A FAMÍLIA HOJE
Antônio Carlos Mathias Coltro
“Não conhecer o amor é não conhecer a vida.” (Machado de Assis)
Iniciando
A família precedeu ao casamento, este último criação humana; aquela, um fato natural, chamando-a Eça de Queiroz o “esponsal natural das almas” [1], referindo Sá Pereira: “A família é fato natural. Não o cria o homem, mas a natureza. Quando um homem e uma mulher se reúnem sob o mesmo teto, em torno de um pequenino ser, ali está uma família. Passou por lá o juiz com a sua lei, ou o padre com o seu sacramento? Que importa isso? O acidente convencional não tem força de apagar o fato natural“.
Entre os romanos [2], os descendentes, a mulher, os libertados, os escravos e os bens de qualquer natureza que se achassem subordinados ao poder do pater familias integravam a família, em um dado momento, refletindo ela, depois, o organismo composto pelas pessoas sujeitas ao pátrio poder do pater familiae.
Conforme Jean-Louis Flandrin [3], a consulta a escritos ingleses e franceses indica que, entre os séculos XVI e XVII, “(…) o conceito de família estava dividido entre a ideia de residência comum e a ideia de parentesco que se encontram unidas na definição que é hoje a mais corrente“. A palavra evocava, de fato, com muito mais frequência, um conjunto de parentes que não moravam juntos; e designava também, frequentemente, um conjunto de pessoas que coabitavam e que não estavam necessariamente ligadas pelo sangue ou pelo casamento.
A ideia de coabitação era a enunciada em primeiro lugar nos antigos dicionários ingleses. Assim, o de Samuel Johnson (1755) dá-nos como primeiro significado de family o compreensivo dos “(…) que vivem na mesma casa“, e, como sinônimo, household. Abel Boyer, na primeira edição do seu Dictionnaire Royal François et Anglois, entendia por “família” “todos aqueles que vivem numa mesma casa, sob um mesmo chefe“, e dava como equivalentes family e household. Também Cotgrave, em 1763, traduzia “família” por a family or household, e family por “família, gente da casa“, acrescentando a seguir outros sinônimos correspondentes a outros sentidos da palavra. Nenhum destes dicionários reduzia a família àqueles que, dentro da casa, estão ligados por parentesco. E o uso confirma que os criados e outros “familiares” faziam parte dela. Assim, Samuel Pepys escrevia, em 1660, no princípio do seu célebre diário íntimo: “I lived in Axe Yard, having may life, and servant Jane, and no more in family than us three” (Vivi em Axe Yard com a minha mulher e a criada Jane, e mais ninguém de família além de nós três).
Esse sentido de “(…) gente da casa, particularmente comum em inglês, encontrava-se também no francês dos séculos XVII e XVIII. É ele que surge à cabeça da entrada ‘família’ na primeira edição do Dictionnaire de L’Académie, em 1694: ‘Todas as pessoas que vivem numa mesma casa, sob um mesmo chefe’. E, já em 1690, Furetiére precisara que, neste sentido, a palavra ‘família’ significa ‘a gente da casa, composta por um chefe e os seus criados, sejam esposa, filhos ou servidores’. Esta definição foi retomada em todas as edições posteriores do seu dicionário e em todas do Dictionnaire de Trévoux, de 1704 a 1771“.
Dessarte, enquanto num determinado espaço histórico a família tem significação mais ampla em sua característica orgânica, em outro torna-se ela mais restrita, de forma a alcançar somente os ligados pelo parentesco.
Na legislação constitucional brasileira, infere-se, desde o início, haver-se afirmado como família apenas o grupo resultante do matrimônio, sem alusão à circunstância outra e que pudesse inserir-se na conceituação de entidade familiar.
Quanto à união de fato[4] entre um homem e uma mulher, antes de 1988 conhecida como concubinato, tem-se notícia de sua existência desde muito[5], escrevendo Lourenço Dias[6] que “a velha história grega está crivada de concubinatos célebres“, vindo do Egito notícia, sem desmentido histórico, sobre a pirâmide de Miquerinos ter sido construída por Radopis, concubina no reinado de Amasis (600 a.C.), enquanto Jean-Louis Flandrin[7] comenta, sobre a concubinagem, estar “(…) a história medieval (…) cheia dos seus feitos, prova de que vinham a desempenhar frequentemente um papel importante“.
Ressalta o mesmo autor, ainda, que, em relação ao casamento, “(…) uma instituição social através da qual se ligavam as famílias da mesma condição social para se perpetuarem, a concubinagem era uma união pessoal, uma questão de amor, pelo menos da parte do homem“, verificando-se desse comentário surgir a união de fato como consequência da distorção da finalidade do matrimônio, utilizado com objetivo outro e de interesse e que não era o da união de duas pessoas com ligação afetiva, considerado o afeto, amor, bem querer ou expressão outra com igual significado, como o fundamento necessário a estabelecer-se o vínculo entre aqueles que deliberem unir-se e constituir família.
De se aludir, ainda, quanto à união em comum de fato, ver-se, na Roma antiga, no início do Império e na própria lenda de Rômulo e Remo, terem eles nascido de mulher solteira, ligada por concubinato a um pastor, sendo que a divisão em duas classes sociais – patrícios e plebeus -, havida por muitos anos entre os romanos e proibido o casamento entre os integrantes de uma com os da outra -, acaba por conduzir tornar-se comum o concubinato, sem merecer o desprezo público.
