AÇÃO DE ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA – Contrato de Compra e Venda
Rénan Kfuri Lopes
SUMÁRIO
1. A AÇÃO DE ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA
2. CABIMENTO
3. REQUISITOS LEGAIS E FÁTICOS
4. LEGITIMIDADE PASSIVA E LITISCONSORTES NECESSÁRIOS
5. UNIÃO ESTÁVEL E TERCEIRO DE BOA-FÉ
6. TUTELA ANTECIPADA
7. ÔNUS DA PROVA
8. MULTA FIXADA PELO JULGADOR
9. SENTENÇA
10. CESSÃO DE DIREITOS SEM INTERVENÇÃO DA INSTITUIÇÃO FINANCIADORA
11. IMÓVEL VENDIDO A TERCEIROS
12. PRESCRIÇÃO E FORO
1. A AÇÃO DE ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA
A ação de adjudicação compulsória visa a aquisição da propriedade através de decisão judicial àquele que, havendo pago o preço total do bem, vê-se na contingência de não receber, pelo menos amigavelmente, a escritura definitiva. Constituem elementos indispensáveis à propositura eficaz da adjudicação compulsória: a) existência de compromisso de compra e venda sem cláusula de arrependimento, devidamente inscrito no Registro de Imóveis; b) preço inteiramente pago; c) recusa do vendedor em outorgar a escritura.
2. CABIMENTO
Usual no universo das transações de bens imóveis que as obrigações entre adquirentes de imóveis sejam ajustadas através do contrato preliminar de promessa de compra e venda, com base nas dicções dos arts. 462 e 463 do Código Civil:
Art. 462. O contrato preliminar, exceto quanto à forma, deve conter todos os requisitos essenciais ao contrato a ser celebrado.
Art. 463. Concluído o contrato preliminar, com observância do disposto no artigo antecedente, e desde que dele não conste cláusula de arrependimento, qualquer das partes terá o direito de exigir a celebração do definitivo, assinando prazo à outra para que o efetive.
Para que uma compra e venda de imóveis atinja a regularidade dominial o negócio se aperfeiçoa com o registro perante a matrícula do imóvel junto ao Cartório de Registro de Imóvel competente, prescrevendo o art. 1.245, caput e § 1º do Código Civil:
Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.
1º. Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.
…omissis…
Insta pontuar que a escritura pública só é essencial à validade dos negócios jurídicos, sua constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a 30 [trinta] vezes o salário mínimo no país [CC, art. 108].
3. REQUISITOS LEGAIS E FÁTICOS
A ação de adjudicação compulsória tem seus requisitos regrados pelos arts. 1.417 e 1.418 do Código Civil, in verbis:
Art.1.417. Mediante promessa de compra e venda em que se não pactuou arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel.
Art.1.418. O promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel.
Destarte, ao pé da lei são necessários os seguintes requisitos para a ação de adjudicação compulsória:
a) a existência de uma promessa de compra e venda por instrumento público ou particular;
b) não haja previsão do direito de arrependimento; e
c) registro da promessa de compra e venda no Registro de Imóveis
Todavia, em relação ao “registro da promessa de compra e venda” no registro de imóveis estampado no art. 1.417, essa exigência foi afastada pelo Superior Tribunal de Justiça através do enunciado da Súmula n. 239:
Súmula 239: O direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis.
Assim, existindo a promessa de compra e venda irretratável [sem direito de arrependimento] é possível propor uma ação de adjudicação compulsória.[1] O promitente tem o direito à aquisição do imóvel objeto de compromisso de compra e venda, após pagar todas as prestações nele previstas[2] e diante da recusa do vendedor em não lhe outorgar a escritura pública, cabível vir a juízo através da ação de adjudicação para garantir a sua titularidade do direito real de propriedade em nome do comprador.[3]
O pedido na ação de adjudicação será a determinação para que o vendedor/réu no prazo de 15 [quinze] dias providencia a escritura pública de compra e venda e se não o fizer, ocorra o suprimento judicial com a expedição de carta de adjudicação em favor do autor, que será levada ao Cartório de Registro de Imóveis com o efeito de escritura pública para lhe transferir o domínio.
