MEDIAÇÃO FAMILIAR COMO SOLUÇÃO PARA ALIENAÇÃO PARENTAL
Tatiana C. dos Reis Filagrana
SUMÁRIO: Introdução. Alienação Parental: Evolução Legislativa. Alienação Parental no Brasil – Marco Inicial. Mediação Familiar Como Solução para Alienação Parental. Conclusão. Referências Bibliográficas.
Introdução
Os comportamentos decorrentes da prática de alienação parental ganharam importância a partir das pesquisas realizadas por Richard Gardner, definida pelo mesmo como Síndrome de Alienação Parental, em meados dos anos 1980.
No Brasil, a alienação parental apenas ingressou no contexto jurídico em 2010, com a promulgação da Lei nº 12.318. Embora tal assunto já fosse discutido muito antes da promulgação da referida lei.
Na realidade, a alienação em si, ou seja, a manipulação exercida por um dos genitores sobre o filho menor para atingir o outro genitor, vem ocorrendo ao longo dos anos, porém, em que pese ser um assunto de suma importância, até então não tinha tido uma força tamanha a ponto de ser vista sob os “olhos jurídicos“. A visão clara e ampliada a respeito dessa conduta vem em decorrência das mudanças sociais advindas ao longo dos anos. A sociedade vem mudando muito e, com isso, a legislação também “transforma-se“, visando adequar-se melhor à realidade social e, principalmente, às relações familiares.
A família como é vista hodiernamente não é nem a sombra de como era vista e conceituada há alguns anos. Não se discutia sobre determinados assuntos abertamente, muito menos sobre alienação parental, mesmo já estando presente em inúmeros seios familiares tal prática. Observa-se que existia uma hierarquia dentro do núcleo familiar, onde o pai era tido como um Deus e quem quer que fosse que denegrisse ou se opusesse a essa imagem seria punido severamente.
Com a evolução, principalmente após a Revolução Industrial, a mulher passa a ganhar mais espaço na sociedade, e, assim, consequentemente, passa a ter muito mais direitos dentro do núcleo familiar.
A evolução social, embora necessária, também traz consigo inúmeras situações que, em dado momento, podem ser tidas como “obstáculos” para alguns genitores.
O pai passa a sentir o prazer de ser pai e amigo do filho, e em caso de ruptura conjugal não se contenta mais apenas com as visitas pré-determinadas judicialmente. O pai entende que sua função não é apenas ser o provedor da família, já que a mãe também exerce esse papel, mas sim vivenciar com os filhos seus problemas, ansiedades, etc.
Assim, surgem os complicadores: a mãe, sentindo-se frustrada com a ruptura conjugal, não elaborando bem tal situação, transmite ao filho todos os sentimentos negativos, fazendo com que este se torne seu aliado nessa busca incessante e desesperada de vingar-se do “culpado” pelo relacionamento não ter tido êxito. Acaba “atropelando” os sentimentos do filho, programando-o para odiar o outro genitor.
A alienação parental nada mais é, em síntese, que essa programação do filho para odiar o outro genitor.
Cumpre-nos observar que não existe uma “fórmula mágica” para prevenir o exercício de tal conduta. A lei de alienação parental surge para “coibir” tal prática, servindo de prevenção, bem como para aplicar as reprimendas necessárias ao responsável pela alienação, atenuando, assim, seus efeitos.
Importante ressaltar que os genitores precisam pensar de forma equilibrada sobre seus deveres para com os filhos, principalmente entender que cuidar, em sentido amplo, não é somente prover financeiramente, mas sim respeitar o direito fundamental de afetividade, respeitando os princípios primordiais: princípio do melhor interesse da criança, princípio da dignidade humana e princípio da paternidade responsável.
Educar e amar é, acima de tudo, respeitar.
A Mediação expressa uma crescente necessidade no contexto das famílias e na amplitude da sociedade, pois traz importantes contribuições para, além de descentralizar do Judiciário as contendas de família (que tanto atravancam o andamento processual como prejudicam ainda mais os conflitos litigantes entre as pessoas), auxiliar as pessoas a conversar melhor, pensar melhor, discutir melhor os assuntos que são realmente importantes, sem perder o foco no desenvolvimento saudável dos filhos.
