INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NAS AÇÕES DE FAMÍLIA SEGUNDO O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Eduardo Francisco dos Santos Junior
SUMÁRIO: 1 O Ministério Público no Novo Código de Processo Civil. 2 Ministério Público nas Ações de Família. 3 Aplicação das Regras sobre a Intervenção do Ministério Público. Bibliografia.
1 O Ministério Público no Novo Código de Processo Civil
O novo Código de Processo Civil, ao tratar da intervenção do Ministério Público como fiscal da lei, mantém praticamente a mesma linha da Lei de 1973, apenas adequando o regramento ao constitucionalismo democrático e reforçando o princípio da instrumentalidade das formas.
De fato, há tempos tem se afirmado que o Ministério Público, elevado pela Constituição Federal à instituição essencial à função jurisdicional do Estado, à defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, passou a exigir que as normas processuais relativas à intervenção dessa instituição fossem interpretadas a partir da Carta Magna, de modo que a intervenção, a despeito de prevista em lei, só será efetivamente obrigatória quando atender às finalidades e aos valores previstos nos arts. 127 a 129 da Constituição Federal.
Exatamente por isso a doutrina [1] já vinha propondo e os órgãos da Administração Superior do Ministério Público, por meio de regramentos internos, já vinham consolidando a racionalização da participação ministerial como custos legis no processo civil [2], para que possa efetivamente atender a todas as suas funções previstas na Lei Maior.
As regras gerais a respeito da sua participação no processo civil estão previstas no novo Código nos arts. 176 a 181, evidenciando que o Parquet exercerá o direito de ação conforme suas atribuições constitucionais (art. 177). E, especificamente sobre a intervenção como fiscal da ordem jurídica, o art. 178, mais alinhado com a Constituição Federal, passou a prever, dentre outras, a intervenção nos processos que envolvam interesse público ou social, ou que envolvam interesse de incapaz.
Sabe-se que o interesse público mencionado é o interesse público primário ou da pólis, que nesse ponto corresponde ao interesse do grupo social, da coletividade[3]. Nesse contexto, pode-se dizer que se há interesse público primário, o direito discutido é indisponível por sua própria natureza, pois, além dos interesses subjetivos das partes em conflito, também há o interesse da coletividade, pela própria relevância social da questão.
Da mesma forma, na esteira da doutrina clássica, qualquer que seja o interesse ou o direito, quando pertencente a um incapaz, ele se torna indisponível em razão da qualidade da parte, passando a ser também de interesse público [4].
Outro não é o espírito do inciso III do art. 178, ao estabelecer a intervenção nos “litígios coletivos pela posse de terra rural ou urbana“, pois é inegável que as invasões coletivas, seja de área rural, seja de terrenos ou prédios urbanos, cria uma grande instabilidade social, pondo em risco a ordem pública e despertando grande interesse público.
Elogiável a redação do art. 178, que optou por regras baseadas em valores ou conceitos amplos, superando o Código de Processo Civil de 1973, que no art. 82, inciso II, insidia em perigoso casuísmo, ao mencionar causas “concernentes ao estado da pessoa, pátrio poder, tutela, curatela, interdição, casamento, declaração de ausência e disposição de última vontade“, pois é inegável o interesse público na maioria dessas ações, da mesma forma que em ações relativas a casamento, como a separação e o divórcio, não havendo interesses de incapazes, não há mais interesse público a autorizar a atuação ministerial.
Sobre o papel do Ministério Público no processo civil, principalmente a intervenção como fiscal da lei, há tempos Dinamarco já explicou que se trata de uma técnica para que o Estado possa ter iniciativas no processo que são vedadas aos juízes por conta do princípio da inércia e do princípio dispositivo, que, nesse passo, visa, sobretudo, assegurar um julgamento imparcial.
Por isso, andou bem a nova lei processual, quando no art. 65, parágrafo único, autoriza expressamente o Parquet a alegar incompetência relativa nas causas em que atuar, pois, quanto ao tema, a doutrina e a própria jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça divergiam. Doravante o juiz não pode reconhecer a incompetência relativa de ofício, mas ainda que a parte não a alegue, como fiscal da ordem jurídica o Ministério Público, poderá alegá-la (arts. 64 e 65 do NCPC).
