A SUCESSÃO EMPRESARIAL NO DIREITO CIVIL, TRIBUTÁRIO E TRABALHISTA
Rénan Kfuri Lopes
A Sucessão Empresarial
No âmbito empresarial, é comum que pessoas jurídicas adquiram fundo de comércio [ponto comercial, marca, instalações de máquinas e equipamentos, técnicas de produção e carteira de clientes] ou o estabelecimento de outras pessoas jurídicas.
Em razão dessa compra de ativos, é possível que a sociedade adquirente seja responsabilizada por débitos da sociedade vendedora. Essa é a chamada “sucessão empresarial”, na qual a adquirente é considerada sucessora da adquirida e pode ser responsabilizada pelos débitos desta última.
A responsabilização decorrente de sucessão empresarial pode ocorrer em razão de dívidas civis [v.g. contratos com fornecedores ou dívidas bancárias], tributárias, trabalhistas, administrativas, ambientais ou, ainda, qualquer outra espécie de dívida, não havendo restrição nesse sentido.
A sucessão empresarial encontra-se regrada no artigo 1.146 do Código Civil, segundo o qual o adquirente responde pelo pagamento dos débitos anteriores à transferência, desde que devidamente escriturados. Como a lei não previu a possibilidade de as partes disporem em contrário, ainda que seja formulado um contrato particular isentando o adquirente de responsabilidade, essa disposição poderá ser considerada sem validade e, nessa situação, a responsabilidade persistirá mesmo com a edição de cláusula em sentido contrário.
Destarte, se demonstrada de forma contundente a alegada sucessão empresarial, mediante comprovação do exercício da mesma atividade das sociedades empresárias no mesmo endereço comercial, com compartilhamento do nome de fantasia da sucedida dentro da estrutura da sucessora, além do comprovado compartilhamento de endereços, não obstante a compra e venda, deve recair igualmente sobre o seu patrimônio a responsabilidade de garantir a execução, movida em desfavor da empresa sucedida, haja vista o evidente intuito de fraudar o credor.[1]
Ainda conforme a regulação do artigo 1.146 do Código Civil, a empresa antecessora continua responsável, solidariamente, pelo adimplemento das dívidas até o prazo de 1 [um] ano contado do vencimento da dívida ou, caso a dívida ainda não esteja vencida, contado da publicação da transferência dos ativos de uma sociedade para a outra. Porém, após esse curto prazo, a responsabilidade será exclusiva do adquirente. Vale lembrar que, mesmo antes do término do referido prazo, o adquirente será solidariamente responsável pelas dívidas.
Todavia, para a configuração da sucessão empresarial, é imprescindível a comprovação da alienação de parte significativa do complexo de bens da sociedade empresária a ser sucedida, sua clientela e seu ativo.
Sobre o tema, mister destacar a doutrina de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery[2]:
“Haverá o trespasse do estabelecimento somente quando o negócio se refere ao complexo unitário de bens instrumentais que servem à atividade empresarial, necessariamente caracterizado pela existência do aviamento objetivo. O princípio geral que inspira toda a disciplina jurídica do trespasse, como vem expressa nas várias legislações, é sempre o de resguardar a integralidade do aviamento, por ocasião da mudança de titularidade da casa comercial. Quando o contrato não se fixa, expressa ou implicitamente, sobre o aviamento, não se trata mais de trespasse do estabelecimento, como tal, mas da simples transmissão de uma acervo desconexo de bens,: não haverá, como observa Casanova, cessão, mas cessação do estabelecimento”.
Ademais, o Enunciado 59 da II Jornada de Direito Comercial prevê que “a mera instalação de um novo estabelecimento, em lugar antes ocupado por outro, ainda que no mesmo ramo de atividade, não implica responsabilidade por sucessão”.
Resta caracterizada a sucessão empresarial por fraude, por exemplo, quando há alternância entre empresas atuantes na mesma prestação de serviço, integradas por parente de sócios, como tentativa de evitar a fiscalização pelos órgãos competentes ou de se eximir de suas responsabilidades perante seus credores, o que possibilita o redirecionamento da execução.[3]
Limites da Responsabilidade Tributária Por Sucessão Comercial
Ab initio, o sujeito passivo é aquele que figura no polo passivo da relação jurídica tributária, voltando-se os olhos nos termos do art. 121 do CTN.[4]
Considerando que a sucessão empresarial pressupõe um negócio jurídico em que uma pessoa adquire de outro determinado objeto gravado com débito tributário não satisfeito, recebe, por sucessão, todos os deveres fiscais anteriores ao ato sucessório, ainda que, eventualmente, o lançamento daquele crédito seja realizado em momento posterior, nos termos do art. 129 do CTN.
