A REFORMA DO CÓDIGO CIVIL E AS MUDANÇAS QUANTO AO REGIME DE BENS – ALTERAÇÕES NA COMUNHÃO PARCIAL DE BENS – PARTE III
Flávio Tartuce
Nos meus últimos textos neste canal, analisei mudanças propostas para o tema do regime de bens, pela Comissão de Juristas nomeada no âmbito do Senado Federal, para a Reforma e a Atualização do Código Civil de 2002. No primeiro artigo foram abordadas as proposições relativas ao art. 1.639 – com o novo tratamento da alteração extrajudicial do regime de bens, perante o Tabelionato de Notas – e ao art. 1.653 do Código Civil – na regulação da chamada “sunset clause”. No segundo texto, analisei a possibilidade de criação do regime misto, com algumas de suas consequências, como a necessidade de respeito a normas cogentes.
Neste terceiro artigo da série, serão estudadas as principais modificações relativas ao regime de comunhão parcial de bens e, no quarto, as proposições em relação à separação convencional. Servirão esses dois trabalhos como preparação para a análise das mudanças projetadas para a sucessão legítima e a ordem de vocação hereditária (art. 1.829 do CC), que pretendo abordar na sequência em um novo artigo, tendo em vista uma conexão entre todos esses assuntos.
Sabe-se que atualmente a comunhão parcial é o regime legal ou supletório tanto em relação ao casamento quanto para a união estável, aplicável no silêncio da partes, não havendo pacto antenupcial ou contrato de convivência que preveja o contrário (arts. 1.640 e 1.725 do CC). Trata-se da opção natural de grande maioria da população, não sendo comum, na atualidade, que se convencione o contrário, com a escolha de outra opção para o regime patrimonial entre os consortes. A aceitação natural e pacífica desse regime pela sociedade brasileira fez com que não surgisse qualquer opção para afastá-la na Comissão de Juristas, e, pelo Anteprojeto, essa realidade jurídica é totalmente mantida.
Também não houve qualquer proposta de modificação para o art. 1.658 do Código Civil, que traz o espírito da comunhão parcial, ao enunciar que, “no regime de comunhão parcial, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento, com as exceções dos artigos seguintes”. A regra básica do regime da comunhão parcial, portanto, é a de que se comunicam os bens havidos durante o casamento com exceção dos incomunicáveis, previstos na norma posterior. Melhor explicando, haverá comunicação dos bens adquiridos durante a união, sendo essa massa patrimonial – sobre a qual há a meação ou divisão igualitária de bens – denominada de aquestos. Para a incidência da meação não há a necessidade de prova do esforço comum, apenas se afastando a comunicação caso o bem se enquadre em uma das hipóteses previstas no art. 1.659.
No que diz respeito aos bens que não se comunicam na comunhão parcial, tidos como bens particulares, o último preceito citado enuncia o seguinte: “excluem-se da comunhão: I – os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar; II – os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares; III – as obrigações anteriores ao casamento; IV – as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal; V – os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão; VI – os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge; VII – as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes”. Os principais problemas práticos, apontados atualmente pela doutrina e reconhecidos pela jurisprudência, estão nos dois últimos dispositivos, que necessitam de alterações urgentes.
Em previsão controversa, o inciso VI do comando estatui que não se comunicam na comunhão parcial os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge, o que inclui o salário, as remunerações em sentido amplo, a aposentadoria, entre outros. Como aponta a doutrina majoritária, é necessária uma interpretação restritiva da norma, caso contrário haveria um esvaziamento quase total do regime de bens da comunhão parcial. Chegar-se-ia ao absurdo de se concluir que, se os rendimentos do trabalho não se comunicam, os bens sub-rogados desses rendimentos também não, e, sendo assim, praticamente nada ou quase nada se comunicaria nesse regime. Justamente por isso, já havia proposta legislativa de revogar esse dispositivo, constante no antigo Projeto Ricardo Fiuza.