4. LEGITIMIDADE PASSIVA E LITISCONSORTES NECESSÁRIOS
O promitente vendedor e o proprietário registral, pela natureza da pretensão de adjudicação compulsória, obrigatoriamente integrarão o posso passivo como litisconsórcio passivo necessário.[4]
A pretensão da adjudicação compulsória de imóvel adquirido em sucessivas compras e vendas torna necessário integrar à lide todos os integrantes da cadeia de transferência compromissória, a fim de que sejam extirpadas dúvidas quanto à legitimidade das cessões acordadas, sob pena de extinção do processo até a regularização subjetiva da contenda com a citação dos litisconsortes passivos.[5]
5. UNIÃO ESTÁVEL E TERCEIRO DE BOA-FÉ
No caso de união estável, ou seja, sem casamento formalizado, não há como vincular o terceiro convivente como promitente comprador ao polo ativo da demanda como litisconsorte ativo necessário, com o fito de anular o negócio, se não assinou o contrato de compra e venda. A ausência da outorga uxória do companheiro não poderá desamparar o terceiro de boa-fé.[6]
Sobre o assunto prelecionam Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves: “[…] considerando que a união estável é uma união de fato, sem a necessidade de registro público, não há como vincular terceiros, motivo pelo qual a outorga não pode ser exigida em nome da proteção do adquirente de boa-fé, resolvendo-se o problema entre os companheiros, através da responsabilidade civil…Essa desnecessidade de outorga na união estável se justifica por diferentes razões. Primus, porque se tratando de regra restritiva à disposição de direitos, submete-se a uma interpretação restritiva, dependendo de expressa previsão legal. Secundus, pois a união estável é uma união fática, não produzindo efeitos em relação a terceiros. Tertius, e principalmente, em face da premente necessidade de proteção ao adquirente de boa-fé, que veio a adquirir o imóvel sem ter ciência (e não há como se exigir dele) que o alienante havia adquirido o imóvel na constância da união estável. Por tudo isso, se um dos companheiros aliena (ou onera) imóvel que pertence ao casal, mas que está registrado somente em seu nome, sem o consentimento de seu parceiro, o terceiro adquirente, de boa-fé (subjetiva) está protegido, não sendo possível anular o negócio jurídico. No caso, o companheiro preterido poderá reclamar a sua meação, através de ação dirigida contra o seu companheiro/alienante, mas nada podendo reclamar do terceiros. Exigir, destarte a anuência do companheiro para a prática de atos por pessoas que vivem em união estável é desproteger, por completo, o terceiro de boa-fé. Assim, estando o bem registrado em nome de apenas um dos companheiros, lhe será possível aliená-lo ou onerá-lo, independentemente da outorga do outro companheiro. Neste caso, fica assegurado ao companheiro prejudicado o direito de regresso contra o convivente que dilapidou patrimônio comum (…)”.[7]
Noutra vértice, caso casado o vendedor quando do contrato de promessa de compra e venda do bem, devem ambos os cônjuges compor o polo passivo da demanda que versa sobre direito real imobiliário [ação de adjudicação compulsória], pois se trata de hipótese de litisconsórcio necessário.[8]
6. TUTELA ANTECIPADA
Possível o pleito de tutela antecipada pelo autor, quando entender e demonstrar initio lide a presença de elementos suficientes que bem evidenciam a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco de resultado útil do processo, sob pena de indeferimento [CPC, art. 300][9]. Mais costumeiramente essa tutela tem o propósito de averbar a indisponibilidade do imóvel até que a lide seja decidida, evitando que o vendedor coloque em risco o domínio discutido.[10]
7. ÔNUS DA PROVA
É ônus do promitente comprador comprovar os fatos constitutivos do seu direito, incumbindo-lhe fazer a prova do contrato de compra e venda, bem como da quitação do preço ajustado [CPC, art. 373,I].[11]
8. MULTA FIXADA PELO JULGADOR
É possível o juiz fixar multa diária em limites razoáveis para os casos de descumprimento de obrigação imposta, possuindo caráter coercitivo, ex vi art. 537 do CPC.[12]
9. SENTENÇA
A decisão que acolhe o pedido de adjudicação compulsória, por sua natureza constitutiva, tem força executiva própria, que, a fim de provisionar o cumprimento da obrigação de transferência da propriedade imobiliária à parte adquirente, não depende da prática de ato ulterior pelos requeridos [lavratura de escritura pública].[13]
Aliás, o art.501 do CPC dispõe que “Na ação que tenha por objeto a emissão de declaração de vontade, a sentença que julgar procedente o pedido, uma vez transitada em julgado, produzirá todos os efeitos da declaração não emitida”.
