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A IMPORTÂNCIA DA GOVERNANÇA FAMILIAR E CORPORATIVA PARA A SUCESSÃO EM EMPRESAS FAMILIARES

A IMPORTÂNCIA DA GOVERNANÇA FAMILIAR E CORPORATIVA PARA A SUCESSÃO EM EMPRESAS FAMILIARES

Maria Julia Faidiga Rodrigues

Em sociedades limitadas e familiares, a governança corporativa e familiar estruturada e bem discutida, antes da necessidade iminente de um processo de sucessão, pode ser um processo que permita a maior longevidade da empresa como um todo.

No Brasil e no mundo, as empresas são majoritariamente familiares, representando 70% das empresas familiares globalmente, conforme menciona Farhad Forbes, presidente da Family Business Network International, em pesquisa de empresas familiares do ano de 2023, realizado pelo PwC -PricewaterhouseCoopers[1].

As empresas familiares podem ser conceituadas de diversas formas, entre elas, seria a empresa que é fundada e gerida por uma ou mais de uma família. Nesse modelo, é comum que os filhos do patriarca fundador também cresçam e trabalhem na empresa.

Por ser um modelo de sociedade em que o lado emocional pode, muitas vezes, gerar conflitos, é comum que o tema de sucessão seja delicado e de difícil discussão entre os familiares. Considerando que o fundador deve se preocupar com a sucessão da empresa e de seu patrimônio, na existência de diversos possíveis sucessores, como realizar essa escolha e como se preparar para a transição é a fase da empresa familiar que pode gerar sua alavancagem ou a sua ruína.

Sistema de governança

Nesse aspecto, a governança é ferramenta que pode ser essencial para introduzir o tema dentro da família. Pode ser feita uma divisão entre governança familiar e governança corporativa, sendo a primeira conceituada como “um processo, uma ação com vistas a estruturar e organizar a gestão das relações e do patrimônio da família empresária ou investidora”, conforme Roberta Nioac Prado[2], que envolve a criação de processos e princípios para a gestão do patrimônio conjunto, definição de estratégias, comunicação entre os membros envolvidos, mitigação de conflitos, entre outros temas pertinentes.

Importante ressaltar que todos os membros da família nem sempre estarão envolvidos na empresa, de modo que a governança familiar engloba cônjuges e filhos, patriarcas e sucessores, mediante a criação de um conselho de família, protocolo familiar, comitês e Family office.

Nos termos do caderno 15 do IBGC, denominado “Governança da família empresária: conceitos básicos, desafios e recomendações[3], a governança familiar:

[…] Atua no âmbito dos negócios para buscar garantir a sustentabilidade e a proteção de ativos, a imagem da empresa, sua reputação e sua relação com as partes interessadas (stakeholders). A governança familiar atua no âmbito da família, abordando a relação desta com seus membros, com a propriedade, com a empresa e com partes interessadas.

A governança corporativa, por outro lado, trata de assuntos que envolvem estritamente o negócio desenvolvido pela família, no nível de gestão da empresa, mediante instrumentos como o próprio contrato/estatuto social, conselho de administração e regimento interno, conselho consultivo, código de ética e eventuais políticas desenvolvidas para a empresa.

Segundo a 6ª edição do código de melhores práticas de governança corporativa do IBGC[4]:

Governança corporativa é um sistema formado por princípios, regras, estruturas e processos pelo qual as organizações são dirigidas e monitoradas, com vistas à geração de valor sustentável para a organização, para seus sócios e para a sociedade em geral. Esse sistema baliza a atuação dos agentes de governança e demais indivíduos de uma organização na busca pelo equilíbrio entre os interesses de todas as partes, contribuindo positivamente para a sociedade e para o meio ambiente.

Em se tratando de empresas de capital aberto, negociadas em bolsa, tal estrutura se mostra cada vez mais relevante e robusta, de modo que podemos citar, na bolsa brasileira, empresas familiares como Magazine Luiza S/A, Gerdau S/A, Porto Seguro S/A, Weg S/A, entre outras.

Em seus portais de relações com investidores são divulgados dados, além da estrutura societária e estatuto social, seus códigos de ética, política das mais variadas (gestão de riscos, compliance, sustentabilidade, transações com partes relacionadas, tributária, entre outras) e informe de governança. Por mais que, em sociedades anônimas abertas, tal divulgação seja obrigatória, em Sociedades Limitadas, as quais podem ser de menor porte e o quadro societário 100% familiar, tais assuntos e discussões são igualmente pertinentes, caso a empresa queira permanecer inovando e perpetuando no mercado.

Entretanto, verifica-se certa resistência na implantação de tais ferramentas em empresas fechadas, incluindo as empresas familiares, já que, nesse modelo empresarial, o controle e tomada da decisão se concentra nas mãos de um único administrador que, normalmente, é o fundador da empresa e o patriarca da família. Perceber que terá que dividir o poder e começar a pensar em passar o bastão pode ser o grande motivo para o desejo de afastar essa mudança de paradigma.