Se, no início, o termo concubina tinha sentido pejorativo, passou a significar algo honroso, contando a História da Vida Privada, dirigida por Philippe Ariès e Georges Duby, que “(…) a opinião acabou se tornando indulgente com as relações com uma concubina desde que fossem duradouras e exclusivas, como um casamento, e que somente a inferioridade social da mulher impedisse o homem de transformar a ligação em legítimas núpcias. Os juristas cerravam fileiras; para eles, o concubinato constituía um estado de fato, porém honroso, que não rebaixava a mulher ao nível daquelas que se devia desprezar; o concubinato precisava também se parecer em tudo com o casamento; a concubina – no segundo e único sentido honroso da palavra – devia ser livre (pois as escravas não poderiam se casar) e a união devia ser monogâmica: era indispensável ter uma concubina sendo casado ou ter duas concubinas ao mesmo tempo” [8].
Segundo Ebert Chamoun [9], “(…) no Baixo Império torna-se o concubinato um casamento inferior, embora lícito. Com os imperadores cristãos começa a receber o reconhecimento jurídico. Distinguem eles os filhos nascidos de concubinato (liberi naturales), que se podem legitimar per subsequens matrimonium dos vulgo quaesiti ou spuriti, oriundos de uniões sexuais passageiras. Favorece-se, assim, a transformação do concubinato em matrimônio através da legitimação dos filhos“. Anota Álvaro Villaça Azevedo, contudo, ser “(…) certo que os imperadores cristãos consideraram imoral o concubinato, tendo-o tolerado até que o Imperador Leão, o sábio (886 a 912 d.C.), definitivamente o aboliu (nov. 89,91)“[10].
Com a Lex Julia et Papia Poppaea de maritandis ordinibus, passou o concubinatus a ter incentivo, tendo Constantino, entretanto, em 326 d.C., situado a concubina e seus filhos em posição inferior.
A partir de Justiniano adveio a elevação do concubinato, sendo exigido, para sua caracterização, a observância a requisitos similares aos do matrimônio, aplicadas, inclusive, as regras atinentes aos impedimentos matrimoniais, inexistentes, todavia, como mencionado por Álvaro Villaça Azevedo, em sua magnífica tese sobre o assunto[11] – com apoio em Bonfante -, a affectio maritalis e a honor matrimonii, residindo aí a única diferença em relação ao casamento, sendo a união concubinária, portanto, uma espécie de casamento de categoria inferior, buscando afastar-se, de qualquer forma, conforme Paul Jörs e Wolfgang Kunkel[12], o quanto contrário aos bons costumes e que pudesse nele se considerar.
Constata-se, com Michel Rouche, no período que vai do Império Romano ao Ano Mil, na Alta Idade Média, que, entre os galo-romanos, o contínuo concubinato com as escravas se inseria mesmo em grave óbice à indissolubilidade matrimonial[13].
Nos séculos X-XI, mostra Évelyne Patlagean que, com o fim de impedir concorrente descendência, o filho havido por Romano I (de quem Constantino VII era genro) com uma concubina vem a ser castrado[14].
Adverte Edgard de Moura Bittencourt, todavia: “(…) a união irregular (…) desponta como elemento de negação jurídica, a partir da instituição do casamento sob a forma legal, quando a Holanda a criou no século XVI e nos séculos posteriores acentuou-se a tendência de legislar-se sobre essa matéria. Anteriormente a essa conquista de institucionalização do matrimônio, as ligações a este não se apresentavam como problema: existia uma disciplina a respeito, tal como no direito romano, no qual o concubinato era considerado casamento inferior, de segundo grau, e como no regime das Ordenações Filipinas, no qual a ligação extramatrimonial prolongada gerava direitos em favor da mulher“[15].
Evidencia-se, pois, ainda que possa ter sido regulada de forma diversa, conforme o momento histórico, que a família de fato não esteve ausente da história dos povos, em razão do que e como frisado por José Ferreira Lamartine Corrêa de Oliveira, juntamente com Francisco José Ferreira Muniz, “(…) a relação de fato entra igualmente no âmbito do juridicamente relevante. A rigor, não é essencial o nexo família-matrimônio: a família não se funda necessariamente no casamento. Isto significa, portanto, que casamento e família são realidades diversas“[16], mas com aptidão, segundo aqui se refere, à produção de efeitos jurídicos, sob pena de sancionamento indevido a uma de tais figuras, no caso a do concubinato, no tocante a que, entretanto, como menciona Romeu Simon, ainda que em relação ao Brasil colonial, “o Estado não combatia por que era ausente e omisso. A Igreja, em contrapartida, formalmente combatia, mas não podia confrontar diretamente com a desordem social reinante” [17].
Assim, considerada essa realidade, “(…) a proteção que a ordem jurídica confere à família não se exaure, na atualidade, com as disposições legais pertinentes ao casamento civil, pois existem uniões extramatrimoniais que vêm merecendo a atenção do Estado, especialmente no que diz respeito à prole delas resultante”, como escrito por Carlos Silveira Noronha[18], reafirmando o quanto antes observado e no sentido de que “a mais antiga relação extramatrimonial que a realidade social e histórica registra em todos os tempos é a que se identifica na figura do concubinato“.
Seguindo no mesmo artigo acima citado, acrescenta seu autor: “No Brasil republicano, a despeito do formalismo da legislação brasileira, tentou-se implantar o casamento civil a toda a população, o que levou, por contingência histórica, a considerar-se até o casamento só religioso como concubinato. O que ocorreu foi a não aceitação desse casamento legalmente admitido como modelo necessário e único, com o costume se sobrepondo diante e contra a imposição da lei, uma vez que as pessoas continuavam se casando, por tradição, somente no religioso“.