Outro ponto relevante e aprimorado pelo novo diploma processual foi a fixação de prazo de 30 dias para a manifestação ministerial nos processos, quando outro prazo não for fixado pela lei ou pelo juiz.
Fora isso, caso fixado prazo genérico para todos os participantes do processo, o Parquet gozará de prazo em dobro, o qual se iniciará com a sua intimação pessoal. Mas se na lei houver um prazo específico, prevalecerá a regra especial.
Assim, se no despacho citatório o juiz determinar a citação do réu e, após o prazo de resposta, vista ao Ministério Público, este terá 30 dias para intervir como fiscal da lei, já que não fixado prazo para tanto. Se após a juntada do laudo pericial o juiz determinar que as partes se manifestem no prazo de 20 dias sobre a perícia, o prazo do Parquet será em dobro por conta do art. 180; já quando for intimado para oferecer parecer em agravo de instrumento, o prazo é de 15 dias, como prevê o art. 1.019, inciso III, pois nesse caso incide o art. 180, § 2º.
Interessante e inovadora a regra do § 1º do art. 180, ao prever que, ultrapassado o prazo sem a manifestação do Ministério Público, o juiz requisitará os autos e dará andamento ao processo. Ou seja, sem prejuízo de eventual sanção administrativa ao seu representante, haverá preclusão temporal nesse caso e não há que se falar em nulidade do processo, pois a instituição fora intimada para acompanhar o feito (art. 279 do NCPC) e teve vista dos autos, mas não se manifestou no prazo legal. Parece-nos que doravante não se pode mais falar que, como custos legis no processo civil, os prazos do Parquet são impróprios.
Em razão do interesse público qualificado, que legitima, autoriza e obriga a intervenção do Ministério Público no processo civil, é possível afirmar que tal intervenção é um poder-dever e, quanto à relação processual, a intervenção ministerial, quando obrigatória, é um pressuposto processual positivo, objetivo, intrínseco e de validade.
Por tudo isso, a nova lei mantém a regra que prevê a nulidade do processo quando, obrigatória a intervenção, a instituição não for intimada para acompanhar o processo.
De acordo com a maioria da doutrina, trata-se de uma nulidade absoluta, cominada expressamente e que atinge o processo a partir do momento em que a intimação do Ministério Público deveria ter ocorrido, sendo inválidos os atos posteriores.
Ocorre, porém, que em sintonia com os ensinamentos difundidos pela mais autorizada doutrina, o novo Código, reforçando o princípio da instrumentalidade das formas, no § 2º do art. 279, dispõe que eventual nulidade decorrente da não intimação do Ministério Público só poderá ser decretada após a manifestação da própria instituição “sobre a existência ou inexistência de prejuízo“.
Exatamente por isso concluímos que se trata de nulidade absoluta e, como tal, o prejuízo é presumido pela lei. Mas por conta do princípio da instrumentalidade, se constatado no caso concreto que não houve prejuízo ao interesse público a ser tutelado pelo Parquet, o vício formal fica superado e a nulidade não será reconhecida [5].
Dessa forma, se em uma ação de investigação de paternidade cumulada com alimentos, proposta por autor menor, não houver a participação ministerial, e na apelação contra sentença o relator constatar tal nulidade, que, a despeito de absoluta, é sanável e exige a verificação do prejuízo, ele deve converter o julgamento em diligência e intimar o Ministério Público para se manifestar através da Procuradoria de Justiça, e caso esta constate que, a despeito da intervenção tardia, os interesses da criança autora foram respeitados no processo e reconhecidos na decisão, poderá emitir parecer ratificando os termos anteriores do processo e afirmando que não houve prejuízo, ou, do contrário, verificando e demonstrando prejuízo, poderá o representante da instituição postular o reconhecimento da nulidade.
Salutar a regra ao prever a indispensabilidade da oitiva do Parquet acerca do vício, pois, sem dúvida, se cabe a ele tutelar o interesse, ninguém melhor para analisar, no caso concreto, se realmente houve o prejuízo presumido pela lei ao interesse público.