Aplicação da governança em empresas familiares 

Mesmo assim, é importante ressaltar que em sociedades limitadas e familiares, a governança corporativa e familiar estruturada e bem discutida, antes da necessidade iminente de um processo de sucessão, pode ser um processo que permita a maior longevidade da empresa como um todo, inclusive para que o planejamento sucessório e a formação de um sucessor possa ser realizado com a devida calma e cuidado necessários, até porque esse é um processo que necessita paciência e reflexão por todos os envolvidos.

A estruturação daqueles documentos já mencionados, como o protocolo familiar e o comitê de ética da família, bem como a instituição de órgãos de governança, como o conselho de família, conselho de administração e comitê consultivo, além do acordo de sócios, iniciam discussões dentro da família que serão essenciais para a formação de uma sucessão bem sucedida. Isso não quer dizer que a simples elaboração de tais documentos fará com que a família não tenha conflitos e que a sucessão será pacífica, contudo, pode ser um caminho para o enfrentamento de temas delicados que, se deixados para trás, podem causar a ruína da família.

A fim de ilustrar a questão aqui debatida, um tema sensível e que muitas vezes não é enfrentado por famílias, até que seja extremamente necessário, é a compreensão do papel de cada membro da família dentro da empresa. Isso porque há sócios que não trabalham no negócio, familiares que não são sócios, mas trabalham na empresa, sucessores que não trabalham e não querem trabalhar, sucessores que não trabalham e querem começar a trabalhar e o sócio que também trabalha na empresa.

Sendo assim, é essencial verificar quem, no futuro, tem o perfil e a vontade de se inserir no negócio desenvolvido e quem não quer. Com isso em mente, será possível treinar um sucessor e planejar a sucessão de forma acertada. Entretanto, por ser um tema sensível e, possivelmente, que possa trazer percepções indesejadas e inesperadas para o patriarca, acaba não sendo uma questão levantada.

Basta imaginar um pai, que fundou a empresa e dedicou todo o seu tempo e esforço no negócio, com o objetivo de transferir todo o seu conhecimento ao filho, para que pudessem trabalhar em conjunto e compartilhar dos mesmos sonhos e desejos, e, no momento em que deseja que esse filho comece a trabalhar na empresa, venha a tomar conhecimento que ele, na verdade, não tem afinidade com o negócio e, ainda, deseja seguir caminhos opostos.

A descoberta de uma situação como essa quando o patriarca já está pensando em se aposentar será, provavelmente, frustrante.

Conclusão

No processo de formação de uma governança familiar e corporativa em empresas familiares, são questionamentos como este que serão os norteadores de um trabalho bem desenvolvido com a família. Possuir, na família, os papeis desenvolvidos de forma clara por cada um evita que, no futuro, discussões e brigas por confusões de função na gestão e trabalho desestruturem o negócio familiar.

Além disso, é importante deixar definido como será o processo de entrada de herdeiros na sociedade, como sócios e como colaboradores, se será permitida a doação de quotas, como será o treinamento de sucessores escolhidos, bem como quais as diretrizes, valores e princípios da empresa familiar deverão ser seguidos pela sociedade e membros da família.

Mesmo que não sejam elaborados todos os documentos formais verificados em companhias abertas, as discussões dos respectivos temas abordados são fatores determinantes para a longevidade da empresa.

Com isso, pode ser formado um sistema de governança familiar e corporativa que se adeque à realidade da empresa e às suas necessidades, sem que isso cause um engessamento da atividade empresarial, o que, percebe-se, é uma grande preocupação do empresário. Desse modo, todos os membros e stakeholders poderão cumprir o seu papel de forma adequada, contribuindo para a perpetuação da empresa familiar.

FONTE: https://www.migalhas.com.br/depeso/416501/governanca-familiar-pilar-para-a-sucessao-em-empresas-familiares

[1] Disponível em: https://www.pwc.com.br/pt/estudos/setores-atividade/empresas-familiares/2023/pesquisa-global-de-empresas-familiares-2023.html. Acesso em 31 de ago. 2024.

[2] PRADO, Roberta N. Manual prático e teórico da empresa familiar: organização patrimonial, planejamento suces­sório, governança familiar e corporativa e estratégias societárias e sucessórias (governança jurídica). Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2023. E-book. ISBN 9786555598759. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555598759/. Acesso em: 31 ago. 2024.

[3] Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. Governança da família empresária: conceitos básicos, desafios e recomendações / Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. São Paulo, SP: IBGC, 2016.

[4] Código de Melhores Práticas de Governança Corporativa / Instituto Brasileiro de Governança Corporativa – 6. ed. – IBGC. – São Paulo, SP : IBGC, 2023.