Destarte, por se tratar, como referido, de substituição judicial da declaração de vontade necessária à outorga da Escritura Definitiva de Compra e Venda, a Carta de Adjudicação, acompanhada da Sentença/Acórdão e do documento de quitação do ITBI [Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis], é que deve ingressar diretamente no registro imobiliário, para a transferência do bem à parte autora.
10. CESSÃO DE DIREITOS SEM INTERVENÇÃO DA INSTITUIÇÃO FINANCIADORA
Realizada a cessão de direitos sobre o imóvel do Sistema Financeiro de Habitação, sem a intervenção da instituição financiadora, esta não pode ser responsabilizada pela ausência de transferência de propriedade perante o Cartório de Registro de Imóveis, não dando causa, portanto, ao procedimento de adjudicação compulsória; considerando o princípio da causalidade, aquele que não deu causa à demanda, não deve ser condenado ao pagamento de encargos sucumbenciais.[14]
11. IMÓVEL VENDIDO A TERCEIROS
Torna-se impossível o manuseio da ação de adjudicação compulsória da outorga de escritura pública de compra e venda se ocorreu a alienação do bem a terceiros de boa-fé; cabendo ao autor discutir em ação própria, o seu direito à indenização por eventuais perdas e danos.[15]
12. PRESCRIÇÃO E FORO
O STJ entende que se trata de um direito potestativo, mas não havendo legislação estabelecendo o prazo decadencial, e por consequência o prescricional, pode ser pleiteado a qualquer tempo:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA. ATO NULO QUE NÃO SOFRE COM OS EFEITOS DA PRESCRIÇÃO. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.
Segunda a jurisprudência desta Corte, “tratando-se de direito potestativo, sujeito a prazo decadencial, para cujo exercício a lei não previu prazo especial, prevalece a regra geral da inesgotabilidade ou da perpetuidade, segundo a qual os direitos não se extinguem pelo não uso. Assim, à míngua de previsão legal, o pedido de adjudicação compulsória, quando preenchidos os requisitos da medida, poderá ser realizado a qualquer tempo” (REsp n. 1.216.568/MG, Relator o Ministro Luis Felipe Salomão, DJe 29/9/2015). Incidência da Súmula n. 83/STJ.
Agravo interno desprovido.
[STJ, AgInt no AREsp 1181960/GO, rel. Min. MARCO AURÉLIO BELLIZZE, 3ª TURMA, DJe 03.05.2018].[16]
A competência é territorial, do local do imóvel, aplicando a regra do art. 47 do CPC: “Art. 47. Para as ações fundadas em direito real sobre imóveis é competente o foro de situação da coisa.”
Exceção quanto uma das partes envolvidas se tratar de uma massa falida, independentemente da quebra ter sido decretada posterior ao ajuizamento da ação de adjudicação:
A competência para processar e julgar ação de adjudicação compulsória contra empresa incorporadora falida (in casu, a Encol) é do r. Juízo de quebra, independentemente de a decretação da falência ter sido posterior ao ajuizamento da ação de adjudicação.