A responsabilidade tributária, enquanto preposição prescritiva, consiste na norma jurídica de conduta que, a partir de um fato não tributário implica a inclusão do sujeito que o realizou no critério pessoal passivo de uma relação jurídica tributária, art.133 do CTN. Tem-se do dispositivo a clara redação e compreensão, a saber: a alienação de fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, gera, ao seu adquirente, a responsabilidade pelos tributos devidos, relativos àqueles objetos, até a data do ato.
O fato uma agravada exercer as mesmas atividades empresariais no mesmo endereço da devedora original não é suficiente para atrair a responsabilidade por sucessão empresarial, devendo o Ente exequente demonstrar efetivamente que houve negociação do fundo de comercio entre as empresas. A sucessão empresarial configura hipótese excepcional, cuja presunção não é possível com base em meros indícios. A mera ocupação do mesmo ponto comercial por sociedades diversas, decorrente de contrato de locação, não caracteriza sucessão de empresas.[5]
A jurisprudência do STJ é no sentido de que “a imputação de responsabilidade tributária por sucessão de empresas está atrelada à averiguação concreta dos elementos constantes do art. 133 do CTN, não bastando meros indícios da sua existência” (REsp n. 600.106/RJ, relator Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJ de 7/11/2005, p. 197). No mesmo sentido: REsp n. 1.669.441/PE, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de 30/6/2017; REsp n. 844.024/RJ, relator Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJ de 25/9/2006, p. 257. Agravo interno improvido”.[6]
Nota-se, portanto, que importa observar a data de ocorrência do fato jurídico tributário, para fins de responsabilização por sucessão, e não a data do lançamento, isto é, da constituição definitiva do crédito tributário, por ser irrelevante ao caso, mormente em razão de sua natureza declaratória.[7]
A responsabilidade por sucessão abarca, tão somente, os tributos devidos e não multas tributárias. E isso porque, nos termos do art. 3º do CTN, tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.
Em relação à alienação do estabelecimento somente produzirá efeitos erga omnes após a averbação no Registro de Empresas Mercantis ou Junta Comercial [CC, art. 1.144]; salvo se comprovada a sucessão mediante indícios e provas convincentes[8]. Vale anotar que o expediente da presunção – conceituado por Alfredo Augusto Becker como o “resultado do processo lógico mediante o qual do fato conhecido cuja existência é certa infere-se o fato desconhecido cuja existência é possível”[9] – deve ser utilizado com absoluta cautela, sob pena de incorrer-se em grave injustiça.[10]
As exceções à rega geral do art. 133, I e II do CTN são prescritas no art. 133, §§ 1º e 2º do CTN, nas hipóteses de falência; de filial ou unidade produtiva isolada em processo de recuperação judicial [c.c. art. 141,II da Lei 11.101/05]; sócio da sociedade falida ou em recuperação judicial, ou sociedade controlada pelo devedor falido ou em recuperação judicial; parente, em linha reta ou colateral até o 4º (quarto) grau, consanguíneo ou afim, do devedor falido ou em recuperação judicial ou de qualquer de seus sócios; ou, identificado como agente do falido ou do devedor em recuperação judicial com o objetivo de fraudar a sucessão tributária.
A sucessão no ambiente trabalhista
Os arts. 10, 448 e 448-A da CLT explicitam que o negócio jurídico realizado entre as sociedades empresárias não afeta a relação trabalhista originária. Essas disposições legais são fundamentais para garantir a proteção dos direitos dos trabalhadores em casos de transferência de titularidade ou de atividades econômicas entre empresas, in verbis:
CLT, art. 10 – Qualquer alteração na estrutura jurídica da empresa não afetará os direitos adquiridos por seus empregados.
CLT, art. 448 – A mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não afetará os contratos de trabalho dos respectivos empregados.
CLT, art. 448-A. Caracterizada a sucessão empresarial ou de empregadores prevista nos arts. 10 e 448 desta Consolidação, as obrigações trabalhistas, inclusive as contraídas à época em que os empregados trabalhavam para a empresa sucedida, são de responsabilidade do sucessor.
