A PATERNIDADE SOCIOAFETIVA TEM VALOR JURÍDICO
Rénan Kfuri Lopes
O tema da “multiparentalidade” é estanque no direito pátrio hodierno, sobremaneira a partir da decisão prolatada pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL no julgamento pelo Plenário do Recurso Extraordinário nº 898.060/SC em 21.09.2016 que reconheceu a admissibilidade da “paternidade socioafetiva simultaneamente à biológica e/ou registral”, fixando-se a seguinte tese jurídica para aplicação geral: “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios”.
O STF ditou que se aplique à família em relação aos vínculos parentais o princípio da dignidade humana [CF, art. 1º, III]. A paternidade responsável, enunciada expressamente no art. 226, § 7º da CF, também sob a regra maior da dignidade humana, defronte a evolução das relações legítimas dos modelos de família, trouxe os vínculos de filiação afetiva. Portanto, os novos arranjos familiares alheios à regulação estatal não podem restar ao desabrido da proteção constitucional.
Assim, passaram a ser iguais os direitos dos filhos biológicos e não biológicos. Estabeleceram-se os mesmos direitos e obrigações para com os pais, apresentando-se a paternidade como uma “via de mão dupla”, caracterizando-se como um conjunto de direitos e obrigações através do poder familiar, do qual decorre o dever de sustento e guarda dos pais em relação aos filhos que ainda não atingiram a maioridade civil, independentemente da relação conjugal existentes entre os pais, vez que esse poder deriva da paternidade, seja ela biológica ou afetiva [CF, art. 227 c.c. CC, arts. 1.593, 1.596, 1.603 e 1.605, II e c.c. Estatuto da Criança e do Adolescente, arts. 39 a 52].[1]
A desbiologização da paternidade é por demais oportuna diante da realidade que vivemos, a falta de afetividade reinante nas relações em geral.
Por isso a regra maior é que a filiação socioafetiva seja decorrente de um forte vínculo afetivo entre a criança e aquele que trata e cuida dela, acolhe, ama e participa de sua vida, retratando essa relação os vínculos de filiação, pais e filhos.
A afeição tem valor jurídico!
O Prof. ROLF MADALENO elucida que “Nunca é demais lembrar que o gênero paternidade ou maternidade socioafetiva deve ser exercido de forma funcional, de modo intenso, perene, quase perpétuo, longe de um mero impulso, mas capaz de provocar a substituição do genitor ausente pelo progenitor presente, em que um não substitui o outro se ambos estão enraizadamente presentes, não havendo espaço para um papel secundário, pois pais e mães socioafetivos são figuras ostensivas na relação de filiação, pelo conjunto de responsabilidades e pelo papel e influência que sua presença exerceu e representa na formação do caráter e da estrutura psíquica da criança ou adolescente, e não apenas porque por este nutriu um forte afeto”.[2]
Lógico que o laço biológico não deve ser esquecido, mas sim transcendido para melhor atender aos interesses da criança e do adolescente, priorizando-se o afeto, independentemente do aspecto biológico.
A doutrina admite, e com inteiro sentido, que são elementos caracterizadores da posse de estado de filho a reputatio; nominatio e ao tractus:
“Reputatio”: A criança deve ter a reputação, a fama de filha, ou seja, deve ser encarada pela sociedade como tal.
“Nominatio”: O nome usado deve demonstrar a parentalidade, devendo a criança ser chamada de filha.
“Tractatus”: O tratamento dispensado ao infante deve ser o tratamento típico dispensado pelos pais aos filhos.
Efeitos decorrentes do reconhecimento da multiparentalidade se dão em relação aos direitos sucessórios —ao direito de herança— tendo os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, os mesmos relativos à filiação [CF, art. 5º, XXX e art. 227, § 6º].
O reconhecimento voluntário de paternidade socioafetiva perante os Cartórios de Registro Civil é regido pelo Provimento n. 149 de 30.08.2023 do Conselho Nacional de Justiça-CNJ, no CAPÍTULO IV- DA PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA, arts. 505 a 511.[3]
[1] “…4. O egrégio Supremo Tribunal Federal, em julgamento histórico de repercussão geral (RE 898.060/SC), reconheceu o valor jurídico da afetividade para a constituição de vínculos de parentesco, admitindo, inclusive, a coexistência da paternidade socioafetiva com a biológica (multiparentalidade). 5. Agravo interno a que se nega provimento” [STJ, AgInt no REsp n. 1.526.268/RJ, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, DJe de 6/3/2023].
[2] MADALENO, Rolf. Direito de Família. – 10. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 888-889.
[3][3] Institui sobre o Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça – Foro Extrajudicial (CNJ/ CN/CNJ-Extra) que regulamente os serviços notariais e de registro.