Alienação Parental: Evolução Legislativa
Inicialmente, a alienação parental foi tida como uma síndrome, conforme foi mencionado pela primeira vez por Richard Gardner, em 1985, psiquiatra norte-americano, médico, perito e professor da Clínica de Psiquiatria Infantil da Universidade de Columbia (EUA). A síndrome, consoante os estudos de Gardner, manifestam-se nos casos de ruptura conjugal conflitante, litigiosa.
A alienação parental foi tida como síndrome por Gardner, tendo em vista a frequência com que esta surgia perante os tribunais, definindo-a como “um conjunto de sintomas apresentados pelos filhos como resultantes da influência de um dos genitores, que se utiliza de diversas estratégias tentando manipulá-los com o objetivo de bloquear, impedir ou até destruir seus vínculos afetivos com o outro genitor” [1].
Frisa-se que a manipulação exercida sobre o filho é um dos aspectos principais, caracterizadores da alienação parental.
Analicia Martins de Sousa, em seu livro Síndrome da Alienação Parental: Um Novo Tema nos Juízos de Família [2] traduz parte de um importante texto de Richard Gardner a respeito da referida síndrome: “a SAP é um distúrbio infantil, que surge, principalmente, em contextos de disputa pela posse e guarda dos filhos. Manifesta-se por meio de uma campanha de difamação que a criança realiza contra um dos genitores, sem que haja justificativa para isso. Essa síndrome, segundo o psiquiatra norte-americano, resulta da programação da criança, por parte e um dos pais, para que rejeite e odeie o outro, somada à colaboração da criança – tal colaboração é assinalada como fundamental para que se configure a síndrome” (Gardner, 2001) [3].
Para Richard Gardner, a Síndrome de Alienação Parental é tida como uma perturbação da infância ou adolescência que surge em decorrência de um conflito conjugal, onde um dos genitores inicia uma campanha para que a criança venha rejeitar veemente o genitor não guardião.
Como consequência deste conflito conjugal, vivenciado pelos genitores, inicia-se o jogo de manipulações, onde o filho é “programado” para odiar um deles sem motivo aparente para tanto, ensejando, assim, o afastamento do filho.
A Lei nº 12.318/2010, conhecida como Lei da Alienação Parental, trouxe em seu art. 2º algumas formas de alienação, contudo cabe ressaltar que tais formas são apenas exemplificativas, eis que, as pessoas mudam e suas táticas as acompanham. Segue:
“Art. 2º Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.
Parágrafo único. São formas exemplificativas de alienação parental, além dos atos assim declarados pelo juiz ou constatados por perícia, praticados diretamente ou com auxílio de terceiros:
I – realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade;
II – dificultar o exercício da autoridade parental;
III – dificultar contato de criança ou adolescente com genitor;
IV – dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar;
V – omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço;
VI – apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente;
VII – mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós.” [4]
Ao analisarmos de uma forma mais ampla a respeito do tema, verificamos que a “prática” da alienação parental não é recente, ao contrário, sempre existiu, desde que o pai começou a exercer outros papéis na vida de seus filhos. Embora nos caiba deixar bem claro que ambos os genitores e outros membros da família podem praticar alienação parental.
No decorrer dos anos a figura do pai como patriarca de poder absoluto sobre a mulher e os filhos alterou-se. A mãe atualmente tem exercido na vida dos filhos a mesma função que anteriormente somente o pai exercia [5]. A posição de chefe de família e único provedor do lar não são mais exclusivos do pai.
Como observa Douglas Philips Freitas, em seu livro A Nova Guarda Compartilhada, a respeito da posição da mãe na família, “somente com o advento do Código Civil de 2002, houve a oficialização desta mudança de expressão, passando agora o poder gerencial dos filhos menores aos pais, não apenas ao genitor, a ser chamado de ‘poder familiar’, consequentemente, consagrou o entendimento que a expressão da lei de 1916 (pátrio poder) não havia sido recepcionada pela Constituição Cidadã” [6].