Parágrafo único. A empresa sucedida responderá solidariamente com a sucessora quando ficar comprovada fraude na transferência.[11]
Trata-se da consagração do instituto jurídico da sucessão trabalhista, que se opera, em princípio, quando há a transferência na direção, na propriedade ou no ramo empresarial de uma empresa para outra.
Segundo os termos dos mencionados dispositivos, a transferência da atividade empresarial não tem o poder de extinguir ou de modificar os direitos dos trabalhadores da empresa sucedida, os quais, exatamente por se mostrarem como a parte mais frágil a ser atingida pela negociação efetivada, não podem ter os seus direitos prejudicados pela sucessão efetivada.
O art. 10-A, na CLT prevê a responsabilidade subsidiária do sócio retirante relativamente ao período em que figurou na sociedade. No entanto, somente será aplicada essa responsabilidade às ações ajuizadas até dois anos depois de averbada a modificação do contrato.
Para o direito do trabalho o que importa, majoritariamente, é a proteção do trabalhador contra alteração na propriedade ou estrutura jurídica do seu empregador para que nenhum dos seus direitos pereça.
Na sucessão de empregadores é necessária a coexistência dos seguintes requisitos: a modificação da estrutura jurídica na titularidade da empresa e a continuidade da prestação de serviços pelo empregado ao novo empregador.
De acordo com a Orientação Jurisprudencial n° 261 da SbDI-1/TST em relação aos bancários, no caso de sucessão bancária, “as obrigações trabalhistas, inclusive as contraídas à época em que os empregados trabalhavam para o banco sucedido, são de responsabilidade do sucessor, uma vez que a este foram transferidos os ativos, as agências, os direitos e deveres contratuais, caracterizando típica sucessão trabalhista.”.
Quando há fusão ou incorporação, surge potencial conflito entre regulamentos internos aplicáveis ao quadro de pessoal de cada empresa, o que exige muita cautela.
Como se sabe, os regulamentos se incrustam aos contratos de trabalho e abrangem não apenas regras de conduta, mas também benefícios oferecidos aos empregados. Esse entendimento está cristalizado na Súmula nº 51, I, do TST: “I – As cláusulas regulamentares, que revoguem ou alterem vantagens deferidas anteriormente, só atingirão os trabalhadores admitidos após a revogação ou alteração do regulamento.”
Os casos mais corriqueiros na justiça laboral são as sucessões por outras empresas da mesma atividade, quando a sucedida estava falida; ou a sucessão por empresa sem qualquer lastro financeiro, apenas para apresentar uma nova personalidade jurídica.[12]
Explorando as características de sucessão trabalhista com esteio no art. 448 da CLT:
Manutenção dos Contratos de Trabalho: Conforme estabelece o artigo 448 da CLT, nos casos de sucessão empresarial, os contratos de trabalho dos empregados que estavam vigentes na empresa sucedida são automaticamente transferidos para a empresa sucessora.
Garantia dos Direitos Trabalhistas: Os direitos e obrigações trabalhistas adquiridos pelos empregados na empresa sucedida são preservados na empresa sucessora, incluindo salários, benefícios, antiguidade, entre outros.
Responsabilidade Solidária: Tanto a empresa sucedida quanto a empresa sucessora são responsáveis solidárias pelas obrigações trabalhistas dos empregados em relação ao período anterior à sucessão empresarial.
Continuidade da Atividade Econômica: Ao preservar os contratos de trabalho e os direitos dos empregados, a sucessão empresarial contribui para a continuidade da atividade econômica, evitando interrupções prejudiciais para a produção e para os próprios trabalhadores.
