes deram origem, nos termos e condições estabelecidas pelo Banco Central do Brasil.”(grifo nosso)
Súmula nº 307 do STJ: “A restituição de adiantamento de contrato de câmbio, na falência, deve ser atendida antes de qualquer crédito.”
Essa súmula veio a consagrar a restituição derivada de tal contrato como crédito extraconcursal. A LRE condicionou, contudo, o atendimento dos créditos decorrentes de hipóteses de restituição do art. 86 da LRE ao pagamento de credores trabalhistas, conforme art. 151
Art. 86. Proceder-se-á à restituição em dinheiro:
(…)
II – da importância entregue ao devedor, em moeda corrente nacional, decorrente de adiantamento a contrato de câmbio para exportação, na forma do art. 75, §§ 3º e 4º, da Lei nº 4.728, de 14 de julho de 1965, desde que o prazo total da operação, inclusive eventuais prorrogações, não exceda o previsto nas normas específicas da autoridade competente;
(…)
Parágrafo único. As restituições de que trata este artigo somente serão efetuadas após o pagamento previsto no art. 151 desta Lei. (grifo nosso)
O art. 151 da referida lei assim dispõe:
Art. 151. Os créditos trabalhistas de natureza estritamente salarial vencidos nos 3 (três) meses anteriores à decretação da falência, até o limite de 5 (cinco) salários-mínimos por trabalhador, serão pagos tão logo haja disponibilidade em caixa.
Portanto é de se entender que a súmula acabou por ter sua eficácia limitada pela lei ora em vigor em especial pelo parágrafo único do art. 86 da LRE, aplicado ainda o princípio do § 1º do art. 2º do Decreto-lei 4657 de 1942, Lei de Introdução ao Código Civil:
Art. 2º. Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.
1º. A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.
5.2 CONTROVÉRSIAS NA TUTELA DA POSSE, PROPRIEDADE E DEMAIS DIREITOS REAIS
a) Caso nº 1:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. JUÍZO UNIVERSAL DE FALÊNCIA – ‘VIS ATTRACTIVA’ – INAPLICABILIDADE ANTE AUSÊNCIA DE ANTERIOR QUEBRA. ANTECIPAÇÃO DA TUTELA – DEFERIMENTO – VENDA DE BENS ALIENADOS FIDUCIARIAMENTO – PRODUTO – IMPOSSÍVEL A REVERSÃO PARA A MASSA FALIDA – INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 7º DO DL 911/69. DECISÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. 1- A ‘vis attractiva’, exercida pelo juízo universal pressupõe a preexistência da quebra”. 2 – Ao credor ou proprietário fiduciário é assegurado o direito de pedir a restituição do bem alienado fiduciariamente na falência do devedor alienante, conforme disposto no art. 7º do Decreto-lei nº 911/69. (TJPR – 15ª C. Cível – AI 0327665-1 – Foro Central da Região Metropolitana de Curitiba – Rel.: Des. Silvio Dias – Unanime – J. 19.04.2006)
Nesse último caso tratava-se de uma ação de busca e apreensão distribuída antes da decretação da falência. Entendeu o tribunal, por unanimidade, que para as ações possessórias a vis attractiva do juízo falimentar só toma efeito após a decretação da falência. Houve apreensão de bens alienados fiduciariamente, já arrecadados na falência. O despacho rivalizado foi a decisão do juiz da vara cível em leiloar os bens para cobrir débito em face do credor fiduciário, proprietário.
O Desembargador Sílvio Dias entendeu, com concordância de seus pares, que era possível a venda pelo juízo que não o universal em razão da credora fiduciária já ter, de qualquer forma, direito a restituição dos bens na falência e já ter exercido seu direito antes da decretação de quebra.
Observa-se, portanto, aplicados os princípios da celeridade e da economia processual beneficiando-se o proprietário, então credor fiduciário. Entende-se ainda não ter havido prejuízo para a massa, que deveria de qualquer forma restituir bens que não eram de sua propriedade, provada essa antes mesmo da decretação da falência.
Uma ressalva deve ser feita, o Desembargador Relator escorou sua decisão na regra da vis attractiva e sua aplicabilidade. Argumentação cediça considerando a doutrina e jurisprudência no que tange a vis attractiva do juízo falimentar e a regra de suspensão de execuções na lei falimentar (ambos os diplomas, antigo e novo) Entendeu que os atos executórios reais (busca e apreensão), que foram levados à cabo pela credora fiduciária, não seriam suspensos pela decretação da falência desde que já estivessem em curso antes dessa.
Embora a decisão atenda aos interesses do credor e não demonstre grave prejuízo à falida, que teria qualquer valor excedente ao devido revertido em seu favor, com juros até a decretação de quebra, processualmente verifica-se cediça pelos motivos acima expostos.