Todavia, é inegável que a última palavra será sempre do Poder Judiciário, de modo que o parecer do Ministério Público estará sujeito ao controle do órgão julgador, de modo que o juiz ou tribunal poderá contrariá-lo e concluir sobre a existência ou não do prejuízo.
Essas regras gerais norteiam a intervenção do Ministério Público em todo o processo civil, não sendo diferente quando se trata das causas do direito de família.
2 Ministério Público nas Ações de Família
No tocante às ações do direito de família, interessante a opção do novo CPC de trazer as regras básicas em um capítulo próprio, composto pelos arts. 693 a 699, dentre os quais se destaca o art. 698, ao prever que o Ministério Público somente intervirá nas ações de família quando houver interesse de incapaz, e mesmo nas hipóteses de autocomposição, deverá ser ouvido antes da homologação do acordo.
Em interpretação sistemática, a partir do art. 693, é forçoso concluir que a ideia da nova lei é no mesmo sentido do que já era previsto em alguns atos normativos internos acerca da mencionada racionalização da intervenção do Parquet, rezando que nas ações de divórcio, separação, reconhecimento e extinção de união estável, quando não houver parte ou filho incapaz, não se exigirá a intervenção do Ministério Público, independentemente de haver litígio ou consenso entre as partes [6].
Observo, também, que a referida regra talvez tenha o condão de superar interessante debate doutrinário acerca da existência ou não da separação judicial no sistema jurídico atual, pois, diante da previsão expressa na lei nova, não haverá mais como dizer que ela deixou de existir.
Esse tratamento processual dado pelo art. 693 é apenas consequência da verdadeira revolução que os princípios trazidos na Carta Magna fizeram no direito de família, mudando-o substancialmente, alterando o próprio conceito de família até então previsto na lei civil, tanto que se afirma que hoje temos um modelo que busca a realização plena do ser humano.
Ou seja, a família é um ambiente propício para garantir a dignidade da pessoa humana e permitir a realização plena do ser humano. Por isso, a partir do momento que tal objetivo deixa de ser atingido ou perseguido, os cônjuges têm o direito de dissolver a sociedade conjugal ou o vínculo matrimonial, sem qualquer limitação ou óbice [7].
Daí porque o direito de romper com o casamento é um direito potestativo e incondicionado que se submete apenas à vontade do cônjuge, bastando-lhe declarar que não tem interesse em manter o casamento.
Isso revela que o casamento, no sistema jurídico atual, deixou de ser regrado inteiramente por normas cogentes ou de interesse público, com primazia do interesse social sobre o dos cônjuges e, em muitos aspectos, está mais caracterizado como uma relação jurídica de interesse privado e caráter dispositivo do que fora no passado.
Por consequência, há quase uma década a Lei nº 11.441/07 facilitou muito a dissolução da sociedade conjugal e do próprio vinculo matrimonial, permitindo que a separação e o divórcio consensuais fossem obtidos por meio de um simples procedimento extrajudicial e documentado em escritura pública.
É por isso que por meio de atos normativos internos ficou reconhecido o entendimento de que não é obrigatória a fiscalização preventiva do Ministério Público e sua manifestação nas habilitações de casamento e nos pedidos de conversão de união estável em casamento, salvo se houver impugnação, justificação de fato necessário à habilitação, pedido de dispensa de proclamas, questões relativas a capacidade, suprimento, impedimentos ou causas suspensivas, regime de bens obrigatório e pacto ante nupcial realizado por menor [8].
Na mesma linha, e agora encampado pela lei, não há por que o Parquet intervir nas ações que visavam extinguir o casamento ou a união estável, se não houver interesse de incapaz ou nascituro.
De outro lado, ainda há muitas hipóteses de intervenção nas ações de família, como no caso de guarda, visitas, filiação e alimentos, nos quais a intervenção do Ministério Público continua obrigatória, seja em razão da incapacidade da parte [9], seja devido ao interesse público que decorre do próprio direito material discutido, como ocorre nas ações de filiação [10].
Na esteira do direito de família e do direito processual modernos, e destacando uma das tônicas do novo Código, o art. 694 determina a reunião de esforços para solução consensual da controvérsia, sobretudo por meio da mediação e conciliação.