Atualmente, em situações de dúvidas sobre a sua incidência ou não, deve-se julgar pela comunicação dos bens adquiridos na constância do casamento. Outra solução plausível, seguida por parcela considerável da doutrina, é no sentido de se entender que, no exato momento em que as referidas rendas se transformam em patrimônio, ou seja, são patrimonializadas, como se dá na compra dos bens com esses montantes, opera-se em relação a estes a comunhão e a correspondente comunicação, pela incidência da regra geral contida no art. 1.658 da codificação privada.
No âmbito da jurisprudência, essa solução da interpretação restritiva do dispositivo foi adotada na Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, e na linha do que aqui pontuei. Vejamos:
“Necessária a interpretação restritiva do art. 1.659, VI, do Código Civil, sob pena de se malferir a própria natureza do regime da comunhão parcial. ‘O entendimento atual do Superior Tribunal de Justiça é o de que os proventos do trabalho recebidos, por um ou outro cônjuge, na vigência do casamento, compõem o patrimônio comum do casal, a ser partilhado na separação, tendo em vista a formação de sociedade de fato, configurada pelo esforço comum dos cônjuges, independentemente de ser financeira a contribuição de um dos consortes e do outro não’. (…)” (REsp 1.399.199/RS, 2.ª Seção, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Rel. p/ Acórdão Min. Luis Felipe Salomão, j. 09.03.2016, DJe 22.04.2016). (STJ, REsp 1.660.877/PB, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 07/02/2018, DJe 14/02/2018, p. 3996).
Na mesma linha, como se retira do corpo de decisum da Terceira Turma da Corte, “não se pode olvidar que o art. 1.659, VI, do CC/2002, é fruto de profunda discussão no âmbito doutrinário e jurisprudencial, especialmente porque, se fosse a regra interpretada literalmente, o resultado seria a incomunicabilidade quase integral dos bens adquiridos na constância da sociedade conjugal, desnaturando-se por completo o regime da comunhão parcial ou total de bens” (STJ, REsp 1.651.292/RS, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 19/05/2020, DJe 25/05/2020). Por fim, merece destaque, igualmente da Corte Superior, por trazer importante solução prática:
“(…). No regime de comunhão parcial ou universal de bens, o direito ao recebimento dos proventos não se comunica ao fim do casamento, mas, ao serem tais verbas percebidas por um dos cônjuges na constância do matrimônio, transmudam-se em bem comum, mesmo que não tenham sido utilizadas na aquisição de qualquer bem móvel ou imóvel (arts. 1.658 e 1.659, VI, do Código Civil). O mesmo raciocínio é aplicado à situação em que o fato gerador dos proventos e a sua reclamação judicial ocorrem durante a vigência do vínculo conjugal, independentemente do momento em que efetivamente percebidos, tornando-se, assim, suscetíveis de partilha. Tal entendimento decorre da ideia de frutos percipiendos, vale dizer, aqueles que deveriam ter sido colhidos, mas não o foram. Precedentes. Na hipótese, os saldos bancários originam-se de economias advindas de salários e aposentadoria do falecido, sendo imprescindível que o montante apurado seja partilhado com a companheira no tocante ao período de vigência do vínculo conjugal” (STJ, AgRg no REsp 1.143.642/SP, Quarta Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 03/6/2015).
O último inciso do art. 1.659 também traz polêmica semelhante à dessa previsão, enunciando que não se comunicam as pensões – quantias pagas de forma periódica em virtude de lei, decisão judicial, ato inter vivos ou mortis causa, visando à subsistência de alguém -, os meios-soldos – metade do valor que o Estado paga ao militar reformado -, os montepios – pensão paga pelo Estado aos herdeiros de um funcionário público falecido -, bem como outras rendas semelhantes e que têm caráter pessoal ou personalíssimo. Novamente a norma merece interpretação restritiva, sendo certo que a partir do momento em que tais valores são patrimonializados haverá comunicação.
Por todo o exposto, não restam dúvidas de que é mais do que necessário revogar os incisos VI e VII do art. 1.659 do CC, que colidem com o próprio espírito do regime da comunhão parcial de bens. Muito ao contrário, os proventos do trabalho e as rendas em geral precisam constar, como bens comunicáveis, no art. 1.660 do Código Civil, o que foi proposto pela Comissão de Juristas. Atualmente, esse último dispositivo prevê o seguinte: “entram na comunhão: I – os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges; II – os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior; III – os bens adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de ambos os cônjuges; IV – as benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge; V – os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos na constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão”.