Já Eduardo Espínola observara existir uma família ilegítima “(…) à qual a lei, entretanto, por considerações de responsabilidade pessoal e de ordem moral e social, consagra regras de proteção e amparo, principalmente quanto à mulher e aos filhos“, lembrando o grande Ministro do c. STF que, em 1805, “(…) o antigo juiz do Tribunal de Chateau Thierry, o célebre presidente Magnaud, le bon juge, como se tornou conhecido, formulou um projeto de lei associando o amor ao casamento e determinando que a união livre fosse reconhecida dignamente e registrada pelo oficial do estado civil, de sorte que viesse a constituir uma fonte de direitos de família, principalmente em relação aos filhos“[19].
Assim, sem olvidar a necessidade de ter a família como base da sociedade, reconheceu o constituinte impor-se o reconhecimento sobre ter havido verdadeira inflexão quanto ao seu significado, afirmando-a como compreensiva do casamento, mas sem excluir poder ela também resultar da união de fato, nominando-a como união estável, admitindo, pois, ser possível tê-la como alcançando moldura plural e afastando o conteúdo singular que até então lhe fora outorgado.
Entretanto, e ainda que assim agindo, não teve o constituinte como arredar a necessidade de inserir nesse novo conceito a figura do ente monoparental, caracterizado pelo grupo formado por um dos pais e seus ascendentes.
Evidente, pois, ter-se dado nova conformação ao sentido da entidade familiar, que passou, desde a CF de 1988, a ter nova moldura e a admitir maneiras diversas para sua origem e constituição, disto advindo inevitáveis consequências jurídicas.
Mesmo que assim se portando o constituinte, não teve em conta a imperiosidade de permitir de forma expressa a inclusão, no desenho da família, de outras figuras que a realidade pudesse apresentar e que pudessem por ele ser levadas em conta quando da redação da Carta Magna, para o reconhecimento e proteção de direitos, podendo ser citada como exemplo a da família extensa ou ampliada que acabou por ser objeto de previsão legislativa no parágrafo único do art. 25 do ECA, que a definiu como a que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade.
Ademais, dentro da realidade a que a sociedade e o direito se veem submetidos, necessitaram os autores do Código Civil de 2002 por dirigir seu olhar para o fato de que os filhos podem advir não só da filiação biológica e adotiva como também de outra origem, como reconhecido em seu art. 1.593, no qual delineadas as maneiras pelas quais o parentesco pode se dar (civil e natural), situação em que, de maneira clara e inafastável, permitiu-se ao intérprete a inserção na entidade familiar dos filhos de criação[20], além da consideração da socioafetividade como circunstância de relevo para o exame de questões inerentes ao direito de família, servindo a palavra[21], inclusive, para indicar a importância que o aspecto da afetividade tem para tanto, por isto mesmo assinalando Marcos Emanoel Andrade Silva: “Desconsiderar a verdade socioafetiva é uma ficção; estando esta caracterizada, não há como voltar atrás. Observa-se que a discussão sempre estará associada ao bem-estar do filho. Se assim não acontecer, estará o operador do direito retirando do maior interessado desse impasse o direito que tem de se sentir filho, de pertencer a uma família, de assumir uma identidade no meio em que vive“[22], podendo o caso ser perfeitamente incluído na disposição do art. 1.593 do CC, já que muitas vezes a afetividade entre a pessoa e aqueles que a criaram acaba por estabelecer vínculo sentimental efetivo e extremamente hábil à produção de efeitos jurídicos, independente de qualquer formalidade contida na legislação.
Aliás, quanto a isso, cumpre realçar, na esteira do advertido por Silvio de Macedo, que “o amor, que tem função afetiva, atrativa e também cognitiva e compreensiva, é valor social, jurídico, aglutinando os demais valores na formação de uma nova realidade mais rica de significados, tendo um lado experimental e um lado formado por um halo de mistério e transcendentalidade. Pode ser buscado e encontrado na convivência humana, portanto no contexto conflitivo-social onde se realiza. Sendo a pessoa um sistema aberto, que se comunica e se aperfeiçoa, isso só é possível na comunidade, diante do próximo, cumprimento de uma lei, e não no processo de autismo ou alienação. A estrutura do ser humano é de natureza coexistencial. O ser depende do outro ser. Assim, a ‘ágape’ (forma mais elevada do amor = amor sacrificial, doação) é de natureza heterônoma. Situando-se, portanto, no plano social, concreto, das ações efetivas. A coexistência humana só evolui pelo amor e se revela em diversos graus, nas formas cada vez mais ricas: a atenção, o cuidado, a dedicação, a compreensão, a paciência, a amizade, o amor“.
Continuando, e após citar Recaséns Siches, apresenta o mesmo autor o seu ponto de vista: “O amor é um valor vital, estético, metafísico, ético, social, jurídico como consequência. O sistema jurídico aberto permite certa permeabilidade do amor. Daí se caracterizar também como valor jurídico. Se o amor pode sacudir as estruturas sociais e estas só mantêm estabilidade pelo direito, então amor e direito se aglutinam no sistema jurídico, formando o valor jurídico“[23].
Por fim, depois de acentuar ter sido apenas São Tomás de Aquino, talvez, a admitir “(…) o amor em nível gnoseológico“, aponta como o item de número 9 das conclusões a que chega o seguinte: “O amor (valor afetivo, emocional) alimenta a estabilidade (valor jurídico). Ingressando o amor no sistema jurídico aberto, constitui um valor jurídico específico. Sacudindo as estruturas sociais estagnadas, o amor ajuda a renovar o sistema jurídico, gerando assim uma espécie de valor jurídico” [24].