Nesse ponto também há uma inovação normativa em conformidade com o que já vinha ocorrendo na prática, pois no art. 3º, § 3º, o estatuto processual estabelece que os meios de solução consensual de conflito devem ser estimulados por juízes, advogados e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo.
Observo que, há tempos, advogados, defensores e representantes do Parquet usam a autocomposição, inclusive pré-processual, com o necessário estímulo da lei, que continua prevendo como título executivo o instrumento de transação referendado pelo Ministério Público, Defensoria, pelos advogados dos transatores e, agora também, pela advocacia pública ou conciliador ou mediador credenciado por tribunal (art. 784, inciso IV), bem como a autocomposição homologada em juízo (art. 515, incisos II e III).
Portanto, o Código de Processo Civil reconhece o relevante papel do Ministério Público na busca da solução amigável do conflito, o que na praxe forense sempre ocorreu, sobretudo nas ações de família.
A realidade prática atual, agora potencializada pelo novo regramento processual, nos obriga a refletir se há ou não a obrigatoriedade da participação do Ministério Público nas audiências de conciliação presididas por leigos. A questão é muito relevante e certamente o impulso idealista levará alguns a concluírem num primeiro momento pela resposta afirmativa
Todavia, entendo que quando se tratar de audiência ou sessão, seja de conciliação, mediação ou qualquer outro meio apto a incentivar a autocomposição, presididas por leigos ou auxiliares do juízo, não será obrigatória a participação do Parquet durante o ato.
Isso não significa que ele não intervirá no feito, nem que esteja impedido de participar do ato, mas apenas não será obrigatória sua participação, isto é, não terá que acompanhar a audiência ou a sessão. O representante do Ministério Público deverá obrigatoriamente manifestar-se sobre o conteúdo do acordo, oferecendo parecer antes da sua homologação e adotando as medidas judiciais cabíveis em face de eventuais nulidades quando se tratar de hipótese prevista no art. 178 do novo Código de Processo Civil.
De fato, a nova lei processual pretende que os juízos tenham um corpo credenciado de conciliadores e mediadores que realizarão sessões de conciliação e mediação. É inegável que a ideia é potencializar o uso desses mecanismos, de modo a dar vazão ao excessivo número de processos, permitindo encerrá-los por acordo entre as partes, sem que o processo tenha que percorrer todas as suas etapas e sem que o juiz tenha que decidir o conflito.
Atento ao dia a dia dos fóruns, não é exagerado acreditar que muitas vezes mais de uma audiência de conciliação e sessões de mediação poderão ser realizadas ao mesmo tempo presididas por auxiliares diferentes. A exemplo do que ocorre nas semanas de conciliação determinadas pelo CNJ.
Nesse contexto, e imaginando que exista um Promotor de Justiça por Vara da Família, como ocorre em algumas comarcas do interior, é fato que se houver atos simultâneos – o que me parece compatível com a sistemática da lei -, não será possível ao Parquet participar de todos. E ainda há a possibilidade, aliás, nada impede, ao contrário, tudo recomenda que, em outro ambiente do fórum, esteja o Magistrado presidindo audiências de instrução de outros processos, as quais obrigatoriamente terão a participação do Ministério Público.
Assim, o representante do Ministério Público que atua junto à Vara da Família jamais conseguiria acompanhar as audiências e sessões quando simultâneas. Daí porque a solução é, se frutífera a tentativa de solução amigável, bastará que, redigido o acordo ou minuta de acordo, seja dada oportunidade para a manifestação ministerial antes da redação definitiva ou da sua homologação.
Claro que a praxe forense definirá a melhor rotina, pois isso variará conforme a realidade local e a estrutura do Ministério Público na Comarca. Realmente, se houver proximidade geográfica, estrutura adequada e colaboração de seus auxiliares (quando a Promotoria de Justiça funciona dentro do Fórum), é possível, para otimizar, na prática, de modo que após o acordo e antes da sua redação definitiva, o Promotor de Justiça verifique os seus termos, com alguma contribuição, e já emita seu parecer e o Juiz, conforme o caso, homologue imediatamente.