Muitas são as controvérsias, também quanto ao último comando, que precisam ser reparadas e corrigidas, trazendo maior certeza e segurança quanto aos bens que se comunicam na comunhão parcial de bens. Assim, a Comissão de Juristas propõe uma necessária reforma no art. 1.660 do CC, para a ampliação da comunicação de bens ou da meação na comunhão parcial, deixando também o tratamento da matéria mais efetivo, tendo em vista os vários desafios práticos que surgiram sobre a temática nos vinte anos de vigência da codificação privada de 2002.
Como antes adiantei, uma das razões da ampliação é a retirada da concorrência sucessória do cônjuge e do convivente do sistema jurídico, sobretudo com os descendentes, no art. 1.829, inc. I, do CC/2002, que tem a seguinte e confusa redação: “a sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares”. Não se pode negar que a norma é de difícil compreensão, mesmo para os mais experientes juristas.
Como se sabe, atualmente, essa concorrência do cônjuge ou convivente com os descendentes do de cujus está limitada aos bens particulares do falecido, aqueles que não se comunicam na comunhão parcial, solução adotada na Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça: “nos termos do art. 1.829, I, do Código Civil de 2002, o cônjuge sobrevivente, casado no regime de comunhão parcial de bens, concorrerá com os descendentes do cônjuge falecido somente quando este tiver deixado bens particulares. (…). A referida concorrência dar-se-á exclusivamente quanto aos bens particulares constantes do acervo hereditário do de cujus” (STJ, REsp 1.368.123/SP, Rel. Min. Sidnei Beneti, Rel. p/ Acórdão Min. Raul Araújo, Segunda Seção, julgado em 22/04/2015, DJe 08/06/2015). Seguiu-se, como se sabe, a solução apontada pela doutrina majoritária e constante do Enunciado n. 270, da III Jornada de Direito Civil, in verbis: “o art. 1.829, inc. I, só assegura ao cônjuge sobrevivente o direito de concorrência com os descendentes do autor da herança quando casados no regime da separação convencional de bens ou, se casados nos regimes da comunhão parcial ou participação final nos aquestos, o falecido possuísse bens particulares, hipóteses em que a concorrência se restringe a tais bens, devendo os bens comuns (meação) ser partilhados exclusivamente entre os descendentes”.
Diante de todos os problemas gerados nos últimos anos, tornando a sucessão hereditária confusa e insolúvel, a Comissão de Juristas concluiu pela necessária extinção da concorrência sucessória do cônjuge ou convivente com os descendentes do falecido, estando ela muito distante de uma segura e justa pacificação das controvérsias. Os processos de inventários litigiosos são hoje infindáveis, e a concorrência sucessória não se coaduna com a solução extrajudicial e consensual das disputas, pois só aumenta gravemente o conflito entre as partes envolvidas. Muito melhor será a ampliação da comunicação de bens na comunhão parcial, que compensará a hoje injustificada concorrência do cônjuge ou do convivente com os descendentes com o falecido, em relação aos seus bens particulares.
Além dessas justificativas, algumas das proposições incluídas no art. 1.660 solucionam e superam debates jurisprudenciais sobre os temas correlatos. Nesse contexto, nos termos do inciso I do projetado, haverá a comunicação dos “bens adquiridos por título oneroso na constância do casamento ou da união estável, ainda que só em nome de um dos cônjuges ou conviventes”. Em relação a ele, houve a inclusão da união estável e clareza quanto à aquisição do bem ter se dado na constância do relacionamento havido entre as partes. Como outra modificação, o inciso III passará a enunciar “os bens adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de ambos os cônjuges ou conviventes”; mais uma vez apenas com a inclusão da união estável no preceito.