Embora a legislação atinente ao direito de família não aluda ao amor como necessário à validade dos institutos e das relações sobre as quais dispõe, refere o CC, contudo, no seu art. 1.511, que o casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges, dispondo o art. 1.565, caput, que “assumem homem e mulher mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família“, reconhecendo o art. 1.723 como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família, referindo, ainda, o ECA à necessidade de haver afeto entre adotante(s) e adotado(s), podendo-se extrair como lógica conclusão a dirigida a que, embora não usando de forma expressa a palavra amor, considerou o legislador, tanto no referente às relações matrimoniais e às de fato entre as pessoas bem como às entre pais e filhos, biológicos (cf. a respeito o disposto na legislação aplicável [25]) ou não, a necessidade de ele existir, como forma de reforçar as relações entre os envolvidos em situações que tais, inclusive por tais ligações produzirem efeitos jurídicos, que devem possuir firmes fundamentos.
O preâmbulo da CF, quando alude à liberdade, ao bem-estar, à igualdade e à justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e tendo como alicerces a cidadania e a dignidade da pessoa humana, acabou por impor ao Judiciário, mesmo sem expresso regramento em alguns casos, no verdadeiro laboratório em que se constitui e tendo em conta a realidade de que a vida atropela o direito, o exame de circunstâncias imprevistas legislativamente, mas cuja consideração se impunha, com fundamento em princípios jurídicos maiores, sendo um dos quais, e que merece relevo, o da dignidade da pessoa humana.
Por isso mesmo, ao receber pleito dirigido ao exame sobre a possibilidade da união estável entre pessoas do mesmo sexo, o STF afirmou o quanto segue:
“INTERPRETAÇÃO DO ART. 1.723 DO CÓDIGO CIVIL EM CONFORMIDADE COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL (TÉCNICA DA ‘INTERPRETAÇÃO CONFORME’). RECONHECIMENTO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO FAMÍLIA. PROCEDÊNCIA DAS AÇÕES. Ante a possibilidade de interpretação em sentido preconceituoso ou discriminatório do art. 1.723 do Código Civil, não resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária a utilização da técnica de ‘interpretação conforme à Constituição’. Isso para excluir do dispositivo em causa qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que deve ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva.” (ADI 4.277, Rel. Min. Ayres Britto, Tribunal Pleno, j. 05.05.2011, DJe-198 Divulg 13.10.2011 Public 14.10.2011 Ement Vol-02607-03 pp-00341 RTJ Vol-00219- pp-00212)
Nessa oportunidade, considerou a Suprema Corte que “a referência constitucional à dualidade básica homem/mulher, no § 3º do seu art. 226, deve-se ao centrado intuito de não se perder a menor oportunidade para favorecer relações jurídicas horizontais ou sem hierarquia no âmbito das sociedades domésticas. Reforço normativo a um mais eficiente combate à renitência patriarcal dos costumes brasileiros. Impossibilidade de uso da letra da Constituição para ressuscitar o art. 175 da Carta de 1967/1969“.
Na esteira desse julgamento e examinando a possibilidade do casamento entre pessoas do mesmo sexo, não destoou o STJ, afirmando, no quanto de interesse:
“Os arts. 1.514, 1.521, 1.523, 1.535 e 1.565, todos do Código Civil de 2002, não vedam expressamente o casamento entre pessoas do mesmo sexo, e não há como se enxergar uma vedação implícita ao casamento homoafetivo sem afronta a caros princípios constitucionais, como o da igualdade, o da não discriminação, o da dignidade da pessoa humana e os do pluralismo e livre-planejamento familiar.” (REsp 1.183.378/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, j. 25.10.2011, DJe 01.02.2012)
Sem divergência, outrossim, admitiu a mesma Corte Superior a adoção entre pessoas do mesmo sexo:
“Direito civil. Família. Adoção de menores por casal homossexual. Situação já consolidada. Estabilidade da família. Presença de fortes vínculos afetivos entre os menores e a requerente. Imprescindibilidade da prevalência dos interesses dos menores. Relatório da assistente social favorável ao pedido. Reais vantagens para os adotandos. Arts. 1º da Lei nº 12.010/09 e 43 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Deferimento da medida. Recurso especial improvido.” (REsp 889.852/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, j. 27.04.2010, DJe 10.08.2010)
Afora isso, teve o Judiciário que admitir também a aplicação do instituto da putatividade, previsto para o casamento, em relação à união estável:
“APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO ESTÁVEL PUTATIVA. PARTILHA DE BENS. MAJORAÇÃO DE ALIMENTOS. APELAÇÃO DA AUTORA. RECONHECIMENTO DA UNIÃO. A confissão da apelante de que ficou sabendo somente ‘no processo’ que o apelado estava em processo de separação com a esposa do Tocantins, as idas e vindas do réu, a distância entre os Estados da federação e o processo de separação do casamento, corroboram a tese de que a apelante não sabia que o réu era casado, vivendo uma ‘união estável putativa’, a qual, em analogia ao ‘casamento putativo’, deve receber as consequências jurídicas similares às da união estável. Precedentes jurisprudenciais. Partilha de bens. Não vindo prova da propriedade imobiliária adquirida no curso da união, viável a partilha somente dos direitos decorrentes de contrato particular de compra e venda de imóvel. Parcialmente provido o recurso no ponto. Alimentos à filha do casal. O valor dos alimentos em dois salários mínimos é adequado, pois não se sabe exatamente qual é a possibilidade econômica do alimentante, bem como se trata de valor razoável, em face das necessidades normais de uma menina de 10 anos. Desprovido no ponto. APELAÇÃO DO RÉU. ALIMENTOS. Considerando que o apelante pagou à alimentanda o valor equivalente a 2 (dois) salários mínimos desde que foram fixados provisoriamente nos autos, e os sinais da sua riqueza apontam ter condições de suportar tal importância, não há razão para reduzir o valor arbitrado na sentença. Logo, deve ser confirmada a sentença relativamente à pensão alimentícia de 2 salários mínimos. Deram parcial provimento à apelação da autora e negaram provimento à apelação do réu.” (Apelação Cível 70060165057, Oitava Câmara Cível, TJRS, Rel. Rui Portanova, j. 30.10.2014)
“APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO ESTÁVEL. CASAMENTO. SEPARAÇÃO FÁTICA. BOA-FÉ. UNIÃO ESTÁVEL PUTATIVA. 1. A apelada alegou ter vivido em união estável com o falecido por cerca de 19 anos, residindo com ela sob o mesmo teto em São Gabriel, e com ele teve duas filhas. De outro lado, as apelantes sustentam que ele se manteve casado até o óbito, mantendo residência com a esposa em Passo Fundo. 2. Não ficou cabalmente demonstrado que, não obstante a vida profissional, social e familiar que o de cujus tinha em São Gabriel, ele tivesse mantido hígido e sem qualquer ruptura fática seu casamento. A prova por vezes se mostra dúbia e insuficiente, corroborando uma e outra das teses alegadas. 3. E, ainda que assim não fosse, diversamente do que sustentam as apelantes, o caso admite o reconhecimento da união estável putativa, autorizando que, excepcionalmente, à semelhança do casamento putativo, se admita a produção de efeitos à relação fática, pois a autora foi tomar conhecimento da condição de casado do falecido quando a segundo filha já contava 9 anos de idade, evidenciando sua boa-fé. Negaram provimento. Unânime.” (Apelação Cível 70060286556, Oitava Câmara Cível, TJRS, Rel. Luiz Felipe Brasil Santos, j. 25.09.2014)
No STJ a idêntica solução se chegou:
“DECISÃO. Trata-se de agravo manejado contra decisão que não admitiu recurso especial, este interposto com fundamento no art. 105, III, a, da CF, desafiando acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, assim ementado:
‘APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL. PROVAS ORAL E DOCUMENTAL QUE ATESTAM A CONVIVÊNCIA CONTÍNUA, DURADOURA E PÚBLICA DO EX-SERVIDOR COM AS DUAS MULHERES, UMA DAS QUAIS, A AUTORA, FOI COM ELE CASADA, ADVINDO-LHES DOIS FILHOS COMUNS. CONVIVENTES DE BOA-FÉ, AMBAS ACREDITANDO QUE CONSTITUÍAM A ÚNICA CÉLULA FAMILIAR DO EX-SERVIDOR, DEMONSTRANDO DESCONHECER A EXISTÊNCIA UMA DA OUTRA NO PAPEL DE COMPANHEIRA. EVIDENCIADA A EXISTÊNCIA DAS UNIÕES CONCOMITANTES QUE, CONSOANTE AS CARACTERÍSTICAS APRESENTADAS NESTES AUTOS, AFASTAM A SEMELHANÇA COM O CONCUBINATO IMPURO. RELACIONAMENTO ÚNICO, ESTÁVEL, DURADOURO E QUE PREENCHEU OS REQUISITOS LEGAIS POR MAIS DE CINCO ANOS. CONFIGURADA A UNIÃO ESTÁVEL PUTATIVA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.’” (Agravo em Recurso Especial 404.954/RJ [2013/0326319-0], Rel. Min. Sérgio Kukina, Agravante: Rio Previdência – Fundo Único de Previdência Social do Estado do Rio de Janeiro)
Nota-se, portanto e sem razão a impedimento, terem sido os pretórios forçados a uma nova direção de seu olhar, por conta das alterações havidas na sociedade e na maneira de agir dos cidadãos, de sorte a ensejar uma mudança profunda no entendimento jurisprudencial sobre as questões enunciadas, de maneira a render uma franca e forte revisão do pensamento antes existente.
De um significado restrito quanto ao sentido da família, viram-se tanto o legislador quanto o Judiciário obrigados a aceitar a necessidade de admiti-la não em única moldura, mas em outra e que admite pluralidade de origens e circunstâncias, sem interferir, contudo, na significação que a família tem como instituição, sob o aspecto sociopsicológico e antropológico.
Pode-se afirmar, com Jamile Saraty Malveira, que “o conceito de família atravessou os séculos inventando história, mudando situações, destruindo antigos paradigmas, encarnando um papel de verdadeira ‘metamorfose ambulante’, corroborada por mudanças comportamentais consistentes. Também pudera, confunde-se com a própria existência do homem e, por isso, ditas as regras da sociedade. De forma didática é possível traçar um paralelo entre a concepção das famílias contemporânea com o brinquedo Lego. Isto porque, em virtude do escopo precípuo que ela carrega, qual seja o de felicidade, surgiram várias formas de constituição da família com fito de atender às necessidades especiais de cada indivíduo. Assim, o conceito de família atualmente tem um único pressuposto, que é o afeto, mas guarda uma infinidade de peças independentes que podem ser encaixadas ao bom alvitre dos sujeitos que fazem parte de um mesmo grupo familiar“.