Do contrário, e não se pode ignorar que a tendência é o Ministério Público se estruturar fora dos fóruns – como se isso fosse melhor para os jurisdicionados e determinante para a “independência” da instituição -, infelizmente, haverá casos em que o acordo obtido será formalizado, encartado nos autos e depois o processo encaminhado com vista para parecer e ao final conclusos ao juiz para eventual homologação. E, caso necessário algum ajuste ou alteração do acordo, haverá intimação das partes para ratificação dos novos termos do acordo, sob pena de não ser homologado.
Diretamente ligado às ações do direito de família, estão alguns procedimentos de jurisdição voluntária, que em capítulo próprio, iniciado por regras gerais, fixa que os procedimentos serão iniciados por provocação do interessado, do Ministério Público ou da Defensoria Pública.
Uma vez instaurado o procedimento por outro legitimado, além dos interessados, que serão citados, será intimado o Parquet, nos casos em que a lei considera obrigatória sua intervenção, seja pelo interesse público, seja por incapacidade das partes.
Dentre os procedimentos de jurisdição voluntária estão o divórcio, a separação e a extinção de união estável, que, como já dito, de acordo com o novo Código de Processo Civil, só exigirá a intervenção ministerial se houver interesse de incapazes. Até porque, se não houver interesse de incapazes, ou de nascituro, continua possível a solução extrajudicial por escritura pública, o que demonstra a disponibilidade dos interesses em questão e a prescindibilidade da intervenção do Ministério Público, quando em juízo.
Já a intervenção da instituição será obrigatória no procedimento de alteração do regime de bens do casamento, como prevê o art. 734, § 1º. A despeito de tratar do regramento das questões patrimoniais entre os cônjuges, é fácil visualizar o interesse público que legitima a intervenção da instituição, pelo menos em dois aspectos: primeiro, para assegurar a observância fiel das regras do Código Civil relativas ao direito de família; o segundo é tutelar o interesse público ou social evitando fraudes por meio da alteração do regime de bens. Isso sem falar na verificação da efetiva existência de manifestação livre e consciente da vontade por parte dos cônjuges que, necessariamente, será objeto de análise atenta do juízo.
Ação – procedimento de jurisdição voluntária – muito frequente nas Varas da Família é a de interdição, regulada nos arts. 747/758, na qual o Ministério Público tem legitimidade ativa subsidiária, como fica claro pela dicção do art. 748. Além disso, quando a ação for proposta pelos demais legitimados, em regra cônjuge companheiro ou parente do requerido, o Parquet sempre intervirá como fiscal da ordem jurídica, sendo inegável, nesse caso, que o interesse público decorre da controvérsia acerca do estado de capacidade da pessoa. Por isso, cabe-lhe participar do feito desde o início, acompanhando a audiência de entrevista judicial, requerendo a produção de provas e oferecendo parecer após a manifestação das partes.
Além disso, após a sentença de interdição transitar em julgado, nos autos principais, ou em apenso, continuará havendo a intervenção ministerial, especificamente no tocante à fiscalização do exercício da tutela ou da curatela e gestão do patrimônio do interdito.
Por isso, o art. 761 prevê que incumbe ao Ministério Público, entre outros, requerer a remoção do tutor ou curador caso não esteja exercendo a contendo o múnus público.
Pelas mesmas razões, cessada a causa que determinou a interdição, será possível o levantamento da interdição, que pode ser requerido pelo interdito, pelo seu curador ou pelo próprio Parquet (art. 756). Caso o pedido seja formulado por outrem, cabe-lhe obrigatoriamente intervir como fiscal da ordem jurídica.
Tema que integra os procedimentos de jurisdição voluntária e é conexo com o direito de família, embora mais afeto ao direito das sucessões, são o cumprimento de testamento e codicilos, a herança jacente e os bens de ausentes, nos quais também haverá a intervenção do Ministério Público.
No tocante aos testamentos público ou particular e codicilos, a intervenção do Parquet como fiscal da lei decorre da necessidade de verificação atenta da autenticidade da declaração de última vontade. Parece-me exagerado supor que haveria interesse público no fiel cumprimento da vontade do falecido. O interesse público, a rigor, está na verificação da veracidade, autenticidade do testamento e capacidade do testador por ocasião do ato.