Na realidade, pelo estudado, a decretação de quebra deveria ser informada naqueles autos de busca e apreensão, autos esses que deveriam ser então remetidos ao juízo falimentar para que lá fossem levados a cabo os atos executórios em face da massa falida (o destaque do bem reivindicado com posterior entrega a credora fiduciária).
b) Caso nº 2:
ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA – IMPENHORABILIDADE DO BEM – Se o executado figura como devedor fiduciário, sua condição é de mero depositário do bem alienado, sendo o credor fiduciário o autêntico proprietário, que detém o domínio resolúvel do bem, nos termos dos arts. 1.361 e 1.363, da lei nº 10.406/2002 (cód. Civil), sendo-lhe assegurado inclusive requerer sua restituição na hipótese de falência do devedor, a teor do que dispõe o art. 1.425, II, do mesmo diploma legal. Agravo de petição improvido, para manter a decisão que determinou o levantamento da constrição judicial incidente sobre o bem objeto da alienação fiduciária. (TRT 15ª R. – APPS 01580-2001-075-15-00-2 – (48601/2004)– 5ª T. – Rel. Juiz Fernando da Silva Borges – DOESP 10.12.2004)
No presente caso, proveniente do TRT, se decidiu pela impenhorabilidade de bem alienado fiduciariamente, pois o devedor não seria o proprietário do bem. O entendimento é pacífico e leva a intuir que o Administrador Judicial, quando da arrecadação, por ser ato de constrição, poderá se abster a fazê-lo quando verificar que determinado bem está alienado fiduciariamente e, portanto, não é de propriedade da falida.
Poderá, inclusive, diligenciar a entrega do bem ao proprietário, ressarcindo-se a massa de eventuais custos com depósito, tudo nos termos do disposto em contrato de arrendamento, recebendo a massa eventuais valores remanescentes.
APELAÇÃO CÍVEL – FALÊNCIA – PEDIDO DE RESTITUIÇÃO – ARRENDAMENTO MERCANTIL LEASING. ANTECIPAÇÃO DO VRG – O pagamento antecipado do valor residual garantido acarreta a descaracterização do contrato de leasing para contrato de compra e venda à prestação. Com a descaracterização do contrato, fica o mesmo desprovido da garantia real, o que por si só inviabiliza o pedido de restituição. Inviabilizada a restituição, descabe o pleito de devolução do valor dos bens, objetos dos contratos de arrendamento mercantil, em dinheiro e/ou habilitação do crédito correspondente na falência. Porque desatendidos os requisitos do ad. 82 e § 19 do Decreto-Lei nº 7661/45. A fixação da verba honorária, para a hipótese de improcedência do pedido de restituição, é uma conseqüência do que a respeito dispõe o art. 77, § 7º, do Decreto-Lei antes referido. Apelação desprovida. (TJRS – APC 70002114205 – 2ª C. Esp. Cív. – Relª Desª Lúcia de Castro Boller – J. 28.12.2001, grifo nosso)
No caso de pagamento do Valor Residual Garantido no contrato de Leasing a garantia real deixa de existir. Malgrado a decisão acima tenha acontecido quando do vigor da antiga lei de falências, deixando de existir a propriedade sobre o bem o art. 85, caput, da LRE não é mais aplicável e a restituição perde fundamento legal. Deverá então o credor habilitar-se como quirografário; dada a inexistência de garantias reais sequer pode ser considerado credor privilegiado.
COMERCIAL – RECURSO ESPECIAL – CONTRATO DE MÚTUO GARANTIDO POR ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA – FALÊNCIA DO DEVEDOR – PRETENSÃO DE HABILITAR O CRÉDITO COMO PRIVILEGIADO – POSSIBILIDADE – 1. Em caso de falência do devedor, o crédito decorrente de contrato garantido por alienação fiduciária deve ser habilitado como privilegiado. Não se exclui, ainda e por óbvio, a possibilidade de o credor requerer a restituição do bem (art. 7º do Decreto-Lei 911/69). 2. A circunstância de o credor – Proprietário fiduciário – Haver exercido ação executiva não desconstitui o direito real resultante da alienação fiduciária. (STJ – RESP 200501792380 – (791194 RS) – 3ª T. – Rel. Min. Humberto Gomes de Barros – DJU 05.02.2007 – p. 225)
No presente caso o credor decidiu por habilitar-se como credor privilegiado, por garantia real, obedecendo à classificação do art. 83, II da LRE, em falência ao invés de requerer a restituição do bem. Há a possibilidade da escolha pelo credor, mas nesse caso entraria ele em quadro geral e estaria sujeito ao concurso de credores.