O livro A Morte Inventada preleciona essa evolução a respeito das famílias: “a família nuclear centrada na mãe, como sendo dotada de um pendor natural para cuidar da prole, sobretudo em tenra infância, expressa hoje em dia uma visão naturalizada da família, cada vez mais distante da realidade. Do mesmo modo, a figura do pai provedor está longe de expressar os papéis que os homens são chamados a ocupar desde que as mulheres passaram a dividir com eles a provisão da família” [7].
Ocorre que, na ruptura conjugal, a genitora ou o genitor descontente em ter sido lhe retirado o poder absoluto da guarda, que para este era também um “meio de vingança“, inicia um processo de implantação de falsas memórias ou alienação parental.
Os atos de alienação parental praticados por um dos genitores com intuito de prejudicar o outro têm início quando um deles se sente “injustiçado” com aquela situação de ruptura. O filho, neste caso, passa ser uma “arma” extremamente poderosa para “atacar” o outro genitor.
Maria Berenice Dias discorre sobre o tema da seguinte forma: “muitas vezes, quando da ruptura da vida conjugal, se um dos cônjuges não consegue elaborar adequadamente o luto da separação, o sentimento de rejeição, ou raiva pela traição, surge um desejo de vingança que desencadeia um processo de destruição, de desmoralização, de descrédito do ex-parceiro. Nada mais do que uma ‘lavagem cerebral’ feita pelo guardião, de modo a comprometer a imagem do outro genitor, narrando maliciosamente fatos que não ocorreram ou não aconteceram conforme a descrição feita pelo alienador. Assim, o infante passa aos poucos a se convencer da versão que lhe foi implantada, gerando a nítida sensação de que essas lembranças de fato aconteceram. Isso gera contradição de sentimentos e destruição do vínculo entre o genitor e o filho. Restando órfão do genitor alienado, acaba o filho se identificando com o genitor patológico, aceitando como verdadeiro tudo o que lhe é informado” [8].
Em síntese ao que foi mencionado acima, o luto conjugal, termo utilizado por Maria Berenice Dias [9], quando não bem internalizado por um dos cônjuges, ou seja, quando não bem resolvido, acaba fazendo com que os sentimentos de raiva, desprezo e rancor sejam transferidos ao filho.
É salutar mencionar que nem sempre a figura do “alienador” é a mãe, mas também pode ser o pai em relação à mãe e ao seu companheiro, os avós, tios ou padrinhos e até entre os irmãos. Inclusive, a incidência da alienação parental pode se dar quando o casal convive sob o mesmo teto.
A prática de alienação parental viola inúmeros princípios constitucionais: princípio do melhor interesse da criança, princípio da dignidade humana, princípio da paternidade responsável, bem como viola o exercício do poder familiar, uma vez que o alienador “abusa” de tal função para beneficiar-se.
Necessário ponderarmos que a carga emocional negativa simplesmente “lançada” sobre o filho é tão intensa que acaba trazendo-lhe sequelas psicológicas para sua vida futura. Em alguns casos mais graves poderá ocorrer inclusive o suicídio praticado pelo filho alienado. Não raras vezes, os danos psicológicos causados no filho são irreversíveis.
As barreiras e empecilhos criados pelo genitor alienador, características da alienação parental, nada mais são que a exteriorização do sentimento de frustração do mesmo por ter “perdido” a união familiar, no sentido estrito.
A alienação parental passa a ser praticada em decorrência do “turbilhão” de sentimentos positivos e amorosos que nutriam aquela relação conjugal. Porém, ao se deparar com uma situação na qual um dos cônjuges não aprova a ruptura conjugal, inicia-se um processo de desestruturação daquela relação. Um dos cônjuges internaliza que tudo o que poderia fazer para que ambos permanecessem juntos, este fez, e que o “culpado” de não ter a relação conjugal uma longa duração (até que a morte os separe!) é do outro cônjuge, transformando, assim, todos aqueles sentimentos de amor, carinho e dedicação em sentimentos de raiva, ódio e vingança. Destarte, com essa transformação de sentimentos, os filhos tornam-se as armas mais poderosas para se alcançar o que se pretende, ou seja, a vingança pela rejeição e abandono por parte do outro genitor do lar conjugal.