Quanto à herança jacente, a intervenção do ministerial mencionada nos arts. 739 e 740 é justificada pela necessidade de conservação do patrimônio aparentemente sem herdeiro, até que se identifique eventual herdeiro ou se declare a vacância, entregando a herança ao sucessor legal.
No procedimento de declaração de ausência, arrecadação de bens e nomeação de curador também haverá intervenção do Ministério Público motivada pelo interesse público que consiste no estado da pessoa, máxime porque a partir do momento que permitida a abertura da sucessão provisória presume-se, para fins patrimoniais, a morte do ausente.
Também haverá intervenção do Ministério Público nas ações de retificação de registro civil, seja para inclusão do nome de família, seja para alterar lhe a posição na composição do nome completo.
Para fechar as principais hipóteses de intervenção do Ministério Público nas ações de família, é indispensável lembrar que ele intervirá sempre nas ações de alimentos, seja no processo de conhecimento de procedimento comum ou especial, seja tutela definitiva ou provisória (cautelar ou antecipatória), seja de execução. Nesse caso, o interesse público reside na incapacidade do alimentando ou impossibilidade de prover o próprio sustento, e a pensão alimentícia ser o valor necessário para sua subsistência.
O novo Código de Processo Civil tratou da execução de alimentos fixados por sentença, adequando-a à nova sistemática do cumprimento de sentença (art. 528 a 532), de modo que a execução forçada será feita no mesmo processo, bastando intimar o executado pessoalmente para pagamento em três dias, permitindo o protesto da sentença e o decreto de prisão pelo prazo de um a três meses. Apesar da adequação à sistemática mais moderna, manteve a nova lei o silêncio acerca da intervenção ministerial que só é mencionada no art. 532, que, no caso de conduta procrastinatória do executado, determina ao juiz dar ciência ao Parquet para que analise a prática de crime de abandono material.
Isso não significa, como já foi dito, que não deva o Ministério Público acompanhar o processo do início ao fim, quando se tratar de parte incapaz ou execução de alimentos com pedido de prisão.
Também merece menção, apesar dos limites impostos neste trabalho, a intervenção do Parquet nos procedimentos especiais, especificamente no processo de inventário, quando houver herdeiro incapaz ou ausente.
Nesse procedimento, além da legitimidade ativa concorrente (art. 616, inciso VII) para requerer a abertura do inventário, quando não for o requerente, o Ministério Público intervirá como fiscal da lei para tutelar os interesses do herdeiro incapaz ou ausente (art. 626).
O mesmo ocorre quando o inventário for processado como arrolamento sumário em razão do valor dos bens do espólio. Esse procedimento simplificado tem como requisito apenas o valor dos bens, que não pode ultrapassar 1.000 salários mínimos, sendo que a presença de herdeiro ou interessado incapaz não é óbice para a adoção desse procedimento mais simplificado, exigindo apenas a intervenção ministerial, nos termos do art. 665.
3 Aplicação das Regras sobre a Intervenção do Ministério Público
Em todos os casos, questão interessante, do ponto de vista processual, que se apresenta no tocante à intervenção do Ministério Público como fiscal da ordem jurídica, é a regra mantida no novo Código de Processo Civil de que a instituição “terá vista dos autos depois das partes, sendo intimida de todos os atos do processo“.
Realmente, para a perfeita atuação como fiscal da lei emitindo pareceres “interlocutórios” ou “finais“, é fundamental que o Ministério Público se manifeste após as partes: primeiro para levar em conta os argumentos das partes; segundo para suprir suas omissões em atenção ao interesse público ou social; e terceiro para que a sua manifestação leve em conta o conjunto e o diálogo das partes, e não manifestações unilaterais.
É assim que deve ser, por exemplo, quando o Ministério Público se manifesta antes do despacho saneador e quando emite o parecer sobre o mérito da causa antes da sentença.