No inciso IV da nova versão do art. 1.660 do CC teremos a comunicação das “benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge ou convivente, entendendo-se como valor a ser partilhado, sempre que possível, o da valorização do bem em razão das benfeitorias realizadas”. A menção à valorização do bem particular em virtude de benfeitorias é salutar, para se afastar disputas desnecessárias no âmbito do Poder Judiciário, pois, como esclareceu a subcomissão de Direito de Família, a “presente proposta regula, com justiça, a valorização do bem no regime da comunhão parcial de bens. Trata-se de situação bastante comum no Brasil que, por certo, carece de disciplina mais detalhada, para evitar injustiça e enriquecimento sem causa de uma das partes. A proposta, portanto, justifica-se em firme base fática e social”. No inciso V do art. 1.660, a sugestão da Comissão de Juristas apenas inclui novamente a união estável, sem mudança de conteúdo, e diz respeito aos “frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge ou convivente, percebidos na constância do casamento ou da união estável ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão”.
Porém, no novo inciso VI há a citada ampliação considerável da comunicação de bens ou da meação na comunhão parcial, abrangendo, na linha dos meus comentários doutrinários e anotações jurisprudenciais, “as remunerações, salários, pensões, dividendos, fundo de garantia por tempo de serviço, previdências privadas abertas ou outra classe de recebimentos ou indenizações que ambos os cônjuges ou conviventes obtenham durante o casamento ou união estável, como provento do trabalho ou de aposentadoria”. A previsão, portanto, completa as revogações dos incisos VI e VII do art. 1.659, que, atualmente, somente causam confusão, como antes pontuei.
Como se nota, além da comunicação das rendas em geral, os seus frutos e as suas decorrências se comunicam, em prol do outro cônjuge ou convivente, o que vem em boa hora, com os fins de deixar mais objetivo o tratamento da matéria e de afastar disputas ainda não pacificadas, e que hoje ainda existem sobre os institutos previstos no novo inciso VI. Cite-se, a esse propósito, a comunicação do FGTS, que, não obstante a resposta positiva do STJ, ainda não foi tratada em lei, o que encerraria a de forma definitiva discussão (STJ, REsp 1.399.199/RS, Segunda Seção, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Rel. p/ Acórdão Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 09/03/2016, DJe 22/04/2016). O mesmo se diga a respeito da previdência privada aberta (por todos, ver: STJ, Ag. Int. no REsp 1.735.064/PR, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 18/12/2023, DJe 20/12/2023).
Também como nova previsão e na mesma linha de ampliação da comunicação de bens, o incluído inciso VII do art. 1.660 preverá a meação sobre “os direitos patrimoniais sobre as quotas ou ações societárias adquiridas na constância do casamento ou da união estável”. Consoante as justificativas da subcomissão de Direito de Família, “a presente proposta pretende a comunicabilidade, não das quotas ou ações societárias de per si, pois isso violaria a própria affectio societatis, além de agredir regras fundamentais de direito societário. O que se pretende, sim, visando a evitar indesejável enriquecimento sem causa, é a comunicabilidade dos ‘direitos patrimoniais’ sobre tais quotas ou ações, o que pode ser apurado mediante balanço contábil”.
Também é incluída, no inciso VIII do art. 1.660 e com as mesmas justificativas, “a valorização das quotas ou das participações societárias ocorrida na constância do casamento ou da união estável, ainda que a aquisição das quotas ou das ações tenha ocorrido anteriormente ao início da convivência do casal, até a data da separação de fato”. Por fim, insere-se previsão complementar, no novo inc. IX do dispositivo, da “valorização das quotas sociais ou ações societárias decorrentes dos lucros reinvestidos na sociedade na vigência do casamento ou união estável do sócio, ainda que a sua constituição seja anterior à convivência do casal, até a data da separação de fato”.
