RKL Escritório de Advocacia

A IMPENHORABILIDADE

A IMPENHORABILIDADE

Rénan Kfuri Lopes

Advogado, Escritor e Palestrante. 

Sócio-fundador do RKL ADVOCACIA

No CAPÍTULO V – DA RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL, o art. 789 do CPC prescreve que “o devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros para o cumprimento de suas obrigações, salvo as restrições estabelecidas em lei [destaques nossos].

O realce do dispositivo retro aponta que a impenhorabilidade deve ser expressa e a impenhorabilidade são estritos ou de numerus clausus. Destarte, salvo disposição legal em contrário, todos os bens são penhoráveis.

Com efeito, a “impenhorabilidade de certos bens é uma restrição ao direito fundamental à tutela executiva. É técnica processual que limita a atividade executiva e que se justifica como meio de proteção de alguns bens jurídicos relevantes, como a dignidade do executado, o direito ao patrimônio mínimo e a função social da empresa[1].

O art. 833 do CPC estatui as situações de impenhorabilidade, in verbis:

Art. 833.  São impenhoráveis:

I – os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução;

II – os móveis, os pertences e as utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado valor ou os que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida;

III – os vestuários, bem como os pertences de uso pessoal do executado, salvo se de elevado valor;

IV – os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2o;

V – os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis necessários ou úteis ao exercício da profissão do executado;

VI – o seguro de vida;

VII – os materiais necessários para obras em andamento, salvo se essas forem penhoradas;

VIII – a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família;

IX – os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social;

X – a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos;

XI – os recursos públicos do fundo partidário recebidos por partido político, nos termos da lei;

XII – os créditos oriundos de alienação de unidades imobiliárias, sob regime de incorporação imobiliária, vinculados à execução da obra.

§ 1o A impenhorabilidade não é oponível à execução de dívida relativa ao próprio bem, inclusive àquela contraída para sua aquisição.

§ 2o O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais, devendo a constrição observar o disposto no art. 528, § 8o, e no art. 529, § 3o.

§ 3o Incluem-se na impenhorabilidade prevista no inciso V do caput os equipamentos, os implementos e as máquinas agrícolas pertencentes a pessoa física ou a empresa individual produtora rural, exceto quando tais bens tenham sido objeto de financiamento e estejam vinculados em garantia a negócio jurídico ou quando respondam por dívida de natureza alimentar, trabalhista ou previdenciária. 

O inc.I se aplica no caso de constituição de capital para a asseguração do pagamento da pensão mensal, decorrente da obrigação de prestar alimentos, oriunda da indenização por ato ilícito (CPC, art. 533, § 1º)[2], bem como os declarados, por ato voluntário, como não sujeitos à execução, v.g., a disposição testamentária referida no art. 1.911 do Código Civil[3].

Incluem os incs. II e III dos móveis, pertences, utilidades domésticas, vestuários de uso pessoal que digam respeito a um padrão de vida médio, que não caracterizam ostentação.

O inc. IV inibe a penhora das remunerações em geral, ressalvada a hipótese do § 2º do mesmo dispositivo [penhora para pagamento de prestação alimentícia e dos importes do executado que excedam a 50 salários mínimos].

A ratio legis do inc. V é preservar os bens móveis que se constituem no trabalho do executado para se manter e à sua família.

O inc. VI dita que o seguro de vida é impenhorável, pois seu propósito é destinado a um plano com caráter de subsistência do beneficiário ou de seus dependentes, ainda que no futuro.

Os materiais de obras em andamento são impenhoráveis pela dicção do inc. VII, salvo se a

Igualmente, pelo inc. VIII, ser impenhorável a pequena propriedade rural definida sua característica pelo art. 4º, II do Estatuto da Terra (Lei 4.504/64)[4].

O inc. IX torna impenhorável os recursos públicos oficiais, previstos, “carimbados” e recebidos por instituição particular para obrigatória aplicação em educação, saúde ou assistência social, ad exemplificandum, contraprestação de serviços prestados pelo SUS.