Tal possibilidade de escolha pode ser conveniente a credores quando da falência de devedores com grande disponibilidade de valores quando de sua liquidação, pois ao invés de receber novamente o bem (art. 85, caput, da LRE) ou mesmo o produto de sua venda (inciso I do art. 86 da LRE – geralmente bem abaixo do valor devido) com inscrição de saldo remanescente como quirografário (consoante disposição da alínea b, do inciso VI, do art. 83 da LRE) estaria habilitado na integralidade do valor em quadro geral de credores como crédito com garantia real (inciso II do art. 83), somente atrás dos trabalhistas até o limite de 150 salários mínimos e decorrentes de acidentes de trabalho (inciso I do art. 83 da LRE), dos quais estaria mesmo se estivesse habilitado em restituição pelo inciso I do art. 86 da LRE por força do disposto no parágrafo único desse mesmo artigo e art. 151 da LRE (ressalvados os de acidente de trabalho).
5.3 RESTITUIÇÃO COMO TUTELA A CRÉDITOS PREVIDENCIÁRIOS DESCONTADOS DO EMPREGADO E NÃO RECOLHIDOS PELA FALIDA
Caso:
FALÊNCIA – Contribuição previdenciária – Pedido de restituição – Desconto de empregados e não recolhimento ao INSS – Reivindicação como bem de terceiro – Possibilidade – Aplicação da súmula 417 do Supremo Tribunal Federal – Extinção do feito afastada – Recurso provido. (TJSP – AC 256.453-4 – Guarulhos – 6ª CDPriv. – Rel. Des. Reis Kuntz – J. 05.12.2002)
A jurisprudência é pacífica no sentido de entender pela aplicação do entendimento da Súmula nº 417 do Supremo Tribunal Federal onde é cabível o pedido de restituição de valores em posse da falida quando ela não detém a disponibilidade sobre eles. A aplicação mais intensa da presente súmula é quando da restituição à União de valores descontados em folha para o pagamento de INSS isso porque a falida não teria a disponibilidade sobre os valores que pertencem a União assim que descontados dos empregados.
Sobre o assunto o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) editou a seguinte súmula para uniformização de jurisprudência:
SÚMULA Nº 21 – TJRJ (Uniformização de Jurisprudência).
FALÊNCIA – PEDIDO DE RESTITUIÇÃO – CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS – UNIFORMIZAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA.
“É passível de restituição, na falência, a contribuição previdenciária arrecadada dos empregados, da qual é depositário o falido, não tendo dela disponibilidade.”
REFERÊNCIA: Uniformização de Jurisprudência nº 03/87 na Apelação Cível nº 36.600 – Julgamento em 28.09.87. Relator: DES. PECEGUEIRO DO AMARAL. Registro do Acórdão em 08/04/88.
Conclui-se que para qualquer tipo de valor, especialmente os de natureza tributária, desde que já descontados do empregado para posterior recolhimento, há a incidência do disposto na Súmula nº 417 do STF ensejando direito a restituição como crédito extraconcursal.
5.4 RESTITUIÇÃO COMO TUTELA A CRÉDITOS EM FACE DE INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS FALIDAS (DEPÓSITO)
Caso:
AGRAVO INTERNO – RECURSO ESPECIAL – AÇÃO DE RESTITUIÇÃO – FALÊNCIA – DEPÓSITO BANCÁRIO – RESTITUIÇÃO – I. A impugnação da parte é viabilizada pelas razões de decidir da decisão agravada, não havendo qualquer prejuízo na ausência de publicação do leading case adotado. Precedentes do egrégio Supremo Tribunal Federal. II. Não há falar, in casu, em ausência de interesse recursal do Banco Central do Brasil, pois o agravante não logrou demonstrar a definitividade da sentença que julgou a ação revocatória noticiada, sendo impossível verificar seus efeitos. III. Ao Superior Tribunal de Justiça compete, exclusivamente, unificar o direito infraconstitucional, não havendo lugar para se discutir, com carga decisória, preceitos constitucionais. IV. O contrato de depósito bancário não é depósito comum, pois nele a instituição financeira detém a disponibilidade do dinheiro depositado, ficando afastada, a incidência do artigo 76 da Lei de Falências. Precedente. Agravo improvido. (STJ – AARESP 200301196654 – (586543 MG) – 3ª T. – Rel. Min. Castro Filho – DJU 13.11.2006 – p. 245, grifo nosso)
Ao passo que para valores de natureza tributária descontados de empregados e não repassados aos cofres públicos (ou autarquia) enseja a possibilidade de restituição pela da aplicação da súmula nº 417 do STF a mesma sorte não assiste o credor que escolheu por depositar valores junto a instituições financeiras. Pois desses valores, depositados em conta, a instituição pode ter a disponibilidade do valor.
Contudo, caso o depósito seja de joias, obras de arte, ou valores em qualquer tipo de moeda ou títulos em “caixa forte” o contrato é o de depósito comum, pois desses valores e bens a instituição financeira não tem a disponibilidade ensejando aí a restituição pela referida súmula ou mesmo pelo exercício da propriedade em aplicação do art. 85, caput, da LRE.