Todavia, o que se observa no dia a dia forense é que basta ser uma ação que exija intervenção do ministerial para, antes mesmo do despacho citatório, ser aberta vista a instituição. Essa praxe generalizada é equivocada, impede a celeridade processual com atos descabidos e desnecessários, e ainda contraria a regra agora prevista no art. 179, inciso I, que, a meu ver, só comportaria exceção se houver na inicial o pedido de liminar, pois, nesse caso, em razão do interesse público que determina a sua intervenção, o Ministério Público deve ser ouvido antes que o pedido de tutela provisória seja apreciado, salvo quando houver urgência qualificada a ponto de a prévia oitiva do Ministério Público pôr em risco a efetividade do provimento jurisdicional.
Nas ações em que não há pedido de liminar, cabe ao juiz verificar os requisitos da petição inicial, determinar a citação e somente após a manifestação das partes, isto é, reposta do réu e eventual réplica, dar vista ao Ministério Público.
Além dos pareceres e cotas, o Ministério Público, como custos legis, pode juntar documentos, requerer diligências e provas, bem como deve participar das audiências, tal como as partes.
Outro aspecto importantíssimo se refere às despesas dos atos praticados a requerimento do fiscal da ordem jurídica.
As despesas resultantes de requerimentos do Ministério Público como fiscal da ordem jurídica serão antecipadas pelo autor e pagas ao final pelo vencido, como prevê o art. 82, § 1º.
O art. 91 prevê que elas serão pagas ao final pelo vencido e que as perícias requeridas pelo Ministério Público e outros órgão públicos poderão ser realizadas por entidade pública ou custeadas por valores previstos no orçamento dessas instituições. Quem conhece a realidade do orçamento do Ministério Público, baseado exclusivamente em repasse, sem fonte própria de receita, sabe das suas reais limitações e da utopia contida na regra processual. Por isso, o mais viável será a realização das perícias por instituições públicas, como as universidades e centros de pesquisa.
No entanto, essa última regra só se aplica quando a instituição for parte na ação, isto é, quando atua como autora ou, excepcionalmente, como ré.
Imperioso dizer que o Ministério Público, como fiscal da ordem jurídica, tem legitimidade para propor ação rescisória (art. 967, inciso III), requerer a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas (art. 977, inciso III), interpor recursos (art. 996), o que, de acordo com a jurisprudência sumulada do Superior Tribunal de Justiça, poderá fazer ainda que as partes da ação não recorram (Súmula nº 99 [11]), tendo prazo em dobro para tanto, nos termos do art. 180 do novo Código de Processo Civil.
O Ministério Público só intervirá como fiscal da lei na ação rescisória se participou do processo originário, ou se for hipótese em que ele poderia ter ajuizado a ação ou se, a despeito não ter havido intervenção no processo originário, houver motivo previsto no art. 178, evidenciado na própria ação rescisória [12].
Por fim, se a lei prevê a intervenção obrigatória do Parquet no feito, cabe ao juiz determinar a intimação e a abertura de vista ao órgão para manifestação, sob pena de nulidade e, após o trânsito em julgado, eventual rescisória.
Como dito desde o início, a intervenção só será realmente obrigatória, a despeito da previsão legal, se houver interesse público relevante que a legitime segundo a Constituição Federal, que prevê a missão institucional de tutelar interesses indisponíveis.
Por isso, aberta vista nos autos ao Ministério Público, não é exagerado afirmar que lhe caberá analisar no caso concreto se é o caso de efetivamente intervir ou não.
Daí porque os atos normativos internos já preveem que quando no processo for aberta vista ao Ministério Público e o respectivo membro constatar que não é o caso de intervenção obrigatória, poderá deixar de emitir manifestação sobre a causa, expondo as circunstâncias do caso concreto e os fundamentos pelos quais não irá intervir.
Feito isso, de duas uma: se o juiz concordar com o entendimento exposto, mandará anotar no processo que não é o caso de intervenção ministerial e a partir daí não será mais necessário intimar a instituição dos demais atos, nem se pode falar em nulidade, eis que o Parquet foi intimado inicialmente; caso o juiz discorde, deverá aplicar o art. 28 do Código de Processo Penal, por analogia, encaminhando os autos ao Procurador-Geral de Justiça, que dará a última palavra, ratificando a manifestação do Promotor de Justiça ou designando outro Promotor de Justiça para intervir no feito.
De qualquer modo, não basta a previsão legal, o que determina a intervenção do Ministério Público no processo civil é o interesse público ou a indisponibilidade do direito material tratado no feito.
