A USUCAPIÃO RURAL NO DIREITO PÁTRIO
Rebeka Coeli Coutinho
A Usucapião ou prescrição aquisitiva é uma forma originária de aquisição de direito de propriedade sobre um bem móvel ou imóvel em razão do exercício da posse, nos prazos e nos moldes previamente estabelecidos em lei.
De acordo com o ilustre escritor Arnaldo Rizzardo (2006), diz-se que a “Usucapião” é uma forma originária de aquisição da propriedade, pois o adquirente torna seu o bem, passando a exercer o domínio sobre ele sem que de outra pessoa tenha havido transmissão[1].
Tendo a sua origem na antiga civilização romana, a Usucapião foi criada com o objetivo de minimizar problemas sociais da época envolvendo posses e propriedades. Após anos de evolução, foi adotada pelas civilizações ocidentais, chegando ao Brasil no Século XXI, mais especificadamente no Código Civil de 1916[2].
Com o advento do Código Civil de 2002, a matéria foi delineada entre os artigos 1.238 a 1.244. A Usucapião possui oito espécies de aquisição diferentes de bens imóveis, além dos bens “móveis” tratados em outros artigos do mesmo diploma legal.
Vale destacar que cada espécie de Usucapião de bens imóveis conta com seus próprios requisitos específicos, ei-los:
- Extraordinário (artigo 1.238 CC);
- Ordinário (artigo 1.242. CC);
- Especial Rural (artigo 191 CF e 1.239 CC);
- Especial Urbano (artigo 183 CF e 1.239 CC);
- Coletivo (artigo 10 Estatuto da Cidade Lei 10.257/2001);
- Especial Familiar (artigo 1.240 – A CC).
A Usucapião de bens móveis:
- Ordinário (artigo 1.260 CC);
- Extraordinário (artigo 1.261 CC).
Adentrando especificamente na espécie Usucapião Rural, delimitado no art. 1239 do Código Civil, este especifica que aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, e que possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra em zona rural não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.
A Usucapião especial rural, também chamada de usucapião pró-labore, antes mesmo do Código Civil/2022, já possuía uma legislação própria, a Lei 6.969/1981; anos depois obteve um dispositivo próprio na Constituição Federal de 1988, mais especificadamente em seu artigo 191[3].
O Código Civil disciplina os requisitos básicos para concessão da posse originaria, sendo eles:
- Permanência contínua, sem contestação e com intenção de posse pelo prazo de 5 [cinco] anos consecutivos;
- Terreno situado em área rural de até 50 hectares;
- Transformar o solo em produtivo através do próprio labor e estabelecer residência nele;
- Não possuir outro imóvel, seja rural ou urbano.
A utilização da propriedade como forma de sustento, além de sua moradia, é um requisito importante a se destacar, deve-se utilizar a propriedade para sustento próprio ou familiar, devendo se produzir dentro da área possuída mediante seu próprio trabalho.
Dessa forma, o trabalho deve ser executado habitualmente pelo possuidor e por sua família, trabalhando e tornando a terra produtiva, não podendo ser executado por terceiros.
Importante destacar que a Usucapião Rural não possui natureza meramente declaratória[4] perante a decisão judicial, como as outras espécies, neste caso específico à sentença que reconhece essa modalidade de Usucapião, servirá de título para transcrição no Registro de Imóveis, conforme preceitua o art. 7º da Lei n. 6.969/1981[5], tornando o processo de registro ainda mais hábil.
Como o Código Civil delimitou a área máxima possível de se usucapir, surgiram inúmeras dúvidas a respeito de qual seria a área mínima permitida pelo ordenamento jurídico brasileiro.
Deste modo, a VII Jornada de Direito Civil do CJF aprovou o Enunciado n. 594, contendo os seguintes termos: “É possível adquirir a propriedade de área menor do que o módulo rural estabelecido para a região, por meio da usucapião especial rural”.
Frisa-se que a usucapião, que só passou a ser tratada no feminino pelo novo Código Civil, não representa um ataque ao direito de propriedade, mas sim uma homenagem à posse, em detrimento daquele que, tendo o domínio, abandona o imóvel, deixando que outro o ocupe e lhe contra função social e econômica mais relevante[6].
Por fim, salienta-se que a Usucapião Rural têm por objeto a proteção do trabalhador rural e o fomento do campo. O próprio termo “pró-labore”, derivado do latim, significa “pelo trabalho”; enfatiza o trabalho como fundamento para a aquisição da propriedade por meio da posse. Essa ideia está intrinsecamente ligada à valoração do trabalho manual e da atividade agrícola. Através desse mecanismo, é possível a regularização fundiária de posses longínquas e de boa-fé, garantindo assim a segurança jurídica e o acesso a terra para essas populações.
[1] RIZZARDO, Arnaldo. Direito das Coisas. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
[2] https://www.unievangelica.edu.br/files/images/DISSERTA%C3%87%C3%83O%20RIVALDO.pdf
[3] CF Art. 190. A lei regulará e limitará a aquisição ou o arrendamento de propriedade rural por pessoa física ou jurídica estrangeira e estabelecerá os casos que dependerão de autorização do Congresso Nacional.
Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.
[4] https://www.stj.jus.br/docs_internet/revista/eletronica/stj-revista-eletronica-2011_221_capTerceiraTurma.pdf
[5] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS//L6969.htm
[6] https://www.emerj.tjrj.jus.br/serieaperfeicoamentodemagistrados/paginas/series/16/direitosreais_51.pdf