Admitir que a ação de adjudicação compulsória proposta antes da quebra escape à vis attractiva do foro falimentar dá ensanchas a diversos inconvenientes contrários à noção de pacificação social decorrente da universalidade do foro falimentar e aos princípios da harmonia das decisões judiciais, do acesso à justiça e da celeridade.
Conflito conhecido para declarar a competência do r. juízo falimentar [STJ. CC 39112/GO, DJe 18.12.2009].
Sub Censura.
[1] Falta interesse de agir para a propositura de ação de adjudicação compulsória se a inicial estiver lastreada em documento diverso que não demonstre se tratar de uma compra e venda [TJMG, Apel. Cível 5007116-05.2019.8.13.0313, DJe 30.06.21].
[2] “A pretensão de adjudicação compulsória deve ser tutelada ante a prova do compromisso de compra e venda e pagamento integral do preço” [TJMG, Apel. Cível 9907341-04.2009.8.13.0079, DJe 07.06.21].
[3] “O imóvel cuja adjudicação compulsória se pretende deve ser transferido ao domínio do autor da demanda, mormente comprovada a contratação da compra e venda e o pagamento integral do preço” [TJMG, Agr. Interno 5070866-72.2019.8.13.0024, DJe 09.06.21].
[4] TJMG, Apel. Cível 5001707-63.2018.8.13.0384, DJe 26.05.21.
[5] TJMG, Apel. Cível 5000339-35.2018.8.13.0702, DJe 28.06.21.
[6] TJMG, Apel. Cível 6147446-68.2015.8.13.0024, DJe 18.06.21.
[7] ROSENVALD, Nelson . CHAVES, Cristiano. Curso de direito de família, 2012, 4ª ed., Ed. Juspodivm, p. 359/361.
[8] TJMG, Apel. Cível 5144983-68.2018.8.13.0024, DJe 09.06.21.
[9] “Nos termos do art. 300, do CPC, a tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco de resultado útil do processo. Carecendo a lide, ainda, de dilação probatória, a fim de evidenciar o direito perseguido, no que se refere à adjudicação compulsória, de se negar provimento ao agravo de instrumento que negou a liminar almejada pelo autor da ação [TJMG, AI 1.0024.16.05797-3/001, DJe 11.08.2017]. No mesmo sentido: TJMG, AI 5802606-45.2020.8.13.0000, DJe 05.08.21].
[10] “É possível a averbação de informação sobre a existência de ação de adjudicação compulsória na matrícula do imóvel, posto ser mera expressão da verdade, diante da efetiva tramitação do feito. Mantém-se a decisão que determina essa diligência, se não demonstrada a verossimilhança das alegações defensivas, tais como a realização de distrato” [TJMG, AI, 0322251-67.2021.8.13.0000, DJe 05.05.21]. TJMG, AI 0087476-44.2020.8.13.0000, DJe 09.07.21: “´Presentes nos autos, os requisitos do fumus boni iuris e o periculum in mora, deve ser deferida a tutela provisória de urgência requerida pela parte Autora, consistente na ordem de, até o julgamento final de demanda anulatória de consolidação de propriedade de imóvel objeto da alienação fiduciária, bloqueio da matrícula do bem e de sobrestamento do processo relativo a ação de imissão de posse ajuizada pelo credor fiduciário”.
[11] TJMG, Apel. Cível 1.0000.20.568647-0/001, DJe 07.04.21.
[12] TJMG, AI 0218348-42.2015.8.13.0027, DJe 05.08.21.
[13] TJMG, Apel. Cível 1.0000.20.576870-8/001, DJe 09.04.21.
[14] TJMG, Apel. Cível 0080781-22.2014.8.13.0344, DJe 12.07.21.
[15] TJMG, Apel. Cível 0005515-50.2017.8.13.0109, DJe 10.05.21.
[16] TJMG, Apel. Cível 0128281-65.2015.8.13.0145, DJe 18.06.21.