O processo de transformação de sentimentos bons em sentimentos ruins é terreno fértil para o início da prática da alienação parental. Na busca irracional de vingar-se do outro genitor que, a seu ver, tem culpa pela ruptura conjugal, um deles acaba fazendo com que o filho seja um importante aliado, agregando assim ao filho as falsas memórias. Trata-se de um transtorno psicológico por parte do genitor alienador.
Por conseguinte, tratando-se de um transtorno psicológico, podemos dizer que tal transtorno sempre esteve prestes a ser exteriorizado, a ruptura conjugal apenas foi um “estopim” para essa exteriorização.
Salienta-se que a alienação parental também é conhecida como “falsas memórias“, eis que, na busca constante de “vingança“, o genitor alienador “implanta” no inconsciente do filho que houve abusos físicos, emocionais e, muitas vezes, chega a incutir de forma sólida a ocorrência de abuso sexual, por parte do genitor não guardião.
Neste processo todo, não raras vezes são levadas tais práticas ao Poder Judiciário, a quem compete analisar tais denúncias de forma muito objetiva, através de perícia psicológica e outros recursos disponíveis para esclarecer os fatos.
A alienação parental constitui uma forma grave de maus tratos e abuso contra a criança e adolescente, que acaba ficando sem saber como se comportar para agradar e ser “amado” por ambos os genitores.
A visão do genitor alienador mediante aquela situação de ruptura conjugal é como uma “guerra“, contudo, quando se trata de enlaces familiares, não existem vencedores ou perdedores, mas sim consequências que, em regra, são muito maiores e mais intensas na vida do filho, que fica no meio deste conflito.
Alienação Parental no Brasil – Marco Inicial
No Brasil, o termo utilizado por Richard Gardner, Síndrome de Alienação Parental, não foi adotado, tendo em vista que síndrome é o conjunto de sintomas causados pela alienação parental. E a Lei da Alienação Parental instituída no Brasil nos conduz para o estudo da conduta antijurídica de alienar, afastar o filho do outro genitor, motivado pelo sentimento de raiva e vingança.
A Alienação Parental (AP) caracteriza o ato de induzir a criança a rejeitar o pai/mãe-alvo (com esquivas, mensagens difamatórias, até ódio ou acusações de abuso sexual). A Síndrome de Alienação Parental (SAP) é o conjunto de sintomas que a criança pode vir ou não a apresentar, decorrente dos atos de alienação parental [10].
Com incomensurável brilhantismo, o Dr. Elízio Luiz Perez explica o motivo de não ser adotado o termo síndrome no Brasil: “em síntese, considera-se que há síndrome, segundo a teoria original norte-americana, quando a criança já responde efetivamente ao processo de alienação parental, contribuindo para que seja aprofundado. Há um debate internacional sobre a natureza do fenômeno e a pertinência de sua classificação como patologia que atinge a criança. Uma das questões é o fato de o conceito de síndrome pressupor única causa, em contraponto a visão sistêmica familiar, que leva em conta as responsabilidades de todos. Não há dúvida de que esse debate, profundo, pode trazer conhecimento importante para melhor abordagem da alienação parental. No entanto, independentemente do exame da eventual responsabilidade de todos os envolvidos, em seus diversos graus, na dinâmica de abuso, o abuso, em si, deve ser inibido ou, na pior hipótese, atenuado“[11].
A Lei nº 12.318/2010, Lei da Alienação Parental, em 26.08.2010, tem como primordial intuito defender os direitos fundamentais da criança e do adolescente, ou seja, a convivência adequada afetiva com os genitores.
Reportando-nos ao passado, observamos que no final do século XX houve inúmeras transformações comportamentais, refletindo-se diretamente no Direito de Família. A estrutura familiar alterou-se de forma muito significativa ao longo dos anos, bem como os direitos e deveres dos membros das famílias.
Gize-se que há alguns anos nem ao menos se questionava a respeito de alienação parental, eis que na própria família existia hierarquia entre pai e mãe. No antigo Código Civil Brasileiro, o pai tinha o “Pátrio Poder“, expressão substituída no Código Civil de 2002, por “Poder Familiar“, que é mais condizente com a realidade atual, tendo em vista a igualdade entre os genitores no âmbito familiar, onde pai e mãe possuem os mesmos direitos e deveres para com os filhos. O pai, após a ruptura conjugal não se contenta em somente pagar a pensão alimentícia e visitar o filho de forma fixa e regrada.