Prosseguindo, acentua:
“A construção de novos paradigmas sempre é estabelecida pelas mudanças sociais, o maior desafio é abarcar todas essas vertentes no plano jurídico, reconhecendo direitos e garantindo a dignidade. O diálogo entre as disciplinas, nomeadamente entre o direito constitucional e o direito civil, bem como os direitos humanos, é imprescindível, porém, a contribuição da história e da sociologia se faz importante para a construção do contexto social atual. Entretanto, não é fácil agir sozinho. Uma iniciativa mais incisiva do Legislativo e do Executivo na aprovação e promulgação de leis que favoreçam a ordem e a paz social já contribuiria para o abrandamento desta problemática. Sugere-se, portanto, uma ação conjunta dos três poderes na tentativa de se alcançar os instrumentos jurídicos das mudanças constantes da sociedade contemporânea.” [26]
Não bastando o quanto até aqui referido, deve-se assinalar que até a possibilidade de uniões amorosas paralelas já foi considerada em pretório, ainda que na doutrina se afirme sua impossibilidade, tanto no tocante ao casamento quanto à união estável [27]. Assim decidiu o TJRS:
“APELAÇÃO CÍVEL. RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL PARALELA AO CASAMENTO E OUTRA UNIÃO ESTÁVEL. UNIÃO DÚPLICE. POSSIBILIDADE. PARTILHA DE BENS. MEAÇÃO. ‘TRIAÇÃO’. ALIMENTOS. A prova dos autos é robusta e firme ao demonstrar a existência de união estável entre a autora e o réu em período concomitante ao seu casamento e, posteriormente, concomitante a uma segunda união estável que se iniciou após o término do casamento. Caso em que se reconhece a união dúplice. Precedentes jurisprudenciais. Os bens adquiridos na constância da união dúplice são partilhados entre a esposa, a companheira e o réu. Meação que se transmuda em ‘triação’ pela duplicidade de uniões, o mesmo se verificando em relação aos bens adquiridos na constância da segunda união estável. Eventual período em que o réu tiver se relacionado somente com a apelante, o patrimônio adquirido nesse período será partilhado à metade. Assentado o vínculo familiar e comprovado nos autos que durante a união o varão sustentava a apelante, resta demonstrado os pressupostos da obrigação alimentar, quais sejam as necessidades de quem postula o pensionamento e as possibilidades de quem o supre. Caso em que se determina o pagamento de alimentos em favor da ex-companheira. Apelação parcialmente provida (segredo de justiça).” (Apelação Cível 70022775605, Oitava Câmara Cível, TJRS, Rel. Rui Portanova, j. 07.08.08)
“APELAÇÕES CÍVEIS. UNIÃO DÚPLICE. UNIÃO ESTÁVEL. PROVA. MEAÇÃO. ‘TRIAÇÃO’. SUCESSÃO. PROVA DO PERÍODO DE UNIÃO E UNIÃO DÚPLICE. A prova dos autos é robusta e firme a demonstrar a existência de união entre a autora e o de cujus em período concomitante ao casamento do falecido. Reconhecimento de união dúplice paralela ao casamento. Precedentes jurisprudenciais. MEAÇÃO (TRIAÇÃO). Os bens adquiridos na constância da união dúplice são partilhados entre as companheiras e o de cujus. Meação que se transmuda em ‘triação’ pela duplicidade de vínculos familiares. Negaram provimento ao primeiro apelo e deram parcial provimento ao segundo (segredo de justiça).” (Apelação Cível 70027512763, Oitava Câmara Cível, TJRS, Rel. Rui Portanova, j. 14.05.09)
“APELAÇÃO CÍVEL. RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL PARALELA AO CASAMENTO E OUTRA UNIÃO ESTÁVEL. UNIÃO DÚPLICE. POSSIBILIDADE. PARTILHA DE BENS. MEAÇÃO. ‘TRIAÇÃO’. ALIMENTOS. A prova dos autos é robusta e firme a demonstrar a existência de união estável entre a autora e o réu em período concomitante ao seu casamento e, posteriormente, concomitante a uma segunda união estável que se iniciou após o término do casamento. Caso em que se reconhece a união dúplice. Precedentes jurisprudenciais. Os bens adquiridos na constância da união dúplice são partilhados entre a esposa, a companheira e o réu. Meação que se transmuda em ‘triação’, pela duplicidade de uniões, o mesmo se verificando em relação aos bens adquiridos na constância da segunda união estável. Eventual período em que o réu tiver se relacionado somente com a apelante, o patrimônio adquirido nesse período será partilhado à metade. Assentado o vínculo familiar e comprovado nos autos que durante a união o varão sustentava a apelante, resta demonstrado os pressupostos da obrigação alimentar, quais sejam as necessidades de quem postula o pensionamento e as possibilidades de quem o supre. Caso em que se determina o pagamento de alimentos em favor da ex-companheira. Apelação parcialmente provida (segredo de justiça).” (Apelação Cível 70022775605, Oitava Câmara Cível, TJRS, Rel. Rui Portanova, j. 07.08.08)
“EMBARGOS INFRINGENTES. UNIÃO ESTÁVEL PARALELA AO CASAMENTO. RECONHECIMENTO. Ainda que o falecido não tenha se separado de fato e nem formalmente da esposa, existindo a convivência pública, contínua, duradoura e o objetivo de constituir família com a companheira, há que se reconhecer a existência da união estável paralela ao casamento. O aparente óbice legal representado pelo § 1º do art. 1.723 do Código Civil fica superado diante dos princípios fundamentais consagrados pela Constituição Federal de 1988, principalmente os da dignidade e da igualdade. Embargos infringentes desacolhidos, por maioria (segredo de justiça).” (Embargos Infringentes 70020816831, Quarto Grupo de Câmaras Cíveis, TJRS, Rel. Ricardo Raupp Ruschel, j. 14.09.07)
Note-se que, embora se possa suscitar questionamento no tocante às uniões paralelas, por conta dos inúmeros posicionamentos a ela contrários, tanto doutrina quanto jurisprudência já a admitiram, de acordo com o citado, sendo que também o TJMG assim concluiu (Ap. Cível 1.0017.05.016882-6/003, j. 20.11.08, Relª Desª Maria Elza), o que, em princípio, faz com que se inclua a família resultante de tal origem nos limites que a partir de 1988 adveio da CF.
