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A EMENDA CONSTITUCIONAL 131, A DUPLA NACIONALIDADE E OS DIREITOS HUMANOS

A EMENDA CONSTITUCIONAL 131, A DUPLA NACIONALIDADE E OS DIREITOS HUMANOS

Eleonora Mesquita Ceia

Gabriela Fraga

 

No dia 3 de outubro de 2023, foi promulgada a Emenda Constitucional (EC) 131 pelo Congresso Nacional, que alterou o § 4º e incluiu o § 5º do artigo 12 da Constituição Federal (CF). Oriunda da chamada “PEC da Nacionalidade” (Proposta de Emenda Constitucional nº 6/2018), a EC 131/2023 restringe de forma significativa as possibilidades de perda de nacionalidade das pessoas que detêm a nacionalidade brasileira.

A EC nº 131 modificou a redação do § 4º do artigo 12 da CF, o qual, antes da alteração determinava que a pessoa de nacionalidade brasileira perdesse sua nacionalidade caso adquirisse outra por naturalização voluntária, conforme determinava o inciso II. As únicas exceções nesse caso seriam se o outro país reconhecer a nacionalidade originária da pessoa ou caso a naturalização fosse condição para permanecer no país ou para o exercício de direitos civis.

Com a Emenda, o inciso II do § 4º do artigo 12 passa a determinar que a pessoa brasileira somente perca sua nacionalidade se elaborar pedido que expresse a perda da nacionalidade brasileira perante autoridade nacional competente, ressalvada as hipóteses que acarretar situação de apatridia. De acordo com o § 5º do artigo 12, incluído pela EC 131/2023, a pessoa interessada poderá readquirir sua nacionalidade brasileira originária, nos termos da lei.

Além disso, o texto constitucional anterior determinava que a pessoa brasileira naturalizada que praticasse “atividade nociva ao interesse nacional” poderia vir a ter sua nacionalidade perdida. A legislação explicava, contudo, o sentido do termo “atividade nociva”. Tratava-se de um conceito indeterminado, o que poderia gerar insegurança jurídica e decisionismos. A EC 131/2023 substitui esse dispositivo, determinando, no inciso I do § 4º do artigo 12, a perda de nacionalidade caso haja fraude no processo de naturalização ou atentado contra a ordem constitucional e o Estado Democrático.

A EC nº 131/2023 provém da PEC 6/2018, que propunha extinguir a perda automática da nacionalidade brasileira de pessoas que obtêm outra nacionalidade, sendo primordial o requerimento do indivíduo ou sentença judicial para que isso ocorra. Portanto, a EC visa promover a efetividade de direitos a pessoas brasileiras que possuem vínculo com o exterior, seja de trabalho, residência, ou familiar, e que por conta disso, necessitem adquirir outra nacionalidade, e evitar que, por esses motivos, percam sua nacionalidade brasileira.

A Emenda foi inspirada no caso da brasileira Claudia Hoerig, quem perdeu sua nacionalidade por ter optado pela nacionalidade norte-americana. Em 2007, Cláudia foi acusada de assassinar seu marido nos Estados Unidos. Foi à primeira brasileira nata a ser extraditada, ou seja, transferida legalmente de um país para outro, com o objetivo de enfrentar processos legais ou cumprir uma pena de prisão de acordo com a legislação do país solicitante, nesse caso, os Estados Unidos. Nesse sentido, Cláudia, quem estava no Brasil, foi extraditada para os Estados Unidos, e precisou responder perante a Justiça deste país.

O artigo 5º, inciso LI, da CF determina que nenhuma pessoa brasileira nata irá sofrer extradição para responder por crimes no exterior. No entanto, isso ocorreu porque o Supremo Tribunal Federal (STF) compreendeu que Claudia renunciou a sua nacionalidade brasileira voluntariamente para tornar-se cidadã norte-americana antes da data do crime. Conforme o Tribunal, seu caso não se enquadrava nas exceções do § 4º do artigo 12. Por ser uma situação inédita, o Caso Cláudia Hoerig, decidido pelo STF no pedido de Extradição nº 1.462/DF de março de 2017, foi muito debatida no país e a conclusão do STF gerou debates.

Diante da repercussão do caso, o Senador Antônio Anastasia (PSDB) apresentou a PEC 6/2018, com o objetivo de alterar o artigo 12 da CF. A justificativa da Proposta, dessa forma, discute o alcance da dupla nacionalidade que foi levantado pelo caso Cláudia Hoerig e reconhece a necessidade de se repensar o texto constitucional no que se refere à perda da nacionalidade.

Nesse sentido, a preservação da nacionalidade proposta pela EC 131/2023 é de importância ímpar, pois para além de uma construção identitária, a nacionalidade representa construção política fundamental, visto que assegura a proteção diplomática do Estado, os direitos fundamentais ao nacional e a participação política plena na sociedade.

Com efeito, a cidadania pressupõe a nacionalidade. Leis de perda de nacionalidade foram instrumentos políticos de crueldade desumana empregada durante a II Guerra Mundial contra os judeus na Europa. Como adverte Hannah Arendt, os nazistas sabiam que “se podia fazer o que se quisesse com uma pessoa apátrida; os judeus tinham de perder sua nacionalidade antes de poder ser exterminados[1]. Sem nacionalidade as pessoas ficam sem cidadania, ou seja, sem direitos, sejam civis, políticos ou sociais. Até hoje Estados utilizam a perda da nacionalidade ou o cancelamento da cidadania como instrumento de perseguição política[2].

Em reação, documentos internacionais foram celebrados com o propósito de banir a perda arbitrária da nacionalidade e reconhecer o direito humano a migrar. Assim, a Declaração Universal dos Direitos Humanos em seu artigo 13.2 determina que “todo ser humano tem o direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio e a esse regressar”. Por sua vez, seu artigo 15 explicita a proteção à nacionalidade da pessoa, reconhecendo que “todo ser humano tem direito a uma nacionalidade” e “ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade”.

Ao lado disso, em 1954, as Nações Unidas adotaram a Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas, promulgada pelo Brasil tardiamente em maio de 2002, que garante às pessoas sem nacionalidade direitos básicos nos Estados Partes em que se encontram.

A EC nº 131/2023 é alteração recente bem-vinda ao texto constitucional de 1988. Ela ratifica a postura aberta da CF ao direito internacional dos direitos humanos. Isso porque assegura a existência digna de milhões de pessoas de nacionalidade brasileira que adquiriram a nacionalidade estrangeira do país para onde migraram, mantendo o vínculo de identidade e proteção com o Estado brasileiro.

 

[1] ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 1999, p. 261-262.

[2] STEINBEIS, Maximilian. Passports and Weapons. Verfassungsblog. 17 de fevereiro de 2023. https://verfassungsblog.de/passports-and-weapons/. Acesso em: 22 out. 2023.