A Lei da Alienação Parental, no Brasil, surge como um reforçador, por assim dizer, dos direitos fundamentais já existentes, protegidos pelo ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente.
Mediação Familiar Como Solução para Alienação Parental
Historicamente, a família sempre esteve ligada à ideia de instituição sacralizada e indissolúvel. A ideologia patriarcal somente reconhecia a família matrimonializada, hierarquizada e heterossexual, atendendo à moral conservadora de outra época, há muito superada pelo tempo. Com o patriarcalismo principiou a asfixia do afeto [12].
Com as transformações ocorridas no conceito de família, é mister salientar os aspectos sociais e psicológicos deste conceito.
Primeiramente, ela é antes uma estruturação psíquica, onde cada um de seus membros ocupa um lugar, uma função sem estarem necessariamente ligados biologicamente. Sendo assim, um indivíduo pode ocupar o lugar de pai sem que seja o pai biológico (…). É essa estrutura familiar, que existe antes e acima do Direito, que nos interessa investigar e trazer para o Direito. É sobre ela que através dos tempos o Direito vem regulando e legislando, com o intuito de ajudar a mantê-la para que o indivíduo possa existir como cidadão [13].
A evolução e as mudanças significativas a respeito da estruturação da família trazem consigo a necessidade de mediar, conciliar.
Nazareth conceitua a Mediação como “um método de condução de conflitos, voluntário e sigiloso, aplicado por um terceiro neutro e especialmente treinado, cujo objetivo é restabelecer a comunicação entre as pessoas que se encontram em um impasse, ajudando-as a chegar a um acordo“. Para a autora, “o objetivo é facilitar o diálogo, colaborar com as pessoas e ajudá-las a comunicar suas necessidades, esclarecendo seus interesses, estabelecendo limites e possibilidades para cada um, tendo sempre em vista as implicações de cada tomada de decisão a curto, médio e longo prazo” [14].
Groeninga e Barbosa conceituam a mediação como “um método por meio do qual uma terceira pessoa neutra, especialmente treinada, colabora com as pessoas de modo a que elaborem as situações de mudança, e mesmo de conflito, a fim de que estabeleçam, ou reestabeleçam, a comunicação, podendo chegar a um melhor gerenciamento dos recursos” [15].
Segundo Braganholo, “o processo de mediação pode ser uma maneira de aproximar as partes para discutir questões de interesse mútuo ou não, observando e mediando pontos de vista convergentes e divergentes. Dessa forma, é possível iniciar uma batalha contra os conflitos em questão, e então, discutir as razões e motivos que interferem nas decisões dos envolvidos. As partes do conflito precisam resolver questões complexas instauradas muito além do aspecto unicamente legal. E a mediação é uma forma de possibilitar momentos de comunicação entre o casal resolvendo questões emocionais que possibilitem uma separação ou divórcio baseado no bom senso, e não na vingança pessoal. Antes de tudo, a mediação dos conflitos familiares é uma oportunidade para o crescimento e a transformação dos indivíduos. E o mais importante: um crescimento que pressupõe desenvolvimento da capacidade, como pessoa humana, para expressar e fortalecer a capacidade de uma preocupação pelos outros. Essa situação é muito difícil de ocorrer, num processo de rompimento conjugal de união estável, separação ou divórcio, no atual sistema jurídico brasileiro, que não respeita a complexidade existente em relacionamentos que envolvem vínculos afetivos” [16].
A mediação familiar deve buscar a conscientização da paternidade como um dos componentes do desenvolvimento da criança, mas também dos próprios pais como adultos que exercem os papéis de pai e mãe. É importante que considerem seus papéis parentais e se preocupem com o bem-estar dos filhos, mas devem também ter a oportunidade de lidar com seus afetos, reorganizar suas identidades de forma mais abrangente e elaborar o luto da separação mantendo o par parental (GROENINGA, 2003).