Portanto, em que pesem as críticas lançadas à possibilidade de outras formas de união [28] que não a decorrente do casamento e com os requisitos a ele inerentes e sem que, com isto, se afirme o fim da família ou que esteja ela em crise, ocorrendo, em verdade, na lição de Ney de Mello Almada, “(…) uma transição conceitual (…) que, de estabilizada por tradicionais moldes, entrou, nas derradeiras décadas, a experimentar trepidantes mutações” [29].
Concluindo
Assim, se a CF referiu o casamento, a união estável e a monoparental como constitutivos da instituição familiar, a alteração dos costumes revelou outras situações que o Judiciário acabou por reconhecer como inseridas na moldura da família, produzindo efeitos sociojurídicos que não poderiam deixar de ser reconhecidos pela jurisprudência, com arrimo constitucional e sociodoutrinário, nestas circunstâncias se quadrando o escrito por Machado de Assis, no sentido de que “o homem é um alfabeto de sensações” e “cada qual sabe amar ao seu modo; o modo pouco importa; o essencial é que saiba amar“, pois “o coração humano é a região do inesperado” e “não se deliberam sentimentos; ama-se ou aborrece-se, conforme o coração quer“.
[1] Apud BITTENCOURT, Edgard de Moura. Concubinato. 1980. n. 5. p. 4.
[2] Era difícil, no Direito romano – adverte Arturo Carlo Jemolo -, “a distinção entre matrimônio e concubinato. Principalmente durante o Império, veio o concubinato a tomar várias regras próprias do matrimônio, pela difusão e a função social que chegou a adquirir (In: El Matrimónio. p. 5-10. ed. 1954)” (Sentença do Juiz Mohamed Amaro, Revista Forense, v. 270, p. 252-276).
[3] Famílias – parentesco, casa e sexualidade na sociedade antiga. Trad. M. F. Gonçalves de Azevedo. Lisboa, 1992. p. 12-13.
[4] “(…) é de referir que o concubinato não apresentou, ao longo dos tempos, evolução gradativa. Ao reverso, ficou sujeito a forte movimento pendular, ora aceito, com algumas restrições, ora recriminado, além de se ajustar, é claro, também nas fases intermediárias entre esses dois extremos.” (VISEU Jr., Júlio César. O estatuto da relação concubinária. In: BITTAR, Carlos Alberto [Coord.]. O direito de família e a Constituição de 1988. p. 137/151)
[5] “Puede afirmarse que el concubinato ha existido siempre: precedendo al matrimonio, el los albores de la civilización; coexistindo después con el matrimonio, cuando éste fué reglamentado, como una situación de hecho frente a una situación protegida por la ley, como una unión irregular en oposición a una regular, como la posésion frente a la propiedad.” (ROGERS, Humberto Pinto. El concubinato y sus efectos juridicos. Chile, 1942. n. 1. p. 3)
[6] A concubina no direito brasileiro. 1975. p. 19.
[7] Famílias – parentesco, casa e sexualidade na sociedade antiga. Trad. M. F. Gonçalves de Azevedo. Lisboa, 1992. p. 193.
[8] VEYNE, Paul (Org.). Do Império Romano ao Ano Mil. Trad. Hildegard Feist. São Paulo: Cia. das Letras, 1990. v. 1. p. 85.
[9] Instituições de direito romano. 1957. p. 171.
[10] Do concubinato ao casamento de fato. 1986. p. 21.
[11] Do concubinato ao casamento de fato. 1986. p. 23.
[12] Apud Villaça Azevedo, op. cit., p. 24.
[13] História da vida privada, v. cit., p. 458.
[14] História da vida privada, v. cit., p. 578.
[15] Ob. ref., p. 1, n. 1.
[16] Direito de família – direito matrimonial. 1990. p. 89.
[17] A evolução histórica das uniões informais e do conceito de família. Disponível em: <www.direitonet.com.br>. Artigos. DireitoNet. publ. 30.11.01.
[18] Conceito e fundamentos de família e sua evolução na ordem jurídica. Ajuris, v. 61, p. 313-334.
[19] A família no direito civil brasileiro. Rio de Janeiro: Conquista, 1957. p. 52-53.
[20] Como escrito por José Carlos Teixeira Giorgis, em comentário à posse do estado de filho, no qual se “(…) observa o princípio da aparência, oriunda do exercício das faculdades inerentes à linhagem, sustentada pela convicção de publicidade. O fato é bastante comum, bastando referir os filhos de criação, onde, mesmo ausente algum elo biológico ou jurídico, os pais abrigam, criam, sustentam e educam a criança ou adolescente, destinando-lhes carinho e amor, mesmo sem buscar a adoção” (A paternidade fragmentada. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. n. 5.7. p. 77).