5.5 RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO
a) Caso nº 1:
AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE MERCADORIA. COISA QUE NÃO SE ENCONTRA MAIS NA POSSE DA CONCORDATÁRIA/FALIDA. INEXISTÊNCIA DE PROVAS QUE COMPROVEM A ALIENAÇÃO A TERCEIROS. RESTITUIÇÃO DO EQUIVALENTE EM DINHEIRO. 1. Como no contexto sob exame as mercadorias não se encontram mais na posse da então concordatária, ora massa falida, e inexistem provas no sentido de que a recorrente teria alienado os produtos a terceiros, não se tratando de fato incontroverso, tem-se como imperativa a restituição à autora do valor equivalente ao das coisas alienadas e entregues à requerida. 2. A restituição em dinheiro da coisa vendida a crédito, entregue nos quinze dias anteriores ao pedido de falência ou de concordata, cabe, quando, ainda que consumida ou transformada, não faça o devedor prova de haver sido alienada a terceiro (Súmula 495 do STF). 3. Recurso conhecido e não-provido. (TJPR – 18ª C. Cível – AC 0181386-5 – Maringá – Rel.: Des. Fernando Wolff Bodziak – Unanime – J. 04.04.2007)
Trata-se de aplicação recente do clássico entendimento dado pela súmula 495 do STF. Malgrado seja esse precedente colhido de um pedido de restituição em concordata (LCF) convolada em falência, que é processada pela LRE, por força do disposto no art. 192, caput, da nova lei, tratando-se portanto de caso de restituição escorado na revogada LCF (DL 7.661/1945) com aplicação sobre falência processada pelo novo rito, observa-se que os julgadores ainda importam entendimentos anteriores ao vigor da nova lei. Desta feita, o entendimento dado pela súmula 495 do STF parece ainda estar em plena aplicação pelos tribunais, sem ressalva alguma.
A ordem para restituição do valor em dinheiro no caso acima se enquadra na hipótese do inciso I do art. 86 da LRE e recebe a natureza de crédito extraconcursal com a ressalva dada pelo parágrafo único desse mesmo artigo.
b) Caso nº 2:
APELAÇÃO CÍVEL – PEDIDO DE RESTITUIÇÃO – FALÊNCIA – CONTRATO DE CONSIGNAÇÃO DE MERCADORIAS – ALIENAÇÃO ANTES DA DECRETAÇÃO DA QUEBRA – AUTORIZAÇÃO DA RESTITUIÇÃO DO EQUIVALENTE EM DINHEIRO – INCIDÊNCIA DA SÚMULA 417 DO STF – PEDIDO DE RESTITUIÇÃO JULGADO PROCEDENTE – INVERSÃO DOS ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA. RECURSO PROVIDO – POR UNANIMIDADE.
(TJPR – 17ª C. Cível – AC 0339773-9 – Foro Central da Região Metropolitana de Curitiba – Rel.: Des. Fernando Vidal de Oliveira – Unanime – J. 28.02.2007)
No caso em tela houve a consignação de mercadorias a empresa cuja falência ocorreu supervenientemente e após essa já ter alienado as mesmas. Entendeu o julgador pela aplicação da súmula nº 417 do STF julgando procedente o pedido de restituição escorado na indisponibilidade dos valores recebidos pela falida em virtude de contrato de venda consignada.
Tal entendimento é um tanto quanto estranho a realidade da compra e venda por consignação pois existe a disponibilidade sobre a coisa e sobre valores até que findo o contrato. Assim explana Sílvio de Salvo Venosa quanto a essa espécie contratual:
Como acentuamos, é essencial que o tradens entregue a coisa móvel ao consignatário, bem como sua disponibilidade. No entanto, conserva a propriedade. Findo o prazo do contrato ou da notificação, conforme assinalado, terá ele direito ao preço ou à restituição da coisa. Outrossim, durante o lapso contratual não pode pretender a restituição nem turbar a posse direta do consignatário, que pode opor-lhe os meios possessórios. Como mantém o tradens o domínio, pode promover a venda da coisa para após o prazo de consignação, mediante a condição de reaquisição da disponibilidade. A esse respeito dispõe o art. 537 do vigente Código: “O consignante não pode dispor da coisa antes de lhe ser restituída, ou de lhe ser comunicada a restituição.”[61]
Então, na realidade, a falida tinha disponibilidade sobre os bens sim e também sobre o valores decorrentes de sua venda. Findo o prazo da consignação o consignante, como proprietário até a alienação dos mesmos, tem direito de reavê-los se estiverem na posse da falida ou de reaver o valor decorrente da venda desses, conforme previamente avençado. Na realidade o direito do consignante não necessita da aplicação da súmula, pois resume-se a propriedade sobre o bem e, se alienado pelo consignatório tem a propriedade sobre os valores decorrentes da venda desse, nos termos avençados somente ao final do prazo estipulado. O bem ou os valores decorrentes dele são sujeitos à restituição por força do disposto no art. 536 do CCB.