Considerando-se que a família é um sistema integrado de relações psicoafetivas, da qual depende o desenvolvimento de cada um dos membros, formando uma unidade que é “mais do que a soma dos elementos” [17], e que eventos, grandes ou pequenos, previsíveis ou não, afetam o padrão de interação familiar, é preciso que haja criatividade e flexibilidade para se buscar novas formas de relacionamento intrafamiliar, sob risco de que surjam conflitos não elaborados que atrapalhem o diálogo e impeçam a comunicação. Se a pessoa considera que a realidade é uma construção sua, terá a capacidade de assumir a responsabilidade por seus atos, palavras e omissões não poderá “culpar” terceiros pelos acontecimentos e acreditará que a realidade do outro também seja uma construção (CEZAR-FERREIRA, 2007)[18].
O mediador familiar deve estar atento a essas questões para auxiliar os pais (ex-casal) a restabelecer o diálogo, reestruturar os projetos de vida e reorganizar a forma de condução da criação dos filhos. É importante considerar que, da mesma forma que uma sentença judicial impositiva, um acordo advindo de uma Mediação que não respeite seus princípios básicos e não considere a “escuta” psicoafetiva daquela família acarretará o retorno de questões não resolvidas, através de novas demandas judiciais (CEZAR-FERREIRA, 2007).
Na realidade, não existe uma “fórmula” exata para se prevenir a prática da alienação parental, tendo em vista que, embora, em regra, a mesma inicie com a ruptura conjugal, pode também se dar antes de tal ruptura, como por exemplo, lares onde as discussões entre os genitores são constantes e um acaba denegrindo a imagem do outro na presença do filho.
Tudo o que se quer proporcionar é um ambiente saudável para o filho, inobstante estar o casal divorciado ou não. A ideia de divórcio não deve ser vista como uma “sombra negra“, como o fim de tudo, mas sim como o recomeço de uma nova relação entre os genitores. A vingança feita através dos filhos deve ser rechaçada pela sociedade e, principalmente, pelo Poder Judiciário. A prioridade deve ser a mediação familiar como forma de solucionar ou ao menos amenizar as consequências da pratica de alienação parental.
Conclusão
Concluímos que, embora os estudos de Richard Gardner tenham sido essenciais ao “descobrimento” da Síndrome de Alienação Parental, como assim o mesmo denominava, tais estudos não são suficientes para determinar com clareza a prática de alienação parental, eis que se faz necessário analisar e avaliar as condições a que são submetidas as famílias que vivem o divórcio.
Após a Revolução Industrial, a mulher inicia sua caminhada em busca de seu espaço no mercado de trabalho, alcançando a igualdade no âmbito familiar. Consequentemente, o pai passa a interiorizar uma função que nos séculos anteriores era somente da mãe, ou seja, a de estar cada vez mais presente na vida do filho. O homem passa a vivenciar o prazer de ser pai, de conviver com aquele filho, de saber de sua vida, suas preferências, seus medos e aflições, etc.
O pai não é mais apenas o provedor da família, eis que a mulher também vem galgando cada dia que passa cargos profissionais altos e bastante lucrativos, capaz de prover em conjunto com o cônjuge a mantença do lar. Porém, assim como toda evolução traz inúmeros benefícios, também acaba carregando consigo algumas “confusões” psicológicas. A “facilidade” jurídica em romper o relacionamento conjugal acaba criando uma dificuldade enorme em como lidar com essa situação. Muitas vezes um dos cônjuges não está preparado para tal ruptura. E, assim, transfere sua frustração tangente àquele relacionamento sem sucesso ao filho.
A alienação parental é exatamente essa exteriorização de um dos cônjuges de sua insatisfação ao insucesso do relacionamento conjugal. Óbvio que isso acaba causando inúmeros danos, principalmente ao filho alienado, que não entende ao certo o motivo de ter que odiar repentinamente àquele que, até então, era seu ídolo.
A mãe ou o pai, embora os alienadores possam ser até mesmo avós ou parentes próximos, acabam de forma consciente ou inconsciente assumindo o papel de alienadores, na tentativa desesperada de atingir o outro genitor, porém, o maior atingido é o filho.