O benefício da impenhorabilidade do inc. X fixa em quantia depositada em caderneta de poupança [não importa o números de contas poupanças] até o limite de 40 (quarenta) salários mínimos. Entendemos que se esse valor limite estiver num outro investimento com a finalidade de poupar é também abrangido pela impenhorabilidade.

Os recursos públicos do fundo partidário, recebidos por partido político a teor da regra do inc. XI não é penhorável[5].

Impossível a penhora do crédito decorrente da alienação de unidades imobiliárias, edificadas sob o regime de incorporação imobiliária (Lei 4.591/64), cujos recebimentos encontram-se vinculados à própria execução da obra, como assinalado pelo inc. XII.

As dívidas que guardem relação ao próprio bem são passíveis de penhora na depreensão do § 1º. Assim, financiamento para a compra, dívidas de taxas condominiais e IPTU podem resultar na penhora do bem.

Pelo § 2º a impenhorabilidade não atinge os importes remuneratórios (inc.IV) e os valores de 40 salários mínimos de caderneta de poupança (inc.X) se a dívida em execução provenha de prestação alimentícia, independentemente de sua origem. A novidade legislativa é a exceção que permite a penhora do valor da remuneração acima de 50 salários mínimos, independentemente de sua natureza alimentar, mas obtemperando a análise do caso concreto que não comprometa os padrões razoáveis de sobrevivência do executado.

Deixa claro o § 3º a exceção de que são penhoráveis os bens protegidos pelo inc. V se estes tenham sido objeto de financiamento, vinculados em garantia a negócio jurídico ou quando respondam por dívida de natureza alimentar, trabalhista ou previdenciária.

Para ilustrar esse bosquejo, alinham-se diversos temas abordando a impenhorabilidade objeto de recentes decisões do colendo SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.

A impenhorabilidade do bem de família prevista no art. 3º, III, da Lei n. 8.009/90 não pode ser oposta ao credor de pensão alimentícia decorrente de vínculo familiar ou de ato ilícito. [AgRg no AREsp 516.272/SP, DJe 13.06.2014].

Os integrantes da entidade familiar residentes no imóvel protegido pela Lei n. 8.009/90 possuem legitimidade para se insurgirem contra a penhora do bem de família. [EDcl no REsp 1084059/SP, DJe 23.04.2013].

A proteção contida na Lei n. 8.009/1990 alcança não apenas o imóvel da família, mas também os bens móveis indispensáveis à habitabilidade de uma residência e os usualmente mantidos em um lar comum. [AgRg no REsp 606301/RJ, DJe 19.09.2013].

É impenhorável o único imóvel residencial do devedor que esteja locado a terceiros, desde que a renda obtida com a locação seja revertida para a subsistência ou a moradia da sua família (Súmula n. 486/STJ). [AgRg no AREsp 422729/SP, DJe 04.09.2014].

A vaga de garagem que possui matrícula própria no registro de imóveis não constitui bem de família para efeito de penhora. (Súmula n. 449/STJ). [AgRg no REsp 1487718/PR, DJe 04.08.2015].

O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas. (Súmula n. 364/STJ). [AgRg no REsp 1341070/MG, DJe 11.09.2013].

A impenhorabilidade do bem de família é oponível às execuções de sentenças cíveis decorrentes de atos ilícitos, salvo se decorrente de ilícito previamente reconhecido na esfera penal. [REsp 1021440/SP, DJe 20.05.2013].

A exceção à impenhorabilidade prevista no artigo 3º, II, da Lei n. 8.009/90 abrange o imóvel objeto do contrato de promessa de compra e venda inadimplido. [REsp 1440786/SP, DJe 27.06.2014].

É possível a penhora do bem de família para assegurar o pagamento de dívidas oriundas de despesas condominiais do próprio bem. [REsp 1401815/ES, DJe 03.12.2013].

O fato do terreno encontrar-se desocupado ou não edificado são circunstâncias que sozinhas não obstam a qualificação do imóvel como bem de família, devendo ser perquirida, caso a caso, a finalidade a este atribuída. [REsp 1417629/SP, DJe 19.12.2013].