5.4 RESTITUIÇÃO NA FALÊNCIA DE ADMINISTRADORA DE CONSÓRCIOS
Caso:
APELAÇÃO CÍVEL. HABILITAÇÃO DE CRÉDITO. FALÊNCIA DA ADMINISTRADORA DE CONSÓRCIO. QUALIFICAÇÃO DAS PARTES CONSTANTE NOS AUTOS. PRESSEUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE RECURSAL PREENCHIDOS. LEGITIMIDADE PASSIVA DA ADMINISTRADORA PARA RESTITUIÇÃO DAS PRESTAÇÕES AO CONSORCIADO. FUNDO DE RESERVA QUE DEVE SER DEVOLVIDO. CORREÇÃO MONETÁRIA CABÍVEL A PARTIR DO PAGAMENTO DE CADA PARCELA. RECURSO NÃO-PROVIDO. (TJPR – 17ª Câm. Civ. – AC 0476765-9 – Foro Central da Região Metropolitana de Curitiba – Rel.: Des. Vicente Del Prete Misurelli – Unanime – J. 21.05.2008)
O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná tem entendido que o consorciado que depositou suas parcelar junto à administradora tem direito a restituição somente dos valores referentes ao fundo de reserva, acrescentando-se ao crédito juros até a decretação da quebra e correção monetária da data do efetivo pagamento. O crédito principal (valor das parcelas) deve ser classificado como quirografário, descontados os encargos referentes a administração, prêmio de seguro e adesão.
Entende o Tribunal, portanto, que o depósito de valores junto a grupos de consórcios não enseja os direitos de “depósito”, aplicando-se então a súmula nº 417 do STF, a exemplo do visto anteriormente no que tange os depósitos bancários (em instituições financeiras). Em caso jurisprudencial já citado, o depósito se descaracteriza pela disponibilidade que a instituição financeira tem sobre os valores deixados.
No caso do consórcio há que se aferir o âmbito de aplicação da súmula de nº 417, pois os credores do grupo depositam suas parcelas e do valor dessas a administradora não tem, em tese, a disponibilidade.
As associações como administradoras de consórcios dependem de autorização do Ministério da Fazenda de acordo com o inciso I do art. 7º da lei 5768 de 1971 e são reguladas e fiscalizadas pelo Banco Central do Brasil, de acordo com o art. 33 da lei 8.177 de 1991.
Não há a disponibilidade financeira da administradora de grupo de consórcio de acordo com a regulamentação dada pela circular nº 2.766[62] de 03/07/1997 do Banco Central do Brasil, aplicável por força dos dispositivos anteriormente citados, que versa o que segue:
Art. 4º Os recursos dos grupos de consórcio, coletados pelas administradoras, serão obrigatoriamente depositados em banco múltiplo com carteira comercial, banco comercial ou caixa econômica e aplicados, desde a sua disponibilidade, nos termos da regulamentação vigente.
Parágrafo 1º A administradora de consórcio efetuará o controle diário da movimentação das contas componentes das disponibilidades dos grupos de consórcio, inclusive os depósitos bancários, com vistas à conciliação dos recebimentos globais, para a identificação analítica por grupo de consórcio e por consorciado contemplado cujos recursos relativos ao crédito estejam aplicados financeiramente.
Parágrafo 2º Os montantes recebidos dos consorciados, enquanto não utilizados nas finalidades a que se destinam, conforme previsão contratual, devem permanecer aplicados financeiramente junto aos recursos do fundo comum do grupo, revertendo para esse fundo o rendimento financeiro líquido dessas aplicações.
A circular 3261 de 28/10/2004 do Banco Central do Brasil também dispõe outras regras estritas quanto a aplicação dos recursos do consorciado:
Art. 1º As administradoras de consórcio podem aplicar recursos coletados dos grupos de consórcio em fundos de curto prazo, fundos referenciados e fundos de renda fixa, nos termos da Instrução 409, de 18 de agosto de 2004, da Comissão de Valores Mobiliários, vedada a aplicação em fundos de investimento:
I – cuja atuação em mercados de derivativos gere exposição superior a uma vez o respectivo patrimônio líquido;
II – que receberem aplicações de recursos da própria administradora.
1º As aplicações de recursos coletados de grupos de consórcio nos fundos de investimento de que trata o caput oriundas de uma mesma administradora não podem exceder 20{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} (vinte por cento) do patrimônio líquido do respectivo fundo.
2º As administradoras de consórcio cujos grupos possuírem, na data da entrada em vigor desta circular, aplicações em fundos de investimento não permitidos nos termos deste artigo deverão se desfazer das referidas aplicações até 1º de abril de 2005.
Essa mesma circular também dispõe limites para a alavancagem desses recursos dos consorciados pela administradora.
As normas dada pelo Banco Central do Brasil, em todo o seu plexo, bem como aquelas dadas pela legislação ora em vigor intuem o jurista ao entendimento de que essas assim o são para primar pela proteção do consorciado pois estaria a administradora meramente “administrando” os seus bens, em custódia transitória e resolúvel dos mesmos para que o grupo possa ter seus objetivos satisfeitos.