Para Grunspun, em entrevista à PaiLegal, “a mediação familiar torna-se um instrumento importantíssimo para a estruturação da guarda compartilhada, pois da parte dos pais facilita a comunicação entre eles acerca da educação e futuro dos filhos, dirimindo os ressentimentos, os conflitos, as dificuldades de diálogo e, especialmente, os posicionamentos de ‘perdedor’ e ‘vencedor’, porque nessas contendas judiciais essas posições são ilusórias, só há perdedores, e os maiores prejudicados são os filhos; da parte dos filhos, como não há envolvimento emocional em ‘tomar partido’ de um dos pais em detrimento do outro, não há culpas conscientes ou inconscientes que possam ser reprimidos pelo recalque para se transformarem em sintomas (inclusive somáticos)” 19.
A manipulação exercida sobre o filho tem um único objetivo: rejeitar e odiar o cônjuge que, em tese, teria causado a ruptura conjugal, com o intuito de vingança. Inicia-se mais que uma batalha, mas uma guerra, onde não existe final feliz.
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VALENTE, Maria Luiza Campos da Silva. Síndrome da alienação parental: a perspectiva do serviço social. In: Síndrome da alienação parental e a tirania do guardião: aspectos psicológicos, sociais e jurídicos. Porto Alegre: Síntese, 2002.
[1] DUARTE, Lenita Pacheco Lemos. A guarda dos filhos na família em litigio. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012.
[2] SOUSA, Analicia Martins de. Síndrome da alienação parental: um novo tema nos juízos de família. 1. ed. São Paulo: Cortez, 2010.
[3] O texto em língua estrangeira é: “The parental alienation syndrome (PAS) is a childhood disorder that arises almost exclusively in the context of child-custody disputes. Its primary manifestation is the child’s campaign of denigration against a parent, a campaign that has no justification. It results from the combination of a programming (brainwashing) parent’s in doctrination and the child’s own contributions to the vilification of the target parent. When true parental abuse and/or neglect is present, the child’s animosity maybe justified and so the parental alienation syndrome explanation for the child’s hostility is not applicable”. Disponível em: <http://www.rgardner.com/refs/pas_intro.html>.
[4] Site do Planalto. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12318.htm>.
[5] FREITAS, Douglas Philips. A nova guarda compartilhada: comentários à Lei nº 13.058 de dezembro de 2014. 2. ed. rev. e ampl. Florianópolis: Voxlegem, 2015.
[6] FREITAS, Douglas Philips. A nova guarda compartilhada: comentários à Lei nº 13.058 de dezembro de 2014. 2. ed. rev. e ampl. Florianópolis: Voxlegem, 2015.
[7] MINAS, Alan; VITORINO, Daniela. (Org.) A morte inventada: alienação parental em ensaios e vozes. São Paulo: Saraiva, 2014.
[8] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 8. ed. São Paulo: RT, 2011.
[9] Advogada. Ex-Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Vice-Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM. Presidente da Comissão Especial da Diversidade Sexual do Conselho Federal da OAB.
[10] SILVA, Denise Maria Perissini da. A nova Lei da Alienação Parental. Rio Grande, nov. 2013. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9277>.
[11] Disponível em: <http://filhoalienado.blogspot.com.br/>.
[12] BARROS, Sergio Resende de. A ideologia do afeto. Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre, Síntese, v. 4, n. 14, jun./set. 2002, p. 5-10.
[13] LACAN, Jacques-Marie Émile. Os complexos Familiares, 1938 apud DUARTE, Lenita Pacheco Lemos. A guarda dos filhos na família em litígio. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012.
[14] NAZARETH, E. R. Guia de mediação familiar – aspectos psicológicos. In: APASE (Org.). Mediação familiar. Porto Alegre: Equilíbrio, 2005. p. 11-25.
[15] GROENINGA, G. C.; BARBOSA, A. A. Curso intensivo de mediação. São Paulo, 2003.
[16] BRAGANHOLO, B. H. Novo desafio do direito de família contemporâneo: a mediação familiar. Conferência proferida no I Congresso de Direito de Família do Mercosul, realizada pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família, de 2 a 4 de junho. Revista CEJ, Brasília (DF), n. 29, abr./jun. 2005, p. 70-79.
[17] BERTALANFFY, L. V. Teoria geral dos sistemas. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1997.
[18] CEZAR-FERREIRA, V. A. M. Família, separação e mediação: uma visão psicojurídica. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.