Não se olvide, quanto à valorização das quotas sociais, que o Superior Tribunal de Justiça tem entendimento diverso, pela sua não comunicação. Vejamos, entre os últimos arestos: “consoante a jurisprudência desta Corte, a valorização patrimonial das cotas sociais adquiridas antes do casamento ou da união estável não deve integrar o patrimônio comum a ser partilhado, por ser decorrência de um fenômeno econômico que dispensa a comunhão de esforços do casal” (STJ, Ag. Int. nos EDcl no AREsp 699.207/SP, Rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 27/06/2022, DJe 29/06/2022). Ou, entre os mais antigos: “o regime de bens aplicável às uniões estáveis é o da comunhão parcial, comunicando-se, mesmo por presunção, os bens adquiridos pelo esforço comum dos companheiros. A valorização patrimonial das cotas sociais de sociedade limitada, adquiridas antes do início do período de convivência, decorrente de mero fenômeno econômico, e não do esforço comum dos companheiros, não se comunica” (STJ, REsp 1.173.931/RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 22/10/2013, DJe 28/10/2013).
No que diz respeito ao último inciso incluído no art. 1.660, relativo à valorização das quotas sociais, prestigiou-se o entendimento do Tribunal Paulista, caso do seguinte aresto com repetição em outros julgados de mesma Relatoria:
“(…). Partilha de bens. Regime da comunhão parcial de bens. Saldo existente em aplicações financeiras partilhado em sentença. Insurgência em relação à forma de atualização dos valores a serem entregues à ex-esposa pelo ex-marido. Correção e incidência de juros que devem levar em conta os índices dos fundos de investimentos em que estavam aplicados os valores partilhados. Cotas sociais de pessoa jurídica adquiridas pelo ex-marido por doação de seu genitor constituem bens próprios. Aquisições posteriores a título oneroso e aumento do capital social. Comunicação dos frutos de bens particulares recebidos na constância do casamento, independentemente de esforço comum do cônjuge. Frutos que correspondem à parcela do aumento do capital social decorrente da incorporação de lucros que, caso distribuídos aos sócios, constituiriam aquestos. Parcela de aumento do capital social eventualmente decorrente de correção monetária do capital e reavaliação de outros ativos são incomunicáveis ao outro cônjuge. Comunicação da mais valia, nos moldes acima estabelecidos, se dará somente até a data da separação de fato do casal. Sucesso ou infortúnio da pessoa jurídica após a separação de fato do casal não se comunica ao outro cônjuge, cessado o regime de bens. Esposa que não se torna sócia da pessoa jurídica, mas sim sua credora, com direito a receber seus haveres à conta da participação do marido. Apuração dos haveres será objeto de ação própria, pois envolve interesses de terceiros que não figuram como partes nesta demanda. Ação e reconvenção parcialmente procedentes. Recurso do autor parcialmente provido. Recurso da ré desprovido” (TJSP, Apelação Cível n. 1043882-52.2019.8.26.0576, Acórdão n. 15977273, São José do Rio Preto, Primeira Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Francisco Loureiro, julgado em 23/08/2022, rep. DJESP 29/08/2022, p. 1794).
Aprofunde-se que na subcomissão de Direito de Família e na Relatoria Geral foi adotada solução diversa do entendimento do Superior Tribunal de Justiça, para se afastar o enriquecimento sem causa do cônjuge sócio, em detrimento do regime da comunhão parcial, e pelo fato de que houve, como antes pontuado, a retirada da concorrência sucessória do cônjuge ou convivente em relação aos descendentes, quanto aos bens particulares do falecido, sendo necessário ampliar a meação para compensar essa retirada.
A questão foi votada na Comissão de Juristas, formada também por Ministros do Superior Tribunal de Justiça, nas reuniões da primeira semana de abril de 2024, tendo havido forte apoio à proposta também pela subcomissão de Direito de Empresa e de ampla maioria dos membros do grupo, vencendo na votação final. Prevaleceram, portanto, o voto e a democracia como se deu com tantos outros temas controversos que por nós foram analisados.
Entre outros argumentos, venceu o da necessidade de proteção dos direitos dos cônjuges e conviventes, evitando-se situações de desamparo e de enriquecimento injustificado, cabendo, agora, ao Congresso Nacional analisar qual o melhor caminho para o tema, sendo necessário, em prol da segurança jurídica, que todas essas situações sejam positivadas na lei brasileira.
Analisadas as necessárias mudanças legislativas a respeito da comunhão parcial, no próximo texto abordarei as proposições relativas ao regime da separação convencional de bens (arts. 1.687 e 1.688).