Inclusive, a empresa sucessora responde solidária e diretamente pelos créditos judicialmente deferidos em execução trabalhista movida contra a sucedida sociedade que teve sua falência decretada, se demonstrado na instrução processual a caracterização efetiva da sucessão empresarial.[13]
Teses para afastar a sucessão
A guisa de ilustração, algumas teses de defesa eficazes, se agasalhadas em provas documentais, vez que também guarnecidas pela jurisprudência:
– os sócios são distintos e sem qualquer grau de parentesco, não há confusão entre os sócios;
– não há prova da continuidade do negócio da executada, pois esta teve suas atividades paralisadas há anos atrás e a nova sociedade foi constituída posteriormente;
– não se sabia o que funcionava nesse imóvel anteriormente, capaz de vincular a alegada sucessora;
– não há prova da aquisição de ativos/estoque ou fundo de comércio;
– não há prova de trespasse;
– não há prova de qualquer vínculo contratual ou contábil que vincule as obrigações das sociedades;
– não há prova de transferência de bens materiais, captação da clientela e fundos de comércio;
– não há prova que se tenha agido com fraude, mediante simulação para prejudicar o exequente;
– os alvarás de funcionamento no âmbito municipal e estadual foram expedidos em anos diversos e distintos;
– a locação comercial da nova sociedade se deu no mesmo período que iniciou suas atividades, não havendo qualquer liame com a executada primitiva;
– os empregados nunca trabalharam para a executada;
– a mera instalação do novo comércio em local antes ocupado por outra sociedade, ainda que no mesmo ramo de atividade, não implica responsabilidade por sucessão; que não pode ser presumida sem provas de aquisição do estabelecimento e continuidade do negócio;
– tem-se dos autos originários da execução a inexistência de qualquer liame fático ou jurídico que ligue uma empresa à outra.
[1] TJMG, AI 1.0000.23.143105-7/001, DJe 21/03/2024.
[2] NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado, 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 890-891.
[3] TJRJ, AI 0050986-21.2021.8.19, DJe 05/11/2021.
[4] CTN, Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária. Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se: I – contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador; II – responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.
[5] TJRJ, AI 0084795-36.2020.8.19.0000, DJe 27/07/2021.
[6] STJ, AgInt no AREsp n. 2.071.642/GO, relator Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe de 15/6/2023.
[7] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 160.
[8] Ausentes elementos idôneas a elucidar a ocorrência de sucessão empresarial, medida de rigor a manutenção da decisão que indefere o pedido de inclusão da sociedade empresária no polo passivo da execução [TJMG, AI 1.0000.20.596083-4/001, DJe 27.09.2021].
[9] BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. São Paulo: Saraiva, 1963. p. 462.
[10] AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. Insurgência contra decisão que rejeitou exceção de pré-executividade. Alegação de ilegitimidade passiva em virtude de Sucessão Empresarial. Nos termos do Tema 1049, do C. Superior Tribunal de Justiça, para evitar o redirecionamento da execução da empresa sucedida para a empresa sucessora se faz imprescindível que o negócio jurídico tenha sido tempestivamente informado ao fisco. Precedentes. R. decisão agravada mantida. RECURSO DESROVIDO [TJSP; Agravo de Instrumento 2047538-06.2024.8.26.0000; 13ª Câmara de Direito Público; DJe 11/03/2024].
[11] A Lei 13.467/17 acrescentou à CLT o artigo 855-A. O texto consagra que se aplica-se ao processo do trabalho o incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto nos arts. 133 a 137 do CPC.
[12] AGRAVO DE PETIÇÃO DA EXECUTADA. SUCESSÃO TRABALHISTA. No direito trabalhista para que seja configurada a sucessão, é necessário que haja a transferência de ao menos uma unidade econômico-jurídica de uma empresa para outra, ou apenas a alteração de sua estrutura jurídica, nos termos do artigos 10 e 448 da CLT. Sendo assim, a sucessão se verifica pela simples passagem do acervo empresarial do sucedido ao sucessor, de modo a se evidenciar a continuidade do funcionamento da atividade empresarial e a identificação de seus fins, pouco importando se houve absorção total ou parcial do patrimônio da sucedida ou que esta ainda exista. No caso concreto, é evidente que a nova empresa, ao abrir o mesmo negócio da ex-empregadora da reclamante, no mesmo lugar, o fez mirando o fundo de comércio (bem imaterial da empresa). Essa, pois, a especificidade de que se reveste a sucessão trabalhista, qual seja a continuação do negócio. Agravo de petição a que se dá provimento [TRT1 – Recurso Ordinário Trabalhista n. 0095800-17.2002.5.01.0007. PRIMEIRA TURMA, Relator Mario Sérgio Medeiros Pinheiro. DJe 06.10.2020].
[13] STJ, AgInt no Resp 1.703.054/RJ, DJe 15.6.2018; STJ, REsp 1.322.624/SC, DJe 25.6.2013.