Afasta-se a proteção conferida pela Lei n. 8.009/90 ao bem de família, quando caracterizado abuso do direito de propriedade, violação da boa-fé objetiva e fraude à execução. [AgRg no AREsp 689609/PR, DJe 12.06.2015].

A impenhorabilidade do bem de família hipotecado não pode ser oposta nos casos em que a dívida garantida se reverteu em proveito da entidade familiar. [AgRg nos EDcl no REsp 1463694/MS, DJe 13.08.2015].

A impenhorabilidade do bem de família não impede seu arrolamento fiscal. [AgRg no REsp 1492211/PR, DJe 03.02.2015].

A preclusão consumativa atinge a alegação de impenhorabilidade do bem de família quando houver decisão anterior acerca do tema. [AgRg no AREsp 635815/SP, DJe 27.05.2015].

É legítima a penhora de apontado bem de família pertencente a fiador de contrato de locação, ante o que dispõe o art. 3º, inciso VII, da Lei n. 8.009/1990 (Tese julgada sob o rito do art. 543-C do CPC/1973 – TEMA 708)(Súmula n. 549/STJ). [AgRg no REsp 1364512/SP, DJe 15.04.2015].

É possível a penhora do bem de família de fiador de contrato de locação, mesmo quando pactuado antes da vigência da Lei n. 8.245/91, que acrescentou o inciso VII ao art. 3º da Lei n. 8.009/90. [AgRg nos EDcl nos EDcl no AgRg nos EDcl no REsp 771700/RJ, DJe 26.03.2012].

A impenhorabilidade do bem de família é questão de ordem pública, razão pela qual não admite renúncia pelo titular. [AgRg nos EDcl no REsp 1463694/MS, DJe 13.08.2015].

A impenhorabilidade do bem de família pode ser alegada em qualquer momento processual até a sua arrematação, ainda que por meio de simples petição nos autos. [AgRg no AREsp 595374/SP, DJe 01.09.2015].

A Lei n. 8.009/90 aplica-se à penhora realizada antes de sua vigência. (Súmula n. 205/STJ) [AgRg no REsp 240934/ES, DJe 19.11.2010]

——

[1] DIDIER JR., Fredie; CUNHA,Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de, Curso de Direito Processual Civil. 3.ed. Salvador: JusPodivm, 2011, v.5, p.547.

[2]    CPC, art. 533. Quando a indenização por ato ilícito incluir prestação de alimentos, caberá ao executado, a requerimento do exequente, constituir capital cuja renda assegure o pagamento do valor mensal da pensão.

§1º. O capital a que se refere o caput, representado por imóveis ou por direitos reais sobre imóveis suscetíveis de alienação, títulos da dívida pública ou aplicações financeiras em banco oficial, será inalienável e impenhorável enquanto durar a obrigação do executado, além de constituir-se em patrimônio de afetação (…).

[3]    CC, art. 1.911. A cláusula de inalienabilidade, imposta aos bens por ato de liberalidade, implica impenhorabilidade e incomunicabilidade. Parágrafo único. No caso de desapropriação de bens clausulados, ou de sua alienação, por conveniência econômica do donatário ou do herdeiro, mediante autorização judicial, o produto da venda converter-se-á em outros bens, sobre os quais incidirão as restrições apostas aos primeiros.

[4]    Estatuto da Terra. art. 4º. Para os efeitos desta Lei, definem-se: (…) II. “Propriedade Familiar”, o imóvel rural que, direta e pessoalmente explorado pelo agricultor e sua família, lhes absorva toda a força de trabalho, garantindo-lhes a subsistência e o progresso social e econômico, com área máxima fixada para cada região e tipo de exploração, e eventualmente trabalho com a ajuda de terceiros; (…).

[5] A natureza pública do fundo partidário decorre da destinação específica de seus recursos, submetida a controle pelo Poder Público (Lei 9.096/95, art. 44), a fim de promover o funcionamento dos partidos políticos, organismos essenciais ao Estado Democrático de Direito (STJ, Resp 1.476.605/MS).