RKL Escritório de Advocacia

PEDIDO DE ALIMENTOS NO EXTERIOR: DESAFIOS E SOLUÇÕES JURÍDICAS ENTRE BRASIL E O MUNDO EM UM CONTEXTO TRANSNACIONAL

Patricia Gorisch

 

Resumo

Este artigo tem como objetivo desmistificar a cobrança de alimentos no exterior, proporcionando uma análise detalhada das legislações brasileira e internacional nesse contexto. Destaca-se a importância das convenções internacionais, como a Convenção de Haia de 2007 e a Convenção de Nova Iorque de 1956, que facilitam a execução de decisões judiciais entre países. Exemplos práticos ilustram como decisões de pensão alimentícia no Brasil podem ser executadas no exterior e vice-versa, mostrando a aplicação real dessas leis. A diversidade de sistemas jurídicos, os critérios de determinação de valores e os desafios de jurisdição são discutidos, apontando para a necessidade de cooperação internacional contínua para garantir a eficácia na execução das ordens de alimentos. O artigo conclui que, embora existam obstáculos significativos, a adesão e o comprometimento com convenções internacionais são fundamentais para assegurar que os beneficiários recebam o sustento necessário, independentemente das fronteiras nacionais.

Introdução

O pedido de alimentos no exterior é um tema de grande relevância no contexto da globalização, onde as famílias frequentemente se encontram dispersas por vários países. Este artigo tem como objetivo deste artigo é desmistificar a cobrança de alimentos no exterior, proporcionando uma análise clara e detalhada sobre como a legislação brasileira e as leis internacionais funcionam nesse contexto. Buscamos explicar os principais mecanismos legais disponíveis, as convenções internacionais relevantes e os procedimentos práticos envolvidos, além de apresentar exemplos reais para ilustrar o processo. Ao fazer isso, esperamos oferecer um recurso útil para indivíduos e famílias que se encontram em situações transnacionais, ajudando-os a entender melhor seus direitos e as etapas necessárias para garantir a prestação de alimentos independentemente das fronteiras nacionais.

No Brasil, o pedido de alimentos é regido principalmente pelo Código Civil de 2002 e pela Lei de Alimentos (Lei nº 5.478/68). O Código Civil estabelece que os alimentos compreendem tudo o que é essencial para a subsistência, incluindo moradia, vestuário, saúde e educação. A Lei de Alimentos detalha o procedimento judicial para a obtenção de pensão alimentícia, permitindo que a parte necessitada busque auxílio de forma rápida e eficiente.

A Constituição Federal de 1988 também assegura o direito à alimentação como um direito fundamental. Ela estipula que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à alimentação, entre outros direitos fundamentais.

 Convenções e Leis Internacionais

O Brasil é signatário de diversas convenções internacionais que visam facilitar a cobrança de alimentos em âmbito global. A Convenção sobre a Cobrança Internacional de Alimentos para Crianças e Outros Membros da Família, adotada em Haia em 2007, é uma das mais importantes. Esta convenção estabelece mecanismos para a cooperação entre os países signatários, facilitando o reconhecimento e a execução de decisões sobre alimentos.

Na prática, a aplicação dessas convenções no Brasil é regida pelo Decreto nº 9.176/2017, que promulgou a Convenção de Haia de 2007 no país. Este decreto assegura que as decisões de alimentos proferidas em países signatários sejam reconhecidas e executadas no Brasil, proporcionando maior segurança jurídica e proteção aos beneficiários de pensão alimentícia.

A Convenção de Nova Iorque sobre Prestação de Alimentos no Estrangeiro, adotada em 1956, é outro instrumento crucial. Esta convenção estabelece um quadro para a assistência mútua entre os países na obtenção e execução de ordens de alimentos. Embora o Brasil seja parte desta convenção, sua eficácia depende da cooperação entre os países signatários e da harmonização das legislações internas.