Se assim entende-se a administradora, que venha a falir, por ingerência (dadas essas regras apenas assim ou de maneira criminosa seria possível uma instituição assim falir), estaria sujeita a uma enorme quantidade de pretensões de restituição sobre o patrimônio limitado, escorado em direitos de propriedade sobre esses valores bem como na súmula 417 do STF. O valor arrecadado, após liquidação da administradora, seria provavelmente incapaz de suprir todos os consorciados, que pretenderão reaver aqueles valores, que então se encontravam sob guarda e administração da falida, protegidos por denso plexo de normas em direito econômico. Ora, se todos os consorciados forem restituídos, na forma extraconcursal, os credores trabalhistas e demais (especialmente bancos), pelas regras classificatórias, sofreriam um enorme dissabor.
É por isso que, apesar de todas as limitações acima, tem entendido os tribunais que as administradoras de consórcio tem sim disponibilidade sobre os valores: “No caso de consórcio, em que as prestações eram pagas mensalmente, e passavam a integrar o patrimônio do falido, que poderia livremente dispor sobre o valor arrecadado, não existe fundamento legal para o pedido de restituição, a rigor do artigo 76 da Lei de Falencias.” (TJPR – Acórdão 6929 – Apelação Cível 0390498-3 – 17ª Câmara Cível – Rel. Gamaliel Seme Scaff – Data j. 08/08/2007). Isso calcado na mera possibilidade da administradora escolher onde investir, tudo dentro das limitações normativas ora vistas.
Nessa esteira assevera nosso Tribunal em entendimento ainda mais recente: “O pedido de restituição fundado no art. 76, da antiga lei de falências (Dec. Lei nº 7.661/45), é cabível apenas em virtude de direito real ou de contrato. No caso, inexiste qualquer vínculo de direito real entre as partes. De outro vértice, a restituição também não é devida por força de relação contratual porque esta apenas é admitida se o falido não possui poder de disposição sobre os valores discutidos” (TJPR – 18ª C. Cível – AC 0412042-7 – Foro Central da Região Metropolitana de Curitiba – Rel.: Des. Renato Braga Bettega – Unanime – J. 16.04.2008).
À luz do estudado, fica claro que tal crédito seria, sim, sujeito à restituição, ao contrário do majoritário entendimento de nossos tribunais. Se há aqueles que vão sofrer dissabores pela aplicação do direito, que assim seja, cabe a nós, juristas, a aplicação da correta técnica legal deixando o restante para nossa corte política. É nítido que com a correta fiscalização por parte do Banco Central do Brasil e aplicação mais efetiva de sua normalização, até mesmo maior efetividade da ação policial, tal dramático evento como a falência da administradora de consórcios, não teria ocorrido.
Observe-se ainda que a falência pela lei 11.101/2005 por administradora de consórcio só é aplicável nos termos quando fundamentado em dispositivos autorizadores a seu processamento como tal, em juízo competente, nos termos da lei 6024 de 1974. Ainda dentro dessa citada lei o procedimento de liquidação aceita o disposto quanto a pedidos de restituição na lei 11.101/2005, isso pela inteligência do dispositivo que segue:
Art. 34. Aplicam-se à liquidação extrajudicial no que couberem e não colidirem com os preceitos desta Lei, as disposições da Lei de Falências (Decreto-Lei nº 7 661 de 21 de junho de 1945), equiparando-se ao síndico, o liquidante, ao juiz da falência o Banco Central do Brasil, sendo competente para conhecer da ação revogatória prevista no artigo 55 daquele Decreto-Lei, o juiz a quem caberia processar e julgar a falência da instituição liquidanda.
Portanto há que se afirmar, dada a oportunidade, que há ainda a possibilidade da pretensão de restituição em face de instituição financeira em liquidação extrajudicial junto ao Banco Central do Brasil.
6 CONCLUSÃO
O presente estudo abordou os aspectos de direito material como elementos legitimadores para a propositura da demanda. Entende-se que o aspecto de direito material da ação de restituição é composto pelo direito subjetivo da propriedade sobre a coisa a que se pretende restituição, no caso do art. 85, caput, da LRE. Por versar sobre direito real sobre coisa individualizável o titular da pretensão poderá exercê-la tanto judicialmente quando extrajudicialmente. Extrajudicialmente interpelando o administrador judicial para que não arrecade coisa de sua propriedade ou, se já arrecadada, pretender junto ao juízo universal a ação de restituição. Diferentemente dos demais casos de restituição, não fundados em direitos reais e sim em contratos mercantis com a devedora em crise ou mesmo insolvente.
Após definição do que se entende por posse e propriedade, adotando a visão hermenêutica do direito, entendeu-se que a proteção do art. 85, caput, da LRE, muito embora disponha somente tutela à propriedade por meio da restituição, também que essa é extensiva à posse pela própria natureza do instituto estudado.
