A NECESSIDADE DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO DA DECISÃO CONCESSIVA DE TUTELA ANTECIPADA PARA QUE NÃO OCORRA A SUA ESTABILIZAÇÃO
Elias Marques de Medeiros Neto
André Pagani de Souza
Daniel Penteado de Castro
Rogerio Mollica
O art. 304, caput, do CPC, dispõe que “A tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303, torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto recurso“. Nessa hipótese, “o processo será extinto“, conforme estabelece o § 1º do referido dispositivo legal.
Muito se discutiu na doutrina se apenas a interposição do recurso cabível (agravo de instrumento, nos termos do art. 1.015, inciso I) teria o condão de evitar que a decisão concessiva de tutela antecipada se tornasse estável ou se a prática que algum outro ato pelo réu também poderia impedir a tal estabilidade e a consequente extinção do processo.
Cassio Scarpinella Bueno, por exemplo, sustenta o seguinte: “Questão interessante é saber se outras manifestações do réu, além da interposição de recurso, são bastante para evitar a estabilização. A resposta merece ser positiva, afastando, destarte, a literalidade do caput do art. 304: qualquer forma expressa de inconformismo do réu com a tutela provisória antecipada em seu desfavor deve ser compreendida como veto à sua estabilização, muito além, portanto, da interposição de agravo de instrumento contra a decisão concedida na primeira instância (art. 1.015, I). Destarte, desde que o réu, de alguma forma, manifeste-se contra a decisão que concedeu a tutela provisória, o processo, que começou na perspectiva de se limitar à petição inicial facilitada pelo caput do art. 303 (eis o ‘benefício’ de que trata o § 5º do art. 303), prosseguirá para que o magistrado, em amplo contraditório, aprofunde sua cognição e profira oportunamente decisão sobre a ‘tutela final’, apta a transitar materialmente em julgado. A hipótese importa esclarecer, não tem o condão de infirmar a tutela antecipada já concedida. Ela, apenas, evita a sua estabilização nos termos do art. 304” (Novo código de processo civil anotado, 3ª edição, São Paulo, Saraiva, 2017, p. 321-322, sendo que os destaques são do original).
Tal interpretação, em total harmonia com o modelo de processo cooperativo ambicionado pela lei 13.105, de 16/3/2015, não foi acolhida pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme se pode depreender da ementa de julgado abaixo transcrita:
PROCESSUAL CIVIL. ESTABILIZAÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA CONCEDIDA EM CARÁTER ANTECEDENTE. ARTS. 303 E 304 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. NÃO INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRECLUSÃO. APRESENTAÇÃO DE CONTESTAÇÃO. IRRELEVÂNCIA.
I – Nos termos do disposto no art. 304 do Código de Processo Civil de 2015, a tutela antecipada, deferida em caráter antecedente (art. 303), estabilizar-se-á, quando não interposto o respectivo recurso.
II – Os meios de defesa possuem finalidades específicas: a contestação demonstra resistência em relação à tutela exauriente, enquanto o agravo de instrumento possibilita a revisão da decisão proferida em cognição sumária. Institutos inconfundíveis.
III – A ausência de impugnação da decisão mediante a qual deferida à antecipação da tutela em caráter antecedente, tornará, indubitavelmente, preclusa a possibilidade de sua revisão.
IV – A apresentação de contestação não tem o condão de afastar a preclusão decorrente da não utilização do instrumento processual adequado – o agravo de instrumento.
V – Recurso especial provido.
(STJ, Primeira Turma, REsp 1.797.365 / RS, Rel. Min. Sérgio Kukina, Rel. para acórdão Min. Regina Helena Costa, recurso especial provido, v.m., j. 3/10/2019, DJe 22/10/2019)
Na ocasião, prevaleceu o seguinte entendimento: “A não utilização da via própria – agravo de instrumento – para a impugnação da decisão mediante a qual deferida à antecipação da tutela em caráter antecedente, tornará, indubitavelmente, preclusa a possibilidade de revisão, excetuando a hipótese da ação autônoma. Não merece guarida o argumento de que a estabilidade apenas seria atingida quando a parte ré não apresentasse nenhuma resistência, porque, além de caracterizar o alargamento da hipótese prevista para tal fim, poderia acarretar o esvaziamento desse instituto e a inobservância de outro já completamente arraigado na cultura jurídica, qual seja a preclusão. Isso porque, embora a apresentação de contestação tenha o condão de demonstrar a resistência em relação à tutela exauriente, tal ato processual não se revela capaz de evitar que a decisão proferida em cognição sumária seja alcançada pela preclusão, considerando que os meios de defesa da parte ré estão arrolados na lei, cada qual com sua finalidade específica, não se revelando coerente a utilização de meio processual diverso para evitar a estabilização, porque os institutos envolvidos – agravo de instrumento e contestação – são inconfundíveis. Interpretação diversa acabaria impondo requisitos cumulativos para o cabimento da estabilização da tutela deferida em caráter antecedente: i) a não interposição de agravo de instrumento; e ii) a não apresentação de contestação. Ora, tal conclusão não se revela razoável, porquanto a ausência de contestação já caracteriza a revelia e, em regra, a presunção de veracidade dos fatos alegados pela parte autora, tornando inócuo o inovador instituto. Outrossim, verifica-se que, durante a tramitação legislativa, optou-se por abandonar expressão mais ampla – ‘não havendo impugnação’ (sem explicitação do meio impugnativo) – e o art. 304 da lei 13.105/2015 adveio contendo expressão diversa – ‘não for interposto o respectivo recurso’. Logo, a interpretação ampliada do conceito caracterizaria indevida extrapolação da função jurisdicional“.
O ministro Sérgio Kukina discordou da posição acima e proferiu voto-vencido, sustentando que “[…] pode-se concluir em favor de exegese mais dilargada do art. 304 do novo CPC, facultando-se ao réu oferecer resistência, não apenas por meio de recurso específico (notadamente o agravo de instrumento – art. 1.015, I, do CPC), mas também por meio da apresentação de contestação, tal como se operou no caso concreto. (…) Logo, a oportuna apresentação de peça contestatória, em que registrado o inconformismo da parte demandada, tanto quanto seu inequívoco desejo em prosseguir no debate sobre a pretensão autoral revela-se, só por si, capaz de afastar o óbice da inércia do réu, enquanto elemento gerador da estabilização da tutela“. Entretanto, apenas o Min. Gurgel de Faria concordou com o entendimento do Min. Sérgio Kukina, que acabou vencido.
Portanto, de acordo com a recente decisão do Superior Tribunal de Justiça, para que a tutela antecipada não estabilize, será necessária a interposição de agravo de instrumento da decisão que a concede. Qualquer outro ato praticado pelo réu será insuficiente para evitar a estabilização da decisão, que levará à extinção do processo. Assim, nesse caso, apenas por ação autônoma será possível atacar a decisão concessiva da tutela antecipada e acabar com sua estabilidade.
Fonte: https://www.migalhas.com.br/coluna/cpc-na-pratica/315591/a-necessidade-de-interposicao-de-recurso-da-decisao-concessiva-de-tutela-antecipada-para-que-nao-ocorra-a-sua-estabilizacao