A LITIGIOSIDADE E A LITIGÂNCIA ABUSIVA
É de conhecimento notório o alto grau de litigiosidade no Brasil. Segundo os dados da “Justiça em Números”, há quase 80 milhões de processo em trâmite [1]. As causas da elevada quantidade de ações há muito têm sido estudadas e analisadas, tendo, como algumas das raízes, a democratização do acesso justiça, o grande número de produção legislativa e regulatória, muitas vezes contraditórias entre si, e as mudanças constantes de entendimentos, sejam administrativos ou judiciais, que levam a incertezas.
Contudo, há um fenômeno particular brasileiro que contribui para esse cenário, a denominada “litigância abusiva”.
Presente, especialmente, nas relações de consumo, trabalhistas e previdenciárias, a litigância abusiva tem prejudicado a todos, réus, que precisam gerir as ações judicias, tendo custo financeiro e humano, autores, que muitas vezes têm seus respectivos nomes utilizados indevidamente em uma demanda judicial, Poder Judiciário, que precisa administrar e julgar ações que não deveriam estar em trâmite, por consequência, retardando a análise das causas relevantes, e sociedade, a qual arca com o custo social e financeiro da ineficiência.
Mas, o que seria a litigância abusiva?
Pode-se conceituar a litigância abusiva como o abuso do direito de litigar, por meio do uso indevido do Judiciário, com o ajuizamento de inúmeras ações ilegítimas e “fabricadas” a partir de documentos falsos e, muitas vezes, sem conhecimento dos próprios autores, na grande maioria, vulneráveis, bem como sem a comprovação dos requisitos mínimos que embasam a pretensão posta em juízo.
Importante ressaltar que a litigância abusiva não é a litigância de massa, ou seja, aqueles litígios que surgem na sociedade moderna em que a mesma situação é vivida por milhares de pessoas, as quais mantêm relações com o Estado e com grandes empresas de setores essenciais, tais como bancário, telecomunicações e aéreo.
Enquanto na litigância de massa se presume direito de ação legítimo, na litigância abusiva há abuso do direito de ação.
Buscar tratar a litigância abusiva e a litigância de massa como sinônimos é misturar dois fenômenos distintos com origens completamente diversas, bem como negar a realidade.
Vale destacar, ainda, que a litigância de massa não legitima a litigância abusiva.
A litigância abusiva possui padrões de conduta que caracterizam atos antiéticos, ilícitos e, em alguns casos, até criminais, tais como:
elevada quantidade de ações com petições iniciais idênticas e padronizadas com causa de pedir vaga e genérica;
irregularidades nas procurações e/ou ausência documentos essenciais que subsidiem as ações, por meio da prática de fraudes e falsificação (i.e.: mesmos documentos para ajuizamento de ações de autores distintos);
autores que desconhecem por completo o ajuizamento das ações ou, até mesmo, o procurador que as ajuizou;
desistência da ação quando apresentada defesa consistente;
divisão dos pedidos em múltiplas ações que versam sobre o mesmo contrato ou sobre a mesma controvérsia; ou
ausência de comparecimento do autor/advogado nas audiências designadas.
Para exemplificar a nocividade da litigância abusiva, fazemos referência a um levantamento realizado pela Febraban (Federação Brasileira de Bancos) [2] junto a oito instituições financeiras, o qual demonstrou que, entre os anos de 2022 e 2024, foram propostas mais de 700 mil ações caracterizadas como abusivas, entre indenizatórias, revisionais e recuperações judiciais.
O que chama a atenção é que, em 90% das ações dessa natureza, os pedidos foram julgados improcedentes. Ou seja, as instituições financeiras saem vitoriosas.
Segundo a referida entidade, o custo de gestão dessa litigância abusiva foi de R$ 800 milhões, recursos que poderiam ter sido destinados à concessão de crédito, auxiliando as empresas e as famílias.
Além disso, ainda segundo a mesma entidade, em virtude do crescente investimento em tecnologia pelo setor bancário [3], inclusive para segurança cibernética antifraude e inteligência artificial, com o objetivo de proteger e melhor atender os seus clientes, o percentual de fraudes constatadas na contratação de operações de crédito reduziu de 0,74%, em 2019, para 0,03%, em 2024.
Portanto, em tese, o número das ações deveria estar em queda, mas não é isso que se observa. E qual seria uma das razões? A aqui mencionada litigância abusiva.
Contudo, é importante reconhecer que a sociedade parece ter compreendido a existência desse “fenômeno” e, por meio de suas instituições, tem adotado medidas para combatê-lo.
Destacam-se duas relevantes iniciativas:
o CNJ, por meio da Recomendação 159/2024, estabeleceu medidas orientativas para identificação, tratamento e prevenção da litigância abusiva. Esse foi um passo estruturante, pois o CNJ reconheceu que a litigância abusiva prejudica o legítimo acesso à justiça e a eficiência do Poder Judiciário e recomendou aos magistrados que, no exercício do poder de cautela, determinem diligências para regularidade do processo; e
a Corte Especial do STJ conclui no Tema Repetitivo 1198, que “constatados índicos de litigância abusiva, o juiz pode exigir, de modo fundamentado e com observância à razoabilidade do caso concreto, a emenda da petição inicial a fim de demonstrar o interesse de agir e a autenticidade da postulação, respeitadas as regras de distribuição do ônus da prova”.
Isso comprova que as instituições brasileiras estão atentas e desempenhando o seu papel.
Em suma, a litigância abusiva é um mal para sociedade que mina recursos financeiros e humanos, gerando grandes ineficiências. A litigância abusiva precisa, deve e está sendo devidamente combatida.
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[1] São 79.362.235.
[2] Levantamento inclusive já publicamente citado
[3] R$ 47 bilhões em 2024.
Fonte: https://www.conjur.com.br/2025-jul-23/a-litigiosidade-e-a-litigancia-abusiva/