Passou-se à análise dos aspectos processuais e da aplicabilidade da ação de restituição de bens e como deve ser seu manejo junto ao juízo universal pelo interessado. Concluiu-se pela natureza reivindicatória da ação de restituição. Concluiu-se que a ação de restituição é de cognição sumária, pelo procedimento dado pela LRE, onde deverá ser provada a posse ou propriedade sobre o bem pelo interessado ou ainda, no caso das demais hipóteses legais, serem juntadas provas documentais legitimadoras de tal pretensão.
Além de ser de cognição sumária a restituição, quando da pretensão real, sempre será uma ação executiva latu sensu pela própria natureza da sentença buscada pelo autor, qual seja: a ordem para a restituição, entrega da coisa pretendida, dada pelo magistrado a ser executada por mandado ou mesmo pelo próprio administrador, se possível.
Caso a pretensão de restituição recaia sobre bem vendido a prazo, parágrafo único do art. 85 da LRE, ou em contrato de adiantamento de câmbio (valores), conforme inciso II do art. 86 da LRE ou ainda na hipótese de revogação ou ineficácia do contrato, conforme inciso III do art. 86 da LRE.
A dinâmica da tutela pretendida muda se a coisa se perde ou é alienada. Se a coisa pela qual se pretende a restituição, com base no art. 85, caput, se perde, mas sua guarda estava comprovadamente ao encargo da devedora, a restituição será feita em dinheiro, de forma extraconcursal: inciso I do art. 86 da LRE. Aí a ação de restituição passa a ser condenatória: Pois condenará a falida a restituir o valor, inscrevendo o mesmo dentre os créditos extraconcursais.
No caso de venda a prazo de bens fungíveis ou, mesmo que individualizáveis, afetos à alienação à prazo nos quinze dias anteriores ao pedido de falência quem celebrou o contrato com a devedora poderá pretender a restituição desses bens. Os aspectos dessa modalidade de restituição, conforme estudados, pode se desdobrar em dois tipos de tutela: a) a executiva latu sensu, se os bens forem encontrados, arrecadados e, posteriormente e mediante ordem judicial, devolvidos ou b) a condenatória caso tenham sido comprovadamente entregues à devedora e essa não tenha prova de sua alienação ou tenham se perdido após arrecadação, como crédito extraconcursal e caso tenham sido alienados, todos regularmente, direito ao crédito desses decorrentes, todos esses de forma concursal. De qualquer forma a sentença condenará a massa a inscrição do respectivo crédito.
Nos demais casos específicos a restituição será, desde seu início, condenatória diferentemente dos casos de compra e venda a crédito e posse ou propriedade onde haverá, no início, a busca por uma sentença executiva latu sensu.
Conclui-se ainda que a ação de restituição comporta tutela preventiva bem como está sujeita ás regras gerais de cautelaridade. Admite ainda a antecipação de tutela pela qual poderá a interessada prestar caução, se assim entender o magistrado.
Entendeu-se ainda que a ação de restituição é o instrumento adequado para tutela de diversos direitos reais tanto na falência como na recuperação judicial.
Estudou-se ainda a restituição e sua dinâmica na tutela de contratos empresariais diversos, comumente celebrados na prática e que podem sofrer abalos pela crise ou mesmo insolvência da devedora e a aplicabilidade da ação de restituição como tutela para esses casos estudados, como no contrato de fornecimento just in time, factoring, leasing, alienação fiduciária em garantia, compra e venda a prazo, adiantamento de câmbio, no caso de revogação de contratos.
A partir do estudo passou-se a análise de súmulas e jurisprudência dos tribunais e o que esses entendem quando a restituição de bens. A maior controvérsia apontada no presente estudo foi a restituição em contratos de consórcio, quando a insolvência da administradora onde, embora bem nítidos todos os requisitos para o exercício da pretensão de restituição, essa é negada pelos tribunais, conforme já estudado.
Da análise da jurisprudência notou-se que a restituição como tutela da posse ainda é estranha e que essa é entendida, em muitos casos, como um “benefício” pelos julgadores quando na realidade sua pretensão é essencialmente “real”, sempre será do autor exigindo judicialmente de volta o que lhe pertence seja em virtude dos institutos da propriedade ou posse, seja em virtude de contrato ou em virtude de lei (no caso da compra e venda à crédito e no contrato de adiantamento de câmbio).
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[1] SILVA, Ovídio A. Baptista da. Ação de Imissão da Posse. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. 3º ed. P.27.
[2] Ibidem, p.29.
[3] Ibidem, p.29.
[4] Ibidem, p.30.