[21] Conforme José Carlos Teixeira Giorgis, a paternidade socioafetiva “(…) se constitui em ato de opção fundado no afeto, e que teve origem jurisprudencial na denominada adoção à brasileira” (A paternidade fragmentada. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. n. 5.7. p. 77).
Ademais, como já decidido, “o reconhecimento de paternidade é válido se reflete a existência duradoura do vínculo socioafetivo entre pais e filhos. A ausência de vínculo biológico é fato que, por si só, não revela a falsidade da declaração de vontade consubstanciada no ato do reconhecimento. A relação socioafetiva é fato que não pode ser, e não é, desconhecido pelo direito. Inexistência de nulidade do assento lançado em registro civil. O STJ vem dando prioridade ao critério biológico para o reconhecimento da filiação naquelas circunstâncias em que há dissenso familiar, onde a relação socioafetiva desapareceu ou nunca existiu. Não se pode impor os deveres de cuidado, de carinho e de sustento a alguém que, não sendo o pai biológico, também não deseja ser pai socioafetivo. A contrario sensu, se o afeto persiste de forma que pais e filhos constroem uma relação de mútuo auxílio, respeito e amparo, é acertado desconsiderar o vínculo meramente sanguíneo, para reconhecer a existência de filiação jurídica. Recurso conhecido e provido” (REsp 878.941/DF, Relª Minª Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 21.08.07, DJ 17.09.07).
Ainda: “Direito civil. Família. Criança e adolescente. Adoção. Pedido preparatório de destituição do poder familiar formulado pelo padrasto em face do pai biológico. Legítimo interesse. Famílias recompostas. Melhor interesse da criança (…). O pedido de adoção, formulado neste processo, funda-se no art. 41, § 1º, do ECA (correspondente ao art. 1.626, parágrafo único, do CC/02), em que um dos cônjuges pretende adotar o filho do outro, o que permite ao padrasto invocar o legítimo interesse para a destituição do poder familiar do pai biológico, arvorado na convivência familiar, ligada, essencialmente, à paternidade social, ou seja, à socioafetividade, que representa, conforme ensina Tânia da Silva Pereira, um convívio de carinho e participação no desenvolvimento e formação da criança, sem a concorrência do vínculo biológico (Direito da criança e do adolescente – uma proposta interdisciplinar. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 735). O alicerce, portanto, do pedido de adoção reside no estabelecimento de relação afetiva mantida entre o padrasto e a criança, em decorrência de ter formado verdadeira entidade familiar com a mulher e a adotanda, atualmente composta também por filha comum do casal. Desse arranjo familiar, sobressai o cuidado inerente aos cônjuges, em reciprocidade e em relação aos filhos, seja a prole comum, seja ela oriunda de relacionamentos anteriores de cada consorte, considerando a família como espaço para dar e receber cuidados. Sob essa perspectiva, o cuidado, na lição de Leonardo Boff, representa uma atitude de ocupação, preocupação, responsabilização e envolvimento com o outro; entra na natureza e na constituição do ser humano. O modo de ser cuidado revela de maneira concreta como é o ser humano. Sem cuidado ele deixa de ser humano. Se não receber cuidado desde o nascimento até a morte, o ser humano desestrutura-se, definha, perde sentido e morre. Se, ao largo da vida, não fizer com cuidado tudo o que empreender, acabará por prejudicar a si mesmo por destruir o que estiver à sua volta. Por isso o cuidado deve ser entendido na linha da essência humana? (apud PEREIRA, Tânia da Silva. Op. cit., p. 58) (…)” (REsp 1.106.637/SP, Relª Minª Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 01.06.2010, DJe 01.07.2010).
[22] Relações socioafetivas. Disponível em: <www.direitonet.com.br>.
[23] Curso de axiologia jurídica. Rio de Janeiro, 1986. n. 4.28. p. 92/94.
[24] Op. cit., p. 94, n. 4.29.
[25] Além de outras disposições já referidas no texto do artigo, podem ser citados os arts. 1.566, 1.583 e ss., 1.596 e ss., 1.618 e ss., 1.630 e ss., 1.724, 1.726, dentre outros, que, de uma maneira ou de outra, têm razão de ser no vínculo afetivo entre os que dizem respeito tais regras.
[26] A família Lego: as várias formas de constituição das famílias contemporâneas e os desafios enfrentados pelo direito brasileiro na construção de novos paradigmas. Acesso em: 22 ago. 2015.
[27] Cf. MADALENO, Rolf. Novos horizontes no direito de família. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 118 e ss.
[28] “Una cosa es fomentar las uniones matrimoniales, privilegiando a la familia por vía de mecanismos institucionales y económicos idóneos para ello. Otra distinta desconsiderar situaciones como la que atendemos, invocando el rigor de normas morales exaltadas como axiomas intangibles. Tal absolutización de la norma moral importa más bien una permanencia de principios estoicos antes que critinianos. En el derecho natural cristiano la justicia es rectificada por el amor.” (GONZÁLEZ, Matilde Z. de. Dãnos derivados de la muerte del concubino o concubina, p. 119/134. In: BUERES, Alberto J. [Dir.]. Responsabilidad por daños – homenaje a Jorge Bustamante Alsina. Buenos Aires: Abeledo-Perrot)
[29] O direito de família sob a ótica de quem julga. Revista Literária de Direito, ano I, n. 3, p. 9 e ss.