A NOVA MISSÃO DA TRANSAÇÃO TRIBUTÁRIA FEDERAL
Manoel Tavares De Menezes Netto
Em seu recente livro “Missão Economia”, a professora italiana Mariana Mazzucato propõe um novo caminho para a reestruturação do capitalismo contemporâneo. A autora sugere a construção de um ecossistema “simbiótico e mutualista” entre o Poder Público e a iniciativa privada, com vistas a colocar fim a problemas sociais e econômicos estruturantes, gerando valor público e riqueza.
Se trouxermos as linhas gerais do pensamento de Mazzucato para a realidade brasileira, mais especificamente para o contencioso tributário, encontraremos um bom exemplo de uma ambiência de diálogo e cooperação mútua: a transação tributária federal.
A transação como instituto jurídico está prevista no Código Tributário Nacional desde meados da década de 1960. A sua regulamentação, contudo, somente aconteceu no ano 2020, quase sessenta anos depois, com o advento da Lei nº 13.988/2020, que definiu as condições para celebração das transações tributárias em âmbito federal.
A regulamentação da transação tributária federal marcou um avanço relevante e consolidou um movimento de desjudicialização da cobrança de créditos da União e do FGTS, iniciado pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional nos anos anteriores. Melhorias na gestão da dívida ativa da União e do FGTS e o aprofundamento do conhecimento das características da carteira de processos administrativos e judiciais da Fazenda Nacional tornaram possível o uso frutífero da transação e o surgimento de um novo paradigma na relação entre Fisco e contribuinte.
Como resultado, a política pública de transação tributária federal obteve reconhecimento dos atores públicos e privados, sobretudo pelos resultados impactantes tanto na cessação de litígios quanto no aprimoramento da arrecadação federal, afinal, já são quase 2 milhões de acordos celebrados e meio trilhão de reais em créditos regularizados.
A lei da transação tributária federal trouxe consigo três modalidades distintas, que buscam oferecer saída técnicas adequadas para as principais causas da Macrolitigância fiscal em nosso país. Superar a crise de inadimplência ou iliquidez que permeia os executivos fiscais pendentes, contornar o contencioso jurídico massificado e resolver a situação dos créditos de menor valor são, respectivamente, os objetivos da transação na cobrança, da transação no contencioso de disseminada e relevante controvérsia e da transação no contencioso de pequeno valor.
Em cada modalidade de transação há uma sólida base normativa para a solução de conflitos, sempre tendo no acordo terminativo entre Estado e cidadão uma alternativa mais atraente que a perpetuação de uma litigância de resultado imprevisível.
Porém, apesar de apresentar indiscutível alinhamento com o objetivo de superar o estado de massificação de litígios, a transação no contencioso, até aqui objeto de apenas dois editais, ainda não se desenvolveu completamente, mesmo já tendo sido responsável pelo ingresso de meio bilhão de reais aos cofres públicos.
De fato, a ausência de benefícios econômicos semelhantes àqueles assegurados pela Lei nº 14.375/2022 para a transação na cobrança – como maiores descontos (de até sessenta e cinco por cento) e extensão dos prazos para pagamento (de até cento e vinte parcelas) – , aliada ao conjunto de requisitos estabelecidos pelo texto legal para que os contribuintes pudessem aderir à transação no contencioso – tal como a exigência indiscriminada de concordância “em relação aos fatos geradores futuros ou não consumados, ao entendimento dado pela administração tributária à questão em litígio” (art. 19, § 1º, II, da Lei n.º 13.988/2020), ou o compromisso obrigatório de inclusão de “todos os litígios relacionados à tese objeto da transação existentes na data do pedido, ainda que não definitivamente julgados” (art. 19, § 3º, da Lei n.º 13.988/2020) – eram objeto de críticas de tributaristas e contribuintes, que sinalizavam para a necessidade de reavaliação legislativa dos limites desse instituto.
Essas questões não passaram despercebidas ao Poder Legislativo. No contexto das recentes discussões sobre a modelagem do processo administrativo tributário federal que tinham o CARF como principal protagonista, importantes alterações no regime geral da transação tributária federal foram realizadas pela Lei nº 14.689/2023.
Sem desnaturar os parâmetros que constituem a base do instituto, a nova lei promoveu importante ajuste normativo para equiparar os benefícios econômicos e jurídicos da transação no contencioso aos da transação na cobrança.
O critério lógico para que transação ocorra permanece o mesmo: a resolução de litígios já existentes de prognóstico indeterminado ou imprevisível. As novidades legislativas, contudo, ampliam a capacidade negocial da União, na medida em que possibilitam a cada edital de oferta de transação, divulgado após análise técnica, estabelecer um plexo customizado de exigências e benefícios para cada tema disseminado e relevante, garantindo a maleabilidade indispensável para o sucesso dessa modalidade de transação.
Conforme os planos de pagamento que serão ofertados pelos editais, os prazos máximos para quitação poderão ser estendidos para até 120 meses, a renúncia poderá estar circunscrita a processos específicos e os descontos, que não mais serão tributados, poderão chegar a até 65% do valor total da dívida, incidindo, inclusive, sobre valor do crédito principal.
Não se questiona que, quanto ao panorama normativo, a transação tributária e suas diversas modalidades estejam longe de ser uma panaceia para toda e qualquer celeuma fiscal, nem é adequado confundi-la com parcelamentos especiais ou remissão tributária, que oferecem descontos sem que haja litígio ou concessões recíprocas.
Porém, sem que tenha havido perda da sua higidez enquanto instituto jurídico, entende-se que a transação no contencioso de relevante e disseminada controvérsia foi decisivamente aperfeiçoada para ampliar seu alcance de solução litígios, por não mais ter que conviver com exigências juridicamente mais complexas e vantagens econômicas limitadas.
Descortina-se, em nosso sentir, um futuro auspicioso para a transação no contencioso, que tende a colher novos frutos. Estamos diante de uma nova fase para o ecossistema de cooperação entre a Fazenda Nacional e o contribuinte brasileiro, cada vez mais preparado para a missão de construir de soluções ágeis, justas, seguras e eficientes para a resolução de litígios na seara fiscal.