Nos Estados Unidos, a Uniform Interstate Family Support Act (UIFSA) regula a cobrança de alimentos entre os estados e com outros países que têm acordos recíprocos com os EUA. A UIFSA foi criada para garantir que as ordens de alimentos sejam reconhecidas e aplicadas de forma consistente em todo o território dos EUA e em jurisdições estrangeiras. Este ato facilita a cooperação entre diferentes estados e países, promovendo a eficácia na cobrança de alimentos.

Na União Europeia, o Regulamento (CE) 4/2009 do Conselho, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e à execução de decisões e à cooperação em matéria de obrigações alimentares, estabelece um sistema integrado para facilitar a cobrança de alimentos. Este regulamento permite que as decisões de alimentos emitidas em um Estado-Membro sejam reconhecidas e executadas em outro Estado-Membro sem a necessidade de procedimentos adicionais, promovendo uma cooperação eficaz e rápida.

 Comparação e Desafios

A diversidade de sistemas jurídicos representa um dos maiores desafios na cobrança de alimentos no exterior. Enquanto no Brasil o processo é relativamente direto, outros países podem ter procedimentos mais complexos e burocráticos. Por exemplo, em alguns países, a comprovação da necessidade de alimentos pode requerer procedimentos adicionais, o que pode atrasar a execução das ordens.

Os critérios para determinar o valor da pensão alimentícia variam significativamente entre os países. No Brasil, o valor é fixado com base nas necessidades do beneficiário e nas possibilidades do devedor. Já nos EUA, cada estado tem suas próprias diretrizes, que podem incluir fórmulas específicas para calcular o valor devido. Na União Europeia, apesar dos esforços de harmonização, ainda existem variações significativas entre os Estados-Membros.

Determinar a jurisdição competente para decidir sobre o pedido de alimentos é um desafio recorrente. As convenções internacionais, como a de Haia e a de Nova Iorque, tentam abordar essa questão, mas a falta de harmonização completa nas leis internas pode levar a conflitos de competência. Em alguns casos, as partes envolvidas podem tentar evitar suas responsabilidades movendo-se para jurisdições mais favoráveis.

A execução de decisões de alimentos no exterior depende da cooperação entre os países. As convenções internacionais fornecem um quadro para essa cooperação, mas a efetividade real pode ser limitada pela falta de recursos e pela burocracia. Além disso, em alguns casos, os devedores podem tentar evitar o cumprimento das ordens de alimentos, exigindo uma atuação mais rigorosa das autoridades.

 Conclusão

A legislação brasileira e as leis internacionais sobre o pedido de alimentos compartilham o objetivo comum de garantir que os beneficiários recebam o sustento necessário, independentemente das fronteiras nacionais. No entanto, a diversidade de sistemas jurídicos e a necessidade de cooperação internacional apresentam desafios significativos. A adesão a convenções como a de Haia e a de Nova Iorque é um passo importante para superar esses obstáculos, mas a plena eficácia dessas normas depende do compromisso e da harmonização contínua entre os países signatários. Portanto, esforços adicionais são necessários para garantir que as decisões de alimentos sejam reconhecidas e executadas de maneira eficiente em nível global.

 Referências

Brasil. (1968). Lei nº 5.478, de 25 de julho de 1968. Dispõe sobre ação de alimentos e dá outras providências. Disponível em:  http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5478.htm

Brasil. (2002). Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em:  http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm

Brasil. (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.Disponível em:  http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

Convenção de Haia sobre a Cobrança Internacional de Alimentos para Crianças e Outros Membros da Família, de 23 de novembro de 2007. Disponível em: https://www.hcch.net/en/instruments/conventions/full-text/?cid=131

Convenção de Nova Iorque sobre Prestação de Alimentos no Estrangeiro, de 20 de junho de 1956. Disponível em: https://www.hcch.net/en/instruments/conventions/full-text/?cid=38

Uniform Interstate Family Support Act (UIFSA), 2008. Recuperado de https://www.uniformlaws.org/committees/community-home?CommunityKey=2c0f4f98-8a08-49e1-98cd-dcc0a5c9d681

Regulamento (CE) n.º 4/2009 do Conselho, de 18 de dezembro de 2008. Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX:32009R0004