Bibliografia
DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 1998.
FARIAS, Cristiano Chaves de. A família da pós-modernidade: em busca da dignidade perdida. Revista Persona, Revista Electonica de Derechos Existenciales, Argentina, n. 9, set. 2002. Disponível em: <http://www.revistapersona.com.ar/9farias.htm>.
GUIMARÃES Jr., João Lopes. Ministério Público: proposta para uma nova postura no processo civil. In: FERRAZ, Antônio Augusto Mello de Camargo. Ministério Público: instituição e processo. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1999.
MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil comentado artigo por artigo. São Paulo: RT, 2008.
MONTENEGRO FILHO, Misael. Código de Processo Civil comentado e interpretado. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2010.
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2009.
[1] Nesse sentido, Guimarães Junior defende que “(…) a redução quantitativa da intervenção processual ensejará maior disponibilidade de tempo ao Promotor para que se dedique aos direitos difusos e coletivos da comarca em que atue (…) em favor da maior efetividade da atuação ministerial como um todo”.
[2] Atos Normativos do Ministério Público do Estado de São Paulo ns. 354 – PGJ/CGMP, de 4 de maio de 2004; 387 – PGJ/CGMP/CPJ, de 22 de dezembro de 2004; e 536 – PGJ/CGMP, de 7 de maio de 2008.
[3] Ministério Público e interesse público primário. O que determina a intimação do Ministério Público em todas as hipóteses do artigo em comento é o interesse público primário (o bem comum). O interesse público secundário (o interesse da pessoa pública), por si só, não justifica a participação como custos legis do Ministério Público (MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil comentado artigo por artigo. São Paulo: RT, 2008. p. 150).
[4] Atuação do Ministério Público como fiscal da lei ou custos legis. “A atuação do Ministério Público como fiscal da lei decorre da necessidade de amparo à parte qualificada como hipossuficiente (menor de idade, por exemplo), sobretudo por não ter discernimento completo, não compreendendo a dinâmica processual em sua plenitude (…)” (MONTENEGRO FILHO, Misael. Código de Processo Civil comentado e interpretado. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 134).
[5] Intervenção obrigatória do Ministério Público e invalidade processual. “(…) A decretação da invalidade, contudo, ocorrerá tão somente se não for possível decidir a causa a favor de quem a intervenção do Ministério Público fora prevista: não há invalidade sem prejuízo; não há invalidade se, apesar do desvio de forma, há consecução da finalidade legal (STJ, 4ª T., REsp 241.813/SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 23.10.01, DJ 04.02.02, p. 372; contra: STJ, 1ª T., REsp 586.956/PR, Rel. Min. Teori Zavascki, j. 13.12.05, DJ 01.02.06, p. 436)” (MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil comentado artigo por artigo. São Paulo: RT, 2008. p. 151).
[6] Ato Normativo do Ministério Público do Estado de São Paulo nº 313/03 – PGJ/CGMP, de 24 de junho de 2003.
[7] Por todos, Cristiano Chaves de Farias.
[8] Ato Normativo do Ministério Público do Estado de São Paulo nº 680 – PGJ/CGMP/CPJ, de 7 de fevereiro de 2011.
[9] “RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALIMENTOS. MAIORIDADE DO ALIMENTANDO. MINISTÉRIO PÚBLICO. ILEGITIMIDADE PARA RECORRER. O Ministério Público não detém legitimidade para recorrer contra decisão em que se discute alimentos quando o alimentando houver alcançado a maioridade. Recurso especial não conhecido.” (STJ, 4ª T., REsp 712.175/DF, Rel. Min. César Asfor Rocha, j. 18.10.05)
[10] Ação de investigação de paternidade e alimentos, como preveem a Lei nº 8.560/92, art. 3º, § 4º, e o Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 201, inciso III.
[11] Súmula nº 99 do STJ: “O Ministério Público tem legitimidade para recorrer no processo em que oficiou como fiscal da lei, ainda que não haja recurso da parte”.
[12] Ato Normativo do Ministério Público do Estado de São Paulo nº 286 – PGJ/CGMP/CPJ, de 25 de julho de 2002.