[5] Ibidem, p.32
[6] OLIVEIRA, Francisco Cardozo. Hermenêutica e Tutela da Posse e da Propriedade. Rio de Janeiro: Forense, 2006. 1º Ed. P. 77-78
[7] Ibidem, p. 81
[8] Ibidem, p. 83
[9] Ibidem, p. 81-82
[10] Ibidem, p. 83
[11] Ibidem, p. 89
[12] Ibidem, p. 86
[13] Ibidem, p. 87
[14] Ibidem, p. 90
[15] Ibidem, p. 93
[16] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. São Paulo:Atlas, 2006. 6ªEd. Vol. V, p.43.
[17] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2004. 18ªEd. Vol. IV, p.22.
[18] Ibidem, p. 27/28
[19] OLIVEIRA, Francisco Cardozo, op. Cit., p. 246
[20] Ibidem, p. 96-98
[21] Ibidem, p. 99
[22] Ibidem, p. 119
[23] Ibidem, p. 242-244
[24] PEREIRA, Caio Mário da Silva, op. Cit., p.92.
[25] VENOSA, Sílvio de Salvo, op. Cit., p.162/163.
[26] OLIVEIRA, Francisco Cardozo, op. Cit., p. 10.
[27] Ibidem, p. 10.
[28] Ibidem, p. 59-61
[29] MIRANDA, F. C. Pontes de. Tratado das Ações. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. Tomo X, p.495-496.
[30] SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Curso de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. 4º Edição. Vol. 2, p. 21
[31] WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso Avançado de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. 8º Edição. Vol. 2, p.286.
[32] SILVA, Ovídio Araújo Baptista da, op. Cit., p. 219
[33] Ibidem, p. 219
[34] Ibidem, p. 228
[35] Ibidem, p. 228
[36] WAMBIER, Luiz Rodrigues, op. Cit., p.287.
[37] SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Curso de Processo Civil. São Paulo:Revista dos Tribunais, 2000. 4º Edição. Vol. 2, p. 230
[38] MIRANDA, F. C. Pontes de. Tratado das Ações. São Paulo: Bookseller, 1998. 1ºEd. Tomo I, p.210
[39] Ibidem, p.215/216.
[40] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2007. 41ª Ed. P. 538.
[41] CINTRA, Antonio Carlos Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Ragel. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Malheiros, 2002. 18ºEd. P.317.
[42] SOUZA JUNIOR, Fracisco Satiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio A. De Moraes (Coord.). Comentários à lei de Recuperação de Empresas e Falência. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. 2º Ed. P. 91.
[43] ABRÃO, Carlos Henrique. Lei de Recuperação de Empresa: O Novo Regime da Insolvência Empresarial. Editora Saraiva, SP:2007. 2ºEd. P.261.
[44] COELHO, Fábio Ulhoa, op. Cit., p.332
[45] ABRÃO, Carlos Henrique. Comentários à Lei de Recuperação Judicial de Empresas e Falência. São Paulo: Saraiva, 2005, p.219.
[46] COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 5º ed. São Paulo: Saraiva, 2005. V. III, p. 332
[47] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 8º Ed. V.3. São Paulo: Saraiva, 2008., p.339
[48] ELIAS, Sérgio José Barbosa. A Análise do Valor e a Filosofia Just In Time. Disponível em: <http://www.abepro.org.br/biblioteca/ENEGEP2001_TR10_0106.pdf>. Acesso em 27/07/2008
[49] COELHO, Fábio Ulhoa. Op. Cit., p.167
[50] VENOSA, Sílvio de Salvo, op. Cit., p.485
[51] RESTIFFE, Paulo Sérgio. Recuperação de Empresas. 1ºEd. São Paulo: Manole, 2008. P.295
[52] COELHO, Fábio Ulhoa, op. Cit., p.142
[53] Ibidem, p.143
[54] Ibidem, p.145
[55] FAZZIO JUNIOR, WALDO. Lei de Falência e Recuperação de Empresas. 4ºed. São Paulo: Atlas, 2008. P. 353.
[56] MAMEDE, Gladston. Falência e Recuperação de Empresas. 2ºEd. São Paulo: Atlas, 2008. P. 507
[57] BRASIL, Supremo Tribunal Federal da República Federativa do. Súmulas. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/arquivo/cms/jurisprudenciaSumula/anexo/Sumulas_1_a_736.pdf>. Acesso em 25/08/2008
[58] ABRÃO, Carlos Henrique. O Pedido de Restituição na Concordata e na Falência. São Paulo: Universitária de Direito, 1991. 1ºEd. P.89.
[59] BRASIL, Superior Tribunal de Justiça da República Federativa do. Súmulas. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/webstj/Processo/Jurisp/Download/verbetes_asc.txt>. Acesso em 25/08/2008.
[61] VENOSA, Sílvio de Salvo, op. Cit., p.100.
[62] BRASIL, Banco Central do. Instruções Normativas e Circulares. Disponível em: <https://www3.bcb.gov.br/normativo/detalharNormativo.do?method=detalharNormativo&N=097130256>. Acesso em 25/08/2008